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Dono de empresa não pode falar palavrão a funcionárias

23 de agosto de 2006, 7h00

Por Priscyla Costa

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Dono de empresa não pode tratar empregada como trata outros funcionários do sexo masculino e falar palavrões. O entendimento é da 2ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região. Os juízes condenaram uma loja de carros a indenizar uma ex-empregada, que ouvia de seu patrão palavras de baixo calão.

A ação foi ajuizada na 62ª Vara do Trabalho de São Paulo. A trabalhadora afirmou que o proprietário da empresa a tratava com palavras agressivas e que ela chegou a chorar, por todo o constrangimento sofrido. Testemunhas ouvidas no processo confirmaram a versão.

A primeira instância acolheu o pedido de indenização por dano moral. O valor foi fixado em seis meses de salário da empregada. A empresa recorreu. Alegou cerceamento de defesa porque uma das principais testemunhas não foi ouvida no processo e que o outro depoimento estava “repletos de vícios ou inverdades”.

O juiz Sergio Pinto Martins, relator do caso, não acolheu o argumento. Para ele, apesar dos vícios, a palavra da testemunha “foi condizente com a realidade dos fatos”.

Também “ficou demonstrado o dano moral sofrido pela autora” que, inclusive, chorava escondido, de acordo com a decisão. “O dono da empresa não poderia tratar a autora como tratar outros funcionários do sexo masculino, falando palavrões”, considerou.

A 2ª Turma, por unanimidade, manteve a sentença. As partes podem recorrer.

Leia a íntegra da decisão

Proc. n.º 20050334934 (01978.2004.062.02.00-6)

62ª Vara do Trabalho de São Paulo

Recorrente: Menon Automóveis Ltda

Recorrido: Zilda Zulatto

EMENTA

Dano moral. Caracterização.

A testemunha declarou que o proprietário da empresa tratava a autora com palavras de baixo calão. Após esse tratamento, presenciou a autora chorando. Dano moral configurado.

RELATÓRIO

Interpõe recurso ordinário Henon Automóveis Ltda afirmando que houve cerceamento de defesa por não ter sido ouvida sua testemunha. A recorrida devia dinheiro para a empresa. Não restou configurado o dano moral. Deve ser dado provimento ao recurso para modificar a sentença.

É o relatório.

II- CONHECIMENTO

O recurso é tempestivo. Houve pagamento das custas e do depósito recursal, na forma legal (fls. 134/5). Conheço do recurso por estarem presentes os requisitos legais.

III- FUNDAMENTAÇÃO

VOTO

1. Cerceamento de defesa

Não haveria nenhum valor a ser dado ao depoimento dos informantes que não foram ouvidos na audiência. Todos eles confirmaram ter amizade íntima com o proprietário da empresa. A testemunha Júlio Cesar tem o dono da empresa como padrinho de casamento. A testemunha Carlos freqüenta a casa do dono da empresa e vice-versa.

Não há cerceamento de defesa. Rejeito a preliminar.

2. Vínculo de emprego

Os depoimentos não estão repletos de vícios ou inverdades, mas são condizentes com a realidade dos fatos.

A empresa não disse quais são os documentos e onde eles se encontram nos autos para demonstrar que a testemunha não trabalhou em todo o período mencionado.

Cabia à empresa ter trazido testemunhas que indicassem o real período trabalhado pela testemunha Guaracy, o que não foi feito.

A testemunha não tem obrigação de saber exatamente o dia que entrou e o que saiu da empresa, mas o período trabalhado.

Os documentos juntados pela empresa em relação à testemunha Guaracy mostram que a testemunha fez vendas, mas não exatamente o período trabalhado pela testemunha. A empresa poderia juntar os documentos que queria e não de todo o período trabalhado.

Não existiu falso testemunho da testemunha Guaracy.

3. Média salarial

A empresa apurou a média dos últimos seis meses às fls. 86. Logo, não pode agora no recurso querer considerar todo o período trabalhado para efeito do cálculo da média.

A média salarial dos últimos seis meses será apurada de acordo com os documentos juntados aos autos. Dou provimento ao recurso nesse sentido.

4. Aviso prévio

O aviso prévio é devido, pois houve dispensa sem justa causa.

A sentença já mandou abater o que o autor devia à empresa (fls. 119).

Nada a deferir.

5. Férias

O pagamento de passagem aérea para Fortaleza (fls. 22) ou do bloco Seriguela não quer dizer que o autor gozou férias.

O documento de fls. 42 não mostra que o autor saiu em férias.

A concessão de férias deveria ser provada por testemunhas, por cartão de ponto, pelo recibo de férias, mas nada disso foi apontado no recurso. Mantenho.

6. Dano moral

A testemunha Guaracy declarou que o proprietário da empresa tratava a autora com palavras de baixo calão. Dizia a reclamante “caralho” e “vai tomar no cu”. Após esse tratamento, presenciou a autora chorando.

Não restou configurado nos autos que a testemunha Guaracy tivesse por objetivo beneficiar a autora e prejudicar a empresa. Disse apenas o que viu.

Foi demonstrado o dano moral sofrido pela autora.

Não houve tratamento desigual. O dono da empresa não poderia tratar a autora como tratar outros funcionários do sexo masculino, falando palavrões.

A jurisprudência mencionada no recurso não vincula o julgador, nem representa fundamento para embargos de declaração. Não precisa ser analisada, pois a análise é das razões do recurso e não do teor de acórdãos. As razões do recurso foram analisadas.

Atentem as partes para a previsão do parágrafo único do artigo 538 do CPC e artigos 17 e 18 do CPC, não cabendo embargos de declaração para rever fatos e provas e a própria decisão.

IV- DISPOSITIVO

Pelo exposto, conheço do recurso, por atendidos os pressupostos legais, rejeito a preliminar e, no mérito, dou-lhe provimento parcial para determinar que a média salarial dos últimos seis meses será apurada de acordo com os documentos juntados aos autos. Fica mantido o valor arbitrado para efeito do cálculo das custas. É o meu voto.

Sergio Pinto Martins

Juiz Relator