Preço do descaso

Prefeitura deve indenizar família por morte de bebê

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13 de agosto de 2006, 13h27

Por ter aplicado antibiótico falsificado num bebê de nove meses, que acabou morrendo em 25 de abril de 1998, comprado pela Santa Casa de Misericórdia de Valença, município do Sul fluminense, a prefeitura daquela cidade foi condenada. Terá de pagar R$ 300 mil a Iracema de Souza do Nascimento, mãe da criança, e a Isac Emanuel de Souza, herdeiro processual de Carlos Luis Nascimento, pai da vítima.

Ana Carla de Souza Nascimento morreu após mais de 20 dias entre idas e vindas ao hospital. Lá, aplicaram o antibiótico Trioxina nela, por dez dias, para tratar uma pneumonia no pulmão direito. O remédio era falsificado, o que provocou o óbito por insuficiência múltipla dos órgãos, meningite, pneumonia e septicemia.

“A má prestação hospitalar ficou evidenciada pelo fato da unidade não possuir, inicialmente, o medicamento prescrito pela médica que atendeu a menor, ou seja, o Rocefin; depois por injetar em Ana Carla um produto falsificado. A culpa do município ficou clara porque o responsável pela compra dos remédios não possuía capacitação técnica e nem precisava de autorização do farmacêutico. O dano moral vem representado pelo trauma emotivo do qual à autora seria poupada, não fosse a ocorrência do acidente”, observou em sua sentença o juiz Cláudio Gonçalves Alves, da 2ª Vara da Comarca de Valença.

Ele entendeu não caber a reparação por lucros cessantes porque a vítima não contribuía para a formação da renda familiar, em função de sua idade.

A ré teve seus interesses cuidados pela Defensoria Pública do estado do Rio. O juiz Gonçalves Alves elogiou o trabalho dos defensores João Luis Guimarães, Christiane Serra Ferreira e Daniele Lima. O MP também atuou no caso e foi a favor da condenação do réu.

No processo, ficou provado que a responsabilidade da gestão da Santa Casa de Valença era da prefeitura, por força de um contrato celebrado entre as partes. Como o estado é responsável pelos riscos de sua atividade administrativa, segundo o artigo 37, parágrafo 6º da Constituição, o foco do processo desde o início, foi o poder público municipal.

“A carta magna fala em agente. Antes de sua edição, prevalecia o entendimento de que dever-se-ia interpretar o termo funcionário, lato sensu, para indicar o servidor ou agente público, isto é, todo aquele que era incumbido da realização de um serviço público. O que importa é que o agente se encontre a serviço do Poder Público”, sustentaram os defensores na ação.

“Mais adiante argumentaram que, mesmo que o réu não tivesse indicado o responsável pela administração do hospital, ainda assim subsistiria a obrigação estatal, visto que tão somente o contrato de co-gestão aludido é suficiente para o surgimento da obrigação, gerando o dever de cumprir os compromissos assumidos, sob pena de responsabilização pelo seu inadimplemento. O fato público e notório da participação do réu na gestão do hospital é seguramente suficiente para a obrigação buscada, de acordo com o artigo 334, do Código de Processo Penal.”

Quem desconfiou que o medicamento era falso foi a pediatra Maria da Glória Pereira Mesquita, ao notar que a criança não respondia ao tratamento com a Trioxina. Ela pediu que fosse feita uma análise da fórmula do medicamento. O Laboratório Noel Nutels emitiu o seguinte parecer: “Após testes e estudos comparativos de frascos, ampolas e rótulos concluímos que a amostra inquinada de falsa encontra-se insatisfatória em relação à legislação sanitária vigente (Decreto 79.094/77)”. Ou na expressão do juiz Cláudio Gonçalves, “tratava-se de grosseira falsificação”.

Detalhe: o remédio adquirido por preço bem abaixo do mercado junto a MPSA Produtos Médicos Hospitalares Ltda ocorreu porque o hospital não tinha crédito junto aos fabricantes.

“Não posso garantir que o remédio verdadeiro a salvaria na fase adiantada da internação, mas com certeza o falso a fez piorar”, declarou a médica, revelando que foi uma luz que a fez olhar o frasco, cujas letras no rótulo eram inelegíveis. Ana Carla tomou dez frascos da Trioxina falsa.

Processo 2001.064.000237-9

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