Flerte e piadinhas

Brincadeiras de mau gosto de chefe não significam assédio sexual

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20 de agosto de 2006, 7h00

A simples paquera, flerte ou “brincadeiras de gosto duvidoso” de um chefe no ambiente de trabalho não caracterizam o assédio sexual. Motivo: não há conotação sexual explícita. O entendimento é do juiz Flávio Nunes Campos, da 11ª Câmara Cível do Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região (Campinas). Ele decidiu que a Lusofe Indústria e Comércio de Calçados não precisa indenizar uma ex-funcionária. Cabe recurso.

De acordo com o processo, ela recorreu ao TRT contra a sentença de primeira instância, que rejeitou seu pedido de reparação. A ex-funcionária trabalhou na empresa por oito dias. Alegou que seu chefe a convidou para sair “para dormirem juntos, além de fazer comentários chulos diretos, na presença de outros empregados”. Segundo a ex-funcionária, ele disse que “se ela quisesse continuar trabalhando naquele local teria de transar com ele”.

Uma das testemunhas ouvidas afirmou que tudo foi dito “em tom de brincadeira” e que a ex-funcionária chegou a falar com o superior sobre os fatos. O chefe reconheceu o erro e pediu desculpas.

Para o juiz, ficou claro no processo que o superior “fazia brincadeiras de gosto duvidoso, mas, como salientado pela própria testemunha, eram apenas brincadeiras, desprovidas da obtenção da vantagem sexual”.

“Se a atitude é reprovável, visto tratar-se de pessoa casada, por outro lado, não traz em si a proposta de benefício sexual”, entendeu o juiz.

“Parece-me improvável que qualquer assediador, nas suas faculdades normais — ainda que o assédio sexual seja uma doença social —, não tenha, primeiramente, tomado pé da situação, ganhando a confiança da assediada, para, após, desferir o golpe fatal”, considerou.

Processo 01041.2005.024.015.00.4

Leia a íntegra da decisão

Decisão 028048/2006-PATR do Processo 01041-2005-024-15-00-4 RO publicado em 09/06/2006.

Recte.: Luana Priscila dos Santos

Recdo.: Luosfe Indústria e Comércio de Calçados Ltda.

Conhecer do recurso ordinário interposto, e, no mérito, negar-lhe provimento, mantendo intacta a r.sentença de origem por estes e seus próprios fundamentos.

Votação unânime.

EMENTA

ASSÉDIO SEXUAL — CARACTERIZAÇÃO — ELEMENTOS — São elementos caracterizadores básicos do assédio sexual:

1) Sujeitos: agente (assediador) e destinatário (assediado);

2) Conduta de natureza sexual;

3) Rejeição à conduta do agente; e

4) Reiteração da conduta.

A relação de poder entre os sujeitos não é essencial para a caracterização do ilícito trabalhista, diferentemente do que ocorre com a figura penal, pois aquele, em tese, poderá ocorrer entre colegas de serviço, entre empregado e o cliente da empresa e entre o empregado e o seu empregador, este último figurando como agente passivo, dependendo, logicamente, do poder de persuasão do agente ativo, e.g., coação irresistível. O comportamento sexual reprovado é composto pelos atos da conduta do agente ativo, seja ele homem ou mulher, que, para satisfazer a sua libido, utiliza-se de ameaça direta ou velada para com a pessoa objeto do seu desejo, subjugando a sua resistência. Lembremo-nos que a vítima deve ter a chance de negar o pedido do agente ativo, pois, caso contrário, o ato sexual estará sendo praticado com violência (estupro e atentado violento ao pudor). O assédio sexual pressupõe sempre uma conduta sexual não desejada pela pessoa assediada, que inequivocamente manifesta a sua repulsa às propostas do assediante. Por isso a simples paquera ou flerte não é considerado como assédio sexual, pois não há uma conotação sexual explícita. Finalmente, o assédio sexual depende da reiteração da conduta tida por ilícita por parte do assediante. Todavia, em casos excepcionais, se a conduta do assediante se mostrar insuperável é possível o afastamento do requisito em comento. A falta de qualquer um destes requisitos desfigura o ilícito de assédio sexual. ASSÉDIO SEXUAL — CULPA CONCORRENTE — Deve ser levada em conta a existência de culpa concorrente da vítima que, ainda que não justifique a violência do ato, será uma atenuante ou, talvez, uma explicação para o comportamento do assediador.

ACÓRDÃO Nº

RECURSO ORDINÁRIO

PROCESSO TRT/15ª REGIÃO Nº 01041-2005-024-15-00-4 RO

RECORRENTE: LUANA PRISCILA DOS SANTOS

RECORRIDO : LUOSFE INDÚSTRIA E COMÉRCIO DE CALÇADOS LTDA.

ORIGEM : 1ª VARA DO TRABALHO DE JAÚ

ASSÉDIO SEXUAL — CARACTERIZAÇÃO — ELEMENTOS — São elementos caracterizadores básicos do assédio sexual:

1) Sujeitos: agente (assediador) e destinatário (assediado);

2) Conduta de natureza sexual;

3) Rejeição à conduta do agente; e

4) Reiteração da conduta.

A relação de poder entre os sujeitos não é essencial para a caracterização do ilícito trabalhista, diferentemente do que ocorre com a figura penal, pois aquele, em tese, poderá ocorrer entre colegas de serviço, entre empregado e o cliente da empresa e entre o empregado e o seu empregador, este último figurando como agente passivo, dependendo, logicamente, do poder de persuasão do agente ativo, e.g., coação irresistível. O comportamento sexual reprovado é composto pelos atos da conduta do agente ativo, seja ele homem ou mulher, que, para satisfazer a sua libido, utiliza-se de ameaça direta ou velada para com a pessoa objeto do seu desejo, subjugando a sua resistência. Lembremo-nos que a vítima deve ter a chance de negar o pedido do agente ativo, pois, caso contrário, o ato sexual estará sendo praticado com violência (estupro e atentado violento ao pudor). O assédio sexual pressupõe sempre uma conduta sexual não desejada pela pessoa assediada, que inequivocamente manifesta a sua repulsa às propostas do assediante. Por isso a simples paquera ou flerte não é considerado como assédio sexual, pois não há uma conotação sexual explícita. Finalmente, o assédio sexual depende da reiteração da conduta tida por ilícita por parte do assediante. Todavia, em casos excepcionais, se a conduta do assediante se mostrar insuperável é possível o afastamento do requisito em comento. A falta de qualquer um destes requisitos desfigura o ilícito de assédio sexual. ASSÉDIO SEXUAL — CULPA CONCORRENTE — Deve ser levada em conta a existência de culpa concorrente da vítima que, ainda que não justifique a violência do ato, será uma atenuante ou, talvez, uma explicação para o comportamento do assediador.


Inconformada com a r.sentença de fls. 76/85, que julgou parcialmente procedentes os pedidos formulados na inicial, recorre a reclamante, insurgindo-se, em suma, contra o indeferimento dos pleitos de indenização por danos morais decorrente de assédio sexual de seu superior hierárquico e de honorários advocatícios.

Contra-razões às fls. 103/108.

Desnecessário, nesse momento, o recolhimento das custas processuais.

É o breve relatório.

VOTO

ADMISSIBILIDADE

Conheço do recurso ordinário interposto, uma vez preenchidos os pressupostos de admissibilidade.

DO ASSÉDIO SEXUAL

O art. 216-A do Código Penal, incluído pela Lei n° 10.224/2.001, define que comete o crime de assédio sexual aquele que constrange “alguém com o intuito de obter vantagem ou favorecimento sexual, prevalecendo-se o agente da sua condição de superior hierárquico ou ascendência inerentes ao exercício de emprego, cargo ou função”.

Maria Helena Diniz acentua que o assédio sexual é “o ato de constranger alguém com gestos, palavras ou com emprego de violência, prevalecendo-se de relações de confiança, de autoridade ou empregatícia, como o escopo de obter vantagem sexual” (in Dicionário Jurídico, ed. Saraiva, vol. 1, pág. 285).

José Wilson Ferreira Sobrinho conceitua o assédio sexual como sendo “o comportamento consistente na explicitação de intenção sexual que não encontra receptividade concreta da outra parte, comportamento esse reiterado após a negativa” (in Assédio sexual e justa causa, repertório IOB de Jurisprudência, IOB, fev/1996, n. 4, pág. 62).

Rodolfo Pamplona Filho informa que a denominação assédio sexual“ corresponde ao inglês “sexual harassment”, que também traz, em si, a idéia de insistência — reiteração — nas propostas — “convites” — para a prática de ato com conotação sexual (ainda que haja resistência expressa a eles), o que é um elemento necessário para a sua caracterização” (in Assédio Sexual: questões conceituais — Jus Navegandi — Doutrina).

Ressalta, ainda, lembrando Alice Monteiro de Barros, que alguns “autores equiparam o assédio sexual ao uso medieval do “jus primae noctis” (direito à primeira noite), que obrigava as recém-casadas a passarem a noite de núpcias com o senhor do lugar, havendo decisão, de 1.409, na França, declarando ilícita essa prácita”.

Percebemos, então, que o assédio sexual é uma violação do princípio da liberdade sexual, que é uma expressão do direito à intimidade e à vida privada, podendo estar relacionado ao direito à integridade física, que inclui o direito à vida e ao próprio corpo.

Para Maria Helena Diniz a liberdade sexual pode ser conceituada como o “direito de disposição do próprio corpo ou de não ser forçado a praticar ato sexual” (op. cit., vol. 3, pág. 122).

Segundo Rodolfo Pamplona Filho – no que não difere muito a posição de José Wilson Ferreira Sobrinho, citado por Maria Goretti Dal Bosco (in Assédio sexual nas relações do trabalho – Jus Navegandi – Doutrina), são elementos caracterizadores básicos do assédio sexual:

1) Sujeitos: agente (assediador) e destinatário (assediado);

2) Conduta de natureza sexual;

3) Rejeição à conduta do agente; e

4) Reiteração da conduta.

A relação de poder entre os sujeitos não é essencial para a caracterização do ilícito trabalhista, diferentemente do que ocorre com a figura penal, pois aquele, em tese, poderá ocorrer entre colegas de serviço, entre empregado e o cliente da empresa e entre o empregado e o seu empregador, este último figurando como agente passivo, dependendo, logicamente, do poder de persuasão do agente ativo, e.g., coação irresistível.

O comportamento sexual reprovado é composto pelos atos da conduta do agente ativo, seja ele homem ou mulher, que, para satisfazer a sua libido, utiliza-se de ameaça direta ou velada para com a pessoa objeto do seu desejo, subjugando a sua resistência.

Lembremo-nos que a vítima deve ter a chance de negar o pedido do agente ativo, pois, caso contrário, o ato sexual estará sendo praticado com violência (estupro e atentado violento ao pudor).

O assédio sexual pressupõe sempre uma conduta sexual não desejada pela pessoa assediada, que inequivocamente manifesta a sua repulsa às propostas do assediante.

Por isso a simples paquera ou flerte não é considerado como assédio sexual, pois não há uma conotação sexual explícita.

Finalmente, o assédio sexual depende da reiteração da conduta tida por ilícita por parte do assediante. Todavia, em casos excepcionais, se a conduta do assediante se mostrar insuperável é possível o afastamento do requisito em comento.

A falta de qualquer um destes requisitos desfigura o ilícito de assédio sexual.


Por outro lado, deve ser levada em conta a existência de culpa concorrente da vítima que, ainda que não justifique a violência do ato, será uma atenuante ou, talvez, uma explicação para o comportamento do assediador.

Conforme lembrado por Maria Helena Diniz, se “lesado e lesante concorreram com uma parcela de culpa, produzindo um mesmo prejuízo, porém por atos independentes, cada um responderá pelo dano na proporção em que concorreu para o evento danoso. Não desaparece, portanto, o liame de causalidade; haverá tão-somente uma atenuação da responsabilidade, hipótese em que a indenização é, em regra, devida por metade (RT, 221:220, 226:181, 216:308, 222:187, 156:163, 163:669, 439:112; RF, 109:672, 102:575) ou diminuída proporcionalmente (RT, 231:513). Haverá uma bipartição de prejuízos, e a vítima, sob uma forma negativa, deixará de receber a indenização na parte relativa à sua responsabilidade. Logo, a culpa concorrente existe quando ambas as partes agem com qualquer das três clássicas modalidades culposas” (in Curso de Direito Civil, vol. 7, 10ª ed., São Paulo, Editora Saraiva, 1996, p.79).

Nos termos do art. 818 da CLT e 333, I, do CPC, cabe à reclamante comprovar os fatos constitutivos do seu direito, ônus do qual, in casu, esta não conseguiu se desvencilhar. Senão vejamos.

A reclamante-recorrente afirma que o seu superior hierárquico, Sr. João Bráulio Filho, convidou-a para saírem e dormirem juntos, além de fazer comentários chulos diretos, na presença dos demais empregados do setor, “alegando que se ela quisesse continuar trabalhando naquele local teria que transar com o seu superior hierárquico” (fl. 06).

A tumultuada peça defensiva leva-nos a crer, a princípio, que o ato tido por ilícito pode ter acontecido.

Entretanto, a análise da prova testemunhal produzida nos autos, sem dúvida alguma, demonstra não ter havido o propalado assédio sexual.

A Sra. Erica Renata de Oliveira, primeira testemunha da reclamante, afirmou “que o sr. João Bráulio falou para a depoente, em tom de brincadeira, que “o menino” estaria pensando nela; que na ocasião a depoente disse diretamente para João Bráulio que não gostou da brincadeira e posteriormente foi conversar com seu irmão que também trabalhava na empresa, e este, por seu turno, foi conversar com os diretores da ré que chamaram João Bráulio e o advertiram; que na ocasião, João Bráulio foi conversar com a depoente dizendo-lhe que fizera uma brincadeira e pedindo-lhe desculpas” (negritamos).

Percebe-se que o Sr. João Bráulio fazia brincadeiras de gosto duvidoso, mas, como salientado pela própria testemunha, eram apenas brincadeiras, desprovidas da obtenção da vantagem sexual.

E continua a testemunha: “que a depoente, ficou sabendo, pela própria reclamante, que o sr. João Bráulio dizia que queria sair com a reclamante, tomar uma cerveja com ela, leva-la para passear; que a reclamante não confidenciou à depoente qualquer outro tipo de atitude de João Bráulio; que embora a depoente tenha presenciado João Bráulio conversando com a reclamante não sabe dizer qual o assunto, porque a distância entre eles era grande” (fl. 73).

Se a atitude do Sr. João Bráulio é reprovável, visto tratar-se de pessoa casada (fl. 74), por outro lado, não traz em si a proposta de benefício sexual.

Já o depoimento do Sr. Rafael Meschini de Lourenço se mostrou imprestável, eis que totalmente contraditório, pois na medida em que informa que “não foi procurado por qualquer pessoa ou mesmo pela própria reclamante para vir em Juízo e testemunhar em seu favor, para receber algum numerário…”, salienta, também, “que o sr. João Bráulio chegou a falar diretamente ao depoente, que sabendo do processo da reclamante envolvendo seu nome, ele também ingressaria com ação contra a reclamante e caso saísse dela vitorioso, daria parte do que ganharia ao depoente, inclusive se fosse o caso, cestas básicas, na hipótese dele servir-lhe de testemunha” (negritamos)(fl. 74).

O Boletim de Ocorrências de fls. 11/12 não tem a força probante que pretende dar a reclamante-recorrente, visto que é documento produzido unilateramente, apenas com o depoimento de uma das partes, sendo que é de sapiência geral que “o papel aceita qualquer coisa”.

En passant, me parece estranho que em apenas 08 (oito) dias — tempo que durou o contrato de trabalho da reclamante-recorrente — o pretenso assediador tenha de forma reiterada abusado da confiança da trabalhadora.

O ilícito, seja ele penalmente tutelado ou não, segue um iter que vai desde a cogitação até a sua consumação, que demanda um certo lapso temporal.

Parece-me improvável que qualquer assediador, nas suas faculdades normais — ainda que o assédio sexual seja uma doença social —, não tenha, primeiramente, tomado pé da situação, ganhando a confiança da assediada, para, após, desferir o golpe fatal. A questão somente se aceleraria se a trabalhadora tivesse contribuído, de alguma forma, para o desfecho inusitado.

Ressalte-se, outrossim, que o Direito de há muito não contempla a tarifação ou peso das provas, como pretende a reclamante-recorrente, visto a tentativa de fazer prevalecer parte da prova colhida em detrimento do restante, olvidando-se que a análise deve ser feita pela totalidade da prova produzida.

Ademais, o artigo 131 do CPC confere ao juiz plena liberdade de convencimento. Mantenho.

DOS HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS

Apesar de entender que seriam devidos, curvo-me ao juízo majoritário, consubstanciado nos Enunciados 219 e 329 do C. TST.

Mesmo antes da promulgação da Lei nº 8.906, de 04.07.94, que teve suspensa a eficácia do seu artigo 1º, inciso I, através de liminar concedida pelo Colendo Supremo Tribunal Federal, na Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 1.127-8, sempre entendi que os honorários advocatícios são devidos, por força do artigo 133, da Constituição Federal, deflagrador da incidência das normas ordinárias que presidem o princípio da sucumbência no processo.

A Magna Carta, ao exigir a presença do advogado no processo, estabelecendo, ainda, a essencialidade da advocacia na administração da Justiça, alijou o chamado “jus postulandi” das partes, no processo trabalhista. Todavia, mas sem violação à minha opinião, nego a verba honorária, em obediência à decisão da Suprema Corte, mantendo, desse modo, a decisão do juízo a quo.

Ante o exposto, decide-se conhecer do recurso ordinário interposto, e, no mérito, negar-lhe provimento, mantendo intacta a r.sentença de origem por estes e seus próprios fundamentos.

FLAVIO NUNES CAMPOS

JUIZ RELATOR

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