Transação tributária

Abordagem principiológica e pragmática da transação tributária

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18 de agosto de 2006, 15h20

Quem observa a práxis do Direito Tributário logo percebe que, cada vez mais, é um campo de acirradas e inesgotáveis disputas entre o Estado e o cidadão, tecnicamente denominados de fisco e contribuintes.

Nos tempos que correm, adicionalmente, verifica-se uma ruptura de uma tributação com maior participação do Estado, que apurava e lançava a maior parte dos tributos, para uma tributação de massa, em que o contribuinte é obrigado a colaborar com o Estado, apurando e recolhendo tributos para posterior análise, sob pena de pesadas multas e mesmo sanções criminais.

Neste universo de números e divergências crescentes, o certo é a existência inexorável da controvérsia, ainda mais numa democracia nascente.

E onde há controvérsia, há a necessidade de restabelecer a paz. Ao lado de outros fatores, também correlacionados, como o emperramento da máquina judiciária e os reflexos da elevada tributação e falta de segurança na economia, talvez isto explique o crescente interesse da comunidade jurídica pelos meios consensuais de solução de controvérsias tributárias, como são a transação, a conciliação, a arbitragem.

Com efeito, nada mais natural a um momento de ruptura que buscar melhores soluções que as oferecidas por paradigmas dos velhos tempos. Referimo-nos, particularmente, ao pensamento de que a vontade do contribuinte deve ser desconsiderada, em absoluto, no campo do Direito Tributário.

Talvez fosse uma idéia adequada a tempos em que o lançamento fiscal era prévia e cuidadosamente examinado à luz de uma legislação relativamente simples e de fatos de mais fácil apuração. Algo nada semelhante ao mundo semi-virtual do século XXI, em que a própria exigência tributária é, em muitos dos casos, realizada pelo autômato, e em que o emaranhado legislativo e a complexidade crescente dos fatos da sociedade informatizada mudaram completamente a realidade da tributação.

É oportuno, portanto, volver os olhos a institutos antes desconhecidos, ou simplesmente ignorados. Com efeito, o que antes inexistia, ou não tinha lugar, agora pode consistir em importante solução.

Destarte, a transação tributária merece consideração nesse contexto. Prevista no Código Tributário Nacional, quedou por longas décadas num espaço de penumbra e preconceito. Pouco se escreveu, e pouco se aplicou desse instituto. Talvez, em parte, por não haver se mostrado tão necessário.


Mas que dizer deste novo mundo de controvérsias intermináveis, cujo desfecho é impossível prever, com fatos fluidos e mal conhecidos, e um Direito de tantas normas que ninguém as pode conhecer todas?

Tornou-se imperioso, facilmente se vê, examinar, detidamente, este instituto, afastando pré-compreensões que não (mais) prosperam, entendendo o seu fundamento, o seu papel, o seu alcance, e como pode ser utilizado e controlado.

O presente trabalho visa estabelecer as premissas fundamentais a permitir que, no novo mundo da tributação eletrônica, o homem ocupe o papel principal.

Da transação tributária

É induvidoso que a transação no Direito Tributário deita raízes no Direito Privado, em que a transação é instituto antigo, de larga utilização.

Com efeito, o Código Civil de 1916 a previa em seu artigo 1025, nos seguintes termos: “É lícito aos interessados prevenirem, ou terminarem o litígio mediante concessões mútuas[1].

Assim, veio o Código Tributário Nacional autorizar os entes tributantes a permitir a transação na seara fiscal, entre as formas de extinção do crédito tributário, no artigo 171, verbis:

Artigo 171 – A lei pode facultar, nas condições que estabeleça, aos sujeitos ativo e passivo da obrigação tributária celebrar transação que, mediante concessões mútuas, importe em determinação[2] de litígio e conseqüente extinção de crédito tributário.

Parágrafo único – A lei indicará a autoridade competente para autorizar a transação em cada caso”.

Embora haja diversas definições doutrinárias, pode-se dizer, objetivamente, lembrando Hugo de Brito Machado, que transação é acordo, em que as partes cedem algo do que entendem ser o seu direito (pretensão), para resolverem litígio, ou mesmo preveni-lo[3].


Entretanto, não obstante a previsão do nosso Código Tributário Nacional, raras são as aplicações efetivas da transação no país. Mesmo as leis que a autorizam são poucas e tímidas[4]. Assim como são relativamente poucos seus exemplos no Direito Comparado[5].

De fato, muitas são as críticas que a doutrina ergue contra a transação no Direito Tributário. Assim como diversas são as opiniões no sentido de restringi-la a raros casos.

Necessário, portanto, analisar criticamente a aplicação deste instituto no Direito Tributário, em sua finalidade pública no sistema, compatibilidade com seus princípios, possibilidades de efetiva utilização (momento, abrangência, efeitos), assim como o que deve ser feito para que o instituto não se desvie de suas finalidades.

Somente com isso, superados obstáculos, contextualizado o instituto e lançadas as bases teóricas para sua aplicação prática, é que pode florescer sua utilização e alcançados seus fins, sempre a bem do interesse público e do cidadão, titular dos Poderes da República geridos pelo Estado.

Destarte, referida análise, pretende-se fazer-se nas linhas seguintes, embora, certamente, sem esgotar o debate que deve envolver o instituto e auxiliar na sua implementação e desenvolvimento democráticos.

A finalidade da transação tributária: realização do interesse público pela eficiência obtida pelo consenso

Para uma apreciação crítica da transação, mister considerar sua finalidade no Sistema Tributário Nacional. Com efeito, o instituto há de corresponder a alguma finalidade pública, em direção à realização de algum valor consagrado pelas normas do sistema, sob pena de ser considerado inócuo, sequer havendo de se cogitar do mais acerca dele.

Neste sentido, nada mais apropriado que examinar o processo de exigências tributárias no Brasil, sem a possibilidade de transação, para entender a que fins a sua introdução visaria atender.

A este respeito, cabe lembrar que o lançamento do tributo pode se dar por homologação, por declaração ou de ofício.

A modalidade por homologação é hoje a mais utilizada. Todavia, quando o contribuinte adota procedimento do qual o fisco diverge, tem lugar o lançamento de ofício (art. 149, V CTN), acompanhado da aplicação de multas, o que resta instrumentalizado, via de regra, por meio de autos de infração.


A questão é que, embora não sejam raros os equívocos e erros grosseiros por parte de contribuintes, o mais comum, e mais razoável de se esperar, sobretudo nas grandes autuações contra grandes contribuintes, é que o sujeito passivo tenha agido deliberadamente segundo entendimento ou percepção diversos daqueles do fisco.

Portanto, o que se espera encontrar, na maioria dos casos, é uma clara situação de discordância entre o fisco e o contribuinte, sempre agravada pela cobrança de multas e juros que multiplicam o crédito tributário. Assim, a tendência é que essas autuações sejam impugnadas pelos contribuintes.

E em muitos casos, após impugnado, sequer sobrevive o lançamento ao crivo do Conselho de Contribuintes, órgão da estrutura do executivo federal ou estadual[6].

Demais disso, superada a fase administrativa, ainda pode o lançamento de ofício ser impugnado judicialmente. Ao que ainda se deve acrescentar as dificuldades de recebimento dos créditos pelo processo de execução fiscal. Embora seja certo que o instituto tenha recebido reforços (vide LC 118/05), a satisfação do crédito, muitas vezes constituído a anos, é sofrível.

Todo esse conjunto leva a um baixo aproveitamento econômico, pelo Estado, do trabalho fiscal. Com efeito, a imprensa chegou a noticiar que a Receita Federal resgata apenas 12% de suas autuações (jornal Valor Econômico de 11/9/03), justamente em razão da intensa contestação que recebem.

Portanto, sem a possibilidade de realização da transação, tem-se um sistema de cobrança de tributos litigioso do início ao fim, sempre que o fisco lança de ofício algum crédito tributário, contra o que fora apurado e recolhido pelo contribuinte. E a tendência, então, é a discussão se arrastar tanto tempo quanto mais significativo e controvertido o crédito tributário. O inevitável é atestado pelas próprias autoridades fiscais, ao noticiarem que quase 90% dos lançamentos não se convertem em receitas públicas.

É um fato que demonstra a ineficiência do sistema, o que, no mínimo, se choca com o artigo 37 da Constituição. Com efeito, cada trabalho fiscal afastado, administrativa ou judicialmente, implica esforços inúteis, desperdício de atuação da máquina, dinheiro jogado fora.

Contudo, este é apenas um dos aspectos negativos do sistema puramente litigioso (sem qualquer possibilidade de consenso). O que pode até ser considerado mais pernicioso é a própria promoção da litigiosidade entre o Estado e o cidadão.

De fato, um dos objetivos fundamentais da República, nos termos da Constituição, é “construir uma sociedade livre, justa e solidária” (art. 3º, I). Contudo, num sistema em que fisco e contribuintes se põem de lados opostos, em que não é possível o diálogo, o “entendimento”, em que a solução do conflito será sempre imposta por um órgão judicante, dificilmente haverá sentimento de justiça, de solidariedade e de liberdade. E o pior, o Direito fica mais distante de promover a paz, que é seu fim.

Assim, são comuns as reclamações de abusos do poder de fiscalização, assim como as denúncias de operações ilícitas pelos contribuintes, na fuga do tributo. Enfim, fisco e contribuintes se vêem como inimigos em guerra.

Destarte, a transação tributária é um meio hábil a colaborar na melhoria desse quadro, por introduzir o consentimento na cobrança fiscal, pois, feita a transação, a exigência, antes controvertida, passa a ser consensual, e não pode ser impugnada, via de regra[7].

É certo que a “exigência” seria reduzida, todavia, seu recebimento tenderia a se tornar certo. E como a maior parte do que é exigido, litigiosamente, não é arrecadado, a tendência é ampliar a arrecadação.

Deste modo, embora pareça, de fato, paradoxal, tudo indica que no momento em que o fisco se abrisse ao diálogo com o contribuinte, sopesando suas razões, e chegando a soluções de consenso, arrecadaria mais, gastando menos, ou seja, seria mais eficiente.

Eficiência essa que tende a ir além da mera arrecadação de ofício. A possibilidade de ser realmente ouvido pelo fisco, possibilitaria maior segurança ao contribuinte. Usando uma metáfora, podemos dizer que o gosto do tributo seria menos amargo. É bem possível, assim, que a medida, a médio prazo, tivesse um impacto bastante positivo nos investimentos, na diminuição da sonegação, enfim na economia nacional.


De todo modo, observando apenas o aspecto jurídico, pode-se concluir que, diante das limitações apresentadas pelo sistema puramente litigioso, e da certeza da arrecadação conferida pelo consenso, a introdução da transação tributária, por atender ao princípio da eficiência, põe-se em linha com o interesse público.

Neste sentido, colhe-se abalizada manifestação de Carlos Victor Muzzi Filho, procurador da Fazenda do Estado de Minas Gerais, no sentido de que, tanto a transação tributária, quanto outros instrumentos de introdução do consenso do contribuinte na arrecadação, “encontram no princípio da praticabilidade (ou praticidade), suficiente embasamento teórico, justificando, pois, a adoção destes acordos de vontade em matéria tributária”.

O mesmo autor explicita, com espeque na lição de Misabel Derzi, que o princípio da praticidade é um imperativo constitucional implícito, pois visa tornar a legalidade factível. Trata-se de princípio geral de economicidade e exeqüibilidade que, no Direito Tributário, evita tornar inviável a arrecadação pelo exame exaustivo dos fatos em questão[8].

No mesmo sentido, o também procurador da Fazenda do Estado de Minas Gerais, Onofre Alves Batista Júnior, comentando dispositivo da Lei estadual 6.763/1975, que permite a transação, vem a afirmar que:

“Não se trata de ‘faculdade’ outorgada à administração pública de transacionar, mas de ‘poder/dever’ de boa administração, isto é, a Administração Pública deve buscar a solução que melhor satisfaça os anseios da coletividade.[9]

Portanto, resta demonstrado que a finalidade da transação tributária é tornar factível a arrecadação, evitando o desperdício de esforços administrativos, em situações de incertezas, além de aproximar fisco e contribuintes, diminuindo a litigiosidade e a insegurança na tributação.

Em última análise, o instituto promove a paz na seara fiscal, sem abrir mão da arrecadação factível, feita com maior eficiência (melhor resultado e menor esforço). Não se pode, portanto, negar que, neste sentido, vem atender a reclamos do interesse público, de base constitucional.

A compatibilidade da transação com os princípios do sistema tributário nacional

Superada a questão do interesse público na introdução da transação tributária, é preciso investigar a compatibilidade do instituto com os princípios mais relevantes do nosso Direito Tributário, especialmente com os da indisponibilidade do crédito tributário, legalidade e isonomia[10].

Quanto ao princípio da indisponibilidade do crédito tributário pelos agentes públicos responsáveis por sua arrecadação, entendemos decorrer do próprio Estado Democrático de Direito, que implica não pertencer ao agente público os créditos tributários que são devidos pelo cidadão para o bem da coletividade. Enfim, é um princípio derivado da indisponibilidade do interesse público, princípio basilar do Direito Público, como preconizado por Celso Antônio Bandeira de Mello[11].

A questão que se coloca, com efeito, é que o agente do fisco, ao realizar a transação tributária precisa fazer concessões, renunciando a parte do crédito inicialmente pretendido[12].

Entretanto, forçoso reconhecer que na transação tributária não se renuncia ao crédito, mas à incerteza, que é substituída pelo consenso. O que é incompatível com este instituto é a certeza da arrecadação independente dele.

A transação tributária deve ter lugar, portanto, quando o crédito, ou seu recebimento, de outro modo forem incertos. Pois nesses casos o consentimento reduz significativamente os riscos. Quando, porém, estes riscos não são consideráveis, não deve haver transação.


Em termos práticos, não há falar em transação se o lançamento se encontra baseado em fatos robustamente comprovados e dificilmente contrastáveis, e em entendimento dominante na Jurisprudência, ou em disposição literal de lei. Ela deve ter lugar quando o crédito é duvidoso, baseado em presunções passíveis de contraprova factível, ou em fatos apenas parcial ou fracamente inferidos, e/ou em entendimento que contraria parcela significativa da Jurisprudência, ou que requer esforço de argumentação para convencer de sua legalidade.

Enfim, a administração tributária, dado o destino de grande parcela dos lançamentos que efetua, pode trocar a incerteza de um crédito maior, por um crédito menor, porém certo. Este último é irrenunciável, enquanto aquele pode ser transacionado.

Sobreleva notar, ainda, que indisponibilidade, assim como tributo, são conceitos de direito positivo (e não lógicos), cabendo, pois, à lei dizer quando há ou não disponibilidade[13]. É, assim, aceito de um modo geral, pela doutrina brasileira, que, havendo lei autorizativa da Transação Tributária, nos termos do art. 171 CTN, resta superado o óbice da indisponibilidade[14]. Posição já acolhida pelo Supremo Tribunal Federal no RE 79.102/BA, julgado aos 17/10/75, relator o ministro Bilac Pinto.

É preciso ponderar, contudo, que a lei autorizadora da transação deve ter uma redação suficiente para que o instituto atenda ao interesse público, limitando a sua aplicação aos casos de incerteza fundada da arrecadação, sob pena de incorrer em autorização para favoritismos e renúncia de receita injustificada (desproporcional)[15].

Outro importantíssimo princípio a ser considerado é o da legalidade da tributação. Com efeito, somente a lei pode definir como o crédito tributário pode nascer (fato gerador) e como pode se extinguir. Por isso, o princípio da legalidade pode parecer incompatível com a transação, que requer a possibilidade do consenso no tratamento do crédito tributário, podendo levar até mesmo à sua extinção por um acordo de vontades[16]. E, ademais, para que se alcance a melhor solução para o caso concreto, necessário se faz acompanhar o instituto da transação de certa dose de discricionariedade[17].

Todavia, essa incompatibilidade é apenas aparente. Primeiro porque é a lei que deve autorizar a transação, como alude o artigo 171 CTN.

Lado outro, novamente deve-se ter em mente o quanto é incerto o crédito tributário a ser transacionado. Deveras, não obstante a infalibilidade da incidência, o conhecimento dela é falível e duvidoso[18].

Exatamente por isso é necessário o lançamento do crédito, que o CTN chega a dizer que o constitui, como ainda a possibilidade de defesa, o devido processo legal, o julgamento por um órgão imparcial, e o controle pelo Poder Judiciário.

Portanto, é exato asseverar que não há renúncia à aplicação da lei, mas à contenda sobre a que essa aplicação leva no caso concreto. A dúvida é suplantada, fundando-se o crédito no ato de consenso entre fisco e contribuinte. E isso em situações em que o grau de incerteza é apreciável. Enfim, não se trata de instituir, ou de reduzir tributo sem lei, mas de substituir a autoridade pelo consenso no acertamento da aplicação da lei sobre o fato.

Já quanto à discricionariedade, também não prevalece o obstáculo contra o emprego da transação.

A respeito da conhecida opinião de Eduardo Marcial Ferreira Jardim, com costumeira argúcia, Hugo de Brito Machado lembra que o artigo 3º CTN, que determina a plena vinculação na exigência de tributos, é norma geral em relação à norma de exceção do artigo 171 do mesmo diploma, e que, por pertencerem ambos à lei complementar, o segundo não pode ser invalidado pelo primeiro[19].


Já Heleno Taveira Torres vai além, e afirma de modo lapidar que “a legalidade material prospera unicamente quando se alcançam condições para se determinar, com a maior aproximação possível, a verdade material”[20]. Assim, afastando a transação “para discutir situações jurídicas formais ou adequadamente provadas”, defende que o espaço de discricionariedade seja o mais possível reduzido pela norma, e que “isto é também domínio de legalidade, na medida em que o ordenamento promove predeterminação normativa de conduta dentro de valorações comparativas para análise de casos concretos”[21] [22].

Merece análise, por fim, o princípio da isonomia da tributação. Pois, sendo realizada a cada caso, a transação pode causar uma aparente injustiça[23].

Mas, novamente, a contradição é apenas aparentemente.

Primeiramente, deve-se notar que nunca duas situações são absolutamente iguais. Circunstâncias do caso, como a boa ordem dos livros num e não noutro, diferenças de métodos de escrituração, solvabilidade diversa dos contribuintes, capacidade de oferecer garantias etc., além dos diferentes fundamentos de cada autuação, e da própria diversidade da qualidade do trabalho fiscal, desigualam autuações e/ou contribuintes aparentemente iguais.

Outrossim, a transação é justamente uma forma de “personalizar” o caso, tratando desigualmente os desiguais, cada situação conforme sua particularidade. Dessarte, a transação opera o acertamento pelo consenso, e não pela imposição de um terceiro, que decide com base em informações controvertidas, contraditórias e incompletas, como sói acontecer nas instâncias julgadoras[24].

Lembre-se, outrossim, na esteira de Heleno Taveira Torres (op. cit., passim), que sendo a transação voltada aos casos de fundada incerteza quanto ao desfecho da exigência, trata-se de terreno em que a legalidade material é falha, pois encontra limite na verdade material. Donde também a isonomia, a que a lei visa curar, queda prejudicada. Não é portanto uma decisão de autoridade que restabelecerá a igualdade cambaleante, e nem uma solução consensual que a abalará.

Ademais, essas diferenças de desfecho de autuações idênticas não são exclusividade da Transação Tributária, mas ocorrem também no sistema litigioso (puro). Afinal, embora comuns os recursos de uniformização de Jurisprudência, eles são no mais das vezes limitados a certos aspectos, e fatalmente não evitam todas a divergências, nem tampouco socorrem todos os casos.

Do momento, conteúdo, abrangência e efeitos da Transação Tributária

Superada a questão de admitir-se ou não a transação, frente aos princípios do Direito Tributário, é preciso enfrentar as questões operacionais quanto à aplicação do instituto, que também geram polêmica: o momento, o conteúdo, a abrangência e os efeitos que a transação pode (ou deve) possuir.

Iniciando pelo momento oportuno para a transação, é de se lembrar que o art. 171 CTN a ela atribui a finalidade de terminação de litígios.

Essa dicção pode levar ao entendimento de que a transação tributária somente pode ser realizada após impugnado o lançamento, pois aí haveria a resistência à pretensão, caracterizando o litígio[25].

Com efeito, é pressuposto lógico da transação a existência de um litígio, pois, sem um choque de pretensões (contrárias), é logicamente impossível falar de concessões mútuas.


Todavia, o pressuposto da existência do litígio não afasta, do ponto de vista lógico, a possibilidade de tratar-se de litígio latente, à iminência de ser posto à apreciação de uma instância administrativa ou judicial pelo lançamento e sua impugnação. Ora, se esse litígio pode ser conhecido, não há porque seja-lhe negada a possibilidade de “terminação”, de resolução, pela transação, até porque, atende-se melhor, deste modo, à finalidade da norma (art. 171 CTN), como ao princípio da eficiência.

Com efeito, v.g., nada impede que o agente fiscal seja autorizado a oficiar o sujeito passivo sobre o procedimento que entende correto, ofertando alguma vantagem (devidamente autorizada pela lei) para o contribuinte ajustar-se a tal entendimento sem opor resistência. Estar-se-ia numa situação análoga aos ajustamentos de conduta hoje realizados no Direito Econômico e no Direito Ambiental.

Desse modo, evitar-se-ia a própria formação do litígio iminente, ganhando-se em economia processual, e, portanto, eficiência, liberando a Máquina para atuar onde ela é mais necessária, economizando tempo e dinheiro público, evitando animosidades e reforçando o papel do Estado de agente orientador do setor privado, a teor do art. 174 da Constituição.

Já quanto ao conteúdo da transação, há quem defenda deva se ater apenas a aspectos fáticos, como o fez o Modelo de Código Tributário para a América Latina, do Programa Conjunto de Tributação OEA/BID[26].

Essa limitação da aplicação do instituto, contudo, é criticável.

É certo que o Direito, no sentido objetivo, é único, isto é, para um determinado país, há apenas um ordenamento jurídico, encabeçado pela respectiva Constituição. Não é possível, então, que um contribuinte transacione com o fisco estabelecendo, apenas para ele, qual o sentido de uma lei, ou da Constituição.

Lado outro, o fisco produz um enorme número de atos que denomina normativos, os quais intentam dizer o Direito, dando concreção às leis, de modo a padronizar a conduta de seus agentes e, num certo sentido, orientar os contribuintes. A transação, portanto, versando matéria de Direito, resultando entendimento diverso do emanado por atos oficiais, seria, além de incoerência do fisco, quebra de isonomia em sua atuação.

Entretanto, é preciso notar que a transação nunca deve recair sobre o conteúdo do Direito, que apenas a lei pode moldar, mas apenas sobre as obrigações concretas das partes. E, no mesmo sentido, de se ressaltar que, após a transação, a fonte dessas obrigações deixa de ser a incidência direta e simples da lei tributária, e passa a ser o consenso.

A rigor, a transação tão somente pode ter a dúvida sobre o Direito, como um fator prévio, desencadeador do dissenso, e da incerteza sobre as obrigações concretas das partes[27]. E, neste passo, relembra-se, para que ocorra a transação tributária, essa incerteza deve ser fundada, em termos objetivos. Portanto, não há falar em transação sobre fatos ou sobre direitos, mas apenas fundada em dúvida de fato ou de direito.

Observando por outro ângulo, pode-se dizer que a certeza da obrigação pelo consenso, não implica certeza do Direito objetivo, do conteúdo da lei, etc., como jamais poderia implicar certeza do acontecimento ou não de um fato. Ao contrário, é da essência da transação substituir a dúvida sobre a incidência pela certeza do consenso, passando a obrigação a se basear no segundo e não na primeira. Se houve ou não no caso, a incidência de norma exacional tributária sobre fato que se enquadra na descrição de sua hipótese, é questão que resta superada, não sendo mais debatida.

De se destacar, a respeito, que apenas a lei é hábil a impor obrigações e instituir ou majorar tributos, assim como a conceder benefícios fiscais (art. 5º, II, art. 150, I e § 6º CF/88). Assim, a interpretação do fisco, não obstante publicada por órgãos do Estado e vinculante para os seus agentes, tem o mesmo valor jurídico que a interpretação do contribuinte. Nada impede, portanto, que a dúvida fundada acerca da legalidade da “interpretação” do fisco, veiculada por ato infralegal, fundamente a resolução do conflito por meio do consenso, mormente quando o ato “interpretativo” já contar com decisões desfavoráveis no Judiciário[28].


Relativamente à abrangência da transação tributária, é passível de discussão se ela somente pode abarcar o crédito decorrente da obrigação acessória (ou seja, as multas), ou se igualmente pode abranger o crédito principal, ou ainda se deve se ater somente a aspectos acessórios do pagamento do tributo.

Esta questão, contudo, resta superada pelas considerações já feitas acerca da indisponibilidade do crédito tributário, vez que não há razão lógica ou constitucional para se entender que somente o crédito decorrente do descumprimento da obrigação acessória seja passível de transação. Depende, portanto, da disposição da lei ordinária que autorizar a transação.

Outrossim, se é possível transacionar o crédito, inclusive levando à sua extinção, evidentemente, é possível a transação sobre aspectos acessórios do pagamento, como prazo, parcelamento, dação de bens em lugar de dinheiro, pagamento por meio da prestação de serviços, etc..

Assim, já quanto aos efeitos da transação tributária, embora o mais tradicional e evidente seja a extinção da obrigação tributária, não há porque a “concessão” do fisco não se traduzir em outra forma, como a suspensão temporária ou sob condição da exigibilidade do crédito tributário, a moratória, etc..

Neste sentido, deve-se notar que o artigo 171 CTN está posto no referido diploma entre os meios de extinção do crédito tributário. Contudo, a extinção é o mais grave efeito que um ato do contribuinte pode ter, e que a transação pode assumir. Assim, é de se entender que a transação, podendo fazer o mais, pode também fazer o menos, atribuindo-se-lhe efeitos que não a extinção do crédito. Tudo depende de como dispuser a lei que a autorizar.

Controle da transação tributária

Assentado, que a transação pode prosperar no Direito Tributário, como importante ferramenta para reduzir a litigiosidade entre Estado e contribuintes, e promover a arrecadação com menores esforços e maior eficiência, introduzindo o consenso na tributação e aproximando as partes envolvidas, resta a reflexão sobre como curar para que o instituto não seja utilizado em desvio de sua finalidade.

Essa, aliás, a crítica que por vezes se faz, de que a transação daria azo a favorecimentos e perseguições[29].

Põe-se, portanto, em evidência a questão do controle da transação tributária. Questão sensível, sem que se possa deixar de reconhecer, todavia, que o controle dos atos de transação, a rigor, devem ser tão complexos ou podem ser tão ineficazes quanto os de qualquer outro ato administrativo. Não se encontra fundamento para acreditar, com efeito, que o ato que efetuar a transação apresente risco maior de desvios que o próprio ato de lançamento, ou mesmo o de julgamento.

A doutrina, no entanto, possivelmente em razão da grande preocupação com a própria possibilidade da transação no Direito Tributário, tem parcas abordagens sobre a questão.

Cite-se, neste sentido, a contribuição de Heleno Taveira Torres, para quem a transação deve se dar no curso do processo administrativo, devendo ser cabível recurso oficial da decisão, além do direito de fiscalização do Ministério Público e da Procuradoria da Fazenda[30].

Também merece menção a contribuição de Élcio Reis, para quem é fundamental o parecer prévio da Procuradoria-Geral a que se submete a atividade de cobrança do tributo, para que seja autorizada a transação[31].


Ambas as contribuições são de valia inegável. Parece-nos recomendável, contudo, que se estabeleça níveis de controle, cada vez mais complexos, de acordo com o valor do crédito. Assim, alguns créditos, de menor valor, poderiam até mesmo ser transacionados utilizando sistemas eletrônicos, outros já requereriam a análise de um auditor fiscal, ou do delegado competente. Já a partir de certo nível, poderia ser necessária a submissão de um pedido a um órgão colegiado, ou somente ser celebrada perante o Conselho de Contribuintes.

Demais disso, já se expôs que a lei que autoriza a transação deve ser minuciosa, reduzindo a patamares razoáveis a discricionariedade do agente público na transação tributária, embora aquela não possa deixar de existir para maior adaptabilidade do instituto ao caso concreto. Deve a lei, portanto, dispor sobre os critérios que tornam o crédito tributário duvidoso ou o expõem a risco, de modo a permitir a transação, e, a partir de critérios razoáveis, indicar em que limites a exigência fiscal pode ser reduzida para diferentes situações, e/ou quando e como podem ser aceitas condições mais favoráveis para o seu adimplemento. Isto sem perder de vista a possibilidade de reclamação ou recurso para o efetivo controle da aplicação da lei.

Assim, permite-se a legalidade e a isonomia do procedimento, até mesmo propiciando ao contribuinte que busque a igualdade de tratamento com caso análogo ao seu em que realizado o acordo.

Por fim, é necessário que o fisco busque possuir um corpo bem preparado de agentes, com formação, além de contábil, jurídica, ética e moral. É necessário que esses agentes tenham a convicção da importância que possuem para a nação, e de que somente desempenham adequadamente o seu papel quando vêem no contribuinte o cidadão, titular dos poderes da República. Sem prejuízo da possibilidade de denúncia de abusos e atos ilegais a um órgão de correição acessível e revestido da necessária competência e estrutura.

Conclusões

Do que se acabou de expor, pode-se concluir:

1 – A transação é um acordo de vontades para terminar ou prevenir litígio, em que as partes cedem parte de suas pretensões;

2 – A utilização da transação no Direito Tributário é muito criticada, sobretudo sob a alegação de ofensa a princípios como o da indisponibilidade do crédito tributário, legalidade e isonomia;

3 – A transação tributária, ao permitir solução de consenso, atende ao interesse público, por reduzir a litigiosidade, diminuir o trabalho administrativo e permitir mais certa arrecadação;

4 – A transação no Direito Tributário não ofende os princípios da indisponibilidade do crédito tributário, da legalidade ou da isonomia, desde que fundada em lei autorizativa, que defina adequadamente a competência, os casos, os critérios e limites de sua realização, tendo como pressuposto a incerteza fundada do crédito discutido;

5 – A transação tributária pode ocorrer a partir do momento em que é possível identificar o litígio, mesmo que ainda não esteja sob apreciação de um órgão de julgamento, podendo decorrer tanto da dúvida de fato quanto de direito, abranger tanto o crédito decorrente de obrigações acessórias quanto principais (tributo), e tanto pode ser extintiva como pode ter outros efeitos sobre o crédito tributário pretendido;

6 – Aspecto pouco discutido, embora de suma importância, é o controle da transação, que deve receber os mesmos controles dos atos administrativos em geral, além de, conforme o caso, parecer prévio da Procuradoria-Geral competente, possibilidade de reclamação ou recurso, obrigação de ser realizada perante um órgão colegiado etc.;


7 – Para que não se desvie de suas finalidades, a transação tributária deve ser realizada por um corpo bem preparado de agentes do fisco, assim como não dispensa a possibilidade de denúncia de abusos ou favoritismos a ser levada a efeito por órgão especializado.

Nestes termos, sem haver pretendido esgotar o tema nessas breves linhas, espera-se haver prestado contribuição à aplicação do instituto consensual no Direito Tributário do novo milênio.


[1] Redação equivalente se encontra no Código Civil de 2002, art. 840.

[2] A doutrina de um modo geral aponta que a palavra determinação está empregada no dispositivo por “erro material”, devendo-se ler “terminação” em seu lugar. Em sentido contrário: “Arbitragem e transação tributária – verificação de compatibilidade”, de Fábio Brun Goldschimidt, in RDDT 48:47, que lembra que há situações no Direito Comparado em que a determinação dos fatos no lançamento tributário conta com a participação do contribuinte. Sem embargo da respeitável opinião referida, padece de sentido falar em “determinação de litígio”, pois a indeterminação surge com o litígio, e é relativa aos fatos ou ao direito, que se tornaram controvertidos com ele. O litígio, este é determinado sem necessidade de transação.

[3] Cf.: Machado, Hugo de Brito, “Curso de direito tributário”, São Paulo, Malheiros, 2001, pp. 174-175.

[4] Cf. FIGUEIREDO, Paulo Henrique, “A transação tributária como expressão dos direitos do cidadão”, Recife, Bagaço, 2004, p.146 e ss.; Reis, Élcio, “Transação do crédito tributário e a Procuradoria Geral”, in Revista Jurídica da Procuradoria Geral da Fazenda Estadual, n. 31, p. 9-29, jul./set. 1998, p. 15; Batista Jr., Onofre Alves, “Transação no Direito Tributário, discricionariedade e interesse público”, in RDDT 83:116-125, p. 122.

[5] Cf. Casás, José Osvaldo, “La Transacción y la Transacción Tributaria en general en el Derecho Comparado”, in Revista Internacional de Direito Tributário, Belo Horizonte, v. 3, p. 73-102, jan/jun 2005; CRUZ, Paulo Ricardo de Souza, “A Transação no Direito Tributário”, Dissertação de Mestrado, Belo Horizonte, UFMG, 2004, p.117 e ss., com destaque para o uso do instituto nos Estados Unidos e na Itália.

[6] O Jornal Valor Econômico de 22/04/2002, v.g., noticia que metade das autuações submetidas ao Primeiro Conselho de Contribuintes da União no ano anterior foram afastadas.

[7] Eva Andrés Aucejo aponta a re-introdução do consenso na arrecadação na Itália, por meio do “accertamento con adesione”, como um dos grandes responsáveis pela significativa redução dos litígios em matéria fiscal no país (“Evaluación de la litigiosidade en el ‘Rapporto Tributario’ en Italia. La recaudación tributaria proveniente del instituto tributario conciliativo denominado ‘Accertamento con adesione’”. InPapeles de Seminario de Estudio sobre ‘Mecanismos Alternativos de Resolución de Controversias Tributarias’”. Apud Casás, José Osvaldo, op. cit., pp. 94-95).


[8]A vontade do contribuinte no Direito Tributário (existem ‘contratos fiscais’?)”, in Revista Jurídica da Procuradoria Geral da Fazenda Estadual, n. 48/50, p. 11-32, out./jun. 2002/2003.

[9] Op. cit., p. 123.

[10] Heleno Taveira Torres afirma que “Perplexidade, essa é a sensação de todos que iniciam leituras mais atentas sobre propostas de aplicação de mecanismos pactícios ou soluções típicas de regimes de direito privado, nos campos em que se permitam mediação, conciliação, transação ou mesmo a adoção de medidas arbitrais na composição de conflitos em matéria tributária. Na verdade, esta sensação decorre mais do modo equivocado como estes argumentos são apresentados do que propriamente das contingências que eles projetam sobre os princípios alegados como afetados na sua construção axiológica, como os da isonomia, preservação da capacidade contributiva, indisponibilidade do crédito tributário e legalidade material (tipicidade), os maiores elementos de resistência para que se possam estender aos domínios das lides tributárias os citados mecanismos” (“Transação, arbitragem e conciliação judicial como medidas alternativas para resolução de conflitos entre Administração e Contribuintes – simplificação e eficiência administrativa”, in Revista Fórum de Direito Tributário, ano 1, n. 2, p. 91-126, mar./abr. 2003, pp. 101-102). De se notar, entretanto, que a capacidade contributiva é critério de comparação para que se opere a isonomia no campo tributário (Cf. Nota de Misabel Derzi in Baleeiro, Aliomar, “Limitações constitucionais ao poder de tributar”, Rio de Janeiro, Forense, 1997, p. 536). Assim, os princípios que geram maiores “contingências” na adoção dos mecanismos consensuais, a rigor, são indisponibilidade do crédito tributário, legalidade e isonomia.

[11]Curso de Direito Administrativo”, São Paulo, Saraiva, 2000, p. 25 e ss.

[12] Nesse sentido Manoel Hermes de Lima afirma: “Também é de ver não haver qualquer viabilidade de concessões mútuas, em face do princípio da indisponibilidade do interesse público. O crédito tributário não está sujeito a renúncia parcial ou total pelos agentes responsáveis pelo recebimento, por não se revestir de direito patrimonial de caráter privado, diga-se aqui, um dos elementos essenciais e inafastáveis da figura da transação” (“A inaplicabilidade da transação no direito tributário”, in Informativo Jurídico Consulex, v. 17, n. 34, p. 8-11, 25 ago. 2003). José Osvaldo Casás, com respeito ao Direito Comparado, destaca que “Na Espanha, as opiniões doutrinárias, em geral, são coincidentes ao afirmar o dogma da indisponibilidade das obrigações tributárias tendo em conta que as prestações patrimoniais neste âmbito são conseqüência de um mandato estabelecido por lei formal-material – obrigação ex lege -, isto é, de um vínculo jurídico fundado na lei, a cujo abrandamento e conformação é totalmente estranha a vontade dos sujeitos apreendidos na esfera de sujeição passiva”, citando em seguida a opinião de diversos autores espanhóis contrários à adoção do instituto consensual (Op. cit., p. 96 e ss., tradução livre).

[13] Torres, Heleno Taveira, op. cit., p. 114.


[14] É o que conclui, em trabalho inteiramente dedicado ao tema, após ampla colação de doutrina, legislação e Jurisprudência, Paulo Henrique Figueiredo, Promotor de Justiça no Estado de Pernambuco: “A transação, quando levada às hostes do Direito Tributário, é transmudada tornando-se limitada, em razão do interesse público, O caráter de disponibilidade é afastado, pois só com autorização legal específica, pode o Estado transacionar para por fim a um litígio envolvendo questões tributárias” (“A transação tributária como expressão dos direitos do cidadão”, Recife, Bagaço, 2004, p. 226).

[15] Cf.: Reis, Élcio, op. cit., pp. 14-16.

[16]A amigável composição do tributo que antes constituía a finalidade mais apropriada do accertamento tributário, não parece ter vigência na atualidade devido a que a natureza ex lege da obrigação tributária deve prevalecer sobre a vontade das partes mediante uma simples convenção; provavelmente este sistema convencional contribuiria à degradação absoluta do lançamento como ato sério que gera direitos e obrigações” (Moreano, Rodrigo Garcés et all, “Faculdades de la Administración en materia de determinación tributaria”, Relato Nacional por el Ecuador a las XVIII Jornadas Latinoamericanas de Derecho Tributario, Anales de las Jornadas, Tomo de Relatos Nacionales, p. 375; apud Casás, José Osvaldo, op. cit., p. 88, tradução livre)

[17]Em despeito do quanto dispõe o art. 171 do Código Tributário Nacional e apesar da equivocada opinião ainda prosperante em expressiva parcela da doutrina, não padece dúvida que o aludido instituto afigura-se incompatível com as premissas concernentes à tributação, dentre elas a necessária discricionariedade que preside a transação e a vinculabilidade que permeia toda a função administrativa relativa aos tributos. Diferentemente de determinadas modalidades extintivas, a teor da compensação ou da remissão ou da confusão, dentre outras, esta reconhecida por Jarach, as quais podem submeter-se a atos vinculados, a transação ao contrário, somente pode ser efetivada por meio de ato administrativo discricionário, o que atrita o postulado da vinculabilidade da tributação” (Jardim, Eduardo Marcial Ferreira, in Martins, Ives Gandra da Silva (coordenador), “Comentários ao Código Tributário Nacional”, vol. 2, São Paulo, Saraiva, 1998, p. 402).

[18] Cf. Becker, Alfredo Augusto, “Teoria Geral do Direito Tributário”, São Paulo, Saraiva, 1972, pp. 44-46 e 280-281. Pontes de Miranda lecionava: “As regras jurídicas têm incidência infalível; a incerteza, a respeito delas, é subjetiva; também os fatos se dão e não se podem dar e não dar; nós é que podemos não saber se deram, ou se não se deram” (“Tratado de Direito Privado”, Tomo 25, § 3.030).

[19]A transação no direito tributário”, RDDT 75:60.

[20] Op. cit., p. 107.


[21] Idem, p. 105.

[22] Cf.: Batista Júnior, Onofre Alves, op. cit., que defende a necessidade da Administração poder agir com discricionariedade para alcançar o bem comum com a devida eficiência, como ainda que, neste sentido a atribuição do poder-dever discricionário na transação não se reveste do caráter de arbitrariedade.

[23]O princípio da igualdade também é obstáculo para que a transação possa ser admitida como mecanismo de aplicação indiscriminada para a solução de conflitos tributários. (…) O princípio da igualdade da tributação exige que a tributação se faça de forma impessoal, portanto, com base na vontade da lei e não na vontade de homens, por melhores que sejam” (Cruz, Paulo Ricardo de Souza, op. cit., pp. 188-191). Cf. Figueiredo, Paulo Henrique, op. cit., pp. 205-206, para quem a flexibilização da transação no Direito Tributário favorece o tratamento anti-isonômico, invocando o exemplo do abrandamento de multas e juros, que, por via indireta, penaliza o contribuinte adimplente, que nenhum privilégio alcança pelo pagamento pontual.

[24]Fixar de forma unilateral os elementos incertos da obrigação tributária não garante uma maior proteção do interesse social; ao contrário, que intervenha a vontade do particular outorgará maior garantia, assim como maior grau de eficácia ao criar-se uma vinculação por parte do obrigado tributário” (Padial, Ignacio Cruz. “Es posible el arbitraje tributario?,” Impuestos, Madrid I, p. 383-384, 1999; apud Torres, Heleno Taveira, op. cit., p. 117, tradução livre).

[25] Por todos, cf.: Machado, Hugo de Brito, op. cit., p. 63.

[26] Casás, José Osvaldo, op. cit., pp. 77-78.

[27] Cf.: Pontes de Miranda, “Tratado de Direito Privado”, Tomo 25, §§ 3.027 e 3.030.

[28] Cf.: Torres, Heleno Taveira, op. cit., p. 104, para quem a transação, assim como os outros meios de solução de conflitos tributários baseados no consenso, serão sempre úteis para resolver conflitos decorrentes das dificuldades que a lei oferece para a sua aplicação.

[29]A admitir a possibilidade ampla de transação para solução dos litígios tributários, a tributação deixaria de ser determinada apenas pela vontade da norma, que deve ser geral e abstrata, impessoal e prestigiadora da isonomia, para ser determinada também pela vontade do administrador, com todas as conseqüências que isso implica, com relação ao aparecimento de subjetividade, com possibilidade de perseguições, arbitrariedades ou favorecimentos” (Cruz, Paulo Ricardo de Souza, op. cit., p. 190).

[30] Op. cit., p. 116.

[31] Op. cit., p. 21 e ss.

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