Rigor total

MP tenta derrubar no TSE candidatura de Laura Carneiro

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26 de agosto de 2006, 12h53

A depender do procurador eleitoral do Rio, Rogério Nascimento, a deputada federal Laura Carneiro (PFL-RJ) não disputará a reeleição este ano. O representante do Ministério Público recorreu ao Tribunal Superior Eleitoral, na manhã deste sábado (26/8), contra o registro deferido pela justiça do Rio de Janeiro.

Laura Carneiro (PFL-RJ) é acusada de envolvimento com a Máfia das Ambulâncias e é alvo de investigações sobre possíveis fraudes contra a Previdência Social, no final dos anos 90.

O procurador alega que “o acórdão diverge da jurisprudência do TSE e do TRE/SP ao dispensar de prova de objeto da folha criminal e viola o artigo 1º da LC 64/90 interpretado conforme o art. 14, §§ 9º e 10º da Constituição da República, ao admitir registro mesmo diante de prova inequívoca de vida pregressa incompatível com o mandato pleiteado”.

O TRE-RJ entendeu que são fracas as provas contra a deputada levantadas pela CPI dos Sanguessugas e que não poderia rejeitar sua candidatura com base nas antigas acusações da participação nas fraudes contra a Previdência já que desde 2001 o Supremo Tribunal investiga o fato através de um inquérito sem ter ainda formalizado uma denúncia.

O procurador rebate os dois pontos. Com relação à máfia das ambulâncias, alega existirem fatos mostrando o envolvimento de dois assessores da deputada tendo, inclusive, se confirmado com a quebra de sigilo bancário, o depósito de R$ 15 mil feito na conta da assessora Jane Cleide Herculano de Siqueira. Nascimento mostra ainda que também no caso das fraudes contra o INSS o envolvimento da parlamentar se deu através do irmão, Jorge Miguel Bustamante, e de assessores, para então concluir: “é notório o envolvimento da requerente, que revelando um estilo próprio e cuidadoso de agir, continua se valendo de assessores e pessoas que lhe são muito próximas, no recente episódio da máfia das ambulâncias”.

Ele explica ainda que as acusações de a deputada “integrar quadrilha que lesou o INSS no começo da década em R$ 222.677,51” foram feitas por um ex-gerente de posto do INSS, Luiz Cláudio Giorno Gomes, depois reforçadas pelo ex-marido dela, Luiz Etério Teixeira Ventura, e confirmadas pelos documentos apreendidos na casa de Bustamante, em 2001, que somente foram analisados no primeiro semestre de 2006, por força de um habeas corpus que tinha determinado que o material ficasse trancado no aguardo de uma decisão do STF.

Os recursos judiciais usados pela defesa explicariam, segundo o procurador eleitoral, a ausência de uma manifestação judicial sobre as acusações. Ele argumenta: “a requerente só não está denunciada criminalmente por estes fatos porque vem manejando com muita competência os instrumentos de defesa processual. Meios e procedimentos que atrasam o exame, pela Justiça, do mérito da questão. Cometeu ou não cometeu crimes? Merece ou não pena? A Justiça ainda não teve oportunidade de dizer”.

Leia os principais trechos do recurso do procurador eleitoral Rogério Nascimento

EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR PRESIDENTE DO E. TRIBUNAL REGIONAL ELEITORAL NO ESTADO DO RIO DE JANEIRO.

REGISTRO DE CANDIDATO: 2604 – Classe 25

CARGO: Deputado Federal

REQUERENTE: Maria Laura Monteza de Souza Carneiro

O MINISTÉRIO PÚBLICO ELEITORAL, por meio do Procurador Regional Eleitoral substituto, no exercício de suas atribuições institucionais inconformado com o v. acórdão desse egrégio Tribunal Regional publicado na sessão de julgamento realizada quarta-feira dia 23 de Agosto de 2006, que deferiu o registro para candidatura a reeleição ao cargo de deputado federal da requerente acima identificada, vem com fundamento no disposto no art. 121, § 4º, III c/c art. 276 do Código Eleitoral, interpor o presente

RECURSO ORDINÁRIO

dirigido ao colendo Tribunal Superior Eleitoral, com apoio nas razões expostas adiante. Requer, depois de recebido o presente recurso, seu encaminhamento à instância superior para apreciação.

Pede deferimento.

Rio de Janeiro, sexta-feira, 25 de agosto de 2006.

ROGÉRIO SOARES DO NASCIMENTO

Procurador Regional Eleitoral substituto

RAZÕES DO RECORRENTE MINISTÉRIO PÚBLICO ELEITORAL

Eminente Ministro Relator.

1. O Ministério Público Eleitoral teve a oportunidade de examinar o requerimento de registro da candidatura à reeleição da Deputada Federal Laura Carneiro, pelo Partido da Frente Liberal, em mesa, na Sessão Ordinária do Eg. TER/RJ de segunda-feira, dia 22 de agosto de 2006 e opinou pelo indeferimento.

2. O pedido se fazia acompanhar da certidão de fls. 60, expedida pela Secretaria Judiciária do Supremo Tribunal Federal dando conta de que a requerente responde a cinco diferentes inquéritos criminais perante a Corte Suprema. O documento oferecido como esclarecimento de antecedentes, para fins de satisfazer a necessidade de afastar possível inelegibilidade (art. 94, V do Código Eleitoral e art. 1º, I e da Lei Complementar 64/90) apenas traz referência ao número e andamento dos feitos, não esclarece o objeto das investigações criminais a que responde a deputada e postulante a candidata.


3. Não foi apresentada nos autos certidão de objeto e pé referente aos processos criminais em curso nos quais a requerente é investigada. Trata-se de exigência reconhecida na jurisprudência tanto do TSE Ac. 20039, rel. Min. Fernando Neves, j. 11/09/2002, quanto de outros Tribunais Regionais Eleitorais como, por exemplo, do TRE/SP Ac. 142759, rel. Álvaro Lazzarini, j. 22.08.2002.

4. Também não constava dos autos Relatório da CPMI criada por meio do Requerimento n. 77/2006 do Congresso Nacional, o qual, como é notório, responsabiliza Laura Carneiro, às fls. 674-680, como envolvida, por meio de seus assessores Carlos Augusto Hass Neto, vulgo GUTO e Jane Cleide Herculano de Siqueira nos crimes praticados a partir da firma PLANAM, dirigida por Daci e Luiz Vedoin em prejuízo do patrimônio público.

5. Conforme é igualmente notório os elementos que dão suporte ao relatório parcial da CPMI, inclusive as interceptações de comunicações telefônicas que incriminam o assessor da deputada com o esquema criminoso e o afastamento de sigilo bancário, que demonstra o recebimento de quinze mil reais pagos pela organização criminosa à assessora da deputada, foram colhidos validamente com respeito ao devido processo legal.

6. O esquema fraudulento, envolvendo a inclusão de emendas orçamentárias dirigidas e manipulação de licitações para compra de ambulâncias vem sendo investigado pelo Ministério Público Federal e pela Polícia Federal, a partir do Estado do Matogrosso, desde 2002. Das investigações resultaram ações penais contra 81 envolvidos que não contam com prerrogativa de foro e inquéritos criminais junto ao Supremo Tribunal Federal para confirmação da participação daqueles que, tal como Laura Carneiro, contam com prerrogativa de foro.

7. A requerente teve pleno conhecimento dos fatos apurados na CPMI.

8. Diante da insuficiência do que constava originalmente do requerimento de registro para permitir um exame substancial da vida pregressa da requerente o Ministério Público ofereceu à Secretaria Judiciária do TRE um exemplar da íntegra do Relatório da CPMI e cópia de peças que constam da ação penal 2001.5101527766-7, em curso na 5º Vara Federal Criminal do Rio de Janeiro, que diz respeito AOS MESMOS FATOS apurados no Inquérito STF n. 1819-8, no qual é investigada Laura Carneiro. O documento de fls. 221-226, relativo ao Agravo Regimental interposto no STF pela defesa de Laura no feito criminal, julgado em 10/11/2005, comprova que os fatos e documentos do Inquérito n. 1819 e na Ação Penal da 5ª Vara Federal são os mesmos fatos.

9. A Procuradoria Regional Eleitoral no Rio de Janeiro vem sustentando a possibilidade e obrigatoriedade de indeferimento do registro de candidatura sempre que houver, nos autos do respectivo requerimento formulado à Justiça Eleitoral, provas válidas e suficientes de fator de inelegibilidade, e o faz com fundamento na Constituição da República, art. 14 §§ 9º e 10. O argumento foi invocado nestes autos, naquela sessão de segunda-feira dia 22 de agosto de 2006, e as razões sustentadas oralmente, foram juntadas para conhecimento e manifestação da requerente.

10. Vale recordar o alegado pelo MPE:

A possibilidade do exame de ofício de condições de elegibilidade, expressamente reconhecida no art. 40 da Resolução n. 22.156 do TSE representa um compromisso da Justiça Eleitoral com a efetividade do processo manifestado em entendimento sedimentado e reiterado no tempo. Basta recordar o Acórdão n. 12.631, no recurso de indeferimento de registro n. 9.898, relatado pelo Ministro Américo Luz em 20 de setembro de 1992; o Acórdão no Recurso Especial Eleitoral n. 18.429, relatado pelo Ministro Fernando Neves, julgado em 17 de outubro de 2000, o Acórdão n. 21.192, no Agravo Regimental em Recurso Eleitoral, relatado pelo Ministro Luiz Carlos Madeira, julgado em 31 de agosto de 2004 e o Acórdão no Recurso Especial Eleitoral n. 21.986, relatado pelo Ministro Caputo Bastos, julgado em 09 de setembro de 2004, entre muitos outros julgados, inclusive deste Tribunal Regional.

Como vem sendo reconhecido: as causas de inelegibilidade são matéria de ordem pública que podem ser reconhecidas de ofício; se existe prova de causa impeditiva da elegibilidade o juiz ou tribunal podem e devem conhecê-las e as proclamar de ofício, indeferindo o registro de candidatura; é desnecessário baixar o processo em diligência se a prova não diz respeito a fato novo, limitando-se a confirmar situação notoriamente conhecida pelo postulante à candidatura.

Formalismo excessivo e falta de compromisso com a justiça na aplicação da lei não são virtudes. Já inspiraram até a crítica ácida da melhor literatura. Peço licença para recordar um breve trecho do conto de Machado de Assis chamado A Sereníssima República. No conto Machado relata as dificuldades de uma república de aranhas em alcançar um sistema eleitoral justo. Na ficção a escolha dos aracnídeos se dá mediante sorteio. Passo à leitura:

Tratou-se de eleger um coletor de espórtulas, funcionário encarregado de cobrar as rendas públicas, sob a forma de espórtulas voluntárias. Eram candidatos, entre outros, um certo Caneca e um certo Nebraska. A bola extraída foi Nebraska. Estava errada, é certo, por lhe faltar a última letra: mas, cinco testemunhas juraram, nos termos da lei, que o eleito era o próprio e único Nebraska da república. Tudo parecia findo, quando o candidato Caneca requereu provar que a bola extraída não trazia o nome de Nebraska, mas o dele. O juiz de paz deferiu ao peticionário. Veio então um grande filólogo, — talvez o primeiro da república, além de bom metafísico, e não vulgar matemático, — o qual provou a cousa nestes termos:

— Em primeiro lugar, disse ele, deveis notar que não é fortuita a ausência da última letra do nome Nebraska. Por que motivo foi ele inscrito incompletamente? Não se pode dizer que por fadiga ou amor da brevidade, pois só falta a última letra, um simples a. Carência de espaço? Também não; vede: há ainda espaço par duas ou três sílabas. Logo, a falta é intencional, e a intenção não pode ser outra, senão chamar atenção do leitor para a letra k, última escrita, desamparada, solteira, sem sentido. Ora, por um efeito mental, que nenhuma lei destruiu, a letra reproduz-se no cérebro de dois modos, a forma gráfica e a forma sônica. K e ca. O defeito, pois, no nome escrito, chamando os olhos para a letra final, incrusta desde logo no cérebro esta primeira sílaba: Ca. Isto posto, o movimento natural do espírito é ler o nome todo; volta-se ao princípio, à inicial ne, do nome Nebrask. — cané. — resta a sílaba do meio, bras, cuja redução a esta outra sílaba ca, última do nome Caneca, é a cousa mais demonstrável do mudo. E, todavia, não a demonstrarei, visto faltar-vos o preparo necessário ao entendimento da significação espiritual ou filosófica da sílaba, suas origem e efeitos, fases, modificações, conseqüências lógicas e sintáxicas, dedutivas ou indutivas, simbólicas e outras. Mas, suposta a demonstração, aí fica a última prova, evidente, clara, da minha afirmação primeira pela anexação da sílaba ca às duas Cane, dando este nome Caneca.

Prossigo. A solução dos casos submetidos a julgamento deve estar ao alcance do entendimento do povo, em nome do qual se julga. Em lugar de sofisticados raciocínios formais o que se espera da Justiça é que sua decisão corresponda ao senso ético presente na sociedade.

Nos anos recentes a impunidade, a insegurança e a erosão da credibilidade da representação política configuram um quadro de instabilidade daqueles que exigem firmeza e sinais claros das instituições incumbidas de defender a normalidade do regime democrático.

Ora, como sabemos a Lei Complementar n. 64, de 18 de maio de 1990, dispondo sobre casos de inelegibilidade, prazos de sua cessação, procedimento de registro de candidatura, entre outras disposições, visa concretizar a norma constitucional traçada no art.14 e, em particular, mas não exclusivamente, diante do previsto no § 9º.

A norma constitucional de regência da matéria teve seu alcance ampliado com a edição da Emenda Constitucional Revisional nº 4/90. Originalmente a norma tinha a seguinte redação: Lei complementar estabelecerá outros casos de inelegibilidade e os prazos de sua cessação, a fim de proteger a normalidade e a legitimidade das eleições contra a influência do poder econômico ou o abuso do exercício de função cargo ou emprego na administração direta ou indireta.

O escopo da proteção foi estendido na redação atual: Lei complementar estabelecerá outros casos de inelegibilidade e os prazos de sua cessação, a fim de proteger a probidade administrativa, a moralidade para o exercício do mandato, considerada a vida pregressa do candidato, e a normalidade e a legitimidade das eleições contra a influência do poder econômico ou o abuso do exercício de função cargo ou emprego na administração direta ou indireta.

Porém, a lei complementar das inelegibilidades não resiste a um exame de razoabilidade/proporcionalidade, na medida em que não oferece suficiente proteção à probidade administrativa e à moralidade para o exercício do mandato. Peca ao condicionar a inelegibilidade daqueles que são condenados por abuso de poder, ou criminalmente ao trânsito em julgado, ao limitar arbitrariamente o elenco de delitos que incompatibilizam com o exercício de mandato, e ao omitir os casos de prova incontestável de conduta pregressa atentatória à moralidade (art. 1º I, letras “d”, “e”, e “h”).

Art. 1º São inelegíveis:

I – para qualquer cargo:

a) os inalistáveis e os analfabetos;

b) os membros do Congresso Nacional, das assembléias Legislativas, da Câmara Legislativa e das Câmaras Municipais que hajam perdido os respectivos mandatos por infringência do disposto no art. 55, I e II, da Constituição Federal, dos dispositivos equivalentes sobre perda de mandato das Constituições Estaduais e Leis Orgânicas dos Municípios e do Distrito Federal, para as eleições que se realizarem durante o período remanescente do mandato para o qual foram eleitos e nos 3 (três) anos subseqüentes ao término da legislatura;

b) os membros do Congresso Nacional, das Assembléias Legislativas, da Câmara Legislativa e das Câmaras Municipais, que hajam perdido os respectivos mandatos por infringência do disposto nos incisos I e II do art. 55 da Constituição Federal, dos dispositivos equivalentes sobre perda de mandato das Constituições Estaduais e Leis Orgânicas dos Municípios e do Distrito Federal, para as eleições que se realizarem durante o período remanescente do mandato para o qual foram eleitos e nos oito anos subseqüentes ao término da legislatura; (Redação dada pela LCP 81, de 13/04/94)

c) o Governador e o Vice-Governador de Estado e do Distrito Federal, o Prefeito e o Vice-Prefeito que perderem seus cargos eletivos por infringência a dispositivo da Constituição Estadual da Lei Orgânica do Distrito Federal ou da Lei Orgânica do Município, para as eleições que se realizarem durante o período remanescente e nos 3 (três) anos subseqüentes ao término do mandato para o qual tenham sido eleitos;

d) os que tenham contra sua pessoa representação julgada procedente pela Justiça Eleitoral, transitada em julgado, em processo de apuração de abuso do poder econômico ou político, para a eleição na qual concorrem ou tenham sido diplomados, bem como para as que se realizarem 3 (três) anos seguintes;

e) os que forem condenados criminalmente, com sentença transitada em julgado, pela prática de crime contra a economia popular, a fé pública, a administração pública, o patrimônio público, o mercado financeiro, pelo tráfico de entorpecentes e por crimes eleitorais, pelo prazo de 3 (três) anos, após o cumprimento da pena;

f) os que forem declarados indignos do oficialato, ou com ele incompatíveis, pelo prazo de 4 (quatro) anos;

g) os que tiverem suas contas relativas ao exercício de cargos ou funções públicas rejeitadas por irregularidade insanável e por decisão irrecorrível do órgão competente, salvo se a questão houver sido ou estiver sendo submetida à apreciação do Poder Judiciário, para as eleições que se realizarem nos 5 (cinco) anos seguintes, contados a partir da data da decisão;

h) os detentores de cargo na administração pública direta, indireta ou fundacional, que beneficiarem a si ou a terceiros, pelo abuso do poder econômico ou político apurado em processo, com sentença transitada em julgado, para as eleições que se realizarem nos 3 (três) anos seguintes ao término do seu mandato ou do período de sua permanência no cargo;

i) os que, em estabelecimentos de crédito, financiamento ou seguro, que tenham sido ou estejam sendo objeto de processo de liquidação judicial ou extrajudicial, hajam exercido, nos 12 (doze) meses anteriores à respectiva decretação, cargo ou função de direção, administração ou representação, enquanto não forem exonerados de qualquer responsabilidade;

No Brasil a doutrina constitucional, acompanhando as lições de Canaris, vem alertando para a inconveniência de reduzir o princípio da proporcionalidade ao seu aspecto de proibição de excesso. Luis Virgílio Afonso da Silva, em artigo publicado na Revista dos Tribunais, n. 798, em abril de 2002 afirmou: conquanto a regra da proporcionalidade ainda seja predominantemente entendida como instrumento de controle contra o excesso dos poderes estatais, cada vez mais vem ganhando importância a discussão sobre a sua utilização na finalidade oposta, isto é, como instrumento contra a omissão ou contra a ação insuficiente dos poderes estatais. Antes se falava apenas em übermasverbot, ou seja, proibição de excesso. Já há algum tempo fala-se também em utermasverbot, que poderia ser traduzido por proibição de insuficiência.

A noção foi popularizada no estudo de outro importante autor da fértil geração que vem renovando os estudos do direito constitucional no Brasil, Ingo Sarlet, em artigo publicado na Revista de Estudos Criminais n. 12, em dezembro de 2003. Sarlet, invocando o decidido pelo Tribunal Constitucional Alemão a partir de 1993, ensina que o legislador, ao implementar um dever de prestação que lhe foi imposto pela Constituição (especialmente no âmbito dos deveres de proteção) encontra-se vinculado pela proibição de insuficiência, de tal sorte que os níveis de proteção (portanto, as medidas estabelecidas pelo legislador) deveriam ser suficientes para assegurar um padrão mínimo (adequado e eficaz) de proteção constitucionalmente exigido. A violação da proibição de insuficiência, portanto, encontra-se habitualmente representada por uma omissão (ainda que parcial) do Poder Público, no que diz com o cumprimento de um imperativo constitucional, no caso, um imperativo de tutela ou dever de proteção, mas não se esgota nesta dimensão (o que bem demonstra o exemplo da descriminalização de condutas já tipificadas na legislação penal e que não se trata duma omissão no sentido pelo menos habitual do termo).

Não cabe nenhuma dúvida quanto ao fato de que a Constituição impôs ao legislador complementar um dever de proteção da probidade administrativa, da moralidade para o exercício do cargo, da normalidade e da legitimidade das eleições. A interpretação da norma infraconstitucional integradora tem de estar orientada pelo imperativo constitucional e pela proibição de proteção insuficiente.

Note-se que o exame do pedido de registro de candidatura é jurisdicional (arts. 2º, 11 e 13 da LC 64/90) e da competência da Justiça Eleitoral (art. 118 a 121 da Constituição). Não faz qualquer sentido, aliás, fere a Constituição da República, condicionar o exercício da jurisdição eleitoral, em matéria de sua competência constitucional, tal como é o julgamento de registro de candidatura, ao exame definitivo de fato ou de direito por qualquer órgão de outro ramo do judiciário ao qual esta justiça especializada não está subordinada.

O sistema jurídico opera com medidas de tutela da urgência. O risco de dano irreparável ou de difícil reparação pode justificar a antecipação de tutela ou o deferimento de uma providência cautelar, até mesmo, em hipóteses extremas, restritiva da liberdade (art. 273 do CPC e 312 do CPP). De igual modo, pode ser suspensa a execução de liminar nos casos de manifesto interesse público ou para evitar grave lesão à ordem, à saúde, à segurança e à economia públicas (art. 4º da Lei n. 8.437/92). A certeza jurídica que decorre de uma decisão definitiva deve ser sempre buscada, mas tal busca não justifica se aceite um grave comprometimento do interesse público ou uma lesão de difícil reparação. Aceitar a candidatura diante de prova suficiente, em casos para os quais a própria Constituição admite a cassação do diploma ou possibilitar a investidura em mandato político daqueles comprovadamente indignos de exercer a representação do povo viola o senso geral de justiça.

Vale ressaltar que a determinação constitucional de proteção da legitimidade da representação política não se limita ao citado § 9º. Ao contrário, decorre de todo o disposto no artigo 14, que deve ser interpretado como um sistema, merecendo destaque, pela sua íntima relação com a hipótese, o disposto no § 10: o mandato eletivo poderá ser impugnado ante a Justiça Eleitoral no prazo de quinze dias contados da diplomação, instruída a ação com provas de abuso do poder econômico, corrupção ou fraude. A preocupação com a legitimidade do exercício do poder permeia toda a Constituição, bastando referir pela estreita correlação com a questão sob exame o artigo 37, cabeça e § 4º.

J. J. Rousseau no Do Contrato Social (Livro I, Capítulo III) assinalou que o mais forte nunca é suficientemente forte para ser sempre o senhor, se não transformar a sua força em direito, e a obediência em dever (…) prosseguindo concluía Rousseau convenhamos, portanto, que a força não faz o direito, e que se é obrigado a obedecer apenas as potências legítimas”.

No Brasil, Gilberto Amado, escrevendo sobre Eleição e Representação em obra clássica, publicada pela primeira vez em 1931, já clamava contra uma visão formalista. Dizia se referindo aos primeiros anos da República que a história do presente nos mostra, continuando a análise da representação, que muitas vezes o país está representado no parlamento; eleições formalmente perfeitas levaram às Câmaras, aos postos de comando um grupo de homens que deviam representar o país permanentemente considerado, o país no seu conjunto material e espiritual, e não representam senão certa soma de interesses confederados no momento, interesses que podem ser apenas expressão de influências transitórias, alheias senão hostis aos interesses do país. Em vez da nação – é não raro a anti-nação que está representada. E a eleição rigorosamente perfeita não foi mais do que o instrumento de uma verdadeira traição ao país, duma verdadeira guerra íntima levada a efeito contra a comunidade (ob. cit. p. 28).

Como percebia Gilberto Amado eleições válidas e regulares são algo de fundamental para a democracia, mas para assegurar a legitimidade da representação é preciso mais.

A questão da legitimidade do poder, presente como preocupação no pensamento ocidental desde a antiguidade clássica e tão bem colocada por Rousseau e por Gilberto Amado assume importância maior nas situações de crise institucional nas quais a identidade coletiva (aquilo que somos ou aspiramos ser como povo unido num projeto comum de convivência) é posto em cheque. Que Brasil somos ou queremos ser?

Legitimidade é medida da coesão de uma sociedade política, da capacidade do poder público se fazer respeitar. São nos momentos de anormalidade, de instabilidade, que o problema da legitimidade se coloca. Nas situações de estabilidade, de calma, de grande consenso, a autoridade não é posta à prova. E são nos momentos de crise que crescem de vulto os homens de bem e as instituições sólidas.

Poderia parecer num exame apressado da matéria que a declaração incidental da inconstitucionalidade dos trechos criticados do artigo 1º da Lei Complementar n. 64/90 traria um vácuo normativo tornando inaplicáveis os princípios constitucionais de tutela da legitimidade da representação política. Não traz. A solução para proteger adequadamente os princípios constitucionais está ao alcance deste Egrégio Tribunal, basta aplicar analogicamente o disposto na letra “f” da norma complementar, interpretada extensivamente e em sintonia com o § 10 do art. 14 da CRFB.

A relação de complementaridade entre os princípios constitucionais, uma decorrência lógica e necessária da unidade da constituição, traz uma exigência de concordância prática entre as disposições constitucionais e entre estas e a legislação infraconstitucional destinada a sua concretização. Para harmonizar princípios é necessário atribuir um sentido às normas constitucionais e infraconstitucionais que assegure a máxima efetividade de todos, no caso tanto do § 9º quanto do § 10 do art. 14.

O direito precisa ser interpretado com coerência. Se a indignidade para o exercício da função pública impede o registro da candidatura do militar, como aceitar que se defira registro àquele agente público civil, contra o qual haja provas de abuso de poder, de fraude ou de corrupção, reconhecidas pela Justiça Eleitoral.

Para assegurar proteção suficiente aos princípios constitucionais basta interpretar conforme a constituição o art. 1º da Lei Complementar 64/90, com provimento aditivo que amplie a sua abrangência.

A solução vem sendo aplicada pela Corte Constitucional Italiana em inúmeros julgados. A Sentença n. 68 de 1978, referida essencialmente ao art. 39 da legge 352 de 1970, a qual disciplina o instituto do referendo na Itália é uma típica setença aditiva porque, relativamente ao dispostivo de lei, estabelece que no caso da abrogação de norma já submetida ao procedimento de referendo ser acompanhada da promulgação de uma nova disciplina que não altere os aspectos fundamentais da norma abrogada a convocação do referendo se transfere à norma nova. A sentença apoiada nos arts. 1º, 48 e 75 da Costituzione criou a solução não prevista visando reequilibrar a relação entre o legislador representativo e o popular.

E a Corte Italilana segue lançando mão do instrumento como se pode ver, por exemplo, na Sentença n. 63 de 2005, julgada em 13/01/05, publicada na G.U. de 02/02/2005, relatada pelo Presidente Valério Onida. No caso o Tribunal local remeteu para controle da constitucionalidade questão suscitada no julgamento de uma acusação de violência sexual e doméstica contra o pai da vítima, mentalmente enferma. O ministério público requereu o testemunho protegido da vítima, invocando o art. 498 do CPP italiano, que admite a prova para menor de 16 anos, era discutida a possibilidade de aplicação analógica da previsão em face dos art. 2º e 3º da Constituição Italiana (princípios da proteção aos direitos invioláveis da pessoa humana e da isonomia). A corte proferiu sentença de declaração de inconstitucionalidade com pronúncia aditiva ampliando o âmbito da norma processual penal para alcançar o testemunho de vítima adulta mentalmente enferma.

Per questi motivi

LA CORTE COSTITUZIONALE

riuniti i giudizi,

a) dichiara l’illegittimità costituzionale dell’art. 398, comma 5-bis, del codice di procedura penale nella parte in cui non prevede che il giudice possa provvedere nei modi ivi previsti all’assunzione della prova ove fra le persone interessate ad essa vi sia un maggiorenne infermo di mente, quando le esigenze di questi lo rendano necessario od opportuno;

b) dichiara l’illegittimità costituzionale dell’art. 498, comma 4-ter, del codice di procedura penale nella parte in cui non prevede che l’esame del maggiorenne infermo di mente vittima del reato sia effettuato, su richiesta sua o del suo difensore, mediante l’uso di un vetro specchio unitamente ad un impianto citofonico;

c) dichiara non fondata, nei sensi di cui in motivazione, la questione di legittimità costituzionale dell’art. 498, comma 4-bis, del codice di procedura penale, sollevata, in riferimento all’art. 2 della Costituzione, dal Tribunale di Biella con l’ordinanza in epigrafe (r.o. n. 677 del 2003).

Così deciso in Roma, nella sede della Corte costituzionale, Palazzo della Consulta, il 13 gennaio 2005.

F.to:

Valerio ONIDA, Presidente e Redattore

Giuseppe DI PAOLA, Cancelliere

Depositata in Cancelleria il 29 gennaio 2005

Poderia também ser alegado que os princípios constitucionais cristalizados expressamente no artigo 14 e a proibição de proteção insuficiente implícita na cláusula da proporcionalidade não sustentariam uma declaração de inconstitucionalidade, que a incompatibilidade afirmada não passaria de “inconstitucionalidade reflexa”, o que é falso.

O tema já vem sendo enfrentado há décadas. Lucio Bittencourt no clássico o Controle Jurisdicional da Constitucionalidade das Leis editado em 1949 já reconhecia a necessidade de aferir a compatibilidade da disposição normativa questionada sustendo que há mister, portanto, para se afirmar a inconstitucionalidade, que ocorra conflito com alguma norma ou algum mandamento da Constituição, embora se considere, para esse fim, não apenas a letra do texto, mas também, ou mesmo preponderantemente, o “espírito” do dispositivo indicado (ob. cit. p. 54/55). Quanto aos princípios expressos, portanto, não resta qualquer dúvida.

O que dizer, então, da proibição de proteção insuficiente, que é uma das faces do princípio da proporcionalidade? O entendimento da doutrina mais atualizada com acolhida no Supremo Tribunal Federal é de que alguns princípios, tais como o da moralidade pública, o da razoabilidade e o da proporcionalidade têm incidência direta e imediata, autorizando o controle de constitucionalidade. Lênio Streck na obra Jurisdição Constitucional e Hermenêutica assim se manifesta:

Adquirem relevância, nesse contexto, os princípios constitucionais, para mostrar que não é somente a violação de um preceito explícito no texto constitucional que pode acarretar um juízo de inconstitucionalidade (…) Os princípios constituem o núcleo da materialidade da Constituição. Não há como separá-los da Constituição. Quando falamos da Constituição, nesse falar já estão presentes os princípios (…) Sendo dever dos tribunais e dos juízes aplicar a Constituição, não é prerrogativa do Supremo Tribunal o manejo dos princípios não explicitados (formalmente) na Lei Maior. A mesma filtragem constitucional que é feita no confronto de um texto normativo infraconstitucional com um preceito da Constituição deve ser feita a partir da principiologia. Ou seja, mesmo levando em conta o fato que os princípios de que se fala são de índole constitucional, os demais tribunais e juízes da República estão autorizados a aplicá-los em sede de controle difuso (ob. cit. p. 408 e 415).

No direito estrangeiro esta aplicação direta dos princípios como fundamento para controle da constitucionalidade é comum.

Gomes Canotilho ensina que a constituição é a ordem jurídica fundamental de uma comunidade. Ela estabelece em termos de direito e com os meios do direito os instrumentos do governo, a garantia dos direitos fundamentais e a individualização dos fins e tarefas. As regras e princípios jurídicos utilizados para prosseguir esses objetivos são, como se viu atrás, de diversa natureza e densidade. Todavia, no seu conjunto, regras e princípios constitucionais valem como “lei”: o direito constitucional é positivo. Neste sentido se fala na constituição como norma (Garcia de Enterria) e na força normativa da constituição (K. Hesse). (…) Existem, é certo, normas-fim, normas-tarefa, normas-programa que impõem uma atividade e dirigem materialmente a concretização constitucional. (…) Não se deve, pois, falar-se de simples eficácia programática (ou diretiva), porque qualquer norma constitucional deve considerar-se obrigatória perante quaisquer órgãos do poder político (Crisaffuli). Mais do que isso: a eventual mediação concretizadora pela instância legiferante, das normas programáticas, não significa que este tipo de normas careça de positividade jurídica autônoma, isto é, que a sua normatividade seja apenas gerada pela iterpositio do legislador; é a positividade das normas-fim e normas-tarefa (normas programáticas) [acrescento eu, tudo isto vale para a fixação de princípios e a imposição da tarefa de proteger a probidade, a moralidade e a normalidade das eleições] que justifica a necessidade de intervenção dos órgãos legiferantes. Concretizando melhor, a positividade jurídico-constitucinal das normas programáticas significa fundamentalmente: (1) vinculação do legislador, de forma permanente, à sua realização (imposição constitucional); (2) vinculação positiva de todos os órgãos concretizadores, devendo estes tomá-las em consideração como diretivas materiais permanentes, em qualquer dos momentos da atividade concretizadora (legislação, execução, jurisdição); (3) vinculação, na qualidade de limites materiais negativos, dos poderes públicos, justificando a eventual censura, sob a forma de inconstitucionalidade, em relação aos atos que as contrariam. (No Direito Constitucional e Teoria da Constituição p. 1049/1051).

O argumento não é desconhecido da doutrina brasileira. Luis Roberto Barroso discorrendo sobre o Neoconstitucionalismo e constitucionalização do Direito. O triunfo tardio do Direito Constitucional no Brasil, em artigo publicado na Revista da EMERJ, vol. 9, nº.33/2006 observa que:

O reconhecimento de normatividade aos princípios e sua distinção qualitativa em relação às regras é um dos símbolos do pós-positivismo (v. supra). Princípios não são, como as regras, comandos imediatamente descritivos de condutas específicas, mas sim normas que consagram determinados valores ou indicam fins públicos a serem realizados por diferentes meios. A definição do conteúdo de cláusulas como dignidade da pessoa humana, razoabilidade, solidariedade e eficiência também transfere para o intérprete uma dose importante de discricionariedade. Como se percebe claramente, a menor densidade jurídica de tais normas impede que delas se extraia, no seu relato abstrato, a solução completa das questões sobre as quais incidem. Também aqui, portanto, impõe-se a atuação do intérprete na definição concreta de seu sentido e alcance.

O Tribunal Constitucional de Portugal vem aplicando diretamente o princípio da proporcionalidade em inúmeros casos merecendo lembrança o Acórdão n. 634/93 (processo n. 94/92), relator para o acórdão Conselheiro Luis Nunes de Almeida, julgado em 04 de novembro de 1993; o Acórdão n. 451/95 (processo n. 153/95), relator Conselheiro Guilherme da Fonseca, julgado em 06 de julho de 1995 e o Acórdão n. 274/98 (processo n. 272/97) relator Conselheiro Ribeiro Mendes, julgado em 9 de março de 1998, todos disponíveis : na página do Tribunal na internet [clique aqui para ler].

Entre nós o Supremo Tribunal Federal e demais tribunais vêm aplicando diretamente o princípio da proporcionalidade desde a década de 50 do século XX, muito embora ainda identificando-o com um único de seus aspectos, o da proibição de excesso. Merecem lembrança o RE n. 18.351 relatado pelo Ministro Orosimbo Nonato e julgado em 21 de setembro de 1951, quando mesmo sem referir diretamente ao princípio da proporcionalidade foi afastada a incidência de uma lei tributária do estado de São Paulo considerando que o poder de taxar não pode chegar a desmedida do poder de destruir.. É um poder, em suma, cujo exercício não deve ir até o abuso, ao excesso, ao desvio…

Outro julgamento memorável foi proferido no HC n. 45.232, relatado pelo Ministro Temístocles Cavalcanti e corajosamente julgado em meio a regime militar em 21 de fevereiro de 1968, assinalando que o § 35 do art. 150 da Constituição de 1967, fundamento para declarar a inconstitucionalidade de parte do Decreto-lei 314 de 1967 (lei de segurança nacional) compreendia todos os direitos não enumerados, mas que estão vinculados às liberdades, no regime de direitos e à instituições políticas criadas pela Constituição.

A proporcionalidade e razoabilidade foram invocadas explicitamente no julgamento da ADIN n. 855-2, relatada pelo Ministro Sepúlveda Pertence, julgamento realizado em 1º de julho de 1993 e na ADI-MC n. 2667, acórdão publicado no DJ de 12/03/2004 pág. 00036, da relatoria do Ministro Celso de Mello. Vale a recordação de trecho daquela rica ementa:

Todos os atos emanados do poder público estão necessariamente sujeitos, para efeito de sua validade material, à indeclinável observância de padrões mínimos de razoabilidade. As normas legais devem observar, no processo de sua formação, critérios de razoabilidade que guardem estrita consonância com os padrões fundados no princípio da proporcionalidade, pois todos os atos emanados do poder público devem ajustar-se à cláusula que consagra, em sua dimensão material, o princípio do substantive due process of law. Lei Distrital que, no caso, não observa padrões mínimos de razoabilidade.

Exigência de razoabilidade qualifica-se como parâmetro de aferição da constitucionalidade material dos atos estatais. Exigência de razoabilidade – que visa inibir e a neutralizar eventuais abusos do Poder Público, notadamente no desempenho de sua funções normativas – atua, enquanto categoria fundamental de limitação dos excessos emanados do Estado, como verdadeiro parâmetro de aferição da constitucionalidade material dos atos estatais.

Excelentíssimo Senhor Presidente, excelentíssimos senhores julgadores, pedindo desculpas pela demora desta intervenção concluo.

As condições estão dadas. É o momento de dar um passo adiante. Já se reconhece a força normativa dos princípios constitucionais. Já se admite a proporcionalidade como parâmetro de aferição da constitucionalidade material. Já se reconhece que a proporcionalidade tem um duplo aspecto: proíbe o excesso, mas também fulmina de inconstitucional a solução legislativa ou executiva que dá proteção insuficiente aos bens que a constituição elegeu como essenciais. A constituição exige garantia da probidade e da moralidade no exame das condições para representação política e como medida de legitimidade das eleições. A Lei Complementar não oferece proteção suficiente aos princípios constitucionais, deve ser declarada inconstitucional e complementada por provimento aditivo que interprete conforme a constituição os dispositivos do art. 1º da Lei das Inelegibilidades ampliando o âmbito da sua incidência.

Diante de prova firme de improbidade, de prática de crime infamante, de abuso de poder, de corrupção ou de fraude, fatores que inabilitam para o exercício do mandato, o pedido de registro de candidatura tem de ser indeferido.


11. O eminente relator juiz Célio Thomaz Júnior determinou a intimação da requerente assegurando o contraditório e a ampla defesa e levou o feito a julgamento na sessão de quarta-feira, dia 23 de agosto de 2006. Tendo travado contato direto com as provas juntadas proferiu voto pelo indeferimento do registro destacando: que a requerente teve contra si decretada indisponibilidade de bens em Ação Popular em curso na 17ª Vara Federal e, literalmente que, quanto ao conjunto probatório constante dos autos, posso citar a V. Exas. que existem os inquéritos mencionados pelo ministério público; os depoimentos de um ex-servidor da previdência social; o depoimento sigiloso de seu ex-marido; documentos de “caixa dois” de campanha eleitoral passada, apreendidos em operação da polícia federal; movimentações financeiras do seu irmão com o seu marido à época.. quase mil documentos. Concluindo acrescentou o exmo. Relator como se vê a candidata, por diversas vezes encontra-se envolvida em denúncias de irregularidades e ilegalidades, o que me faz presumir que a mesma possui conduta incompatível com a probidade administrativa, e ainda com a moralidade que deve nortear a atuação de todos os agentes públicos.

12. Contudo, prevaleceu no Acórdão, por maioria, vencido o relator, o voto dissidente do Desembargador Rudi Loewenkron, acompanhado pelos juízes Antonio Jayme Boente, Jaqueline Montenegro e Rodrigo Cândido de Oliveira. O voto divergente da Desembargadora Federal Vera Lúcia Lima da Silva embora coincidente no resultado do deferimento da candidatura teve fundamento distinto, nega a possibilidade de indeferimento fora das hipóteses expressas e restritivamente interpretadas do art. 1º da Lei Complementar. A ilustrada maioria, no entanto, reconheceu a possibilidade em tese de se interpretar conforme a constituição a Lei das Inelegibilidades, na linha de outros julgados do E. Tribunal Regional Eleitoral do Rio de Janeiro.

13. A tese vencedora, aqui recorrida, portanto, encontra seu fundamento no voto líder da divergência, a saber:

DES. RUDI LOEWENKRON: Senhor Presidente, vou pedir vênia ao ilustre relator, antes enaltecendo a preocupação de Sua Excelência, bem como o tempo dispensado ao detalhamento para equacionar essa questão, porém, neste processo, minha condição de respeito à justiça me obriga a estar em uma posição antagônica a Sua Excelência. Explico o porquê a seguir.

Pelo que ouvi, foram três as causas que levaram Sua Excelência a concluir pelo indeferimento da candidatura. A primeira seria o inquérito no Supremo Tribunal Federal. A outra seria a questão – que Sua Excelência pode até não ter abraçado — da CPI das Sanguessugas, mas consta do pedido do Ministério Público Eleitoral. Por fim, a questão da dívida eleitoral, levantada também pelo Procurador Regional. Vou começar pela última.

A dívida eleitoral, pelo que fui informado, é uma dívida parcelada, portanto, a Fazenda concordou em recebê-la dessa forma. Não estando vencida, não é exigível, então, não poderia fundamentar a inelegibilidade da candidata.

No tocante à CPI das Sanguessugas, realmente é citada, mas por um deslize, defeito ou pecado de uma assessora. Parece que a assessora teria recebido cerca de 15 mil reais, mas até agora não se materializou uma ligação maior dessa pessoa com a senhora Laura Carneiro, a não ser o fato de ser sua assessora.

Acredito que qualquer um de nós, numa situação dessa importância, num contexto como o desse escândalo, pode se ver envolvido por um assessor ou secretário mal escolhido. Assim, não permitir que a postulante concorra às eleições me parece um exagero que poderia fomentar uma temeridade.

Finalmente, o inquérito do Supremo Tribunal Federal que, pelo volume, parece ser algo muito vasto, mas vejam bem, pelo que fui informado, trata-se de um inquérito de 2002, sendo que concorreu naquela eleição. Então, na ocasião da abertura do inquérito, creio que essa seria uma matéria viva para justificar o impedimento, mas se depois de instaurado esse inquérito ela pôde concorrer e exercer mandato de quatro anos, não me parece que esse seja um fato novo a justificar, agora, o impedimento do direito de concorrer.

Repito, para aquela eleição em que foi inscrita, os fatos alegados naquela ocasião poderiam justificar o indeferimento do registro, desde que em cima desse inquérito viesse algo novo, pelo menos uma denúncia. Se desde 2002 esse inquérito está tramitando, não tendo sido denunciada a postulante e, nesse meio tempo, candidatou-se na eleição pretérita, apresentou-se ao eleitorado, foi eleita, exerceu mandato, parece-me que agora não podemos ressuscitar isso, pelo menos enquanto não houver fato novo.

Assim sendo, Senhor Presidente, pedindo mil vênias ao eminente Juiz Célio Thomaz Junior, por quem tenho profunda admiração — até pela representatividade que Sua Excelência traz para essa Corte, por ser um representante dos advogados —, vou deferir a candidatura da Sra. Laura Carneiro.


14. Tal entendimento colide com os princípios constitucionais, se afasta do sentido buscado na legislação eleitoral reformada com a Lei n. 11.300/2006, não assegura suficiente proteção à moralidade, contra o abuso de poder, a corrupção e a fraude e, principalmente, destoa das provas reunidas.

15. Afinal o que consta dos autos do requerimento de registro de candidatura de Laura Carneiro? Não se diga que as provas dizem respeito a terceiros. Não dizem. Desde a origem da investigação pela Força Tarefa da Polícia Federal, INSS e Ministério Público para combate às fraudes previdenciárias, em 2001, o que se investigou e se confirmou foi a notícia de que a deputada Laura Carneiro usou do mandato político para influindo nas nomeações para cargos de confiança estratégicos na movimentada Agência Copacabana do INSS na Zona Sul da cidade do Rio de Janeiro, permitir enriquecimento pessoal dos envolvidos e recursos ilícitos para financiamento de campanhas eleitorais da própria requerente.

16. A deputada Laura Carneiro foi acusada de integrar quadrilha que lesou o INSS no começo da década em R$ 222.677,51. Segundo apurado na ação penal em curso na 5ª Vara Federal Criminal do Rio de Janeiro e no Inquérito 1819 do STF a requerente operava por meio de seu irmão o acusado Jorge Miguel Bustamente Monteza, responsável financeiro pelas campanhas de Laura, do seu ex-marido Luiz Etério Teixeira Ventura, de Luiz Alberto Botelho Salgado, servidor do INSS lotado na Agência e diretamente envolvido nas fraudes e que depois foi cedido para trabalhar na Câmara dos Deputados no gabinete de Laura, como faz certa a publicação do DOU às fls. 167, entre outros servidores. Os autos trazem prova indiscutível de que a deputada já havia se servido de recursos ilegais operados pelo seu irmão na campanha de 1998 (todo o volume IV e volume V dos autos). E é notório o envolvimento da requerente, que revelando um estilo próprio e cuidadoso de agir, continua se valendo de assessores e pessoas que lhe são muito próximas, no recente episódio da máfia das ambulâncias.

17. Não se pense que a constatação destes fatos graves se deu a partir de iniciativa do ex-marido, que se trata de um conflito de casal. O conhecimento da participação da deputada nas fraudes veio antes do depoimento do ex-marido, tem origem em cinco sucessivos, claros e coerentes depoimentos prestados com assistência de advogado por Luiz Cláudio Giorno Gomes, em 15/10/2001 (fls. 138/142) em 18/10/2001 (fls. 143/149), em 05/11/2001 (fls. 150/159) e em 13/12/2001 (fls. 160/163). Desde o seu primeiro depoimento Luiz Cláudio afirmou que parte do dinheiro que era desviado do INSS e entregue ao Gerente Sul, o co-réu Luiz Alberto, destinava-se ao enriquecimento pessoal e ao financiamento da campanha eleitoral da deputada federal Laura Carneiro e de deputados e servidores a ela ligados (fls. 95). E que entregava mensalmente a quantia de quarenta a cinqüenta mil reais ao co-réu Luiz Alberto Botelho Salgado com contribuição para a “caixinha” destinada á deputada federal Laura Carneiro. Lembre-se que Luiz Alberto foi nomeado por indicação de Laura e depois de deflagrada a investigação foi lotado no gabinete da parlamentar na Câmara dos Deputados.

18. É bem verdade que estes fatos foram confirmados por Luiz Etério, ex-marido da requerente. Mas isto, longe de afastar sua contundência, apenas confirma a suspeita inicial. Além do mais, tudo o que Luiz Etério afirmou depondo em juízo se confirmou nas buscas e apreensões determinadas pela Justiça Federal: a posição privilegiada do irmão de Laura no grupo, o caixa dois de campanha, a movimentação financeira de recursos no estrangeiro…

19. A requerente só não está denunciada criminalmente por estes fatos porque vem manejando com muita competência os instrumentos de defesa processual. Meios e procedimentos que atrasam o exame, pela Justiça, do mérito da questão. Cometeu ou não cometeu crimes? Merece ou não pena? A Justiça ainda não teve oportunidade de dizer. Ora, essas formalidades jurídicas são aceitáveis no processo criminal como garantia das liberdades diante do dano irreparável que alguém pode vir a sofrer se for condenado a cumprir pena por um erro judiciário. Porém, aqui, em sede de registro de candidatura a punibilidade não está em discussão.

20. Com estas manobras, e o Agravo Regimental no STF é exemplo vivo, a requerente tem conseguido retardar a investigação no Supremo Tribunal. Pois bem, esta situação da deputada só reforça a evidência de que a Justiça Eleitoral, e a sociedade em nome de quem a Justiça Eleitoral decide, não pode ser obrigada, como impropriamente determina a Lei da Inelegibilidades, a esperar uma decisão definitiva no plano da Justiça Comum para dizer se o comportamento comprovado do pretendente a uma candidatura é ou não imoral.

21. A isto se soma o decreto da indisponibilidade de bens, em virtude de ação popular cujo objeto não ficou esclarecido. Trata-se de medida extrema que nenhum magistrado adota sem ponderar muito sobre a plausibilidade da tese e fora de situações graves.

22. O argumento que empolgou o TRE, de que os fatos são antigos não procede. O que se vê é uma prática incompatível com o cargo postulado reiterada no tempo. E são fatos muito graves. Pilhar o patrimônio público. Abusar do mandato. Lançar mão de recursos clandestinos para financiamento de campanha. Ocultar patrimônio no estrangeiro. Não surpreende que a deputada, tendo se mantido impune todo este tempo volte agora a surgir nas manchetes dos jornais e no relatório da CPMI como envolvida em novas práticas condenáveis.

23. Diante de todo o exposto espera e requer seja reformado o acórdão que diverge da jurisprudência do TSE e do TRE/SP ao dispensar de prova de objeto da folha criminal e que viola o artigo 1º da LC 64/90 interpretado conforme o art. 14, §§ 9º de 10º da Constituição da República, ao admitir registro mesmo diante de prova inequívoca de vida pregressa incompatível com o mandato pleiteado, indeferindo-se o registro de candidatura de Maria Laura Monteza de Souza Carneiro.

Rio de Janeiro, 25 de agosto de 2006.

ROGÉRIO SOARES DO NASCIMENTO

Procurador Regional Eleitoral substituto

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