Indexador adequado

Pensão alimentícia deve ser corrigida por IGP-M, decide TJ-RS

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13 de agosto de 2006, 7h00

O salário mínimo não pode ser o indexador da pensão alimentícia. O benefício deve ter um valor certo, com correção monetária anual. O entendimento é da 7ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, que mudou a orientação do colegiado em relação ao tema, com base no voto do relator, desembargador Luiz Felipe Brasil Santos. As informações são do TJ gaúcho.

O novo entendimento foi aplicado em 4 ações ajuizadas no tribunal. De acordo com o desembargador, o IGP-M é o indexador mais adequado para a correção do valor da pensão alimentícia. Segundo ele, o salário mínimo, de 1994 a 2006, teve variação de 440% — passando de R$ 64 para R$ 350. No mesmo período, o índice do IGP-M foi de 265% e o do INPC, 203%.

Na decisão em que foi relator, ele lembrou que são cada vez mais freqüentes ações revisionais promovidas por alimentantes, porque seus ganhos não acompanham a evolução do salário mínimo. Além de sugerir o IGP-M como indexador para correção nos cálculos judiciais, o relator salientou que a quantia deve vigorar a partir da data da decisão que a define, e não após o trânsito em julgado.

O desembargador decidiu pelo aumento do valor da pensão. Ela foi alterada de três salários mínimos para R$ 1,4 mil. Entretanto, deve ser corrigida pelo IGP-M anualmente, a partir da data do julgamento, e não pela variação do salário mínimo.

“O piso salarial é instrumento de política econômica e não tem qualquer compromisso com a variação do poder aquisitivo da moeda”, observou o desembargador.

Em seu voto, citou a Lei 6.205/75 que estabeleceu a descaracterização do salário mínimo como fator de correção monetária, regra inserida na Constituição Federal (inciso IV do artigo 7°). No mesmo sentido, a Súmula 201 do Superior Tribunal de Justiça veda a indexação de honorários advocatícios — “de inegável cunho alimentar” — ao piso salarial.

As outras apelações que seguem a mesma orientação são: 700.141.684-39, 700.152.230-50 e 700.156.223-35.

Processo 700.156.279-79

Leia a íntegra da decisão

APELAÇÃO CÍVEL. SEPARAÇÃO JUDICIAL. MAJORAÇÃO DE ALIMENTOS. PARTILHA. CULPA. INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. PRECEDENTES.

1. Os elementos dos autos não revelam situação de opulência financeira do varão, principal responsável pelo sustento da família ao longo do casamento.

2. A mulher, que conta mais de sessenta anos, faz jus a alimentos pela ponderação do binômio necessidade/possibilidade, pois a renda que aufere como professora aposentada é insuficiente para o custeio de suas despesas ordinárias.

3. O salário mínimo é instrumento de política econômica e não tem qualquer compromisso com a variação do poder aquisitivo da moeda. Tanto assim que a Lei nº 6.205, de 29 de abril de 1975, já estabelecia a descaracterização do salário mínimo como fator de correção monetária, regra que foi alçada à dignidade constitucional no inc. IV do art. 7º da Carta Magna. Por sinal, não é por outra razão que a Súmula 201 do STJ veda a indexação dos honorários advocatícios — de inegável cunho alimentar — ao piso salarial. O salário mínimo não pode mais se prestar para indexar os alimentos, sob pena de, a curto prazo, desestabilizar o equilíbrio do binômio alimentar, o que inexoravelmente dará origem a uma ação revisional. Por essa razão, a verba alimentar deva ser estipulada em valor certo, determinando-se sua correção monetária anual, a partir da data da decisão que os define (não de seu trânsito em julgado), conforme comando do art. 1.710 do Código Civil. E, dentre os indexadores, o IGP-M é o que se mostra mais adequado, tanto que é regularmente utilizado para correção de cálculos judiciais.

4. Não é possível a partilha da firma de contabilidade porque não foi arrolada entre os bens comuns pela autora.

5. Na ruptura da relação conjugal, mesmo havendo denúncia de descumprimento dos deveres maritais, não há falar em reparação por dano moral.

6. O fim do casamento, qualquer que seja o motivo, gera intensos e profundos sentimentos. Todavia, não há reparação possível, de ordem econômica, para curar estas dores. Vale sim a tentativa de construção não-beligerante dos ritos que põem fim ao casamento em respeito à dignidade pessoal dos filhos e daqueles que estiveram juntos por tanto tempo e construíram uma família.

7. O pagamento de uma indenização agravaria ainda mais as situações de grave conflito, fazendo surgir a cobiça.

PROVERAM EM PARTE, À UNANIMIDADE.

APELAÇÃO CÍVEL

SÉTIMA CÂMARA CÍVEL

Nº 70015627979

COMARCA DE PORTO ALEGRE

APELANTE: O.E.T.N.

APELADO: A.D.N.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os autos.

Acordam os Desembargadores integrantes da Sétima Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado, à unanimidade, em prover em parte a apelação.


Custas na forma da lei.

Participaram do julgamento, além do signatário (Presidente), os eminentes Senhores DES. SÉRGIO FERNANDO DE VASCONCELLOS CHAVES E DES. RICARDO RAUPP RUSCHEL.

Porto Alegre, 02 de agosto de 2006.

DES. LUIZ FELIPE BRASIL SANTOS,

Relator.

RELATÓRIO

DES. LUIZ FELIPE BRASIL SANTOS (RELATOR)

Cuida-se de apelação interposta por OLGA EUNICE T.N. em face da sentença que julgou parcialmente procedente a ação de separação judicial cumulada com alimentos, partilha de bens e indenização por dano moral ajuizada contra AIRES D.N. (fls. 485/492).

Sustenta que: (1) deve ser reformada a sentença que não concedeu alimentos no montante requerido; (2) três salários mínimos mensais são insuficientes para manter suas despesas ordinárias, pois são parcos os rendimentos que aufere como professora aposentada na quantia de R$ 1.496,90; (3) o varão presta assessoria contábil para mais de 80 estabelecimentos comerciais, tem entre seus clientes importantes empresas e sua renda líquida chega a R$ 15.000,00; (4) computados a este valor os proventos de aposentadoria (R$ 1.480,00) e o aluguel de uma sala comercial a quantia ultrapassa R$ 17.000,00 mensais; (5) os gastos que ela possui são superiores a R$ 5.000,00 mensais, está com 60 anos, idade de difícil inclusão profissional, tem limitações no uso do braço direito em razão de fratura no pulso e percebe R$ 150,00 pela locação de um imóvel comum e não R$ 300,00 como disse a sentenciante; (6) para estimativa dos alimentos também deve ser considerado o padrão de vida que o casal desfrutava; (7) também o escritório contábil do apelado deve integrar o rol dos bens partilháveis porque o regime de bens adotado foi da comunhão universal; (8) se impõe o reconhecimento da culpa do varão pelo término da vida conjugal, pois traiu a esposa e saiu de casa deixando-a desamparada moral e materialmente; (9) a dor, o sofrimento e as humilhações sentidas pela mulher devem ser indenizadas, como dispõem as regras gerais de responsabilidade civil. Requer o provimento do recurso para fixar os alimentos para a apelante em quantia equivalente a 25 salários mínimos mensais, partilhar a empresa de contabilidade e condenar o varão na reparação de dano moral (495/513).

Houve contra-razões (fls. 522/527) e o Ministério Público, em ambos os graus de jurisdição, opinou pelo parcial provimento da apelação (fls. 348/349 e 352/368).

Foi atendido o disposto nos arts. 549, 551 e 552 do CPC.

É o relatório.

VOTOS

DES. LUIZ FELIPE BRASIL SANTOS (RELATOR)

O casamento dos litigantes ocorreu em 1966 sob o regime da comunhão universal de bens (fl. 24).

O primeiro ponto de inconformidade da recorrente se refere ao valor da pensão alimentícia.

O relato das razões recursais é da típica vida de um casal de classe média que, ao longo dos anos, perseguem uma melhora nas condições econômicas estudando e se voltando a qualificação profissional. Ela se dedicou à família e ao magistério e ele se formou em Ciências Contábeis, foi bancário e, ao deixar o Banrisul, passou a prestar assessoria contábil para empresas.

A recorrente, uma vez aposentada com ganhos de R$ 1.496,00, segundo informa na petição recursal, concluiu a Faculdade de Direito e trabalhou no Conselho Regional da Ordem dos Músicos até 2002.

A mulher, além dos ganhos de aposentadoria, que hoje devem superar aquela quantia de R$ 1.496,90 auferida em maio de 2004 (fl.37), também recebe metade do aluguel de uma sala comercial (R$ 150,00).

Nas contra-razões, o apelado não nega que ela esteja desempregada, apenas sustenta que não trabalha porque não quer, pois com formação na Faculdade de Letras e Direito poderia dar aulas particulares ou advogar (fl. 524). Sustenta ganhos médios de R$ 2.874,00, quantia que recebeu em 2003 e cujos valores se mantiveram em 2004, já computados o valor de aposentadoria e de serviços contábeis (fl. 221).

Paralelamente, pagava aluguel e condomínio na faixa de R$ 500,00 (fls. 246/248), o ensino universitário de uma filha (R$ 702,59 – fls. 166 e 227) e mesada de R$ 600,00 (fls. 166 e 228/232). Em rol de despesas apresentado ao juízo em meados de 2005, indica que o curso de Cynara passou a R$ 988,00 e a mesada a ela repassada ficou em R$ 400,00 mensais.

Observo, ainda, que o que auferia da empresa CHOCOLATES GAROTO S/A, com média mensal superior a R$ 2.000,00 em 2003 (fl. 224), no mesmo levantamento de ganhos e gastos da fl. 391 está indicado, para julho de 2005, honorários de R$ 2.400,00. O seu extrato de benefício do INSS, para maio de 2004, indica valor líquido de R$ 1.480,62.

No depoimento pessoal, o varão comenta que a renda mensal obtida com o serviço contábil chega a R$ 12.000,00 e deste montante retira o salário de 6 funcionários, num total de cerca de R$ 6.300,00, os custos da faculdade da filha e todas as despesas pessoais (aluguel, condomínio,etc.) (fl. 397). O demonstrativo de tais créditos e débitos aponta resultado final de R$ 2.666,31 (fls. 391/392).


CARLOS ALBERTO, seu funcionário de 10 anos, esclarece que de 35 a 40 empresas são atendidas por eles sem que houvesse redução neste número nos últimos anos e que com o serviço de assessoria tinham um faturamento mensal de cerca de R$ 12.500,00(fl. 412).

Com estes dados, aliados às informações das declarações de renda e das instituições bancárias, se conclui que o varão não experimenta qualquer opulência financeira.

É sempre difícil a inserção no mercado de trabalho de uma mulher com 62 anos, idade atual da autora. Mas, como dito, além dos benefícios de aposentadoria, recebe parte da locação de imóvel do casal e não paga aluguel de moradia — o que ocorre com o varão. Além disto, como disse a sentenciante, com o fim da vida conjugal dificilmente o casal consegue manter o padrão de vida que tinha enquanto viviam sob o mesmo teto, pois se multiplicam os gastos.

Por todo o exposto, concluo que o apelado pode contribuir com o sustento da ex-mulher, com quem viveu ao longo de mais de trinta anos, na quantia correspondente hoje a R$ 1.400,00.

Saliento que estou elevando o montante dos alimentos, mas os desvinculo do salário mínimo. E o faço pelas razões que passo a alinhar.

Em ações de alimentos, temos adotado até agora o critério de indexar a verba ao salário mínimo, sempre que o prestador não possua vínculo empregatício, hipótese na qual se costuma estipular percentual sobre seu ganho líquido. Essa orientação se consubstancia, inclusive, no enunciado nº 38 do Centro de Estudos deste Tribunal.

No entanto, considero que é hora de repensarmos a matéria. É que tenho observado ultimamente que se têm tornado cada vez mais freqüentes as ações revisionais de alimentos promovidas por alimentantes cujo débito é atrelado ao salário mínimo e que alegam não poder mais suportar o encargo, porque seus ganhos não acompanham a evolução desse indicador.

Como notório, a modificação no quantitativo alimentar depende de prova de mudança em qualquer dos elementos integrantes da equação necessidade-possibilidade, regra hoje insculpida no art. 1.699 da vigente codificação civil. E, de regra, não se tem atentado devidamente para o fato de que o próprio reajuste desproporcional do indexador está gerando tal desequilíbrio.

Esse fenômeno vem ocorrendo especialmente a partir de 1995, mas tem se acelerado significativamente nos dois últimos anos (a partir de 2004, inclusive). Observe-se que desde 01.07.1994 até 01.04.2006 o salário mínimo teve um ganho de 440% (passando de R$ 64,79 para R$ 350,00), ao passo que, no mesmo período, o IGP-M teve uma evolução de 265% e o INPC de 203%. Mais significativa ainda a diferença ocorrida nos últimos dois anos (entre maio/2004 e abril de 2006), a saber :

Salário mínimo: 34,61% (de R$ 260,00 para R$ 350,00)

IGP-M: 10,19%

INPC: 10,03%

Isso decorre do fato de que o piso salarial é instrumento de política econômica e não tem qualquer compromisso com a variação do poder aquisitivo da moeda.

Tanto assim que a Lei nº 6.205, de 29 de abril de 1975, já estabelecia a descaracterização do salário mínimo como fator de correção monetária, regra que foi alçada à dignidade constitucional no inc. IV do art. 7º da Carta Magna. Por sinal, não é por outra razão que a Súmula 201 do STJ veda a indexação dos honorários advocatícios — de inegável cunho alimentar — ao piso salarial.

Em excelente análise sobre o tema, onde mostra a influência do fator político na definição do piso salarial, informa Clemente Ganz Lúcio:

Instituído em 1º de maio de 1940, o salário mínimo passou a vigorar no Brasil em julho do mesmo ano, com catorze níveis salariais diferentes. Sua definição partiu de pesquisa nacional que permitiu aferir o valor mais freqüente das remunerações mais baixas praticadas em cada uma das áreas. No contexto histórico da época de industrialização e urbanização incipientes, lutas sindicais crescentes e crise internacional, o primeiro governo Vargas interveio fortemente no sentido de regular o conflito entre capital e trabalho.

O salário mínimo fez parte do conjunto de medidas implantadas que trouxeram avanços sociais, mas que retiraram dos sindicatos muito do seu poder político, ao mesmo tempo em que oferecia ao empresariado estabilidade na definição dos custos da mão-de-obra.

Para São Paulo, o primeiro valor do salário mínimo, corrigido para preços de março de 2005, correspondia a R$ 901,78. No ano de 1943, o salário mínimo foi reajustado duas vezes e, embora a lei previsse correções em períodos não superiores a três anos, permaneceu congelado até 1951.

Entre 1952 e 1959, houve um forte crescimento de seu poder aquisitivo, que chegou, em 1957, ao maior valor médio anual da história: R$ 1.106,05, também a preços de março de 2005. De 1960 a 1964, seu valor permanece relativamente estável.


O crescimento do salário mínimo, na década de 50, ocorreu simultaneamente ao processo de industrialização no Brasil. Isso se deu tanto pelo compromisso do governo com uma melhor distribuição dos frutos do desenvolvimento, quanto em função das lutas sindicais travadas no período.

Durante o governo militar (1964 –1984), a repressão ao movimento sindical, a eliminação da estabilidade no emprego e a política de arrocho salarial contribuíram para uma efetiva concentração de renda. Entre 1966 e 1974, o salário mínimo perde poder de compra gradualmente até atingir, na média anual, a 56% do poder aquisitivo da média de 1940.

A mudança da política salarial, a partir de 1974, e a introdução dos reajustes semestrais, em 1979, chegaram a sinalizar uma recuperação do valor real do salário mínimo até o ano de 1982. Ao longo da década seguinte, porém, o salário mínimo retomou a trajetória de perda crescente do poder de compra.

De 1983 a 1991, o poder aquisitivo do salário mínimo caiu acentuadamente, passando a valer, em média, apenas 43% do vigente em 1940. Essa tendência prolongou-se até 1994, quando chegou a 25% do valor de julho 1940. Finalmente, a partir de maio de 1995, o salário mínimo inicia um movimento de recuperação, que o levou a 32% de seu valor inicial na média do ano de 2004. (GRIFO MEU).

Em complemento, vale colacionar excerto de não menos interessante artigo de Fernando Malheiros Filho , onde, com lucidez, é apontada a problemática da indexação dos alimentos ao piso salarial:

Sendo certo que a verba alimentar quando fixada contra quem não tem rendimentos assalariados ou proventos pagos por um órgão público ou empresa privada deve merecer proteção contra os índices inflacionários, é igualmente correto que na bilateralidade das relações jurídicas, presente também o princípio da proporcionalidade próprio à verba alimentar, torna-se necessário aquilatar não somente o objeto da prestação mensal, as necessidades básicas de quem a recebe, mas também proteger o devedor da insuficiência financeira, considerando também a proteção especial que a lei concede aos alimentos, que podem ser cobrados sob a coerção da prisão civil.

No âmbito da lei ordinária não é estranha a aplicação de indexador aos alimentos. Assim já dispunha o artigo 22 da Lei nº 6.515/77, também conhecida como Lei do Divórcio, que determinou fossem os alimentos fixados em dinheiro corrigidos pela variação do indexador hoje extinto, conhecido como ORTN.

Na atual redação do Código Civil, também está consignada a preocupação do legislador com o reajuste dos alimentos pari passu com a inflação, presente o quanto dispõe o artigo 1.710, verbis: “As prestações alimentícias, de qualquer natureza, serão atualizadas segundo índice oficial regularmente estabelecido”.

O dispositivo legal do NCC, de atualidade inquestionável, não faz qualquer referência ao uso do salário mínimo, limitando-se a proteger a verba alimentar fixada em dinheiro de avanços inflacionários.

Estão então presentes os paradigmas necessários à interpretação que se pretende no sentido de demonstrar não somente a inconstitucionalidade do uso do salário mínimo como fator de correção dos alimentos, que encontra óbice no quanto dispõe o art. 7°, inc. IV, in fine, da CF, como também a sua manifesta inconveniência, que reforça de forma terminante a absoluta violação do cânone constitucional pelo critério consagrado pela jurisprudência.

A questão ganhou contornos dramáticos na medida em que a Lei Federal desindexou os encargos governamentais, especialmente o previdenciário, do salário mínimo, desonerando o erário de seus reajustes, permitindo-se o uso da unidade salarial em seu fim precípuo, isto é, a política social e a proteção à remuneração daqueles que têm menor rendimento.

Há antecedente histórico relevante, na tentativa do então Ministro João Goulart em promover o reajuste do salário mínimo em 100%, no início do ano de 1954 , de inegável alcance social, mas desastrosa se à época, como hoje, as verbas alimentares fossem tão freqüentes e indexadas à unidade salarial.

No panorama atual, o salário mínimo vem sendo beneficiado por reajustes muito superiores aos índices de desvalorização da moeda. Basta lembrar que entre abril de 2005 e o mesmo mês de 2006, o salário mínimo teve um reajuste de 16,66% (de R$ 300,00 para R$ 350,00), enquanto a inflação do período não atingiu o percentual de 5%.

Significa dizer que, ao concluir pelo uso do salário mínimo como instrumento de indexação da verba alimentar devida por aqueles que não tem rendimento assalariado, o pensamento jurisprudencial está por afirmar que estes, necessariamente, têm avanços superiores àqueles com rendimentos vinculados, cujos débitos alimentares são invariavelmente estabelecidos em um percentual dos ganhos, preservando, para enquanto vigorarem nos alimentos, a absoluta proporcionalidade. Ignoram-se, dessa forma as grandes dificuldades econômicas enfrentadas por aqueles que exercem a profissão liberal ou o exercício autônomo de suas funções remuneradas, concluindo-se, sem qualquer elemento indicativo, que seus rendimentos têm acentuada mais-valia em relação aos demais trabalhadores.


Afora a violação ao princípio legal da proporcionalidade ao qual está vinculada a verba alimentar, presente no quanto dispõe o artigo 1.695 do NCC, a toda evidência, essa conclusão também fere o princípio constitucional da igualdade, estampado no quanto dispõe o artigo 5°, inc. I da LEI MAIOR.

Mas, principalmente, temos que a afronta direta e incontestável praticada pelo entendimento aqui contestado é ao disposto no artigo 7º, inciso IV, parte final, da CONSTITUIÇÃO FEDERAL, pois que manifestamente o Legislador Constituinte quis preservar a natureza social do salário mínimo, permitindo-se ao executivo o uso de políticas que garantam a remuneração mínima, sem o risco do chamado ‘efeito cascata’ e o completo desarranjo das finanças públicas e privadas, o que por certo passaria caso todos os rendimentos, públicos e privados, estivessem indexados à unidade salarial.

Prova incontestável de tal raciocínio é o afastamento do salário mínimo como índice de reajuste dos proventos previdenciários, em que pese o disposto no art. 58 da ADCT (Ato das Disposições Constitucionais Transitórias) que vigorou por curto período, até o advento das Leis Federais n°s 8.212 e 8.213, ambas de 24.07.91, preservando-se o cânone segundo qual o salário mínimo presta-se exclusivamente a estabelecer o piso, jamais servir de indexador ou fator de reajuste para as remunerações maiores. Da mesma forma com relação aos honorários advocatícios que igualmente guardam natureza remuneratória e não se podem vincular ao salário mínimo.

Para concluir, é inquestionável que desejando o Legislador Constitucional afastar o salário mínimo da condição de fator de reajustes, mantendo-o exclusivamente para o nobre objetivo de fazê-lo piso mínimo de rendimentos para o trabalhador no país, tendo a lei ordinária insistentemente estabelecido que as verbas alimentares devem ser reajustadas para protegê-lo da inflação, tudo está a indicar que o fator de correção deverá ser um daqueles que se amolda ao objetivo perseguido pelo legislador sem ofensa ao princípio constitucional, elegendo-se um dos tantos índices econômicos presentes no país que destinam-se justamente a esta finalidade.

Em conclusão, penso que o salário mínimo não pode mais se prestar para indexar os alimentos, sob pena de, a curto prazo, desestabilizar o equilíbrio do binômio alimentar, o que inexoravelmente dará origem a uma ação revisional.

Por essa razão, tenho que a verba alimentar deva ser estipulada em valor certo, determinando-se sua correção monetária anual, a partir da data da decisão que os define (não de seu trânsito em julgado), conforme comando do art. 1.710 do Código Civil. E, dentre os indexadores, tenho que o IGP-M é o que se mostra mais adequado, tanto que é regularmente utilizado para correção de cálculos judiciais.

No caso, fixo os alimentos em R$ 1.400,00, com correção anual pelo IGP-M a partir da data deste julgamento.

Em relação à empresa de contabilidade, diz que deve integrar o rol dos bens partilháveis.

Contudo, não há como acolher este pedido. De início destaco que dita empresa não foi arrolada pela autora na petição inicial como patrimônio do casal (fl. 06). Ademais, o único contrato social existente nos autos diz respeito à empresa comercial de produtos dietéticos (ENTERAL) e as sócias cotistas são uma das filhas do casal e terceira pessoa (fl. 187). Em que pese a alegação da apelante dizendo que esta empresa é fictícia e que, em verdade, é por meio dela que o varão realiza seus serviços de assessoria contábil — e de fato é isto que parece acontecer — fls. 391, 397, 402 e 412 — impossível em sede de partilha de bens havidos pelo casal na constância do casamento destinar a eles quinhão sobre bem formalmente em nome de terceiros.

De outro lado, é da natureza da atividade profissional do recorrido a prestação de serviços, cuja remuneração, a toda evidência, é fruto do trabalho pessoal e, nos termos da legislação em vigor, estão excluídos da comunhão os proventos do trabalho pessoal de cada cônjuge (art. 1.668, V c/c 1.659, VI do CCB).

Quanto ao reconhecimento da culpa do varão pelo término da vida conjugal não procede qualquer averiguação nesse sentido.

Reporto-me aqui à lição do civilista João Baptista Villela que se insurgiu contra a incorporação de tal perspectiva em nosso ordenamento jurídico:

Vício seriíssimo da lei é o de ainda se estruturar sobre o velho e decadente princípio da culpa. A mais significativa evolução, que se processa hoje no mundo em matéria de divórcio, é o abandono do princípio da culpa (Verschuldensprinzip) em favor do princípio da deterioração factual (Zerruttugsprinzip). De um lado, não cabe ao Estado intervir na intimidade do casal para investigar quem é o culpado e quem é inocente nesta ou naquela dificuldade supostamente invencível.


Depois, haverá algo de mais presunçoso do que ser capaz de fazê-lo? Dizer quem é culpado e quem não o é, quando se trata de um relacionamento personalíssimo, íntimo e fortemente interativo como é o conjugal, chegaria a ser pedante, se antes disso não fosse sumamente ridículo. Nem os cônjuges, eles próprios, terão muitas vezes a consciência precisa de onde reside a causa de seu malogro, quase sempre envolta na obscuridade que, em maior ou menor grau, impregna todas as relações humanas.

Não é possível cogitar de qualquer forma de punição para aquele que tem a iniciativa de findar uma relação corroída. Como destaca Lúcio Grassi de Gouveia a vida pessoal e intimidade acabam devastadas e isto sim gera fortes seqüelas no seio de uma família: “Você jamais será feliz! É o que parece quere dizer o juiz que matematicamente calcula o grau de culpa de cada um dos desesperados cônjuges para fixação dos efeitos a serem suportados pelo único ou principal culpado”.

Não há razão a sustentar a necessidade de atribuição de culpa ao apelado. Esta Corte, há muito, afastou a averiguação de responsabilidades pelo fim das relações matrimoniais. Como sói suceder, tais questionamentos estão usualmente associados à catarse emocional que visa expungir de si qualquer sentimento de responsabilidade pelo desenlace matrimonial, na medida em que um lança exclusivamente sobre o outro a causa do fim do casamento. Sabe-se que no desenho da condição humana há todo um complexo conjunto de circunstâncias imbricadas na construção e desfazimento dos laços de afeto, o que não pode, de forma maniqueísta, ser atribuído à responsabilidade de um só dos cônjuges.

Acerca desta questão, resultou da III Jornada de Direito Civil, promovida no Distrito Federal pelo Conselho da Justiça Federal, em dezembro de 2004, enunciado interpretativo que se transcreve:

Formulado o pedido de separação judicial com fundamento na culpa (art. 1.572 e/ou art. 1.573 e incisos), o juiz poderá decretar a separação do casal diante da constatação da insubsistência da comunhão plena de vida (art. 1.511) — que caracteriza hipóteses de ‘outros fatos que tornem evidente a impossibilidade da vida em comum’ — sem atribuir culpa a nenhum dos cônjuges. (negritei)

Também aqui há muito restou consolidado entendimento neste mesmo sentido, do que resultou a Conclusão nº 27 do Centro de Estudos:

Desde que completado o lapso temporal de separação fática exigido para o pedido de separação judicial litigiosa com causa objetiva ou para o pedido de divórcio descabe postular separação com causa culposa, por falta de legítimo interesse.

É neste sentido o precedente do Superior Tribunal de Justiça:

SEPARAÇÃO JUDICIAL. PEDIDO INTENTADO COM BASE NA CULPA EXCLUSIVA DO CÔNJUGE MULHER. DECISÃO QUE ACOLHE A PRETENSÃO EM FACE DA INSUPORTABILIDADE DA VIDA EM COMUM, INDEPENDENTEMENTE DA VERIFICAÇÃO DA CULPA EM RELAÇÃO A AMBOS OS LITIGANTES. ADMISSIBILIDADE.

— A despeito de o pedido inicial atribuir culpa exclusiva à ré e de inexistir reconvenção, ainda que não comprovada tal culpabilidade, é possível ao Julgador levar em consideração outros fatos que tornem evidente a insustentabilidade da vida em comum e, diante disso, decretar a separação judicial do casal.

(…)

Embargos de divergência conhecidos, mas rejeitados.

(EREsp 466.329/RS, Rel. Ministro BARROS MONTEIRO, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 14.09.2005)

Igualmente não cabe qualquer indenização por danos morais causados por comportamento desonroso do ex-marido.

Primeiramente ressalvo que inexiste qualquer indicativo da prática de atos de tal natureza. Segundo, é evidente que a ruptura de um casamento, qualquer que seja o fator motivador da falência da relação, gera sofrimento, mágoas, sensação de abandono, frustração e etc. e estes sentimento serão intensos e profundos.

Todavia, não há reparação possível, de ordem econômica, para curar estas dores. Vale sim a tentativa de construção não-beligerante dos ritos que põe fim ao casamento em respeito à dignidade pessoal daqueles que estiveram juntos por tanto tempo e construíram uma família. Se houve um tempo em que se uniram por laços de afeto e pela vontade de compartilhar uma vida juntos quando esta perspectiva se transforma e os vínculos se enfraquecem a solução está na separação.

A separação fática do casal não constitui abandono indenizável, pois é decorrência natural da insuportabilidade da convivência sob o mesmo teto e se mostra, inclusive, recomendável, a fim de evitar que o convívio descambe para discussões ríspidas ou atos de intolerância mútua. Igualmente não há falar em ressarcimento de dano sob a alegação de que o marido desrespeitou os deveres do casamento por conduta desonrosa e expôs a mulher a humilhações.


Reporto-me aqui a decisão do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro transcrita em primoroso texto de Maria Celina Bodina de Moraes e do qual me valho para afastar a pretensão da apelante. Naquele julgado havia a denuncia de relacionamento extraconjugal que teria exposta a mulher à humilhação e vexame. Decidiu a Corte que:

(…) As provas negam tal circunstância porque o relacionamento do casal já estava deteriorado nos meses em que o réu já vinha mantendo comunhão com a outra. Para que se possa conceder o dano moral é preciso mais que um simples rompimento da relação conjugal, mas que um dos cônjuges tenha, efetivamente, submetido o outro a condições humilhantes, vexatórias e que lhe afronte a dignidade, a honra ou o pudor. Não foi o que ocorreu nesta hipótese, porque o relacionamento já estava deteriorado e o rompimento era conseqüência natural.

Ao justificar seu entendimento, contrário à reparação de sofrimento eventualmente causado por infidelidade, destaca que a compensação do dano moral se faz, exclusivamente, em pecúnia, em dinheiro. E perguntando se, em se em havendo o descumprimento de qualquer dos deveres do casamento — dever de assistência moral e material, dever de respeito, dever de coabitação, dever de fidelidade, etc. — a solução deve ser a compensação em dinheiro, responde negativamente:

Apenas uma certa visão estreita de logicidade entre causa e conseqüência, e a interpretação literal da concepção de quem sofre um dano, acontecimento ensejador de tristeza e humilhação, de vexame e outras dores, dará direito à uma compensação pecuniária.

Todavia, o pagamento de uma indenização, nestes casos específicos, agravaria ainda mais as situações de grave conflito, de verdadeira ‘guerra nuclear’ — perdoem a analogia — que normalmente se vêem nos juízos de separação e divórcio. As pessoas envolvidas já estão sofrendo mais do que o suficiente e pagando todos os seus pecados. A idéia de se poder tirar dinheiro da situação (rectius, tornar concreta a ameaçção de tanto: ‘Vou fazê-la/fazê-lo pagar por isso’) acende, ou faz surigir o que há de pior em nós: a cobiça. Aqui cabe citar a advertência de Flaubert: ‘O que o dinheiro faz por nós não compensa o que fazemos por ele’.

Importa sempre, e acima de tudo, resguardar, minimamente que seja, o nível de cordialidade entre os ex-cônjuges em respeito à dignidade individual, mas, especialmente, em benefício dos filhos que, como todos, aspiram à preservação do bem-estar coletivo, ainda que findo o casamento dos pais.

O fato gerador da obrigação indenizatória há que ser, como sempre, a prática de uma ilicitude que gera lesão à integridade psicofísica ou à liberdade, como exemplifica aquela doutrinadora ao se referir ao cárcere privado ou a violência física e moral de um cônjuge para com outro. Não é o caso dos autos.

Ademais, não se descuide que a noção de reparação por dano traz em si o caráter punitivo. Punir quem, por qual fato? Seria possível punir qualquer dos cônjuges pelas circunstâncias da vida que, ao longo dos anos, foi transformando as pessoas, modificando as perspectivas pessoais, desejos, ambições, sentimentos e culmina com o enfraquecimento dos vínculos e desgaste da relação?

Vale-se a recorrente da cláusula inserta no art. 186 do CCB e a ela respondo uma vez mais com a lição de Maria Celina Bodin de Moraes:

E se não aceitamos, como de fato, que o dano moral possa, ontologicamente, ter caráter punitivo, não há qualquer benefício em se criar uma regra geral expressa de responsabilização nas relações de família. Ao contrário, significaria somente agravar o já grave quadro de mercantilização das relações existenciais. A cláusula geral da responsabilidade, ora prevista no art. 186 do Código Civil de 2002, apresenta-se mais do que conveniente para afrontar aqueles casos nos quais as relações entre cônjuges atinjam os lindes da responsabilidade aquiliana.

Por todo o exposto, DOU PARCIAL PROVIMENTO à apelação.

DES. SÉRGIO FERNANDO DE VASCONCELLOS CHAVES (REVISOR) — De acordo.

DES. RICARDO RAUPP RUSCHEL — De acordo.

DES. LUIZ FELIPE BRASIL SANTOS

Presidente

Apelação Cível nº 70015627979, Comarca de Porto Alegre: “PROVERAM EM PARTE. UNÂNIME.”

Julgador(a) de 1º Grau: DRA ADRIANA DA SILVA RIBEIRO

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