É só paquera

Carícia e convite para sair não significam assédio sexual

Autor

24 de agosto de 2006, 13h12

A carícia nas mãos de uma funcionária ou convite para sair não é suficiente para caracterizar assédio sexual. O entendimento da 11ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região, São Paulo, serviu para livrar as sócias de uma empresa de indenizar uma funcionária. A ação foi ajuizada por que o pai das empresárias acariciou a mão e fez propostas para a autora da ação.

Depois de demitida, a ex-funcionária entrou com ação na 57ª Vara do Trabalho de São Paulo. Alegou que foi assediada pelo pai das proprietárias do estabelecimento comercial. Ela atuava em uma loja da mesma empresa, mas em endereço diferente. Porém, ia pelo menos duas vezes por semana na loja das sócias para entregar documentos da contabilidade. Disse que o pai das proprietárias chegou a oferecer dinheiro para que os dois saíssem juntos.

Uma testemunha ouvida no processo afirmou que viu o pai das empregadoras acariciar a mão da funcionária, que “evitava o contato ou levava na brincadeira”.

A primeira instância negou o pedido de indenização por danos morais. Considerou que o ato não foi praticado no local do trabalho. Também levou em conta que as provas colhidas não foram suficientes para caracterizar o assédio sexual.

A ex-funcionária recorreu ao TRT-SP. O juiz Carlos Francisco Berardo, relator do recurso, confirmou a decisão. Para ele, “o procedimento do genitor das sócias não chegava à ousadia da conduta física”. O juiz observou ainda que “a recorrente, cautelosa, em geral ligava para avisar que estaria chegando a fim de que um empregado a acompanhasse para prevenir o assédio”.

“É de se considerar também que, no mundo atual, tanto os homens como as mulheres bem sabem, pelas informações constantes que chegam ao conhecimento de todos pelos meios de comunicação, que não somos propriamente ‘anjos assexuados’, indenes das limitações e demais circunstâncias próprias da condição humana”, concluiu. A decisão da 11ª Turma foi unânime.

Processo 01.4052.00505.70200-8

Leia a íntegra da decisão

PROCESSO TRT/SP nº 01405200505702008 – 11ª TURMA

RECURSO ORDINÁRIO

Recorrente: xxxxxxxx

Recorrido: xxxxxxxxx

Recurso ordinário. Dano moral. Assédio sexual. Art. 5º, inciso X, da Constituição Federal; art. 186 do Código Civil. Art. 216-A do Código Penal (Lei nº 10.224/01). Analogia. A prova dos autos evidencia que simples “carícia” nas mãos da recorrente, ou convite para sair, feito pelo genitor das sócias, sem outras conseqüências, não é suficiente para caracterizar assédio sexual. Ademais a recorrente comparecia apenas um ou duas vezes na loja, somente para levar numerário, já que trabalhava em outro local. Relevância da comunicação da MM. Juíza com as partes na instrução do feito. Recurso a que se nega provimento.

I – Relatório

Adoto o relatório da r. sentença de fls. 60/62, que julgou procedente em parte a reclamação da qual recorre a trabalhadora, pelas razões de fls. 64/71, mencionadas em seguida.

Há contrariedade.

Em síntese, é o essencial.

II – Fundamentação

Conheço.

A recorrente aduz que há nulidade pelo cerceamento de prova, com prejuízo processual manifesto e, portanto, com ofensa ao art.5º/LV/CF., em face do não-adiamento da audiência e da condução coercitiva da testemunha, na forma requerida, cuja ouvida era essencial.

Assegura, ainda, que, procede o pedido de dano moral porque restou comprovado que a reclamada atuava em dois endereços, sendo que num deles o pai das sócias operava o caixa e assediava sexualmente a recorrente.

Nulidade

Rejeito.

Consta, do termo de fl. 15, que a sessão foi adiada, em atenção ao requerimento da ora recorrente, “tendo em vista o não-comparecimento das testemunhas”. O referido termo registra que a parte assumiu o compromisso de “trazer a referida testemunha espontaneamente, independentemente de notificação, sob pena de preclusão”.

Nessa ordem, o E. Juízo, atento ao que dispõe o art. 765 da CLT (ao qual afeiçoou-se inteiramente a r. sentença revisanda), na sessão seguinte (fl. 23) indeferiu novo adiamento e condução coercitiva, à vista da ausência de prova da intimação das testemunhas, referindo ainda, a possibilidade de adoção de outros meios como carta registrada. Diga-se, modo usualmente adotado na Justiça do Trabalho. Ou, ainda, requerimento prévio ao juízo.

A amplitude do direito de prova foi assegurado. Nesse conceito (de amplitude) não se vislumbra a largueza e amplidão ansiada pela recorrente. Facultou-se à mesma recorrente todos os meios de prova.

Ao se considerar o princípio do “devido processo legal”, na forma consagrada pelo art. 5º, inciso LV, da Constituição vigente (sobretudo quanto à garantia de “ampla defesa”), recomendam as normas de hermenêutica que se interprete num contexto amplo, de forma sistemática. E não isoladamente. Inclusive; e de forma principal; no que diz respeito à sua efetividade, de modo a ensejar a atuação da vontade da lei no caso concreto. Além dos escopos políticos e sociais.

E essa efetividade que significa que o processo deve ser apto a cumprir integralmente toda a sua função sócio-político-jurídica, atingindo em toda a plenitude os seus escopos institucionais tem de considerar, entre outras, as limitações próprias do processo, em que se procura realizar o valor-base justiça, limites esses estabelecidos pelo próprio legislador (Dinamarco). No caso, a celeridade e o evitar os adiamentos sucessivos, em face da incúria da ora recorrente.

Resta íntegro o art. 5º/LV/CF. Rejeito a preliminar.

Dano moral

A prova evidencia que a ora recorrente comparecia na loja da Rua xxxxxx (duas vezes ao dia, segundo consta do depoimento da trabalhadora, no início e no final da jornada).

Disse ainda que “o Sr. xxxxx oferecia dinheiro para a depoente sair com ele e tentava acariciar sua mão”.

xxxxxx (cujo depoimento foi providenciado pela própria recorrente e, portanto, pode – e deve – ser considerado como isento) afirmou (fl. 124) o seguinte:

“… em duas ocasiões, em datas não recordadas o depoente presenciou o Sr. xxxxxxx convidar a reclamante para sair; não lembra o que a reclamante respondia, porque quando o depoente se aproximada xxxxxxx mudava de assunto; o depoente viu o xxxxxx “acariciar” a mão da depoente, sendo que ela evitava o contato ou levava na brincadeira; este fato foi presenciado duas vezes”.

Estes são os fatos.

A MM. Juíza, ao examiná-los, considerou que não são suficientes para caracterizar o dano moral resultante de assédio sexual.

E a MM. Juíza foi quem instruiu o feito. Portanto, sua visão pessoal ao interrogar as partes e as testemunhas tem de ser preservada e constitui condição essencial para a avaliação de fatos como os que estão sob exame.

Na realidade, não há outros indicadores como, v.g., a maneira de trajar da autora; seu comportamento usual; seu relacionamento com os demais colegas; sua trajetória profissional, etc. o que dificulta sobremaneira a análise.

Verifica-se que o procedimento do genitor das sócias da reclamada não chegava à ousadia da conduta física narrada por Aloysio Santos (no livro Assédio Sexual nas Relações Trabalhistas e Estatutárias, Forense, 2ª edição, p. 83) como: “roçada e a esfregada no corpo desejado, os beliscões ousados, as apalpadelas, a bulinagem, bem como exibição de fotos, vídeos ou filmes e, ainda, as carícias avançadas, etc.” Menciona ainda o autor, a analogia com o art. 216-A do Código Penal, com melhor técnica legislativa.

E a recorrente, cautelosa, mencionou que “em geral ligava para avisar que estaria chegando a fim de que um empregado a acompanhasse para prevenir o assédio de xxxxxxxx”.

Tais manifestações, segundo entendo, não são suficientes para caracterizar o assédio sexual. Neste ponto, cumpre ressaltar que a avaliação da MM. Juíza (que também é mulher e tem, portanto, sensibilidade própria e bem maior que o juiz, na avaliação de tal linha de conduta) subsiste.

A presença na outra loja (e, portanto, a dependência da recorrente, resultante do contrato de trabalho), era eventual, não-continuada, intermitente. Portanto, heterotópica.

É de se considerar também que, no mundo atual, tanto os homens como as mulheres bem sabem, pelas informações constantes que chegam ao conhecimento de todos pelos meios de comunicação, que não somos propriamente “anjos assexuados”, indenes das limitações e demais circunstâncias próprias da condição humana.

Mantenho.

III – Dispositivo

Por todo o exposto rejeito a preliminar de nulidade e, no mérito, nego provimento.

CARLOS FRANCISCO BERARDO

Juiz Relator

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!