Carro financiado

Cartório não pode aceitar procuração para venda de carro financiado

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23 de agosto de 2006, 7h00

Todos os cartórios do Distrito Federal estão proibidos de aceitarem procurações públicas autorizando a venda de automóveis alienados fiduciariamente. A determinação é da 4ª Vara Cível de Brasília. A ação foi movida pela Defensoria Pública do Distrito Federal. Cabe recurso.

Foram acolhidos os argumentos do defensor público, Antônio Carlos Fontes Cintra, de que a lavratura das procurações por parte dos cartórios configura participação em crime. A partir de agora, todos os cartórios do Distrito Federal estão proibidos de lavrar procurações que confiram direitos de proprietário por quem não é proprietário do veículo, salvo as outorgadas diretamente pela financeira ao real comprador do veículo, sob pena de incidirem em multa de R$ 30 mil.

Uma situação comum, mas que constantemente compromete a vida da população mais carente é a venda do “ágio” de veículos financiados. Neste caso a “propriedade é transferida” para terceiros, que ficam responsáveis pelo pagamento das demais parcelas que objetivam a quitação do veículo. Mas quando os novos donos deixam de honrar com as prestações, a financeira se volta contra os devedores originários, que continuam responsáveis pela dívida e, por não terem mais o veículo para a devolução, são presos como depositários infiéis.

Leia integra da petição

Excelentíssimo Senhor Juiz de Direito da Vara de Fazenda Pública do Distrito Federal.

PROCURADORIA DE ASSITÊNCIA JUDICIÁRIA, NÚCLEO DE ASSISTÊNCIA JURÍDICA CENTRAL E DEFESA DO CONSUMIDOR, que faz as vezes da DEFENSORIA PÚBLICA no Distrito Federal, com sede no SCS ed Quadra 05 bloco B ed FARAH em Brasília DF, vêm, respeitosamente à presença de Vossa Excelência, propor, nos termos da Lei 7.347, de 24 de julho de 1985 (Lei da Ação Civil Pública) e da Lei 8.078, de 11 de setembro de 1990 (Código de Defesa do Consumidor), a presente

AÇÃO CIVILPÚBLICA, COM PEDIDO LIMINAR INAUDITA ALTERA PARTE,

em face de 1º Ofício de Notas do DF, na pessoa do representante José Eduardo Guimarães Alves, sito no CRS 505 Bl.C Lotes 1,2 e 3 Asa Sul, 2º Ofício de Notas e Protesto de Títulos do DF, na pessoa do representante Goiâno Borges Teixeira, sito no SRTVS 701 Centro Empresarial Assis Chateaubriand Bloco 1 Lojas 20/24 Asa Sul, 3ª Ofício de Notas e Protesto de Títulos do DF, na pessoa do representante José Carvalhos Freitas Sobrinho, sito no SCS Quadra 08 ED.

Venâncio 2000 Bloco B60 Sala 104 Asa Sul, 4º Ofício de Notas do DF, na pessoa do representante Evaldo Feitosa dos Santos, sito na CRN 504 Ed. Mariana Loja T39 Asa Norte, 5º Ofício de Notas do DF, na pessoa do representante Ronaldo Ribeiro de Faria, sito na CNA 02 Lote 01 Lojas 1 / 2 Praça do DI Taguatinga Norte, 6º Ofício de Notas do DF,na pessoa do representante José Eduardo de Guimarães Alves, sito na QSB 03 Lote 20 Taguatinga Sul, 7º Ofício de Notas do DF, na pessoa do representante Dennys Albert Feitosa Cabral, sito QS 406 Conjunto E Lote 01 Samambaia Norte, 8º Ofício de Notas e Protesto de Títulos do DF, na pessoa do representante Carlúcio José dos Santos, sito na Quadra 12 Lotes 28/30 Setor Central Comercial do Gama, 9º Ofício de Notas e Protesto de Títulos do DF, na pessoa do representante João Clairton Kotlinski Dearmas, sito QI 07 Lote 500 Loja Térrea Setor de Indústria do Gama, 10º Ofício de Notas e Protesto de Títulos do DF, na pessoa do seu representante Affonso Gonzaga de Carvalho, sito na CNM 01 Bloco H Lojas 1 / 3 Ceilândia Centro, 11º Ofício de Notas e Protesto de Títulos do DF, na pessoa do representante Cibele Floriano da Silva, sito na Quadra Central Bloco A Lote 01 Salas 12 /14 Quadra Central de Sobradinho, 12º Ofício de Notas e Protesto de Títulos do DF, na pessoa do representante Fernando Pereira do Nascimento, sito na Avenida Idependência Plaza Shopping Lojas 01 /03 Planaltina.

1º Ofício de Notas, Registro Civil, Protesto, Títulos e Documentos e Pessoa Jurídica do DF, na pessoa do representante Emival Moreira Araújo, sito na Avenida Central Área Especial 12 Bloco K Núcleo Bandeirante e Quadra 01 Bloco B Loja 23 Guará,

2º Ofício de Notas, Registro Civil, Protesto, Títulos e Documentos e Pessoa Jurídica do DF, na pessoa do representante Naurican Ludovico Lacerda, sito na Quadra Central Ed. Sílvio Bloco 07 Loja 05 Sobradinho.

3º Ofício de Notas, Registro Civil, Protesto, Títulos e Documentos e Pessoa Jurídica do DF, na pessoa do representante Elizio Martins Costa, sito na CSA 02 Lote 20 Loja 02 Taguatinga Sul.

4º Ofício de Notas, Registro Civil, Protesto, Títulos e Documentos e Pessoa Júridica do DF, na pessoa do representante Allan Nunes Guerra, sito na Área Especial 04 Bloco B Lote 02 Brazlândia.

1° Ofício de Registro Civil, Títulos e Documentos e Pessoa Jurídica do DF, na pessoa do representante Marcelo Caetano Ribas, sito na SCS Quadra 08 Ed. Venâncio 2000 Bloco B60 Sala 140-E Asa Sul.


2° Ofício de Registro Civil, Títulos e Documentos e Pessoa Jurídica do DF, na pessoa do representante Jessé Pereira Alves, sito na CRS 504 Bloco A Loja 07 Asa Sul.

3° Ofício de Registro Civil, Títulos e Documentos e Pessoa Jurídica do DF, na pessoa do representante Hércules Alexandre da Costa Benício, sito na Quadra 09 Conjunto 01 Lote 01 Ed. Panorama Sala 103 Paranoá,

4° Ofício de Registro Civil, Títulos e Documentos e Pessoa Jurídica do DF, na pessoa do representante Paulo Henrique de Araújo, sito na Quadra 02 Bloco A Lote 08 Gama.

5° Ofício de Registro Civil, Títulos e Documentos e Pessoa Jurídica do DF, na pessoa do representante Luiz Augusto Geaquinto dos Santos, sito na CNA 03 Lote 02, Praça do DI Taguatinga Norte.

6° Ofício de Registro Civil, Títulos e Documentos e Pessoa Jurídica do DF, na pessoa do representante Antonio Carlos Osório Filho, sito na QI 416 Conjunto M Lotes 02/03 Loja 02 Samambaia Norte.

7° Ofício de Registro Civil, Títulos e Documentos e Pessoa Jurídica do DF, na pessoa do representante Roberto Lúcio de Souza Pereira, sito na CNM 01 Bloco H Lola 04 Ceilândia Centro.

9° Ofício de Registro Civil, Títulos e Documentos e Pessoa Jurídica do DF, na pessoa do representante Adinilson Barreto Rocha, sito na Avenida Independência Quadra 02 Bloco C/D Planaltina.

1° Ofício de Protesto de Títulos do DF, na pessoa do representante Ionara Pacheco de Lacerda Gaioso, sito na SRTVN 701 Bloco C Salas 130/140 Centro Empresarial Norte Asa Norte.

2° Ofício de Protesto de Títulos do DF, na pessoa do representante José Batista da Costa Filho, sito na SIA Quadra 04-C Lote 56 Loja 02 Ed. SIA Center I Guará e 3° Ofício de Protesto de Títulos do DF, na pessoa do representante Roberto Lúcio de Souza Pereira, sito na CRS 505 Bloco C Lojas 1/3 Asa Sul.

Preliminarmente – da Legitimidade Ativa da Defensoria Pública do Distrito Federal no Ajuizamento da Presente Ação

A causa vertente é caracterizada pela defesa de direitos coletivos ligados pela mesma relação jurídica (art. 81 II, Lei nº 8.078/90), que podem ser defendidos em juízo por órgão da administração pública direta ou indireta, ou por instituições especificamente destinadas à defesa dos consumidores (artigo 82, II, da Lei 8078/90)

Conforme disciplina o art. 4º, da Lei Complementar nº. 80/94 ( ), é função institucional da Defensoria Pública defender os interesses dos consumidores.

Por sua vez, o inciso II, do art. 5º, da Lei 7.347 de 24 de julho de 1985, legitima os órgãos que possuam finalidades institucionais de proteção ao consumidor à proposição de Ação Civil Pública:

Art. 5º – A ação principal e a cautelar poderão ser propostas pelo Ministério Público, pela União, pelos Estados e Municípios. Poderão também ser propostas por autarquia, empresa pública, fundação, sociedade de economia mista ou por associação que: (…) II – inclua entre suas finalidades institucionais a proteção ao meio ambiente, ao consumidor, à ordem econômica, à livre concorrência, ou ao patrimônio artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico: (…)

Ademais, a finalidade precípua da Defensoria Pública é defender em todos os graus, os necessitados na forma do art. 5º, inciso LXXIV, da Constituição Federal de 1988, caracterizando-se como órgão essencial à função jurisdicional do Estado.

No Distrito Federal, com o advento do Decreto nº. 22.490/01 (doc 01), a Defensoria Pública foi reestruturada como Centro de Assistência Judiciária – CEAJUR, incumbindo de prestar gratuita e integral assistência jurídica, judicial e extrajudicial, aos necessitados, compreendendo a orientação, postulação e defesa de seus direitos e interesses, em todos os graus e instâncias, inclusive o juizado especial, na forma do inciso LXXIV, do art. 5º, da Constituição Federal. ( )

Dentre suas funções essenciais, assevera o art. 3º, do referido Decreto, verbis:

São funções essenciais do CEAJUR, dentre outras:

I- promover extrajudicialmente a conciliação entre as partes em conflito de interesses;

II- patrocinar ação penal privada e a subsidiária da pública;

III- patrocinar ação civil;

IV- patrocinar defesa em ação penal;

V- patrocinar defesa em ação civil e reconvir;

VI- atuar como Curador Especial, nos casos previstos em lei;

VII- exercer a defesa da criança e do adolescente;

VIII- atuar junto aos estabelecimentos policiais e penitenciários, visando assegurar à pessoa, sob quaisquer circunstâncias, o exercício dos direitos e garantias individuais;

IX- assegurar aos assistidos, em processo judicial ou administrativos e aos acusados em geral, o contraditório e a ampla defesa, com recursos e meios a eles inerentes;

X- atuar junto aos juizados especiais cíveis e criminais;


XI- patrocinar os direitos e interesses do consumidor lesado; [sem grifos no original]

XII- patrocinar os interesses dos idosos, da mulher e dos deficientes;

XIII- celebrar contratos e convênios em nome do Distrito Federal;

XIV- ministrar palestras referentes a direitos e deveres;

XV- promover, junto aos cartórios competentes, o registro civil de nascimento e óbito da pessoas carentes;

XVI- defender os servidores civis e militares em processos administrativos e perante a Justiça Militar.

Em seqüência da hermenêutica, o art. 82, III, do Código de Defesa do Consumidor, ajusta, de resto, que serão legitimados concorrentemente as entidades e órgão da administração pública direta e indireta, especificamente destinados à defesa dos consumidores, in litteris:

Art. 82. Para os fins do art. 81, parágrafo único, são legitimados concorrentemente: (Redação dada pela Lei nº 9.008, de 21.3.1995)

I – o Ministério Público,

II – a União, os Estados, os Municípios e o Distrito Federal;

III – as entidades e órgãos da Administração Pública, direta ou indireta, ainda que sem personalidade jurídica, especificamente destinados à defesa dos interesses e direitos protegidos por este código; [sem grifos no original]

IV – as associações legalmente constituídas há pelo menos um ano e que incluam entre seus fins institucionais a defesa dos interesses e direitos protegidos por este código, dispensada a autorização assemblear.

§ 1° O requisito da pré-constituição pode ser dispensado pelo juiz, nas ações previstas nos arts. 91 e seguintes, quando haja manifesto interesse social evidenciado pela dimensão ou característica do dano, ou pela relevância do bem jurídico a ser protegido.

Portanto, uma vez confrontada as normas Constitucionais, Complementares e Distritais, bem como identificada a reestruturação da Defensoria Pública no Distrito Federal, através do Centro de Assistência Judiciária – CEAJUR, torna-se irrefragável sua legitimidade na proposição da presente Ação Civil Pública, de forma concorrente com fito a defender o consumidor lesado.

Ademais, em ocasiões anteriores em que este mesmo órgão propôs Ação Civil Pública o Ministério Público do Distrito Federal e Territórios já se manifestou pela legitimidade e assim também tem decidido o superior tribunal de Justiça.

DA LEGITIMIDADE PASSIVA

Estabelece o artigo 3º do Código de Defesa do Consumidor:

Fornecedor é toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividade de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços.

§ 2.º Serviço é qualquer atividade fornecida no mercado de consumo, mediante remuneração, inclusive as de natureza bancária, financeira, de crédito e securitária, salvo as decorrentes das relações de caráter trabalhista.

Acrescenta o artigo 22 do mesmo diploma:

Os órgãos públicos, por si ou suas empresas, concessionárias, permissionárias ou sob outra forma de empreendimento, são obrigados a fornecer serviços adequados, eficientes, seguros e, quanto aos essenciais, contínuos.

Parágrafo Único – Nos casos de descumprimento, total ou parcial, das obrigações referidas neste artigo, serão as pessoas jurídicas compelidas a cumpri-las e a reparar os danos causados, na forma prevista neste código.

Resta patente portanto que a atividade dos cartórios se enquadra dentro de uma relação de consumo, visto que exerce de forma habitual, serviço público remunerado a toda população, como consumidores finais.

Assim tem se manifestado a jurisprudência do TJDF:

Classe do Processo : APELAÇÃO CÍVEL 20000110427153APC DF

Registro do Acórdão Número : 157783

Data de Julgamento: 09/05/2002

Órgão Julgador: 3ª Turma Cível

Relator : WELLINGTON MEDEIROS

Publicação no DJU: 21/08/2002 Pág. : 87

(até 31/12/1993 na Seção 2, a partir de 01/01/1994 na Seção 3)

Ementa

DIREITO CONSTITUCIONAL — MANDADO DE SEGURANÇA – APELAÇÃO CÍVEL – SERVIÇOS NOTARIAIS E DE REGISTRO – PRAZO PARA ATENDIMENTO – AUTO DE INFRAÇÃO – LEI DISTRITAL 2.547/2000 – COMPETÊNCIA LEGISLATIVA CONCORRENTE DA UNIÃO E DO DISTRITO FEDERAL – CARTÓRIOS: RELAÇÃO DE CONSUMO – ULTRA-EFICÁCIA DO DIREITO DO CONSUMIDOR EM FACE DOS DEMAIS DIREITOS COLETIVOS – CONFORMIDADE DA LEI LOCAL COM OS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS DE PROTEÇÃO AO CONSUMIDOR – DESPROVIMENTO À UNANIMIDADE.

I – AS ATIVIDADES DESENVOLVIDAS PELOS SERVIÇOS NOTARIAIS E DE REGISTRO ESTÃO SOB A ÉGIDE DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR, DE MODO QUE, EM QUE PESE À CONDIÇÃO DE PRESTADOR DE SERVIÇO EXERCIDO EM CARÁTER PRIVADO, POR DELEGAÇÃO DO PODER PÚBLICO, CONFORME PREVISÃO DO ART. 236 DA CF, NÃO PODEM OS CARTÓRIOS SE FURTAR AO CUMPRIMENTO DAS NORMAS RELATIVAS A DIREITO DO CONSUMIDOR. ADEMAIS, A RELAÇÃO DE SUBORDINAÇÃO DOS OFÍCIOS EXTRAJUDICIAIS À FISCALIZAÇÃO DO PODER JUDICIÁRIO NADA TEM A VER COM A RELAÇÃO DE MERCADO QUE MANTÊM ENQUANTO PRESTADORES DE SERVIÇOS. CUIDA-SE DE SITUAÇÕES QUE PODEM E DEVEM CO-EXISTIR EM HARMONIA.


DOS FATOS E DO DIREITO

Todos os dias no Distrito Federal pessoas procuram cartórios, desejando lavrar procurações que autorizam o mandatário a exercer todos os direitos da propriedade, alienando o veículo para quem quiser, inclusive para si mesmo.

Ocorre Exa., que muitas vezes, talvez na maioria delas, o carro encontra-se alienado, sendo a propriedade, portanto, da financiadora e não do mandante que confere a procuração, tendo este tão somente a posse, como ocorre com todo contrato de alienação fiduciária.

Com a cessão por parte do mutuário fiduciante dos direitos de posse sobre o automóvel, procura neste caso transferir todas as obrigações que firmou junto ao mutuante fiduciário.

Contudo, como se trata de uma cessão de contrato, com alteração do pólo passivo, necessária se faz a anuência do mutuante fiduciário, o que não existe em quase a totalidade destes casos, o que não é averiguado e nem requerido pelos cartórios.

Assim, em caso de falta de pagamento das prestações restantes do financiamento por parte do terceiro adquirente que teria assumido tal obrigação, volta-se a financiadora mutuante contra o devedor originário em ação de busca e apreensão e cobrança.

Resta então um impasse sem solução com a qual este Defensor Público e todos os seus colegas de profissão de deparam constantemente: o carro não é encontrado, perdendo a financeira sua garantia de crédito. Por outro lado, não tendo o devedor originário meios de saldar a dívida, acaba sendo preso como depositário infiel, sem nada poder fazer senão voltar-se contra o terceiro.

Ocorre, todavia, que muitas vezes não se sabe sequer o paradeiro do terceiro comprador, muito menos da coisa alienada.

Como se não bastasse toda a situação de desespero do mutuário fiduciante, por vezes multas de trânsito passam a ser acrescentadas ao seu nome em vista da falta de transferência do registro junto aos órgãos de trânsito, o que faz presumir ser sua a responsabilidade pelo pagamento das multas.

Ocorre Exa, que a lavratura de tal escritura por parte dos cartórios, configura participação em crime, previsto no artigo 66-B da Lei nº 4.728, de 14 de julho de 1965, alterada pelo Decreto Lei 911, de 1º de Outubro de 1969, alterado pela Lei 10.931 de Agosto de 2004:

§ 8º O devedor que alienar, ou der em garantia a terceiros, coisa que já alienara fiduciàriamente em garantia, ficará sujeito à pena prevista no art. 171, § 2º, inciso I, do Código Penal.

Tal proteção se justifica tanto ao credor que fica sem a garantia, como ao devedor que se vê ao final na incômoda situação acima descrita. A medida extrema de uma tipificação penal de tal conduta surge para infringir maior temor social à desobediência da norma.

Assim Exa., temos que não podem mais os cartórios continuar infringindo norma penal, participando de atividades criminosas.

Tais ações se fazem sujeitas as sanções penais, podendo os oficiais de cartório serem responsabilizados como participes da conduta criminosa descrita.

Além disso, devemos lembrar que os titulares dos serviços de cartório só poderão ingressar nesta atividade mediante concurso público de provas e títulos, na forma do artigo 236, §3º, da Constituição Federal. Esses, portanto, são detentores de cargos públicos e desta forma, funcionários públicos em sentido lato.

A atividade que exercem por sua vez, é por delegação do estado, serviço público em sua natureza.

Por esta razão a jurisprudência do Supremo tribunal Federal se firmou no sentido e concluir pela possibilidade de figurar o Estado no pólo passivo de ações indenizatórias por danos causados pelos cartórios. Assim, vejamos:

“1. Cargos notariais são criados por lei, providos mediante concurso público e os atos de seus agentes, sujeitos à fiscalização estatal, são dotados de fé pública, prerrogativa esta inerente à idéia de poder delegado pelo Estado. 2. Legitimidade passiva ad causam do Estado. Princípio da responsabilidade. Aplicação. Ato praticado pelo agente delegado. Legitimidade passiva do Estado na relação jurídica processual, em face da responsabilidade objetiva da Administração. Recurso extraordinário conhecido e provido” (STF – RE 212.724 – Rel. Maurício Corrêa – DJU 06.08.1999 – Informativo do STF 156, ago./99.

“Natureza estatal das atividades exercidas pelos serventuários titulares de cartórios e registros extrejudiciais, exercidas em caráter privado, por delegação do Pode Público. Responsabilidade objetiva do Estado pelo danso praticados a terceiros por esses servidores no exercício de tais funções, assegurado o direito de regresso contra o notário, nos casos de dolo ou culpa (CF, art. 37, §6º). Negativa de trânsito ao RE. Agravo não provido” (STF – 2ª T AgReg. Em RE 209.354 – Rel. Carlos Velloso – j. 02.03.1999 – RDA 216/183)


“Conforme se depreende dos artigos 37, §6º, e 216 e seus parágrafos da CF, o exercício, mesmo em caráter privado, de atividades típicas do Poder Público não permite a ilação de que os atos cartorários extrajudiciais sãode natureza particular, pois os cargos são criados por lei, providos mediante concurso público, e os atos de seus agentes, sujeitos à fiscalização estatal, são dotados de presunçãode veracidade e legitimidade, justamente porque emanados do poder estatal, razão pela qual há de se concluir, forçosamente, da legitimidade as causam do Estado para figurar no pólo passivo de ação de reparação de danos por erro cometido por seus agentes notariais” (STF 2ª T – RE 212724-8 – Rel. Maurício Corrêa – j. 30.03.1999 – RT 169/155)

Desta forma, a prática de conferir procurações para documentar a transferência de carros alienados, que, portanto, pertencem à financiadora e não ao alienante, poderá configurar responsabilização penal dos oficiais de cartório, bem como responsabilidade civil objetiva da administração pública, por danos causados por seus agentes em atividade delegada.

Além disso, como visto, desastrosas são as conseqüências para os alienantes que são pessoas simples, incapazes de visualizar o que poderá vir a ocorrer, perdendo futuramente a liberdade e acumulando altas dívidas. Da mesma forma, grande é o prejuízo da financiadora que fica sem a garantia da dívida.

Sendo a lavratura de tais procurações, ação delituosa, no mínimo como partícipes do crime de estelionato, como visto acima, devem os cartórios ser coibidos de tal prática.

Para ilustrar e demonstrar o exercício de tal prática pelos cartórios do Distrito Federal, anexa-se à presente algumas procurações neste teor expedidas por cartórios.

DA TUTELA ANTECIPADA

Presentes se encontram os requisitos para a concessão da tutela antecipada, de forma a coibir desde já a continuidade da lavratura de tais procurações, que como descrito acima, é conduta vedada e tipificada criminalmente pela Lei.

A prova inequívoca da verossimelhança das alegações, se dá pela análise das procurações anexas que comprovam a prática cartorária e acima de tudo por serem os fatos relatados notórios, preterindo o ônus da prova, na forma do artigo 334 , I, do Código de Processo Civil.

O periculum in mora se demonstra na perpetuação dos problemas acima expostos, que, tendo origem em no mínimo participação em conduta tipificada como criminosa, deve ser imediatamente coibida.

A reversibilidade da medida também é notória, na medida em que a qualquer momento pode ser restituído ao cartório o direito de elaborar tais procurações.

DOS PEDIDOS

Ante o exposto, requer a entidade autora:

1 – A concessão de medida liminar, inaudita altera parte, com fulcro nos arts. 12 da Lei n.º 7.347/85 e 84 da Lei 8078/90, a fim de ordenar, a todos os cartórios do Distrito Federal, que se abstenham de lavrar procurações que confiram direitos de proprietário por aquele que proprietário não é, àquele que proprietário também não passará a ser, ou seja, procurações outorgadas pelo mutuário fiduciante, proibindo assim, toda procuração que verse sobre direitos de propriedade em veículos alienados fiduciariamente e que não sejam outorgadas pela própria financeira, real proprietária, sob pena de responderem por multa de R$ 15000,00 (quinze mil reais) por cada procuração lavrada após a proibição, sem prejuízo de outras sanções legais, em especial das penais acima alinhavadas.

2 – seja determinada a citação da ré, na pessoa de seus representantes legais, pelo correio, a fim de que, querendo, apresentem resposta ao pedido ora deduzido, sob pena de se sujeitarem aos efeitos da revelia;

3 – a concessão, ao final, de mandado a todos os cartórios do Distrito Federal para que se abstenham de lavrar procurações que confiram direitos de proprietário por aquele que proprietário não é, àquele que proprietário também não passará a ser, ou seja, procurações outorgadas pelo mutuário fiduciante, proibindo assim, toda procuração que verse sobre direitos de propriedade em veículos alienados ficuciariamente e que não sejam outorgadas pela própria financeira, real proprietária, sob pena de responderem por multa de R$ 15000,00 (quinze mil reais) por cada procuração lavrada após a proibição, sem prejuízo de outras sanções legais, em especial das penais acima alinhavadas.

4 – a condenação dos Réus no pagamento das custas processuais e honorários de advogado, estes a serem revertidos em favor do Programa de Assistência Judiciária – PROJUR (art. 5º inciso II da Lei Distrital nº 2.131, de 12/11/1998), a serem recolhidos junto ao Banco de Brasília – BRB, através de DAR – Documento de Arrecadação, com o código 3746 – Honorários de Advogados – PROJUR;

5 – a intimação do Ministério Público para acompanhar o presente feito na condição de custos legis ou, querendo, na condição de litisconsorte ativo.

Protesta provar o alegado por todos os meios de prova admitidos em direito, especialmente pela produção de prova oral e, caso necessário, pela juntada de documentos, e por tudo o mais que se fizer necessário à cabal demonstração dos fatos articulados na presente inicial, bem ainda pelo benefício do art. 6º, VIII, do CDC (inversão do ônus da prova, em favor dos consumidores substituídos pela entidade autora).

Dá-se à presente causa o valor de 100.000,00 (cem mil reais).

Pede deferimento.

Brasília, 21 de Fevereiro de 2006

Antonio Carlos Fontes Cintra

Defensor Público

Matrícula 113273-3

OAB-DF 19722

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