Área protegida

MPs pedem que Incra suspenda compra de fazenda para MST

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15 de agosto de 2006, 7h00

O Ministério Público Federal em Campinas e o Ministério Público do Estado em Cajamar, ambas em São Paulo, recomendaram que o Incra — Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária suspenda o processo de compra para fins de reforma agrária da Fazenda São Luiz, em Cajamar. A recomendação foi feita nesta segunda-feira (14/8).

Segundo os Ministérios Públicos, a área, invadida por integrantes do MST — Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra, fica, ao mesmo tempo, em área de preservação ambiental e em área tombada na Serra do Japi.

Se as irregularidades não forem sanadas e a recomendação não for cumprida, os MPs podem entrar com Ação Civil Pública por atos de improbidade administrativa contra os dirigentes do Incra. Segundo a promotoria, a compra da área pode configurar liberação irregular de verbas públicas, uma vez que não foram cumpridas exigências legais prévias.

A Fazenda São Luiz, em Cajamar, foi invadida pelo MST em 2004, e permanece sem regularização até hoje. O Incra iniciou o procedimento para compra da fazenda para implantação do assentamento de reforma agrária, mas 100% de seu território está em uma área de proteção ambiental e 80 % em área tombada da Serra do Japi.

Para o procurador da República Paulo Roberto Galvão e a promotora de Justiça Karina Scutti Santos, o processo de compra, que já está em fase final, deve ser suspenso. Isso porque, o Conselho Nacional do Meio-Ambiente exige a obtenção de licença prévia para a implantação de projetos de assentamento para reforma agrária antes da obtenção da área pelo Incra, o que até agora não foi feito. Além disso, o Condephaat — Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Arqueológico, Artístico e Turístico de São Paulo ainda não se manifestou sobre a viabilidade do projeto de reforma agrária com a preservação da área tombada.

Os Ministérios Públicos também recomendaram ao Incra que seja feita novamente a audiência pública prevista na legislação. As instituições consideram que a audiência que ocorreu em novembro de 2005 foi irregular, pois não contou com a participação do MPF, do MPE e de outras entidades que haviam manifestado expressamente a discordância quanto à compra.

Leia a íntegra da recomendação

MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL

PROCURADORIA DA REPÚBLICA NO MUNICÍPIO DE CAMPINAS

MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SÃO PAULO

PROMOTORIA DE JUSTIÇA DE CAJAMAR

RECOMENDAÇÃO Nº 008/2006/PRM/CAMP

CONSIDERANDO a tramitação, na Procuradoria da República no Município de Campinas, da representação nº 1.34.004.000580/2005-84, e do Inquérito Civil nº 29/06, na Promotoria de Justiça de Cajamar, que têm como objeto apurar a regularidade de possível compra para fins de reforma agrária, pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária – INCRA, da Fazenda São Luiz, no município de Cajamar-SP, integrante de área de proteção ambiental e de área natural tombada das Serras do Japi, Guaxinduva e Jaguacoara;

CONSIDERANDO que é função institucional do Ministério Público da União “a defesa dos seguintes bens e interesses: a) o patrimônio nacional; b) o patrimônio público e social; c) o patrimônio cultural brasileiro; d) o meio ambiente (…)”, conforme art. 5º, III, alíneas “a” a “d”, da Lei Complementar nº 75, de 1993;

CONSIDERANDO que é função institucional do Ministério Público da União “zelar pelo efetivo respeito dos Poderes Públicos da União e dos serviços de relevância pública quanto: (…) b) aos princípios da legalidade, da impessoalidade, da moralidade e da publicidade”, nos termos do art. 5º, V, alínea “b”, da Lei Complementar nº 75, de 1993;

CONSIDERANDO que “compete ao Ministério Público da União: (…)

VII – promover o inquérito civil e a ação civil pública para: (…) b) a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente, dos bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico”, nos termos do art. 6º, VII, alínea “b”, da Lei Complementar nº 75, de 1993;

CONSIDERANDO que é atribuição do Ministério Público promover a responsabilização de agentes públicos que praticarem ato de improbidade administrativa que causem prejuízo ao erário e que atentem contra os princípios da Administração Pública, consoante arts. 10, 11 e 17 da Lei nº 8.429, de 1992;

CONSIDERANDO que “compete ao Ministério Público da União: (…) XX – expedir recomendações, visando à melhoria dos serviços públicos e de relevância pública, bem como ao respeito, aos interesses, direitos e bens cuja defesa lhe cabe promover, fixando prazo razoável para a adoção das providências cabíveis”, consoante preceitua o art. 6º, XX, da Lei Complementar nº 75, de 1993;


CONSIDERANDO que “aplicam-se aos Ministérios Públicos dos Estados, subsidiariamente, as normas da Lei Orgânica do Ministério Público da União”, consoante preceitua o artigo 80 da Lei nº 8.625, de 1993;

CONSIDERANDO o teor do processo administrativo INCRA nº 54190.001419/2004-50, que tem por objetivo a compra da Fazenda São Luiz, no município de Cajamar-SP, para fins de reforma agrária;

CONSIDERANDO a identificação de irregularidades, elencadas a seguir, no bojo do processo de compra do imóvel pelo INCRA, as quais precisam ser sanadas antes da conclusão do negócio de compra e venda;

CONSIDERANDO que a Fazenda São Luiz tem 100% (cem por cento) de sua área localizada na Área de Proteção Ambiental de Cajamar – APA-Cajamar, criada pela Lei nº 4.055, de 1984, do

Estado de São Paulo;

CONSIDERANDO que a Fazenda São Luiz tem 80% (oitenta por cento) de sua área localizada na Área Tombada da Serra do Japi, criada pela Resolução nº 11, de 1983, do Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Arqueológico, Artístico e Turístico da Secretaria de Cultura do Estado de São Paulo – CONDEPHAAT-SP;

CONSIDERANDO que a Fazenda São Luiz possui 11% (onze por cento) de sua área constituída de mata nativa, conforme laudo de vistoria e avaliação realizado pela Fundação Instituto de Terras do Estado de São Paulo “José Gomes da Silva” – ITESP;

CONSIDERANDO que “o estabelecimento de atividades utilizadoras de recursos ambientais, considerados efetiva e potencialmente poluidores, bem como os capazes, sob qualquer forma, de causar degradação ambiental, dependerão de prévio licenciamento (…)”, nos termos do art. 10 da Lei nº 6.938, de 1981;

CONSIDERANDO que “o órgão ambiental competente expedirá a Licença Prévia-LP e a Licença de Instalação e Operação-LIO para os projetos de assentamento de reforma agrária” e que a Licença Prévia é a “licença concedida na fase preliminar do planejamento dos projetos de assentamento de reforma agrária aprovando sua localização e concepção, sua viabilidade ambiental e estabelecendo os requisitos básicos a serem atendidos na próxima fase do licenciamento”, consoante arts. 2º e 3º da Resolução nº 289, de 2001, do Conselho Nacional do Meio Ambiente – CONAMA;

CONSIDERANDO que “a LP constitui-se em documento obrigatório e que antecede o ato de criação de um projeto de assentamento de reforma agrária, devendo ser expedida anteriormente à obtenção da terra, tendo prazo de expedição, após seu requerimento, de até noventa dias”, nos termos do art. 3º, § 2º, da Resolução nº 289, de 2001, do CONAMA;

CONSIDERANDO que a ausência da expedição de Licença Prévia pelo órgão ambiental para implantação de projeto de assentamento de reforma agrária na Fazenda São Luiz, que deveria ocorrer, obrigatoriamente, antes da obtenção da terra pelo INCRA, constitui violação ao art. 3º, caput e § 2º, da Resolução nº 289, de 2001, do CONAMA;

CONSIDERANDO que a Resolução nº 11, de 1983, do CONDEPHAAT-SP, prevê restrições à utilização da Área Tombada da Serra do Japi;

CONSIDERANDO que não há manifestação do CONDEPHAAT-SP sobre a possibilidade de implantação de projeto de assentamento para reforma agrária na Fazenda São Luiz no processo administrativo INCRA nº 54190.001419/2004-50;

CONSIDERANDO que a área da Fazenda São Luiz não comportará mais que 20 famílias a serem assentadas, conforme laudo de vistoria e avaliação realizado pelo ITESP;

CONSIDERANDO que a União gastará, para aquisição da Fazenda São Luiz, o valor total de R$ 1.693.447,89 (um milhão, seiscentos e noventa e três mil, quatrocentos e quarenta e sete reais e oitenta e nove centavos), o que implica em dispêndio de R$ 84.672,39 (oitenta e quatro mil, seiscentos e setenta e dois reais e trinta e nove centavos) por família a ser assentada;

CONSIDERANDO que a liberação de recursos de tal montante deve ser objeto de criteriosa análise por parte da Administração Pública, bem como de controle social por parte da população, nas formas previstas em legislação, dentre elas, a audiência pública;

CONSIDERANDO que “é obrigatória a realização de audiência pública, nos procedimentos administrativos que visem a obtenção de terras na modalidade compra e venda de que trata o Decreto nº 433, de 24/10/92 (…)”, e que a “Superintendência Regional convidará a participarem da audiência pública representantes dos Ministérios Públicos Federal e Estadual, dos Poderes Executivos e Legislativos, Estadual e Municipal, dos órgãos estadual ou municipal de terras, da OAB, CREA, Movimentos Sociais, Federação ou Sindicato de Trabalhadores na Agricultura, Federação ou Sindicato dos Produtores Rurais e outras entidades ou organizações com representatividade no município ou região”, nos termos dos arts. 10 e 11 da Norma de Execução/INCRA/SD/Nº 35, de 2004;


CONSIDERANDO a realização de audiência pública para aquisição da Fazenda São Luiz em 23 de novembro de 2005, sem a presença, dentre outros, de representantes do Ministério Público Federal, do Ministério Público do Estado de São Paulo, da Ordem dos Advogados do Brasil – OAB e dos Poderes Executivo e Legislativo do Estado de São Paulo e dos municípios de Cajamar-SP e Jundiaí-SP;

CONSIDERANDO que tais órgãos e entidades foram convidados para participar da audiência pública tão-somente por via de edital, que constitui meio excepcional de dar publicidade a eventuais interessados indeterminados ou não localizados;

CONSIDERANDO que o convite editalício contraria o objetivo da Norma de Execução/INCRA citada, que é o de permitir a efetiva participação dos órgãos e entidades referidos na audiência pública;

CONSIDERANDO que, dentre os órgãos ausentes e não devidamente convidados, a OAB, a Secretaria da Justiça e da Defesa da Cidadania do Estado de São Paulo, a Prefeitura de Jundiaí, o Conselho Municipal de Defesa do Meio Ambiente de Jundiaí – CONDEMA, o Conselho de Gestão da Serra do Japi, o Grupo de Monitores da Serra do Japi, a Sociedade Amigos do Bairro Santa Clara e o Instituto de Arquitetos do Brasil já haviam manifestado expressa discordância com a compra da Fazenda São Luiz para reforma agrária e, por certo, tinham interesse em participar da audiência pública para este fim;

CONSIDERANDO que a ausência de convite regular, para participar da audiência pública, aos representantes do Ministério Público Federal, do Ministério Público do Estado de São Paulo, da OAB e dos Poderes Executivo e Legislativo do Estado de São Paulo e dos municípios de Cajamar-SP e Jundiaí-SP, além das demais entidades que já haviam manifestado expressa discordância com a aquisição da Fazenda São Luiz para fins de reforma agrária, constitui violação aos arts. 10 e 11 da Norma de Execução/INCRA/SD/Nº 35, de 2004, acima citados;

CONSIDERANDO que “constitui ato de improbidade administrativa que causa lesão ao erário qualquer ação ou omissão, dolosa ou culposa, que enseje perda patrimonial, desvio, apropriação, malbaratamento ou dilapidação dos bens ou haveres das entidades referidas no art. 1º desta lei, e notadamente:

(…) XI – liberar verba pública sem a estrita observância das normas pertinentes ou influir de qualquer forma para a sua aplicação irregular”, nos termos do art. 10, XI, da Lei nº 8.429, de 1992;

CONSIDERANDO que “constitui ato de improbidade administrativa que atenta contra os princípios da administração pública qualquer ação ou omissão que viole os deveres de honestidade, imparcialidade, legalidade e lealdade às instituições”, consoante art. 11 da Lei nº 8.429, de 1992;

CONSIDERANDO que, caso venha a ser formalizada a aquisição da Fazenda São Luiz pelo INCRA, via escritura de compra e venda, emissão de títulos da dívida agrária e pagamento das benfeitorias à vista, não poderá ocorrer a implantação do assentamento de reforma agrária, em virtude de não terem sido previamente sanadas as irregularidades acima descritas;

CONSIDERANDO que a aquisição da área da Fazenda São Luiz antes de sanadas as irregularidades apontadas nesta Recomendação, impossibilitando o uso da área adquirida para fins de reforma agrária, constituirá ato de improbidade administrativa que causa lesão ao erário e que atenta contra o princípio da legalidade, previsto nos arts. 10 e 11 da Lei nº 8.429, de 1992;

CONSIDERANDO que, independentemente das sanções penais, civis e administrativas, previstas na legislação específica, está o responsável pelo ato de improbidade sujeito a, dentre outras penas, o ressarcimento integral do dano, a perda da função pública, a suspensão dos direitos políticos de cinco a oito anos e o pagamento de multa civil de até duas vezes o valor do dano e de até cem vezes o valor da remuneração percebida pelo agente, nos termos do art. 12 da Lei nº 8.429, de 1992;

CONSIDERANDO que eventual formalização da aquisição da Fazenda São Luiz pelo INCRA, via escritura de compra e venda, emissão de títulos da dívida agrária e pagamento das benfeitorias à vista, sem que sejam previamente sanadas as irregularidades apontadas nesta Recomendação, impossibilitando o uso da área adquirida para fins de reforma agrária, importará em responsabilidade pessoal dos dirigentes do INCRA, que serão considerados autores de ato de improbidade administrativa e estarão sujeitos às sanções previstas no art. 12 da Lei nº 8.429, de 1992, acima citado;

RECOMENDAM, o Ministério Público Federal e o Ministério Público do Estado de São Paulo, ao Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária – INCRA, por intermédio do Superintendente Regional da SR-08/SP, do Superintendente Nacional de Desenvolvimento Agrário e do Superintendente Nacional de Gestão Administrativa, que:

– suspenda imediatamente o procedimento de compra para fins de reforma agrária da Fazenda São Luiz, em Cajamar-SP, objeto do processo administrativo INCRA nº 54190.001419/2004-50, evitando a lavratura da escritura de compra e venda, a emissão dos títulos da dívida agrária e o pagamento das benfeitorias à vista;

– torne sem efeito todos os atos do referido processo administrativo a partir da realização da audiência pública de 23 de novembro de 2005; – requeira ao órgão ambiental a expedição da Licença Prévia prevista nos arts. 2º e 3º, caput e § 2º, da Resolução nº 289, de 2001, do CONAMA;

– convoque novamente a audiência pública prevista nos arts. 10 e 11 da Norma de Execução/INCRA/SD/Nº 35, de 2004, desta feita convidando regularmente todos os órgãos e entidades previstos na Norma.

Fica assinalado o prazo de 10 (dez) dias para a apresentação de resposta justificada quanto ao cumprimento desta Recomendação, nos termos do art. 6º, XX, da Lei Complementar nº 75, de 1993.

Campinas, 14 de agosto de 2006.

Karina Scutti Santos Paulo Roberto Galvão de Carvalho

Promotora de Justiça Procurador da República

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