Mantida ação contra cantor acusado de apologia ao crime
8 de agosto de 2006, 17h13
O processo-crime somente pode ser suspenso se ficar comprovada a relevância do pedido formulado e o risco de se manter a ação. Com esse entendimento, o ministro Marco Aurélio, do Supremo Tribunal Federal, negou o pedido de Habeas Corpus ajuizado pela defesa do cantor de funk Mc Frank, intérprete da música Bonde do 157.
O cantor é processado por fazer apologia ao crime. Na música, ele descreve ataques a motoristas do Rio de Janeiro, relaciona os nomes dos veículos preferidos dos assaltantes e conta como as vítimas devem se comportar. Na letra, Frank diz: Audi, Civic, Honda/Citröen e o Corolla/Mas se tentar fugir/ Pá! Pum!/ Tirão na bola [na cabeça]/ Na Chatuba é 157.
O funk é conhecido como “proibidão”. Motivo: as rádios se recusam a veiculá-lo. Normalmente, os funkeiros usam sites da internet para divulgar suas músicas. Mc Frank, junto com outras 13 pessoas, foram indiciadas em outubro de 2005. Em depoimento à Polícia, o cantor disse que foi pressionado pela comunidade a cantar a música.
O pedido de sobrestamento da Ação Penal já tinha sido negado pela 1ª Turma Recursal do Rio de Janeiro. Os desembargadores consideraram que “a música foi usada como propaganda de atividade criminosa, o que impõe dilação probatória”.
No Supremo, a defesa do cantor afirma que não há crime. Segundo a defesa, ele não fez apologia ao crime, mas sim “ao fato criminoso”. Além disso, ele é intérprete e não autor do funk. “Não se pune a tentativa quando, por ineficácia absoluta do meio ou por absoluta impropriedade do objeto, é impossível consumar-se o crime”, afirma a defesa com base no artigo 17 do Código Penal.
“Há músicas de outros autores e cantores em que há referência a prática delituosa – Pivete, de Chico Buarque e Francis Hime; Meu gol de placa, de Latino; Matei o presidente, de Gabriel o Pensador; Malandragem dá um tempo, de Bezerra da Silva, interpretada pelo Barão Vermelho; Folha de bananeira, de Armandinho; Preconceito de cor, de Bezerra da Silva, e Minha embaixada chegou, de Assis Valente”, enumera a defesa.
O ministro Marco Aurélio não acolheu os argumentos. “Mesmo para o simples sobrestamento de processo-crime, mostram-se necessários a relevância maior do pedido formulado e o concurso do risco de manter-se com plena eficácia a tramitação. Isso não ocorre na espécie, tendo em conta o teor do que veiculado pelo paciente e o estágio da ação”, decidiu.
Os autos serão encaminhados para o Ministério Público. Depois, o processo segue para o Plenário do Supremo Tribunal Federal, que vai julgar o mérito.
Habeas Corpus 89.244
Leia a íntegra da decisão
HABEAS CORPUS 89.244-2 RIO DE JANEIRO |
RELATOR |
: |
MIN. MARCO AURÉLIO |
PACIENTE(S) |
: |
FRANK BAPTISTA RAMOS |
IMPETRANTE(S) |
: |
FERNANDO AUGUSTO FERNANDES E OUTRO(A/S) |
COATOR(A/S)(ES) |
: |
2ª TURMA RECURSAL CRIMINAL DO RIO DE JANEIRO |
DECISÃO
AÇÃO PENAL – SOBRESTAMENTO – EXCEPCIONALIDADE NÃO VERIFICADA – INDEFERIMENTO DE MEDIDA ACAUTELADORA.
1. Está-se diante de pleito de sobrestamento de ação penal movida contra o paciente, considerado o tipo do artigo 287 do Código Penal – “fazer, publicamente, apologia de fato criminoso ou de autor de crime”. A Primeira Turma Recursal do Rio de Janeiro assentou a impropriedade de pedido formulado visando ao trancamento da ação por falta de justa causa. Ao fazê-lo, consignou a execução de música, em ritmo funk, com suposto enaltecimento de prática delituosa. Proclamou (folha 131):
[…]
5. No caso dos autos, há indícios de que a música foi usada como propaganda de atividade criminosa, o que impõe dilação probatória.
Eis a letra veiculada:
Bonde do 157
Não se mexe, não se mexe
Na Chatuba é 157
Não tira a mão do volante
Não me olha e não se mexe
É o Bonde da Chatuba
Do artigo 157
Vai, desce do carro,
Olha pro chão, não se move
Me dá seu importado
que o seguro te devolve
Se liga na minha letra
Olha nós aí de novo
É o Bonde da Chatuba
Só menor periculoso.
Audi, Civic, Honda,
Citröen e o Corolla
Mas se tentar fugir
Pá! Pum!
Tirão na bola
Na Chatuba é 157.
Aê, parado, ninguém se mexe…
Nosso bonde é preparado,
Mano, puta que pariu
Terror da Linha Amarela
E da Avenida Brasil
Nosso bonde é preparado
Não tô de sacanagem
Um monte de homem-bomba
No estilo Osama Bin Laden.
Na inicial deste habeas, os impetrantes buscam demonstrar a inexistência do crime, presente, acima de tudo, o elemento subjetivo. Discorrem a respeito, analisando o sentido técnico da expressão “apologia de fato criminoso”. Citam a melhor doutrina – Heleno Fragoso, em “Lições de Direito Penal”, Parte Especial, volume III -, no que assentada a óptica da necessidade de se ter um dos seguintes núcleos: a louvação, o elogio, o enaltecimento ou a exaltação. Alegam que houve simplesmente a narração de comportamento criminoso. Em depoimento, o paciente asseverou que recebera a música em certo papel e apenas a cantara. Relativamente à “utilização da obra do paciente” por terceiros, evocam o disposto no artigo 17 do Código Penal – “não se pune a tentativa quando, por ineficácia absoluta do meio ou por absoluta impropriedade do objeto, é impossível consumar-se o crime”. Aludem a precedentes sobre a matéria, mencionando músicas de outros autores e cantores em que há referência a prática delituosa – Pivete, de Chico Buarque e Francis Hime; Meu gol de placa, de Latino; Matei o presidente, de Gabriel o Pensador; Malandragem dá um tempo, de Bezerra da Silva, interpretada pelo Barão Vermelho; Folha de bananeira, de Armandinho; Preconceito de cor, de Bezerra da Silva, e Minha embaixada chegou, de Assis Valente. Requerem que, alfim, seja reconhecida a falta de justa causa, fulminando-se o processo-crime. Anexaram os documentos de folha 26 a 113.
À folha 117, a Presidente da Corte determinou fossem solicitadas informações diante das quais apreciaria o pedido de liminar.
Mediante petição, os impetrantes juntaram peças, inclusive o ato apontado como a revelar o constrangimento ilegal. Em 2 do corrente mês, deu-se a conclusão para exame do pleito de concessão de medida acauteladora.
2. Mesmo para o simples sobrestamento de processo-crime, mostram-se necessários a relevância maior do pedido formulado e o concurso do risco de manter-se com plena eficácia a tramitação. Isso não ocorre na espécie, tendo em conta o teor do que veiculado pelo paciente e o estágio da ação. Há de se aguardar a manifestação da Procuradoria Geral da República e o crivo do Colegiado.
3. Indefiro a medida acauteladora.
4. Remetam este habeas à Procuradoria Geral da República.
5. Publiquem.
Brasília, 4 de agosto de 2006.
Ministro MARCO AURÉLIO
Relator
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