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Fornecimento de energia pode ser suspenso por falta de pagamento

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23 de agosto de 2006, 13h08

Como não pode a concessionária deixar de fornecer o serviço, também não pode o usuário negar-se a pagar o que consumiu sob pena de se admitir o enriquecimento sem causa, com a quebra do princípio da igualdade de tratamento das partes.

Com esse entendimento, a 2ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, manteve a decisão de segunda instância que endossou o corte do fornecimento de energia elétrica de usuário inadimplente. No caso, a Light Serviços de Eletricidade suspendeu, por falta de pagamento, o fornecimento de energia elétrica para a empresa Mottasport Academia.

De acordo com o processo, houve prévio aviso. Com a decisão, a empresa recorreu ao STJ alegando ilegalidade da suspensão devido à violação dos princípios da continuidade e da dignidade da pessoa humana. Não conseguiu. A Turma negou o recurso e manteve a decisão do TJ-RJ.

Segundo a ministra, é permitido o corte de serviço, mas com o precedente aviso de advertência. No caso, sustentou a relatora, a suspensão ocorreu em virtude da falta de pagamento das contas e o consumidor avisado previamente de que tal fornecimento seria interrompido.

Para a ministra Eliana Calmon, admitir a falta de pagamento por um período indeterminado sem a possibilidade de suspensão do serviço é consentir com o enriquecimento sem causa de uma das partes, fomentando a inadimplência generalizada e comprometendo o equilíbrio financeiro da relação e a própria continuidade do serviço, com reflexos, inclusive, no princípio da modicidade. “O custo do serviço será imensurável a partir do percentual de inadimplência, e os usuários que pagam em dia serão penalizados com possíveis aumentos de tarifa.”

Ressaltou, também, que a política tarifária do setor de fornecimento de energia é fortemente regulada e estabelecida pelo Poder Público, tanto é que as tarifas têm valores diferenciados, sendo classificadas por faixas distintas conforme a atividade ou nível sócio-econômico do consumidor, estando fora de questão admitir-se a prestação gratuita dos serviços.

“Sob o aspecto da norma específica, estão as concessionárias autorizadas a suspender os serviços quando não pagas as tarifas; sob o aspecto ontológico, não se conhece contrato de prestação de serviço firmado com empresa pública, cujo não-pagamento seja irrelevante para o contratado; sob o ângulo da lógica capitalista, é impossível a manutenção de serviço gratuito por parte de grandes empresas que fazem altos investimentos”.

Tema divergente

Em seu voto, de nove páginas, a ministra Eliana Calmon reconhece que a suspensão de serviço público por falta de pagamento não constitui um direito absoluto e admite que o tema encontra divergências no próprio STJ, embora hoje, majoritariamente, colham-se depoimentos em favor da legalidade do corte de fornecimento em razão do inadimplemento.

Citando vários autores, a ministra ressalta que o que define a natureza jurídica da prestação do serviço essencial é o seu do sistema de remuneração. Assim, ela explicou que não se pode confundir taxa com tarifa ou preço público, como já advertido pela Súmula 545/STF: se o serviço público é remunerado por taxa, não podem as partes cessar a prestação ou a contraprestação por conta própria; se for por tarifa, que é uma remuneração facultativa oriunda da relação contratual na qual impera a manifestação da vontade, o particular pode interromper o contrato.

Segundo a ministra, ainda não há unidade sobre o tema, pois uma corrente defende a aplicação do Código de Defesa do Consumidor somente aos serviços remunerados por tarifa e uma outra entende que o CDC é aplicável indistintamente a todos os serviços, sejam eles remunerados por taxa ou tarifa. “Lamentavelmente o impasse doutrinário não foi ainda solucionado pela jurisprudência, extremamente vacilante nesse especial aspecto, inclusive nesta Corte de Justiça”, ressaltou.

Resp 798.204

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