Ousadia da Câmara

Para Celso de Mello, decisão do TJ paulista sobre RDD é nula

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18 de agosto de 2006, 22h13

O ministro Celso de Mello, do Supremo Tribunal Federal, considerou nula a decisão da 1ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça de São Paulo, que julgou inconstitucional o RDD — Regime Disciplinar Diferenciado.

O ministro invocou o artigo 97 da Constituição que diz que “somente pelo voto da maioria absoluta de seus membros ou dos membros do respectivo Órgão Especial poderão os tribunais declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo do poder público”.

Celso de Mello apresentou seu entendimento ao analisar pedido de Habeas Corpus de Luiz Fernando da Costa, o Fernandinho Beira-Mar, que pretendia sair do RDD a que está submetido no novo presídio federal de Catanduvas (PR). A defesa de Beira-Mar fundamentou seu pedido na decisão dos desembargadores paulistas. O ministro rejeitou o pedido e descaracterizou a validade da decisão do tribunal.

“Não poderia emanar daquela colenda Câmara Criminal que, por ser órgão meramente fracionário, não dispõe de competência para formular juízo de ilegitimidade constitucional”, argumentou o ministro. “É postulante ter presente que o respeito ao postulado da reserva ao Plenário atua como verdadeira condição de eficácia jurídica da própria declaração jurisdicional de inconstitucionalidade dos atos do poder público.”

Ao analisar pedido de Habeas Corpus de Marcos Willians Herbas Camacho, o Marcola, apontado como líder da facção criminosa Primeiro Comando da Capital, na terça-feira (15/8), a 1ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça de São Paulo, reconheceu a inconstitucionalidade do RDD, o severo regime de prisão a que está submetido Marcola.

O relator da matéria foi o desembargador Borges Pereira que baseou seu voto em decisão anterior da própria 1ª Câmara do TJ paulista. Em maio, ao julgar o pedido de Habeas Corpus de uma detenta recolhida ao RDD depois de participar de uma rebelião, o relator, desembargador Marco Nahum, já havia sustentado a inconstitucionalidade da lei que criou o regime diferenciado.

Na prática, a decisão não interfere no Habeas Corpus de Marcola. O pedido negado por Celso de Mello atinge apenas o autor, Beira-Mar.

Leia a íntegra da decisão

MED. CAUT. EM HABEAS CORPUS 88.508-0 RIO DE JANEIRO

RELATOR: MIN. CELSO DE MELLO

PACIENTE(S): LUIZ FERNANDO DA COSTA OU FERNANDINHO BEIRA-MAR

IMPETRANTE(S): MARCO AURÉLIO TORRES SANTOS E OUTRO(A/S)

COATOR(A/S)(ES): SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

DECISÃO: Indefiro o pedido de fls. 232/237, observando que os fundamentos nele invocados são estranhos ao objeto desta impetração, pois introduzem, no debate judicial, matérias que sequer foram apreciadas pelo Tribunal ora apontado como coator.

Com efeito, o pedido de fls. 232/237, ao inovar no “thema decidendum”, sustenta (1) a inconstitucionalidade da Resolução nº 502/2006 emanada do E. Conselho da Justiça Federal, (2) a ilegalidade da remoção, para a Penitenciária Federal de Catanduvas/PR, do ora paciente e (3) a transgressão, por parte da autoridade pública, ao art. 1º, III, da Constituição da República.

A circunstância que venho de mencionar (ocorrência de incoincidência temática) faz incidir, na espécie, em relação ao pleito deduzido a fls. 232/237 – e, unicamente, quanto a elea jurisprudência desta Corte, que assim se tem pronunciado nos casos em que as razões invocadas pelo impetrante não guardam pertinência com aquelas que dão suporte à decisão impugnada (RTJ 182/243-244, Rel. Min. SEPÚLVEDA PERTENCE – HC 73.390/RS, Rel. Min. CARLOS VELLOSO – HC 81.115/SP, Rel. Min. ILMAR GALVÃO, v.g.):


IMPETRAÇÃO DE ‘HABEAS CORPUS’ COM APOIO EM FUNDAMENTO NÃO EXAMINADO PELO TRIBUNAL APONTADO COMO COATOR: HIPÓTESE DE INCOGNOSCIBILIDADE DO ‘WRIT’ CONSTITUCIONAL.

Revela-se insuscetível de conhecimento, pelo Supremo Tribunal Federal, o remédio constitucional do ‘habeas corpus’, quando impetrado com suporte em fundamento que não foi apreciado pelo Tribunal apontado como coator.

Se se revelasse lícito ao impetrante agir ‘per saltum’, registrar-se-ia indevida supressão de instância, com evidente subversão de princípios básicos de ordem processual. Precedentes.

(RTJ 192/233-234, Rel. Min. CELSO DE MELLO)

Em ‘habeas corpus’ substitutivo de recurso ordinário, a inconformidade deve ser com o acórdão proferido pelo STJ e não contra o julgado do Tribunal de Justiça.

O STF só é competente para julgar ‘habeas corpus’ contra decisões provenientes de Tribunais Superiores.

Os temas objeto do ‘habeas corpus’ devem ter sido examinados pelo STJ.

Caso contrário, caracterizaria supressão de instância.

Habeas Corpus não conhecido.

(HC 79.551/SP, Rel. Min. NELSON JOBIM – grifei)

O impetrante, ao postular a remoção cautelar do ora paciente “para uma das unidades prisionais comuns do Estado do Paraná” (fls. 236, n. 1), apóia tal pedido em recentíssima decisão proferida pela colenda Primeira Câmara Criminal do E. Tribunal de Justiça paulista, que teria declarado a inconstitucionalidade de determinado ato estatal (Resolução SAP nº 026/2001) que instituiu, no âmbito do Estado de São Paulo, o regime disciplinar diferenciado (RDD).

Cabe-me observar, neste ponto, que a referida declaração de inconstitucionalidade – caso confirmada – não poderia emanar daquela colenda Câmara Criminal, que, por ser órgão meramente fracionário, não dispõe de competência para formular juízo de ilegitimidade constitucional, considerada a norma inscrita no art. 97 da Constituição da República.

Como se sabe, a inconstitucionalidade de qualquer ato estatal (ainda que se trate de mera resolução administrativa) só pode ser declarada pelo voto da maioria absoluta da totalidade dos membros do Tribunal ou, onde houver, dos integrantes do respectivo órgão especial (como ocorre em São Paulo), sob pena de absoluta nulidade da decisão emanada do órgão fracionário (Turma, Câmara ou Seção).


É preciso ter presente, neste ponto, que o respeito ao postulado da reserva de plenário – consagrado pelo art. 97 da Constituição (e introduzido, em nosso sistema de direito constitucional positivo, pela Carta Federal de 1934) – atua como verdadeira condição de eficácia jurídica da própria declaração jurisdicional de inconstitucionalidade dos atos do Poder Público, consoante adverte o magistério da doutrina (LÚCIO BITTENCOURT, “O Controle Jurisdicional da Constitucionalidade das Leis”, p. 43/46, 2ª ed., 1968, Forense; MANOEL GONÇALVES FERREIRA FILHO, “Comentários à Constituição Brasileira de 1988, vol. 2/209, 1992, Saraiva; ALEXANDRE DE MORAES, “Constituição do Brasil Interpretada”, p. 1424/1440, 6ª ed., 2006, Atlas; JOSÉ AFONSO DA SILVA, “Curso de Direito Constitucional Positivo”, p. 50/52, item n. 14, 27ª ed., 2006, Malheiros; UADI LAMMÊGO BULOS, “Constituição Federal Anotada”, p. 939/943, 5ª ed., 2003, Saraiva; LUÍS ROBERTO BARROSO, “O Controle de Constitucionalidade no Direito Brasileiro”, p. 77/81, itens ns. 3.2 e 3.3, 2004, Saraiva; ZENO VELOSO, “Controle Jurisdicional de Constitucionalidade”, p. 50/51, item n. 41, 1999, Cejup; OSWALDO LUIZ PALU, “Controle de Constitucionalidade”, p. 122/123 e 276/277, itens ns. 6.7.3 e 9.14.4, 2ª ed., 2001, RT, v.g.).

A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, por sua vez, tem reiteradamente proclamado que a desconsideração do princípio em causa gera, como inevitável efeito conseqüencial, a nulidade absoluta da decisão judicial colegiada, que, emanando de órgão meramente fracionário, haja declarado a inconstitucionalidade de determinado ato estatal (RTJ 58/499 – RTJ 71/233 – RTJ 110/226 – RTJ 117/265 – RTJ 135/297).

As razões subjacentes à formulação do postulado constitucional do “full bench”, excelentemente identificadas por MARCELO CAETANO (“Direito Constitucional”, vol. II/417, item n. 140, 1978, Forense), justificam a advertência dos Tribunais, cujos pronunciamentos – enfatizando os propósitos teleológicos visados pelo legislador constituinte – acentuam que “A inconstitucionalidade de lei ou ato do poder público só pode ser decretada pelo voto da maioria absoluta dos membros do Tribunal, em sessão plena” (RF 193/131 – RTJ 95/859 – RTJ 96/1188 – RT 508/217).

Não se pode perder de perspectiva, por isso mesmo, o magistério jurisprudencial desta Suprema Corte, cujas decisões assinalam a alta significação político-jurídica de que se reveste, em nosso ordenamento positivo, a exigência constitucional da reserva de plenário:

Nenhum órgão fracionário de qualquer Tribunal dispõe de competência, no sistema jurídico brasileiro, para declarar a inconstitucionalidade de leis ou atos emanados do Poder Público. Essa magna prerrogativa jurisdicional foi atribuída, em grau de absoluta exclusividade, ao Plenário dos Tribunais ou, onde houver, ao respectivo Órgão Especial. Essa extraordinária competência dos Tribunais é regida pelo princípio da reserva de plenário inscrito no artigo 97 da Constituição da República.

Suscitada a questão prejudicial de constitucionalidade perante órgão fracionário de Tribunal (Câmaras, Grupos, Turmas ou Seções), a este competirá, em acolhendo a alegação, submeter a controvérsia jurídica ao Tribunal Pleno.

(RTJ 150/223-224, Rel. Min. CELSO DE MELLO)

Sendo assim, pelas razões expostas, indefiro o pedido formulado a fls. 232/237.

2. Ouça-se, no entanto, a douta Procuradoria-Geral da República sobre o pedido que o impetrante formulou a fls. 228/229.

Publique-se.

Brasília, 18 de agosto de 2006.

Ministro CELSO DE MELLO

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