Mulher careca

Empresa indeniza mulher que ficou careca após uso de tintura

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28 de agosto de 2006, 12h01

Uma indústria de cosméticos do Rio de Janeiro terá de indenizar uma consumidora gaúcha que ficou careca depois de usar uma tintura de cabelo. A decisão é da 9ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, que confirmou decisão primeira instância. As informações são do site Espaço Vital e do TJ-RS.

A consumidora entrou com ação contra a Perfumaria Márcia, em novembro de 2002, em Sarandi (RS). Afirmou que a tintura de fabricação da perfumaria lhe causou uma excessiva queda de cabelo. Pediu indenização por danos morais e materiais pelo fato de ter sofrido constrangimento e ter deixado de trabalhar como empregada doméstica por cerca de dois anos devido ao fato.

A empresa afirmou em sua defesa “que as contra-indicações da tintura são previsíveis e que todos os deveres de segurança e de informações foram devidamente cumpridos”. Alegou que a consumidora não tomou as precauções recomendadas. A bula do produto, segundo a empresa, informa que 24 horas antes da aplicação, deve ser feito um teste de sensibilidade, usando uma pequena quantidade da tintura, comprovar uma eventual reação alérgica. É o chamado “teste do toque”.

A juza Ana Paula Della Latta, da vara judicial de Sarandi, condenou a empresa a pagar à autora R$ 4.600 a título de danos materiais (período em que ficou sem traballhar) e R$ 10.500,00 pelo dano moral. A juíza determinou ainda que “os valores devem ser acrescidos de juros legais de 6% ao ano, de acordo com o artigo 1.062 do CC/1916, até janeiro de 2003, quando passa a incidir a taxa de juros de 1% ao mês, em conformidade com o disposto no artigo 406 do CC/03 combinado com o artigo 161 § 1º do CTN, contados os juros a partir da data do fato, como determina a Súmula nº 554 do STJ, e correção monetária de acordo com o IGP-M desde a data da citação da ré”.

A juíza considerou que “as testemunhas foram uníssonas em admitir que a autora sofreu discriminação em função da queda dos cabelos, tendo inclusive sido apontada como portadora do vírus HIV, fato que resultou na dificuldade de conseguir emprego”. A Perfumaria Márcia Ltda. recorreu ao TJRS.

Segundo o relator do recurso, desembargador Odone Sanguiné, a obrigação de indenizar surge quando os risco apresentados pelo produto saem do controle do consumidor. Para ele, a falta do “teste de sensibilidade” não exime a responsabilidade do fornecedor por colocar no mercado produto que causa danos à saúde do consumidor. “No caso, inegável que a alteração maléfica da aparência da autora, quando a mesma esperava justamente o contrário ao aplicar o produto, agrediu-a nos seus sentimentos de auto-estima, prejudicando a sua avaliação própria e denegrindo a própria imagem” – afirma o acórdão.

O desembargador fixou o valor da reparação em R$ 8,5 mil, acrescidos dos juros determinados em primeira instância.

Em 2004, a Secretaria de Saúde do Rio de Janeiro determinou que a Perfumaria Márcia suspendesse a fabricação, comercialização, venda e uso de dois produtos cosméticos: a água oxigenada cremosa Márcia 30 volumes e o lote 30.410 do produto descolorante em pó com proteínas da Seda, “face à fabricação em desacordo com as respectivas fórmulas-padrão registradas na Anvisa”.

Os advogados Isac Cipriano Pasqualotto, Jonas Guerino Pasqualotto e Eliamar Terezinha Piazza atuam em nome da consumidora. A empresa já interpôs recurso especial ao STJ.

Processo 70014606693

Leia a sentença

Natureza:Indenizatória

Autora: E. R. C.

Réu:Perfumaria Márcia Ltda.

Juíza Prolatora:Ana Paula Della Latta

Data:03/11/2005

VISTOS ETC.

E. R. C.ajuizou Ação Indenizatória contra PERFUMARIA MÁRCIA LTDA alegando ter utilizado tintura no cabelo, conforme as instruções constantes na embalagem, fabricada pela empresa ré e, decorridos alguns dias, começou a perder os cabelos, provocado, segundo orientações médicas, pelo uso do produto. Mencionou, por fim, que além dos prejuízos materiais sofridos, também sofreu danos morais, visto que em razão da sua estética não se estabilizou no emprego e não mais conseguiu freqüentar reunião ou passeios públicos sem o uso de chapéu ou outra cobertura. Requereu a procedência da pretensão e a concessão do benefício da Assistência Judiciária Gratuita (fls. 02 e 03). Juntou documentos (fls. 04/18).

Deferido o benefício da AJG à autora (fl. 19).

A ré foi citada (fl. 33v.) e apresentou contestação alegando, preliminarmente, a inépcia da petição inicial por conter pedido genérico. No mérito, relatou que a autora não comprovou que a queda de cabelo foi decorrente do uso da tintura e que não observou os cuidados constantes na embalagem para a sua correta aplicação. Observou que a autora não realizou a “prova de toque” antes de aplicar o produto nos cabelos, bem como que não utilizou os produtos adequados após a aplicação da tintura. Afirmou que não pode ser responsabilizada pelo suposto dano causado à autora, já que todas as informações inerentes ao uso e risco do produto estão devidamente esclarecidas na sua embalagem. Aduziu que devem ser responsabilizadas pelo dano moral sofrido pela autora as pessoas que a discriminaram e que a prova da diminuição da sua capacidade laborativa deve ser feita por meio de perícia médica. Requereu o acolhimento da preliminar de inépcia da inicial e no mérito a improcedência da pretensão (fls. 37/52). Acostou documentos (fls. 53/57).

A inicial foi emendada (fls. 59/62), pelo que a ré foi novamente citada (fl. 64).

Realizada audiência para os fins do artigo 331 do CPC, foi inviável a conciliação diante da ausência das partes (fl. 66).

Manifestou-se a autora requerendo a inversão do ônus da prova, com fundamento no artigo 6º, inciso VIII, do CDC (fls. 76 e 77), o que foi deferido à fl. 78.

Durante a instrução foram inquiridas três testemunhas arroladas pela autora (fls. 80/83), tendo havido a desistência da oitiva de uma testemunha, o que foi homologado pelo juízo à fl. 84.

Em memoriais, a autora postulou a procedência da pretensão nos termos da inicial (fls. 85/90), decorrendo o prazo sem manifestação da parte ré (fl. 84v.).

Vieram os autos conclusos para sentença

É o relatório.

DECIDO.

Inicialmente, afasto a preliminar de inépcia da petição inicial aventada pela ré.

Nos termos do artigo 286 do Código de Processo Civil, como ressaltou a ré, o pedido deve ser certo e determinado, impondo-se ao autor a obrigação de individualizar e descrever, da maneira mais concreta possível, o que pretende em juízo.

O pedido apresentado pela autora na inicial e emenda das fls. 59/61 é certo e determinado, uma vez que postula a indenização pelos danos materiais e morais sofridos em decorrência da queda de cabelo advinda da utilização da tintura fabricada pela ré. Embora a autora não apresente na inicial o valor referente ao quantum postulado, o pedido continua sendo certo e determinado, ou seja, a indenização pelos prejuízos, danos materiais e morais, que lhe foram causados.

Além disso, cumpre ressaltar que a inicial foi emendada às fls. 59/61 apresentando a autora valores precisos acerca do montante da indenização pleiteada, do que a ré foi citada à fl. 64.

No mérito, tendo em vista os elementos probatórios carreados aos autos, verifico que a pretensão da autora merece ser acolhida.

Restou evidente a existência de uma relação de consumo entre as partes figurando a autora na condição de consumidora, enquanto que a ré é tida como fabricante, já que responsável pela fabricação do produto, a tintura de cabelo utilizada pela autora. A solução da presente demanda, assim, deve ser norteada pelas normas de proteção e defesa do consumidor, lei n. 8.078/90 (Código de Defesa do Consumidor).

São direitos básicos do consumidor a informação adequada e clara sobre os diferentes produtos e serviços e a proteção à saúde e segurança, bem como o direito à integral indenização pelos danos sofridos.

Os direitos à segurança e à informação apresentam íntima ligação, tendo o consumidor direito de consumir produtos e serviços eficientes e seguros, sendo ínsito que seja ele informado adequadamente, em especial, no que se refere à especificação correta do uso e dos riscos que apresentam os produtos. Por força da lei, o fornecedor (fabricante) tem a obrigação de prestar as informações pertinentes que cheguem com clareza e precisão ao conhecimento do consumidor.

Da análise dos documentos acostados aos autos é possível concluir que a queda dos cabelos da autora foi ocasionada pela utilização da tintura, uma vez que os seus exames clínicos e laboratoriais não atestaram a existência de qualquer problema de saúde (fls. 08/16).

Aduziu a ré na contestação que a autora não seguiu corretamente as instruções de uso do produto constantes na embalagem, não realizando a “prova do toque” antes de aplicar a substância nos cabelos. Todavia, a testemunha Lucia Maria Magalhães, que na oportunidade auxiliou a autora na aplicação do produto, confirma que leram as instruções e realizaram o referido “teste de toque”.

Outro ponto que merece ser esclarecido é o fato de que os cabelos da autora começaram a cair dias após a aplicação do produto, sendo que o “teste de toque” mencionado pela ré como indispensável não é suficiente para garantir a segurança dos consumidores, posto que a reação da substância não foi imediata a sua utilização.

As informações prestadas na embalagem do produto não são suficientes para alertarem os consumidores do malefício trazido pela tintura fabricada pela ré, tão somente ressaltando que o produto pode causar reação alergia e, por isso, necessária a “prova de toque”, sem fazer alusão às possíveis conseqüências advindas do uso.

Segundo dispõe o artigo 8º, “caput”, do Código de Defesa do Consumidor:

Os produtos e serviços colocados no mercado de consumo não acarretarão riscos à saúde ou segurança dos consumidores, exceto os considerados normais e previsíveis em decorrência de sua natureza e fruição, obrigando-se os fornecedores, em qualquer hipótese, a dar informações necessárias e adequadas ao seu respeito. (grifei)

O risco causado à saúde da autora não pode ser considerado como sendo normal e previsível já que em nenhuma hipótese ela teria utilizado a tintura caso fosse, mesmo que eventualmente, previsível a queda dos cabelos como ocorreu.

Outro ponto que merece ser destacado relaciona-se com o grande número de consumidores que utilizam produtos para tingirem os cabelos, o que faz com que o mercado fornecedor seja vantajoso e propicie cada vez mais a expansão dos seus negócios. Diante de tal realidade, não se pode admitir que os fabricantes desses produtos eximam-se da responsabilidade pelos danos deles decorrentes, sob o fundamento de que os riscos são aqueles que deles razoavelmente se esperam, retirando dos consumidores a proteção amparada pela legislação.

A responsabilidade civil tem por objeto o dever de indenizar os prejuízos causados a outrem em razão da prática de ato ilícito, ou seja, conduta, ação ou omissão, em desacordo com o dever geral de cautela previsto pelo ordenamento jurídico.

No caso em tela a responsabilidade do fabricante é objetiva fundamentada na “teoria do risco criado”. Admite-se, de acordo com tal entendimento, o ressarcimento de danos pelo simples fato de colocar no mercado produtos e serviços potencialmente danosos, atribuindo ao fornecedor a responsabilidade pelos danos causados ao consumidor, à vitima e a terceiros, posto que aquele que lucra com uma atividade deve responder pelo risco ou desvantagens dela advindas.

Consagrada a responsabilidade objetiva do fornecedor (fabricante) é irrelevante a observância da culpa por parte do consumidor, bastando a demonstração do evento danosos, do nexo causal, do dano e sua extensão, como logrou demonstrar a autora.

Nos termos do artigo 12, § 3º, do CDC:

§ 3º: O fabricante, o construtor, o produtor ou importador só não será responsabilizado quando provar:

– que não colocou o produto no mercado;

– que, embora haja colocado o produto no mercado, o defeito inexiste;

– a culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro. (grifei)

A ré apenas mencionou que a autora não teria atendido às informações constantes na embalagem por não ter realizado a “prova de toque”, alegação rechaçada pela prova testemunhal e pelo fato de a queda dos cabelos ter iniciado alguns dias após a aplicação do produto. Admitiu, assim, que colocou o produto no mercado, porém não provou a inexistência do defeito e não demonstrou a culpa exclusiva da autora ou a ocorrência de caso fortuito ou força maior, em razão do que a responsabilidade da ré persiste.

Incumbe à ré suportar os danos causados à autora, uma vez que responsável pelo ato ilícito, não podendo transferir a responsabilidade a terceiros como aventou na contestação.

Enfrentada a matéria relativa à conduta das partes e comprovada a culpa da fornecedora ré, passo ao exame da existência e da gravidade dos danos sofridos pela autora.

A indenização por danos materiais compreende o dano emergente, o prejuízo efetivamente sofrido, e o lucro cessante, importância que o lesado deixou de perceber.

A indenização por danos morais tem justificativa no reconhecimento dos direitos que integram a dignidade da pessoa humana ao lado do seu patrimônio, sendo incontestável o direito do lesado de ser indenizado.

No caso em tela, estão presentes ambas as espécies de danos, como comprovado pela prova testemunhal.

As testemunhas são uníssonas em admitir que a autora sofreu discriminação em função da queda dos cabelos, tendo inclusive sido apontada como portadora do vírus HIV, fato que resultou na dificuldade de conseguir emprego.

Afirmou a testemunha Lucia Maria de Magalhães (fls. 80/81):

Que a autora trabalhava (…) Que os vizinhos eram quem comentavam que a autora estava com aids (…) Logo após o fato a autora foi para Porto Alegre se tratar e então não conversou mais com ela. (…) Afirma que a autora passou por dificuldade após esse fato, sendo que alguns vizinhos a ajudaram. Que ela passou por dificuldades porque as pessoas não davam emprego para ela.

No mesmo sentido foi o relato da testemunha Maria Zini Dall’Oglio ao afirmar (fl. 32):

(…) Que a autora disse para a depoente que estava com dificuldades para arrumar serviço, por causa das conversas que tinham saído. Que várias vezes ajudou a autora com alimento.

Por fim, mencionou a testemunha Valdecir Pedro Pereira (fl. 83):

(…) Que, naquela época, a autora não conseguia arrumar emprego e, então, muita gente a ajudava com alimento.

A ocorrência de danos materiais é evidente diante do fato de a autora não ter mais conseguido emprego em razão da sua aparência e dos comentários da vizinhança de que estaria doente. A autora pleiteia à fl. 60 a importância de R$ 4.600,00 (quatro mil e seiscentos reais) a título de danos materiais, valor este não contestado pela ré, o qual deve ser acolhido.

A dificuldade, contudo, reside na evidência da existência do dano moral, bem como na sua gravidade, não podendo a indenização por tais prejuízos importar em enriquecimento ilícito ou, então, ser tão irrisória que acabe frustrando a importância da compensação.

O dano moral indenizável apresenta como característica o abalo psíquico causado à vítima do qual decorre situação que atente contra a sua estrutura emocional. A indenização, por conseqüência, tem como finalidade a punição do agente servindo de meio dissuasório de outras condutas semelhantes, bem como caráter compensatório já que inviável de ser reparado, mas tão somente compensado o mau causado à vítima.

A existência dos danos morais também está comprova, visto que decorrentes da gravidade dos fatos. Todavia, não se justifica o montante da indenização ora postulada pela autora. Para a fixação do quantum de tal indenização devem ser consideradas, além da gravidade do abalo moral sofrido, a condição pessoal da vítima e a situação econômica da ré.

As testemunhas, como acima referido, confirmaram que a autora ficou abalada psicologicamente após a queda dos seus cabelos, já que sua estética passou a ser motivo para comentários pejorativos na comunidade em que reside, além de o dano estético ter influído na sua vida social.

Tendo por fundamento o acima exposto e considerando a culpa exclusiva da parte ré pelo evento danoso, entendo que o valor da indenização a ser paga à autora, a título de danos morais, deva ser o equivalente 35 (trinta e cinco) salários mínimos, o que servirá para compensar o abalo psicológico que lhe foi gerado em virtude do evento danoso, já que de média gravidade, bem como não importará em enriquecimento ilícito, atendendo, inclusive, às condições econômicas da empresa ré.

Isso posto, julgo PARCIALMENTE PROCEDENTE a o pedido relativo à Ação de Indenização ajuizada por Elenir Ribeiro Costa contra Perfumaria Márcia Ltda para condenar a ré a pagar à autora o valor R$ 4.600,00 (quatro mil e seiscentos reais) a título de danos materiais e o valor de R$ 10.500,00 (dez mil e quinhentos reais) a título de danos morais, valores estes acrescidos de juros legais de 6% ao ano, de acordo com o artigo 1.062 do CC/1916, até janeiro de 2003 em que passa a incidir a taxa de juros de 1% ao mês, em conformidade com o disposto no artigo 406 do CC/03 combinado com o artigo 161 § 1º do CTN, contados os juros a partir da data do fato, como determina a Súmula 554 do STJ, e correção monetária de acordo com o IGP-m desde a data da segunda citação da ré.

Diante da sucumbência mínima da autora, condeno a ré ao pagamento das custas processuais, na integralidade, e honorários advocatícios ao procurador da autora que fixo em 10% sobre o valor da condenação, considerando o disposto no artigo 20 § 3º e 21 parágrafo único, do Código de Processo Civil.

Publique-se. Registre-se. Intimem-se.

Sarandi, 03 de novembro de 2005.

Ana Paula Della Latta,

Juíza de Direito.

Leia o acórdão do TJ-RS

APELAÇÃO CÍVEL. RESPONSABILIDADE CIVIL. PRODUTO PARA TINGIR cabelos. queda capilar anormal. RESPONSABILIDADE OBJETIVA PELO FATO DO PRODUTO CARACTERIZADA.

Trata-se de responsabilidade pelo fato do produto e do serviço, prevista no art. 12, do CDC, e, portanto, responsabilidade objetiva mitigada, cabendo ao consumidor mostrar o fato do produto, o prejuízo e o nexo de causalidade entre eles e, ao fornecedor, desconstituir o risco e o nexo causal.

Os produtos e serviços colocados no mercado devem cumprir um objetivo de segurança, sendo o desvio dessa característica ensejador de vício de qualidade. A obrigação de indenizar surge quando tais riscos fogem ao controle do consumidor, de forma que, em decorrência de qualquer defeito, tem sua saúde ameaçada, pela imprevisibilidade do dano ocasionado pelo consumo. Então, é o defeito, como causador do acidente de consumo, o elemento ensejador da responsabilidade civil objetiva.

No caso, comprovados os elementos da responsabilidade civil, sendo inegável que a alteração maléfica da aparência da autora, quando a mesma esperava justamente o contrário ao aplicar o produto no seu cabelo, agrediu-a nos seus sentimentos de auto-estima, prejudicando a sua avaliação própria e denegrindo a própria imagem. Tais circunstâncias, sem sombra de dúvidas, causaram-lhe constrangimentos, variáveis é verdade, mas sempre presentes. Daí a necessidade de reparação dos danos morais.

Redução do quantum indenizatório arbitrado a quo. Todavia, os danos materiais não estão demonstrados nos autos. Ao revés, a prova trazida pela autora demonstra que ela não deixou de trabalhar por conta do incidente.

APELAÇÃO PROVIDA EM PARTE. UNÂNIME.

Apelação Cível – Nona Câmara Cível

Nº 70014606693 – Comarca de Sarandi

PERFUMARIA MARCIA LTDA. — APELANTE

E. R. C — APELADO

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os autos.

Acordam os Desembargadores integrantes da Nona Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado, à unanimidade, em prover parcialmente o recurso de apelação para afastar a condenação, a título de danos materiais e reduzir o quantum indenizatório, a título de danos morais, para R$8.500,00, acrescidos de juros legais e de correção monetária nos termos da sentença. A requerente vai condenada ao pagamento de 50% das custas processuais e dos honorários advocatícios do patrono da demandada, arbitrados em 20% sobre o valor da condenação. A demandada, por sua vez, fica condenada ao pagamento do restante das custas processuais e dos honorários de advogado do causídico da parte adversa, fixados em 10% sobre o valor da condenação, permitida a compensação.

Custas na forma da lei.

Participaram do julgamento, além do signatário, as eminentes Senhoras Desa. Iris Helena Medeiros Nogueira (Presidente e Revisora) e Desa. Marilene Bonzanini Bernardi.

Porto Alegre, 31 de maio de 2006.

DES. ODONE SANGUINÉ,

Relator.

RELATÓRIO

Des. Odone Sanguiné (RELATOR)

1. Trata-se de apelação cível interposta por PERFUMARIA MARCIA LTDA., insatisfeita com a sentença de fls. 91/100, prolatada nos autos da ação ordinária de indenização por danos materiais e morais que lhe move ELENIR RIBEIRO DA COSTA, que julgou parcialmente procedente o pedido, para: (a) condenar a ré ao pagamento dos danos materiais, no valor de R$4.600,00 e o valor de R$10.500,00, a título de danos morais, corrigidos monetariamente pelo IGPM, a contar da data da segunda citação da ré, e acrescidos de juros moratórios de 6% ao ano, a contar da citação até a entrada em vigor do Novo Código Civil, quando passam a 12% ao ano; (b) condenar a ré ao pagamento das custas processuais e dos honorários advocatícios ao patrono da autora, fixados em 10% sobre o valor da condenação.

2. Em razões recursais (fls. 104/121), a apelante aduz que restou comprovado que a autora não tomou as precauções recomendadas na bula do produto ao utilizá-lo. Sustenta que o produto é de uso normal, sendo previsíveis as suas contra-indicações, todas elas fornecidas adequadamente na embalagem do produto. Afirma que todos os deveres de segurança e de informações foram devidamente cumpridos pelo fabricante. Assevera que a apelada não aguardou o prazo de vinte e quatro horas após a realização do teste para utilização do produto, o qual estava recomendado na embalagem, de modo a restar caracterizada a sua negligência. Argumenta que a prova dos autos não permite afirmar que a autora não tinha qualquer problema de saúde a ensejar a queda capilar. Diz que a apelada não comprovou a ocorrência de danos materiais, consistentes na impossibilidade de prestar os serviços domésticos na casa de terceiro, o que lhe teria gerado um prejuízo indenizável de R$4.600,00. Do mesmo modo, alega o descabimento dos danos morais, porquanto também não restaram comprovados. Colaciona doutrina e jurisprudência amparando o seu pleito. Em tese alternativa, sustenta a excessividade do quantum indenizatório, arbitrados a título de danos morais e materiais. Por fim, requer o provimento do recurso, com o julgamento de improcedência dos pleitos iniciais ou, alternativamente, a redução do quantum indenizatório.

3. Em contra-razões, a parte apelada pleiteia o improvimento do recurso de apelação (fls. 138/139).

4. Subiram os autos e, distribuídos, vieram conclusos.

É o relatório.

VOTOS

Des. Odone Sanguiné (RELATOR)

Eminentes colegas.

5. O caso dos autos diz com ação indenizatória, por danos materiais e morais, ocasionados pelo fato do produto, nos termos dos art. 12, do CDC. A autora aduz que a demandada colocou no mercado produto capilar para tingir cabelos, cuja aplicação pela autora ocasionou a queda capilar desmedida, conforme atestam as fotografias de fl. 04. Assim, pelos prejuízos materiais e morais sofridos com a referida circunstância, a demandante pleiteia a reparação pecuniária.

6. Trata-se de típica relação de consumo, âmbito em que a autora adquiriu um produto, colocado no mercado pela demandada, para tingir os cabelos, figurando como destinatário final do mesmo. Assim, as partes enquadram-se, perfeitamente, nos conceitos de consumidor (art. 2º do CDC) e fornecedor (art. 3º do CDC), de modo a ensejar a incidência do Estatuto Protetivo Consumeirista.

7. Trata-se, ainda, de responsabilidade pelo fato do produto e do serviço, prevista no art. 12, do CDC, e, portanto, responsabilidade objetiva mitigada, cabendo ao consumidor mostrar a verossimilhança do alegado, o prejuízo e o nexo de causalidade entre eles e, ao fornecedor, desconstituir o risco e o nexo causal.

8. Os produtos e serviços colocados no mercado devem cumprir, um objetivo de segurança, além de sua função econômica específica. O desvio dessa característica acarreta vício de qualidade por insegurança.

Sobre vício de qualidade por insegurança colhe-se da doutrina:

“Já pela órbita do vício de qualidade por insegurança, a característica essencial é a inaptidão do produto ou serviço com a incolumidade do consumidor, isto é, a propensão de colocar em risco a sua saúde” (KRIEGER FILHO, Domingos Afonso, A Responsabilidade Civil e Penal no Código de Defesa e Proteção do Consumidor. 1ª ed. São Paulo: Síntese. 1998, p. 67).

“(…) no conceito de vício de qualidade por insegurança, encontramos dois elementos: a desconformidade com uma expectativa legítima e a capacidade de provocar acidentes. Sem que estejam reunidos estes dois elementos não há que se falar em vício de qualidade por segurança” (BENJAMIM e VASCONCELLOS, Antônio Herman de, Comentários ao Código de Proteção ao Consumidor. São Paulo: Saraiva, 1991. p. 46).

9. Logo, a expectativa legítima do consumidor é haver segurança no produto, o que se relaciona com duas concepções: a normalidade dos riscos apresentados pelo produto e a sua previsibilidade.

10. Sabe-se que o bem de consumo que ora se examina (produto para tingir cabelos) tem periculosidade normal e previsível, em sintonia com a expectativa do consumidor que vai utilizá-lo. A obrigação de indenizar surge, exatamente, quando tais riscos saem do controle do consumidor, ou seja, este não possui o condão de prevê-los, de forma que, em decorrência de qualquer defeito, tem sua saúde ameaçada, pela imprevisibilidade do dano ocasionado pelo consumo do produto. Então, é o defeito, como causador do acidente de consumo, o elemento ensejador da responsabilidade civil objetiva do CDC. Entre as características que devem ser analisadas estão: a apresentação do produto; o uso e os riscos que razoavelmente se esperam, e as características do consumidor à época em que se deu a comercialização.

11. Dentro deste sistema, basta a prova do liame causal entre o evento danoso e o causador do dano, independentemente da existência da culpa. Constatado o dano e o liame causal, o fornecedor é obrigado a indenizar.

12. Na casuística, os danos à estrutura capilar da autora são manifestos, considerando-se as fotografias de fl. 04, que retratam a queda anormal e desmedida dos fios capilares da autora.

13. Ademais, a prova testemunhal robora a tese autoral no sentido de que após oito a dez dias da aplicação do referido produto o seu cabelo começou a cair (fls. 80/81).

14. Assim, comprovados estão os danos ocasionados após a utilização do produto oferecido no mercado pela demandada. No ponto, não impressiona a alegação recursal no sentido de que a autora não utilizou o produto consoante as disposições recomendadas pelo produtor na bula. Ora, mesmo que as instruções de uso contidas no produto fossem seguidas à risca, havendo um desvio da qualidade do lote do produto em questão, dano descrito pela autora poderia ocorrer de qualquer forma. Logo, eventual realização inadequada da chamada “prova do toque”, consistente em testar a sensibilidade do consumidor em relação ao produto, não tem o condão de eximir a responsabilidade do fornecedor por colocar no mercado um produto que causa danos à saúde do consumidor.

15. Ainda no ponto, efetivamente a prova dos autos atesta que a autora realizou a “prova do toque”, mas não esperou as vinte e quatro horas recomendadas após a aplicação do produto para concluir sobre a inexistência de quaisquer reações alérgicas a ele. Com efeito, Lucia Maria Magalhães diz que fez o teste na autora e passou o produto uns quarenta minutos após o teste (fl. 81).

Todavia, a despeito do alegado recursal, pelos motivos já mencionados, esta circunstância não sustenta a pretendida elisão da responsabilidade do fornecedor pelos danos causados à demandante. Ao revés, a disponibilização do produto no mercado pela demandada, sua utilização pela autora e os danos daí advindos, tudo demonstrado na prova coligida aos autos, confortam o suporte fático deduzido na petição inicial.

16. Uma vez demonstrada a ocorrência do dano e o nexo de causalidade, inegável é o dever de indenizar.

17. No que toca aos danos materiais, tenho que, efetivamente, a autora não se desincumbiu do ônus de comprová-los.

Com efeito, ela alega que deixou de trabalhar como doméstica por aproximadamente 02 anos, o que lhe rendeu um prejuízo material de R$4.600,00, considerando que auferia R$50,00 semanalmente. No entanto, o único depoimento testemunhal trazido pela autora para confortar a sua tese não subsiste por si só a tal intento. Trata-se de Maria Dall’Óglio, que afirma “a primeira vez que a autora foi trabalhar para a depoente a mesma estava sem cabelo, mas a depoente deu-lhe emprego de qualquer maneira; posteriormente, surgiram alguns comentários de que a mesma pudesse estar doente e, então, a depoente perguntou para o Dr. Romeu se ela podia ter aids e ele disse à depoente que se ela conseguia trabalhar poderia ficar despreocupada e então a depoente continuou” (fl. 32).

Assim, fica afastada a condenação a indenizar os improvados danos materiais.

18. Sobre o dano moral, colhe-se a lição doutrinária de Yussef Said Cahali:

“Na realidade, tudo aquilo que molesta gravemente a alma humana, ferindo-lhe gravemente os valores fundamentais inerentes à sua personalidade ou reconhecidos pela sociedade em que está integrado, qualifica-se, em linha de princípio, como dano moral; não há como enumerá-los exaustivamente, evidenciando-se na dor, na angústia, no sofrimento, na tristeza pela ausência de um ente querido falecido; no desprestígio, na desconsideração social, no descrédito à reputação, na humilhação pública, no devassamento da privacidade; no desequilíbrio da normalidade psíquica nos traumatismos emocionais, na depressão ou no desgaste psicológico, nas situações de constrangimento moral.” (Dano moral. 2. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000. p. 20)

19. No caso, inegável que a alteração maléfica da aparência da autora, quando a mesma esperava justamente o contrário ao aplicar o produto, agrediu-a nos seus sentimentos de auto-estima, prejudicando a sua avaliação própria e denegrindo a própria imagem. Tais circunstâncias, sem sombra de dúvidas, causaram-lhe constrangimentos, variáveis é verdade, mas sempre presentes. Daí a necessidade de reparação dos danos morais.

20. Em relação ao quantum indenizatório, reduzo o valor estipulado no Juízo a quo (R$10.500,00) para R$8.500,00, tendo em vista que a autora não seguiu a totalidade das recomendações previstas na embalagem do produto, aplicando o produto inadvertidamente sem esperar o resultado acerca da inexistência de contra-indicação após vinte e quatro horas da “prova do toque”.

Mesmo assim, a autora perdeu parte de seu cabelo, ao passar um produto para torná-lo mais bonito. A decepção acompanhada de vergonha em expor sua contrariada aparência física ou, ainda, a obrigatoriedade de encurtar o seu cabelo, quando o mesmo, ao que parece, era objeto de cuidados especiais, trouxeram-lhe tristezas e infortúnios suscetíveis de reparação.

Ademais, o valor adrede reduzido vai ao encontro do caráter sancionatório e preventivo da reiteração da conduta da demandada, em colocar um produto defeituoso e impróprio para o consumo no mercado, ressaltando a necessidade de ostentar informações claras e precisas ao consumidor, e mais do que isso, em atualizar os testes de consumo no produto indigitado para não causar incolumidade ao consumidor.

21. Diante da reforma da sentença, a requente vai condenada ao pagamento de 50% das custas processuais e dos honorários advocatícios do patrono da demandada, arbitrados em 20% sobre o valor da condenação, conforme art. 20, §3º, do CPC. A demandada, por sua vez, fica condenada ao pagamento do restante das custas processuais e dos honorários de advogado do causídico da parte adversa, fixados em 10% sobre o valor da condenação, conforme art. 20, §3º, do CPC, permitida a compensação.

22. Ante o exposto, voto no sentido de prover parcialmente o recurso de apelação para afastar a condenação, a título de danos materiais e reduzir o quantum indenizatório, a título de danos morais, para R$8.500,00, acrescidos de juros legais e de correção monetária nos termos da sentença. A requerente vai condenada ao pagamento de 50% das custas processuais e dos honorários advocatícios do patrono da demandada, arbitrados em 20% sobre o valor da condenação. A demandada, por sua vez, fica condenada ao pagamento do restante das custas processuais e dos honorários de advogado do causídico da parte adversa, fixados em 10% sobre o valor da condenação, permitida a compensação.

Desa. Iris Helena Medeiros Nogueira (PRESIDENTE E REVISORA) — De acordo.

Desa. Marilene Bonzanini Bernardi — De acordo.

DESA. IRIS HELENA MEDEIROS NOGUEIRA — Presidente – Apelação Cível nº 70014606693, Comarca de Sarandi: “PROVERAM PARCIALMENTE O RECURSO DE APELAÇÃO. UNÂNIME.”

Julgadora de 1º Grau: ANA PAULA DELLA LATTA

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