Lei de tóxicos

Criminalistas analisam lei de tóxicos aprovada pelo Senado

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19 de agosto de 2006, 7h00

O Senado aprovou a nova lei de tóxicos, que aguarda sanção presidencial. O Projeto de Lei do Senado 115/02 tramitou por quase três anos. Se sancionado, o novo texto vai revogar as leis 6.368/76 e 10.409/02, ambas sobre o mesmo assunto.

A lei cria o Sisnad — Sistema Nacional de Políticas sobre Drogas. O objetivo é “prescrever medidas para prevenção do uso indevido, atenção e reinserção social de usuários e dependentes de drogas; estabelecer normas para a repressão à produção não autorizada e ao tráfico ilícito de drogas”. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva tem até a segunda-feira (21/8) para sancionar ou não o projeto.

A principal característica da nova regra é a descriminalização da posse de droga para consumo pessoal. A Lei 6.368/76 considera criminosa a prática de posse de droga para consumo. O que nova lei faz, de acordo com o advogado criminalista Luiz Flávio Gomes, é permitir a “mínima intervenção do Direito Penal nesse tipo de conduta”.

Luiz Flávio Gomes é um dos principais estudiosos do Projeto de Lei 115/02. Tanto que disponibilizou em seu site diversos materiais sobre o assunto. Ele explica que a Lei 9.099/95 (sobre a criação os Juizados Especiais Cíveis e Criminais) já tinha permitido a suspensão condicional do processo para o usuário, mas não retirou o caráter criminoso do fato.

Foi aberta “uma perspectiva despenalizadora em relação a posse de droga para o consumo pessoal”. O precedente maior veio com a Lei 10.259/01, que ampliou o conceito de infração de menor potencial ofensivo para os delitos punidos com pena de até dois anos.

Luiz Flávio Gomes alerta que, “para fins penais, entende-se por usuário de drogas quem adquire, guarda, transporta ou traz consigo, para consumo pessoal, qualquer tipo de droga proibida. Para determinar se a droga se destinava a consumo pessoal, o juiz atende à natureza e à quantidade da substância apreendida”.

Jair Jaloreto Junior, advogado criminalista, diz que a lei pode ser mais eficiente do que as aplicadas atualmente. “O projeto de lei é merecedor de aplausos no que se refere ao abrandamento das penas relacionadas ao consumo de substância entorpecente. Na medida em que o usuário é advertido sobre a ilicitude do fato e impelido a prestar serviços à comunidade e comparecer a programa ou curso educativo, a função educativa da lei penal é alcançada plenamente, sendo desnecessária a manutenção do usuário no cárcere”, afirma.

“Em tese temos a mesma impressão de acerto do legislador quando analisamos o proposto em relação à repressão ao tráfico de entorpecentes, cujos prejuízos são severamente percebidos por toda a sociedade organizada. De acordo com o texto proposto, as penas relacionadas ao tráfico serão aumentadas consideravelmente, com o intuito de inibir a prática do crime. Cabe o comentário, porém, de que o cerne da questão está nas ações de combate e repressão ao uso e tráfico de drogas ilícitas. Com uma estratégia de combate eficiente, as leis se mostrarão igualmente eficientes. O que realmente inibe o crime não é o tamanho da pena, mas a certeza da punição”, explica o advogado.

O advogado criminalista Eduardo Mahon entende que “há incoerências e inconstitucionalidades patentes, como a vedação de liberdade, mas a lei é positiva em uma análise genérica”. Segundo ele, a nova regra trata mais “da questão da saúde pública, do que da pena”.

Mahon diz que, “para o consumidor, a lei seguiu uma tendência européia. Ou seja, não deixou consignada pena de reclusão ou qualquer privação severa. O que faz é aplicar medidas alternativas. Assim, surge uma nova corrente de defesa do usuário de droga. Primeiro, tentar dizer que é para consumo e segundo tentar dizer que apenas instigou à droga, já que o induzimento é essencialmente diferente de tráfico”.

Outro ponto positivo, de acordo com Mahon, é que a nova lei repetiu o critério de discernimento entre porte e tráfico. Há, também, “uma grande inovação na nova lei que é o ‘compartilhamento de entorpecente’, prática que antes era considerada como tráfico. Sem objetivo de lucro e com relacionamento firmado com terceiros, a pena passa para detenção de 6 meses a 1 ano. Configura-se, portanto, o crime de menor potencial ofensivo, nesse caso, com muita justiça e coerência”, diz

“Novamente, a fiança, liberdade provisória, indulto e anistia são vedados. Certamente, os dispositivos serão julgados inconstitucionais pelos tribunais brasileiros”, alerta o advogado.

Procedimento penal

Se a nova lei de tóxicos for sancionada, haverá alteração no procedimento penal adotado pela Lei 10.409/02. Segundo Mahon, os delitos que não estiverem ligados ao tráfico são de menor potencial ofensivo, processados conforme a Lei 9.099/95; o prazo de conclusão de inquérito de réu preso passa para 30 dias; a infiltração policial em grupo criminoso e o retardamento do flagrante estão autorizados e poderá haver denúncia com o complemento das investigações.

Também continua vigorando a defesa preliminar (antes do recebimento da denúncia), “o que é muito interessante e já havia na Lei 10.409/02”, considera Mahon. “Ao que tudo indica, o duplo interrogatório da Lei 10.409/02 desapareceu. Agora somente há interrogatório, após o recebimento da denúncia”, explica o advogado. “Está garantido o contraditório no interrogatório, podendo as partes fazer perguntas e reperguntas, o que é muito positivo”, observa.

“As medidas cautelares de apreensão de bens e valores de produtos que vieram do crime estão na nova lei. Igualmente previsto está a possibilidade de o acusado fazer prova contrária em 5 dias. Outro dado interessante é que nenhum pedido de restituição será conhecido, sem a presença pessoal do acusado”, enumera Mahon.

O tráfico internacional continua a ser da competência da Justiça Federal. Pelas leis antigas, quando uma comarca não tivesse instalado a vara, a Justiça Estadual julgaria o crime. Agora, se sancionada a lei, será a federal mais próxima que tem a competência para o julgamento dos delitos dessa natureza.

Compare o que muda:

QUADRO COMPARATIVO

LEI ATUAL

PROJETO DA NOVA LEI

Traficante de drogas

É punido com pena de reclusão de 3 a 15 anos, e pagamento de 50 a 360 dias-multa. É punido com pena de reclusão de 5 a 15 anos e pagamento de 500 a 1.500 dias-multa.

Usuário de drogas

Pode ser punido com até 10 tipos de penas alternativas; ou dois anos de prisão. Não é punido com prisão. Cabe, no máximo, penas alternativas de três tipos.

Quem oferece droga a terceiros

Não há punição. Pode ser punido até um ano de detenção.

Progressão de pena

Cabe pena substitutiva, ou alternativa para o traficante de drogas. O único benefício concedido é o da progressão de regime.

Financiamento

Não é punido. É punido com pena e 8 a 20 anos de reclusão. É a maior prevista na lei.

Informante

Não há a figura de informante ou colaborador do tráfico de drogas. Quem colaborar como informante do tráfico está sujeito a pena de reclusão de dois a seis anos.

Fonte: Instituto LFG

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