Crise na segurança

Comunicado do PCC é cópia de documento do Ministério da Justiça

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13 de agosto de 2006, 13h13

Uma ação atribuída ao PCC, o Primeiro Comando da Capital, mostrou a ousadia em se desafiar o poder público e a sociedade. No sábado (12/8), dois funcionários da TV Globo – um jornalista e um assistente técnico foram sequestrados. O auxiliar técnico foi libertado por volta das 22h30, perto da sede da TV, na zona sul de São Paulo. Os criminosos exigiram que ele levasse um vídeo para exibição na emissora. Se a exibição não fosse feita, o repórter poderia ser morto. A exigência foi atendida na madrugada do domingo (13/8).

No vídeo, um homem encapuzado reclamou de maus tratos nas cadeias e no RDD – Regime Disciplinar Diferenciado. Trechos do comunicado foram extraídos de um parecer do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária do Ministério da Justiça (Veja a comparação no fim do texto). O trecho é o que expressa o argumento técnico contra o tratamento excepcional dado aos líderes do PCC.

Ao reproduzir a parte do documento do governo em que se diz que “o Regime Disciplinar Diferenciado agride o primado da ressocialização do sentenciado, vigente na consciência mundial desde o iluminismo e pedra angular do sistema penitenciário nacional”, o comunicado troca “iluminismo” por “ilusionismo”.

A menção ao mais severo sistema de cumprimento de pena reacendeu a discussão sobre o uso generalizado do RDD. Pelo regime, que o advogado Luís Guilherme Vieira conta ser um fruto da ideologia paulista, os presos ficam isolados do mundo e de outros condenados. Têm direito a apenas uma hora de sol por dia e sofrem outras restrições. “É uma máquina de trucidar mente humana”, indigna-se Vieira. “O ser humano é essencialmente social. O preso não perde a sua dignidade só porque está preso.”

O ministro do Supremo Tribunal Federal Marco Aurélio não entra no mérito se o RDD é constitucional ou inconstitucional. Mas ressalta que o Estado deve preservar a integridade física e moral de presos. “Deixar um deles sem banho de sol, por exemplo, é castigo que contraria a Constituição.” Marco Aurélio considera que “a pretexto de se impor disciplina em um ambiente em que é impossível a disciplina por causa da superpopulação carcerária, acaba-se atropelando a Constituição”.

Segundo o ministro, não há dúvidas de que o Estado falha na custódia de presos. Se eles cometem crimes, têm de ser processados e condenados, mas não submetidos a regras que violem a integridade física e moral. “A bandeira não é a mais simpática de se defender em um momento que a sociedade está insegura e quer exacerbação no tratamento de condenados”, diz. Mas faz questão de ressaltar: “preso não é animal”.

O desembargador do Tribunal de Justiça de Mato Grosso, José Tadeu Cury, afirma que o RDD é inconstitucional à primeira vista. Ele diz que não pode haver diferença no cumprimento de pena para dois condenados que cometeram o mesmo tipo de crime em um presídio.

Para o desembargador, a alternativa seria o governo construir presídios especiais em que presos fossem submetidos ao mesmo tipo de regime ou se mudar a Constituição para permitir o tratamento desigual em casos excepcionais. Cury considera que há discriminação quando apenas um preso que comete o mesmo crime que outro é colocado no RDD.

Ele defende a “repressão ao crime como única solução” para o problema de segurança pública, mas com a ressalva de que as regras devem valer para todos os condenados que cometeram crimes iguais. Caso contrário, é desrespeitado o artigo 5º da Constituição, diz. Segundo Cury, é preciso aplicar repressão ao crime para que não se instale o caos, mas sempre com a observação das regras constitucionais.

Caso a caso

O advogado criminalista Luiz Flávio Gomes considera que o RDD não é inteiramente inconstitucional. Para ele, existem três hipóteses previstas para o preso ser submetido ao regime e uma delas é constitucional. “Quando o preso comete crime dentro do sistema prisional, a sanção pelo ato de vandalismo é constitucional”, explica.

Gomes considera que, nas outras duas hipóteses previstas – quando o preso faz parte de organização criminosa ou quando apresenta periculosidade alta – o regime diferenciado é inconstitucional. “Nestes casos, os critérios ficam muito subjetivos.”

Leia o comunicado do PCC

Como integrante do Primeiro Comando da Capital, o PCC, venho pelo único meio encontrado por nós para transmitir um comunicado para a sociedade e os governantes.

A introdução do Regime Disciplinar Diferenciado [RDD] pela Lei 10.792/2003, no interior da fase de execução penal, inverte a lógica da execução penal. E coerente com a perspectiva de eliminação e inabilitação dos setores sociais redundantes, leia-se “a clientela do sistema penal”, a nova punição disciplinar inaugura novos métodos de custódia e controle da massa carcerária, conferindo à pena de prisão o nítido caráter de castigo cruel.

O Regime Disciplinar Diferenciado agride o primado da ressocialização do sentenciado vigente na consciência mundial desde o ilusionismo e pedra angular do sistema penitenciário.

A LEP, já em seu primeiro artigo, traça como objetivo do cumprimento da pena a reintegração social do condenado, a qual é indissociável da efetivação da sanção penal. Portanto, qualquer modalidade de cumprimento de pena em que não haja constância dos dois objetivos legais – castigo e a reintegração social –, com observância apenas do primeiro, mostra-se ilegal, em contradição à Constituição Federal.

Queremos um sistema carcerário com condições humanas, não um sistema falido, desumano, no qual sofremos inúmeras humilhações e espancamentos.

Não estamos pedindo nada mais do que está dentro da lei. Se nossos governantes, juízes, desembargadores, senadores, deputados e ministros trabalham em cima da lei, que se faça justiça em cima da injustiça que é o sistema carcerário, sem assistência médica, sem assistência jurídica, sem trabalho, sem escola, enfim, sem nada.

Pedimos aos representantes da lei que se faça um mutirão judicial, pois existem muitos sentenciados com situação processual favorável, dentro do princípio da dignidade humana.

O sistema penal brasileiro é, na verdade, um verdadeiro depósito humano, onde lá se jogam seres humanos como se fossem animais.

O Regime Disciplinar Diferenciado é inconstitucional. O Estado Democrático de Direito tem a obrigação e o dever de dar o mínimo de condições de sobrevivência para os sentenciados. Queremos que a lei seja cumprida na sua totalidade. Não queremos obter nenhuma vantagem.

Apenas não queremos e não podemos sermos (sic) massacrados e oprimidos. Queremos que: 1 – As providências sejam tomadas, pois não vamos aceitar e não ficaremos de braços cruzados pelo que está acontecendo no sistema carcerário.

Deixamos bem claro que nossa luta é contra os governantes e os policiais. E que não mexam com nossas famílias que não mexeremos com as de vocês. A luta é nós e vocês.

Compare os trechos plagiados pelo PCC (grifados)

Parecer do CNPCP

O Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária, reunido no dia 14 de abril de 2003, após analisar o Substitutivo ao Projeto de Lei n. 5.073/2001, vem assim se manifestar:

Tal como redigido, o Substitutivo subverte os princípios que informam as diretrizes de política penal e penitenciária nacionais, consagradas pela Constituição Federal e pelos tratados internacionais de direitos humanos ratificados pelo Brasil e materializados nos dispositivos da Lei de Execução Penal.

De pronto, ressalta que o Regime Disciplinar Diferenciado agride o primado da ressocialização do sentenciado, vigente na consciência mundial desde o iluminismo e pedra angular do sistema penitenciário nacional, inspirado na Escola da Nova Defesa Social. A LEP, já em seu primeiro artigo traça como objetivo do cumprimento de pena a reintegração social do condenado, a qual é indissociável da efetivação da sanção penal. Portanto, qualquer modalidade de cumprimento de pena em que não haja a concomitância dos dois objetivos legais, o castigo e a reintegração social, com observância apenas do primeiro, mostra-se ilegal e contraria a Constituição Federal.

Trecho do comunicado do PCC

O Regime Disciplinar Diferenciado agride o primado da ressocialização do sentenciado vigente na consciência mundial desde o ilusionismo e pedra angular do sistema penitenciário.

A LEP, já em seu primeiro artigo, traça como objetivo do cumprimento da pena a reintegração social do condenado, a qual é indissociável da efetivação da sanção penal. Portanto, qualquer modalidade de cumprimento de pena em que não haja constância dos dois objetivos legais — castigo e a reintegração social —, com observância apenas do primeiro, mostra-se ilegal, em contradição à Constituição Federal.

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