Maioridade penal

Se pode votar, jovem tem noção da gravidade do crime

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17 de agosto de 2006, 7h00

Nos últimos dias, a mídia de maneira geral vem abordando a questão da maioridade penal de jovens delinqüentes muito contundente, fato esse que se dá por conta das barbaridades que vem trazendo comoção nacional, como o assassinato de forma cruel do casal de namorados Liana e Felipe.

Possivelmente, todos já ouviram aquela música que fala que “Depende de nós, Quem já foi ou ainda é criança, Que acredita ou tem esperança, Que faz tudo por um mundo melhor…” e já sentiram responsabilidade que todos nós temos para com aqueles que encontram-se em situação peculiar de desenvolvimento.

Não só este refrão, mas todas as estrofes chamam a atenção das pessoas e as convidam a refletir sobre o seu papel na sociedade.

Esse tema realmente faz com que toda a sociedade comece a exercitar uma profunda reflexão sobre a matéria, que vem disciplinada no ECA — Estatuto da Criança e do Adolescente, que no meu ponto de vista está elaborado nos melhores moldes da legislação internacional. Porém, a sua aplicabilidade no Brasil fica comprometida por conta das falhas na Febem — Fundação Estadual do Bem Estar do Menor e pela dificuldade na aplicação das medidas disciplinares.

Entendemos que, se o jovem de 16 anos tem o discernimento e a capacidade para votar e eleger os políticos que vão conduzir uma nação, é absolutamente plausível que ele tenha a capacidade de entender a gravidade de entender a gravidade do cometimento de qualquer tipo de infração penal.

Portanto, ele poderá e deverá ser punido com todo rigor da lei. Não obstante todas as assertivas, entendemos também que, para que se tenha qualquer tipo de resultado positivo no sentido da redução da criminalidade, não só o governo como a sociedade tem de mobilizar e fazer com que diversos setores passem por uma profunda modificação.

Se setores vitais que são necessariamente a base de qualquer Estado Democrático de Direito, como Educação, a Saúde, Segurança, estivessem efetivamente cumprindo seu papel nossas crianças não estariam às margens do descaso.

Partindo desta premissa, nos cabe tecer algumas considerações muito relevantes sobre os aspectos primordiais do ECA. Talvez tenhamos nos acostumados a ver novas leis serem editadas quando algo ou uma situação entra em evidência. Leis que tentam reprimir novos delitos e diminuir os índices que assustam a sociedade.

E o que é pior, com a era da informática, dos produtos transgênicos, com a clonagem e tantas outras inovações deste mundo moderno, estamos sendo arrastados por uma onda que tem revelado novos crimes, novas circunstâncias até então não previstas e que em alguns casos serão positivadas tardiamente.

Corremos atrás de modernizar os presídios, aumentar a segurança e esquecemos que devemos nos atentar por aqueles que irão compor a sociedade de amanhã, que prevenir ainda é o melhor caminho. A exemplo, pode-se citar que hoje os esforços tem sido imperceptíveis na guerra contra a reincidência, contra a criminalidade. E isto porque é muito mais difícil refazer do que construir, principalmente quando se trata de um ser humano, já calejado pela vida, com sua visão e seus conceitos firmados em suas experiências, que embora desastrosas, são a sua referência. E ninguém vive aquilo que não conhece.

Destarte, se queremos pessoas justas, devemos ensinar justiça. Se queremos cidadãos na acepção da palavra (não meros indivíduos que, à margem dos direitos, que só ouviram esta palavra nas musicas que clamam igualdade), devemos dar exemplos de cidadania. Isso e muito mais exige não só contribuições em campanhas de entidades, que muitas vezes apenas conhecemos de ouvir falar, porque nos limitamos às doações pecuniárias, que, de certa forma, utilizamos para justificar nossa atitude omissa e cômoda.

Mas as coisas ainda podem mudar. O Brasil conta com uma lei ultramoderna, como citamos anteriormente, que instituiu o Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei 8.069, de 13 de julho de 1990) e que, apesar dos seus mais de 15 anos, continua a sofrer os entraves que obstam a sua total aplicabilidade. O primeiro ainda é a falta de conhecimento da população, quando aos seus dispositivos.

É curioso como foi recebida pela grande maioria. Quando as propagandas televisivas iniciaram-se, muitos adultos sentiram-se afrontados por entenderem-se limitados em seus poderes de pais e educadores, e não viam que ele (o estatuto) tem como primordial função, a consagração da proteção integral e outros princípios, dentre os quais, o que eleva as crianças a “sujeitos especiais de direito”.

A princípio não foi bem recebido, porque havia ainda a contaminação da filosofia disseminada na doutrina da “Situação Irregular” do Código do Menor de 1979, que não estabelecia direitos às crianças e aos adolescentes; e a elas não previa sequer o direito de defesa. Graças ao estatuto, hoje elas contam também com o princípio “do devido processo legal”.

O Estatuto, em seus 267 artigos, prevê direitos e também medidas sócio-educativas para os adolescentes infratores, alcançando não só crianças em situação irregular, como outrora fizeram, mas toda criança e todo adolescente, instituindo assim o princípio da “universalidade”. Além dos princípios já citados, vale destacar outros, como o “princípio do atendimento compartilhado” (ou pode-se chamar “princípio de responsabilidade concorrente”), e o “principio da prioridade absoluta”, princípios estes constitucionais, com previsão expressa no artigo 227.

Assim estabelece o caput do artigo 227 da Carta Magna:

“É dever da família, da comunidade, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão”.

Portanto, é dever de toda a coletividade guardar os diretos das crianças e dos adolescentes. E ao guardá-los, se constatarem uma situação em que estes e outros interesses da coletividade estiverem aguardando providências, considerem-se os interesses da criança em primeiro lugar. Ou seja, é “prioridade absoluta”. A intenção da lei não é frisar qualquer redundância, mas que, se duas prioridades se encontrem, prevalecerá a que beneficia a criança e o adolescente.

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