Improbidade administrativa

As previsões da Lei 8.429 vieram ao encontro do anseio da sociedade

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3 de agosto de 2006, 13h47

A probidade e a moralidade foram contempladas na Constituição da República Federativa do Brasil como princípios vetores da gestão do erário e como qualidades necessárias a todo administrador público. Em um país em desenvolvimento com recursos estatais que devem ser empregados de maneira eficiente, impressionam no Brasil os dados sobre corrupção e desvios de verbas públicas, em verdadeira afronta aos mencionados postulados.

Além disso, a probidade administrativa constitui direito difuso, isto é, de natureza indivisível, tendo como titular toda a sociedade, sendo tutelável judicialmente por meio das ações coletivas de que dispõe o ordenamento jurídico brasileiro, como a Ação Civil Pública, a Ação Civil Coletiva, a Ação Popular e o Mandado de Segurança Coletivo.

A par desse cenário e na esteira do controle jurisdicional que deve haver com relação à Administração Pública, o Congresso Nacional fez editar, em junho de 1992, a Lei 8.429/1992 — denominada Lei de Improbidade Administrativa — que prevê sanções das mais diversas naturezas aos gestores ímprobos, desde administrativa e civil até a suspensão dos direitos políticos, que poderá variar de 3 a 10 anos. As previsões constitucionais e da Lei 8.429/1992 acerca da probidade administrativa, com certeza, vieram ao encontro do anseio da sociedade de ver o produto de seus impostos aplicado de forma digna e visando ao bem comum.

Este ensaio pretende, mais do que formular conclusões, pontuar detalhes técnicos de como os operadores do direito vêm tratando a matéria, entre eles o Ministério Público e o corpo da magistratura nacional, dando especial enfoque à parcela interessante dos atos que importam improbidade administrativa: aqueles que têm relação com a legislação trabalhista — incluindo a não-realização de concurso público para servidores cujo regime não seja o estuário administrativo —, para os quais o Ministério Público do Trabalho tem voltado seus holofotes, com a devida acolhida por parte dos tribunais trabalhistas.

Merecem menção, ainda, os percalços pelos quais a persecução judicial da improbidade administrativa vem passando, relativamente:

a) ao Congresso Nacional, que tentou em vão criar por simples lei ordinária o inconstitucional foro por prerrogativa de função (Lei 10.628/2002) — considerada inconstitucional pelo STF — e, atualmente, aprecia a PEC 358, da reforma do judiciário, que amplia o foro privilegiado a agentes públicos e a extensão daquele às ações de improbidade administrativa;

b) ao STF, que aprecia Reclamação (Rcl. 2.138/DF, relator ministro Nelson Jobim) em que se sustenta que os agentes políticos não estariam sujeitos às sanções previstas na Lei 8.429/1992, mas tão-somente aos crimes de responsabilidade previstos na Lei 1.079/1950 e no Decreto-Lei 201/1967.

Por fim, a conclusão mais importante a que este estudo se propõe: assentar o entendimento de que — qualquer que seja a evolução legislativa ou o entendimento jurisprudencial que se afigure no cenário nacional relativamente às punições da improbidade administrativa contidas na Lei 8.429/1992 — as lesões ao direito metaindividual aos princípios da moralidade e da improbidade administrativa reclamam o ajuizamento das ações coletivas correspondentes, de forma a obstar e prevenir irregularidades (tutela inibitória), anular atos lesivos aos princípios que regem a Administração Pública (tutela desconstitutiva — anulatória) e promover a reparação ou compensação relativos aos danos perpetrados (tutela condenatória), independentemente dos pedidos de condenação às sanções previstas na Lei de Improbidade Administrativa.

Assim, imprimiu-se a este pequeno ensaio a seguinte ordem: primeiro, examinar os direitos metaindividuais à lisura na Administração Pública, incluindo a tutela jurisdicional desses interesses (itens II e III); segundo, estudar a situação específica dos casos em que tais lesões ensejam, ainda, a aplicação das sanções previstas na Lei de Improbidade — atos de improbidade administrativa stricto sensu (itens IV e V).

Moralidade e Probidade Administrativas

O direito de toda a sociedade à moralidade e à probidade administrativa possui natureza metaindividual. Trata-se, do ponto de vista de todos os cidadãos, de direito que extrapola o âmbito meramente individual e encontra, como titular, toda a sociedade.

A terminologia aqui utilizada não é unânime, havendo autores que denominam esses novos direitos de transindividuais, coletivos lato sensu etc. O importante na compreensão desses interesses é transpor a órbita meramente individual, para compreender a evolução do reconhecimento dos direitos do homem, partindo-se das concepções de um Estado liberal —que privilegiava a esfera individual —para um Estado “providência” ou denominado welfare estate ou, ainda, Social — que, regido pelo princípio do solidarismo social, se propõe a reconhecer e garantir os direitos de que são titulares uma dada coletividade.


A Constituição de 1988, sem nenhuma dúvida, acolheu o modelo de Estado Constitucional Social solidário, haja vista o sem-número de disposições da atual Carta Política alinhadas a essa ideologia, podendo citar:

a) o objetivo de assegurar os direitos sociais como valores de uma sociedade fraterna, prularista e sem preconceitos (preâmbulo da Constituição);

b) a dignidade da pessoa humana e os valores sociais do trabalho como fundamento da República brasileira (artigo 1º, incisos III e IV);

c) a construção de uma sociedade livre, justa e solidária; a erradicação da pobreza e a marginalização; redução das desigualdades sociais e regionais; e a promoção do bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação — tudo isso como objetivos fundamentais da república (artigo 3º, incisos I, III e IV);

d) a garantia dos direitos sociais como Direitos e Garantias Fundamentais (artigo 6º, Capítulo II do Título II);

e) a função social da propriedade, a redução das desigualdades sociais e a busca do pleno emprego como princípios da Ordem Econômica (artigo 170, incisos III, VII e VIII);

f) a garantia estatal da Previdência, da Saúde e da Assistência Social (artigos 194, 196 e 203), bem como da educação, da cultura e do desporto (artigos 205, 215 e 217);

Por fim, mencione-se que o artigo 193 dispõe expressamente que a Ordem Social tem como base o primado do trabalho e como objetivo o bem-estar e a justiça sociais, não deixando dúvidas acerca da feição nitidamente solidária e fraterna do modelo de Estado que erigiu da Constituinte de 1988.

A positivação dos direitos difusos foi fixada explicitamente em nosso ordenamento jurídico pelo Código de Defesa do Consumidor (Lei 8.078/1990), que, em seu artigo 81, parágrafo único, inciso I, definiu-os como sendo os “transindividuais, de natureza indivisível, de que sejam titulares pessoas indeterminadas e ligadas por circunstâncias de fato”.

Nessa perspectiva, constitui direito difuso de toda a sociedade a observância, pelos agentes políticos e pelos administradores públicos, dos princípios constitucionais relativos ao trato da gestão pública, tanto os expressos — legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência —, como os implícitos — como boa-fé, razoabilidade, proporcionalidade, contratação mediante licitação, ampla acessibilidade aos cargos púbicos etc. Além dos princípios, devem ser observadas, evidentemente, as regras constitucionais, como a necessidade de realização de concurso público para o provimento de cargos e empregos públicos (artigo 37, inciso II, da CF).

Nessa quadra axiológica, importa asseverar que, quando determinado administrador público deixa de cumprir a obrigação constitucional de realizar concurso público, há lesão a direito metaindividual de toda a comunidade, tendo em vista múltiplos enfoques:

a) de um lado, todos os cidadãos ou parcelas da sociedade são candidatos potenciais a uma das vagas que deveriam ser oferecidas;

b) de outro lado, toda a sociedade tem o direito a que o administrador público contrate mediante processo de concurso púbico, pois assim serão recrutadas as pessoas mais capazes, com incremento da eficiência administrativa, que, aliás, também se tornou um princípio constitucional administrativo (artigo 37, caput, com a redação dada pela Emenda Constitucional 19/1998);

c) por último, a sociedade tem interesse jurídico consistente na observância das normas, da moralidade e da impessoalidade administrativa, pois atos que desrespeitam esses postulados agridem o tecido social, causando progressivo descrédito nas instituições e nos agentes políticos do país.

Consoante assevera o juiz Marcos Neves Fava, “assim posta, a questão evidencia nítido caráter ultra-individual, porque o tratamento não igualitário do cidadão afeta a um incalculável número de possíveis postulantes, diretamente, e a própria organização do Estado, bem de todos, indistintamente”1.

Observe-se que a referência aos princípios deve ser entendida no moderno sentido que a hermenêutica constitucional vem dando a esses verdadeiros vetores de conduta, que, diferentemente do que se entendia há algumas décadas, possuem carga normativa apta a instituir direitos e deveres jurídicos. Deve-se, no exame dos princípios, afastar-se dos cânones do positivismo filosófico estrito e observar a sua nova função, definida pelo pós-positivismo, pois, como sustenta Luís Roberto Barroso, “o positivismo filosófico foi fruto de uma crença exacerbada no poder do conhecimento científico”2. Nessa esteira valorativa, afirma o autor que, “na trajetória que os conduziu ao centro do sistema, os princípios tiveram de conquistar o status de norma jurídica, superando a crença de que teriam uma dimensão puramente axiológica, ética, sem eficácia jurídica ou aplicabilidade direita e imediata”3.


Pode-se, assim, definir responsabilidades administrativas em função da transgressão a princípios constitucionais. Como corolário dessa conclusão, vale aludir ao recentíssimo Acórdão 1.195, proferido pelo Plenário do Tribunal de Contas da União, que tem a atribuição constitucional de julgar as contas e fiscalizar os atos dos administradores públicos a seara federal.

Por meio desse decisum, proferido em 19/07/2006, nos autos do TC-020.567/2004-7, cujo relator foi o ministro Marcos Vinicios Vilaça, fixou o TCU entendimento que contou com o seguinte sumário:

“REPRESENTAÇÃO. ORGANIZAÇÕES NÃO-GOVERNAMENTAIS. DESVIO DE RECURSOS PÚBLICOS. ATIVIDADES CONTRÁRIAS AO INTERESSE NACIONAL. CONTRATAÇÃO DE SERVIÇOS DE CONSULTORIA POR MEIO DE ORGANISMOS INTERNACIONAIS E NACIONAIS. CONCESSÕES DE DIÁRIAS E PASSAGENS. INDÍCIOS DE FAVORECIMENTO A FAMILIAR NA CONTRATAÇÃO DE CONSULTORES. DETERMINAÇÃO. É ilegítimo o favorecimento a familiar na contratação de serviços de consultoria, por afronta aos princípios da moralidade e impessoalidade” (sem grifos no original).

Obviamente, os atos dos administradores públicos que atentem contra disposições infraconstitucionais também receberão reprimenda. Na dicção de Carlos Henrique Bezerra Leite, “a jurisdição metaindividual é implementada tanto por princípios constitucionais quanto infraconstitucionais, visando, sobretudo, à facilitação do acesso à Justiça da coletividade, grupos sociais e cidadãos vulneráveis economicamente” 4.

Assim, além da obrigação que tem todo administrador público de observar os princípios constitucionais, principalmente os da moralidade e da probidade, cujo descumprimento já ensejará a necessária reprimenda judicial — tema que é o centro do presente estudo —, o constituinte originário fixou, especificamente com relação à probidade administrativa, penas a serem impostas e remeteu a sua regulamentação à lei ordinária, como se abordará neste ensaio. Antes, porém, necessário se faz pontuar, de forma breve, as diferentes formas pelas quais o Poder Judiciário pode tutelar esses interesses metaindividuais.

Tutela Inibitória, Desconstitutiva e Condenatória

Deve-se concluir, ante o exposto, que a simples conduta do administrador público contrária a princípios e regras do ordenamento jurídico demanda ações judiciais adequadas a cada caso.

Poderá, por exemplo, ser ajuizada ação com pedido de tutela inibitória, com fundamento no artigo 84 do Código de Defesa do Consumidor: “na ação que tenha por objeto o cumprimento da obrigação de fazer ou não fazer, o juiz concederá a tutela específica da obrigação ou determinará providências que assegurem o resultado prático equivalente ao do adimplemento”.

Como ensina um dos maiores especialistas na matéria, Sérgio Cruz Arenhart, “o pleito de tutela inibitória deve sempre buscar tutela de prestação capaz de veicular ordem de fazer ou não fazer, que possa atuar-se ou por terceiro, ou mediante a utilização de meios de coerção designados para atuar na vontade do ordenado, de forma a estimulá-lo ao cumprimento do comando”5.

Podem-se, ainda, ajuizar ações coletivas com intuito desconstitutivo (anulatório), como, por exemplo, para anular um edital de concurso público que exija requisitos para inscrição fora das hipóteses previstas em lei ou sem observância dos princípios da razoabilidade, proporcionalidade e adequação.

A esse respeito, vale menção à Súmula 686 do Supremo Tribunal Federal, no sentido de que, especificamente no tocante aos exames psicotécnicos, só por lei tal exigência pode ser feita aos candidatos a cargo público.

Também podem ser intentadas ações coletivas com objetivos condenatórios, para recomposição do erário, até mesmo com a responsabilização pessoal do administrador público pelos danos causados. Em casos de dolo ou culpa, o artigo 37, parágrafo 6º, da CF, já prevê a possibilidade de ressarcimento pelo Estado dos danos causados aos particulares, com posterior ação regressiva contra o agente público causador da lesão. Para tais intentos, tem-se admitido até mesmo a denunciação à lide do gestor público para que responda na mesma ação.

Assim, como exemplo de lesões que ensejam pedidos de tutela condenatória, são dignas de nota supostas resilições contratuais ilícitas ou imotivadas de empregados públicos. Poderá, nesses casos, ser intentada ação coletiva em que se peça a condenação do Estado e do administrador responsável a ressarcirem os trabalhadores. Na mesma ação, já será possível, até mesmo, pedir que o erário seja reembolsado pelo administrador público, nos casos de dolo ou culpa.

A reparação do dano, antes de ostentar natureza de sanção, constitui, isso sim, reparação civil, oriunda da cláusula geral do restitutio in integrum, pois a indenização mede-se pela extensão do dano (artigo 944 do Código Civil brasileiro c/c os artigos 186 e 927 do codex).


Quanto às ações coletivas cabíveis ao caso, podem-se citar as seguintes:

a) Ação Civil Pública (artigo 129, inciso III, da CRFB; art. 5o, da Lei 7.347/1985 — LACP; artigo 82 do Código de Defesa do Consumidor; artigo 6º, inciso VIII, da Lei Complementar 75/1992 — LOMPU);

b) Ação Civil Coletiva (artigo 91 do Código de Defesa do Consumidor; artigo 6º, inciso XII, da Lei Complementar 75/1992 — LOMPU);

c) Ação Popular (artigo 5o, LXXIII, da CF e Lei 4.7171/1965 — LAP);

d) Mandado de Segurança Coletivo (artigo 5o, LXX, da CF).

Atos de Improbidade Administrativa

Além da responsabilização do gestor público ímprobo, delineada nos itens precedentes, os atos contrários a princípios e regras administrativas podem dar ensejo, ainda, à aplicação das sanções na forma regulamentada na Lei 8.429/1992, motivo pelo qual os denominamos de atos de improbidade administrativa stricto sensu.

O esteio constitucional para a caracterização da improbidade administrativa é encontrado no parágrafo 4º do artigo 37 da Carta Política, segundo o qual tais atos acarretarão a suspensão dos direitos políticos, a perda da função pública, a indisponibilidade dos bens e o ressarcimento ao erário, na forma e gradação previstas em lei, sem prejuízo da ação penal cabível.

Importa observar a forma sistêmica como a Constituição Federal tratou a matéria, pois, embora o mencionado dispositivo esteja topograficamente localizado no Título III, que trata da Organização do Estado, a improbidade administrativa é mencionada no Título II, que estatui os Direitos e Garantias Fundamentais e estabelece, como exceção à cassação dos direitos políticos, justamente os casos de condenação por improbidade administrativa (artigo 15, inciso V, da Carta Política).

A partir dessa constatação, é possível dimensionar a importância dada pelo Constituinte Originário à probidade na Administração Pública, eis que a sua ofensa espraia efeitos até mesmo nos direitos e garantias fundamentais do cidadão-gestor público, constitucionalmente assegurados.

Considerando tal fato — que a improbidade administrativa pode gerar conseqüências de natureza político-eleitoral —, Maria Sylvia Zanella Di Pietro, de forma acertada, entende que a lei que regulamente a matéria deve ser necessariamente de competência privativa da União, haja vista o comando que emerge do artigo 22, inciso I, da Constituição Federal6:

“Art. 22. Compete privativamente à União legislar sobre:

I — direito civil, comercial, penal, processual, eleitoral, agrário, marítimo, aeronáutico, espacial e do trabalho;” (sem grifos no original).”

A Lei de Improbidade (Lei 8.429/1992) trata, em seu Capítulo II, dos atos que importam enriquecimento ilícito (Seção I, artigo 9o), que causam prejuízo ao erário (Seção III, artigo 10) e contra os princípios da Administração Pública (Seção III, artigo 11). Em seguida, no Capítulo III (artigo 12), institui as penas correspondentes:

“Das Penas

Art. 12. Independentemente das sanções penais, civis e administrativas, previstas na legislação específica, está o responsável pelo ato de improbidade sujeito às seguintes cominações:

I — na hipótese do artigo 9°, perda dos bens ou valores acrescidos ilicitamente ao patrimônio, ressarcimento integral do dano, quando houver, perda da função pública, suspensão dos direitos políticos de oito a dez anos, pagamento de multa civil de até três vezes o valor do acréscimo patrimonial e proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de dez anos;

II — na hipótese do artigo 10, ressarcimento integral do dano, perda dos bens ou valores acrescidos ilicitamente ao patrimônio, se concorrer esta circunstância, perda da função pública, suspensão dos direitos políticos de cinco a oito anos, pagamento de multa civil de até duas vezes o valor do dano e proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de cinco anos;

III — na hipótese do artigo 11, ressarcimento integral do dano, se houver, perda da função pública, suspensão dos direitos políticos de três a cinco anos, pagamento de multa civil de até cem vezes o valor da remuneração percebida pelo agente e proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de três anos.

Parágrafo único. Na fixação das penas previstas nesta lei o juiz levará em conta a extensão do dano causado, assim como o proveito patrimonial obtido pelo agente”.


Improbidade Administrativa Trabalhista

Quanto à competência para apreciação das ações de improbidade administrativa, há que se ressaltar que, quando as transgressões cometidas por agentes políticos forem a princípios e regras trabalhistas, acarretarão o que se vem denominando de “atos de improbidade administrativa trabalhista”.

Podem-se citar decisões, até mesmo em segundo grau de jurisdição, encampando essa tese. Recente decisão proferida pelo Tribunal Regional do Trabalho da 14a Região, de 17/03/2006, contou com a seguinte ementa (Processo 00531.2003.402.14.00-2, relator Juiz Convocado Shikou Sadahiro, revisor Juiz Mário Sérgio Lapunka): “a Justiça do Trabalho é competente para apreciar e julgar a improbidade administrativa trabalhista, assim como os demais interesses difusos e coletivos decorrentes das relações de trabalho”.

Observe-se que tal entendimento não viola o Acórdão, proferido em 19/04/2006, pelo Supremo Tribunal Federal ao examinar a Ação Direta de Inconstitucionalidade 3. 395, ajuizada pela Associação dos Juízes Federais do Brasil — Ajufe. Naquela oportunidade, o STF confirmou liminar concedida pelo ministro Nelson Jobim, para dar interpretação conforme a Constituição ao artigo 114, inciso I, da CF — com a redação dada pela Emenda Constitucional 45/2004 —, para afastar qualquer interpretação que outorgasse à Justiça Trabalhista competência para apreciar demandas judiciais cujo regime de prestação de serviços fosse o administrativo.

A questão de que se cuida aqui é diferente, qual seja a da contratação, ou irregularidade desta, de empregados por órgãos públicos para laborarem sob o regime da CLT, ou seja, sem vínculo estatutário-administrativo. Importante observar que o ministro Marco Aurélio, do STF, manifestou-se nesse sentido, de forma monocrática, acolhendo a competência da Justiça do Trabalho relativamente a essa matéria (AI 298.733/AM, DJ de 14/02/2001, p. 29).

E também o ministro Carlos Brito, declarando que “são, agora, da competência da Justiça do Trabalho todas as ações oriundas da relação de trabalho” (apud ministro Cezar Peluso, CC 7.204, pub. No DJ de 09/12/2005).

Quanto à competência para apreciação das ações de improbidade administrativa, a Lei 10.628/2002, por meio do seu artigo 1o, intentou criar, por via legislativa ordinária, foro por prerrogativa de função para as ações de improbidade:

“Art. 1o O art. 84 do Decreto-Lei no 3.689, de 3 de outubro de 1941 — Código de Processo Penal, passa a vigorar com a seguinte redação:

‘Art. 84. A competência pela prerrogativa de função é do Supremo Tribunal Federal, do Superior Tribunal de Justiça, dos Tribunais Regionais Federais e Tribunais de Justiça dos Estados e do Distrito Federal, relativamente às pessoas que devam responder perante eles por crimes comuns e de responsabilidade.

§ 1o A competência especial por prerrogativa de função, relativa a atos administrativos do agente, prevalece ainda que o inquérito ou a ação judicial sejam iniciados após a cessação do exercício da função pública. (Vide ADIN 2.797)

§ 2o A ação de improbidade, de que trata a Lei 8.429, de 2 de junho de 1992, será proposta perante o tribunal competente para processar e julgar criminalmente o funcionário ou autoridade na hipótese de prerrogativa de foro em razão do exercício de função pública, observado o disposto no § 1o.’”

De forma acertada, contudo, o Supremo Tribunal Federal, na sessão de 15/09/2005, considerou essa lei inconstitucional, ao julgar a ADI 2.797/DF:

“O Tribunal, por unanimidade, rejeitou as preliminares. Votou o presidente, ministro Nelson Jobim. Em seguida, após o voto do senhor ministro Sepúlveda Pertence, relator, que julgava procedente a ação, pediu vista dos autos o senhor ministro Eros Grau. Falaram, pela Associação Nacional dos Membros Ministério Público — CONAMP, o dr. Aristides Junqueira Alvarenga; pela Advocacia-Geral da União, o dr. Álvaro Augusto Ribeiro Costa, Advogado-Geral da União, e, pelo Ministério Público Federal, o dr. Cláudio Lemos Fonteles, Procurador-Geral da República. — Plenário, 22.09.2004. Renovado o pedido de vista do senhor ministro Eros Grau, justificadamente, nos termos do § 001º do artigo 001º da Resolução 278, de 15 de dezembro de 2003. Presidência do senhor ministro Nelson Jobim. — Plenário, 10.11.2004. O Tribunal, por maioria, julgou procedente a ação, nos termos do voto do relator, para declarar a inconstitucionalidade da Lei 10.628, de 24 de dezembro de 2002, que acresceu os § 001º e 002º ao artigo 84 do Código de Processo Penal, vencidos os senhores ministros Eros Grau, Gilmar Mendes e a presidente. Ausente, justificadamente, neste julgamento, o senhor ministro Nelson Jobim (presidente). Presidiu o julgamento a senhora ministra Ellen Gracie (vice-presidente). — Plenário, 15.09.2005”.


Segundo Teori Albino Zavascki, “vingou, para a maioria, o argumento de que o legislador ordinário não poderia ter acrescentado a ação de improbidade administrativa, que não tem natureza penal, no rol das competências originárias do STF estabelecidas pela Constituição; há que se entender, portanto, que, para todos os efeitos, não há prerrogativa de foro para a referida ação”7.

Registre-se, ainda, que, no momento, o Supremo Tribunal Federal aprecia a Reclamação 2.138/DF (relator ministro Nelson Jobim), em que se sustenta que os agentes políticos não estariam sujeitos às sanções previstas na Lei 8.429/1992, mas tão-somente aos crimes de responsabilidade previstos na Lei 1.079/1950 e no Decreto-Lei 201/1967.

Atualmente, o feito encontra-se com pedido de vista para o ministro Joaquim Barbosa, conforme noticiado no Informativo STF 413:

“Improbidade Administrativa e Competência – 3

Retomado julgamento de reclamação na qual se alega usurpação da competência originária do STF para o julgamento de crime de responsabilidade cometido por Ministro de Estado (CF, art. 102, I, c) — v. Informativo 291. Na espécie, o reclamante insurge-se contra sentença proferida por juiz federal de primeira instância que, julgando procedente pedido formulado em ação civil pública por improbidade administrativa, condenara o então Ministro-Chefe da Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República nas penalidades do art. 12 da Lei 8.429/92 e do art. 37, § 4º, da CF, em virtude da solicitação e utilização indevidas de aeronaves da Força Aérea Brasileira — FAB, bem como da fruição de Hotel de Trânsito da Aeronáutica. Abrindo divergência, o Min. Carlos Velloso, em voto-vista, julgou improcedente a reclamação por considerar que, no caso, a competência é do juízo federal de 1º grau. Entendendo que os agentes políticos respondem pelos crimes de responsabilidade tipificados nas respectivas leis especiais (CF, art. 85, parágrafo único), mas, em relação ao que não estiver tipificado como crime de responsabilidade, e estiver definido como ato de improbidade, devem responder na forma da lei própria, qual seja, a Lei 8.429/92, aplicável a qualquer agente público, concluiu que, na hipótese dos autos, as tipificações da Lei 8.429/92, invocadas na ação civil pública, não se enquadram como crime de responsabilidade definido na Lei 1.079/50. Após o voto do Min. Cezar Peluso, que acompanhava o voto do Min. Nelson Jobim, relator, pediu vista dos autos o Min. Joaquim Barbosa. Rcl 2138/DF, rel. Min. Nelson Jobim, 14.12.2005. (Rcl 2.138)”.

Espera-se, ante o exposto, que não vingue a tese de inaplicabilidade da Lei 8.429/1992, veiculada pela Reclamação 2.138/DF, aos agentes políticos, pois seria um grave retrocesso na prática administrativa instituída no Brasil após a CF de 1988, contrariando até mesmo a tendência doutrinária jurídica e humanística de sempre promover-se uma interpretação evolutiva dos direitos fundamentais contidos na Carta Magna, nos quais está incluída, por certo, o direito a uma gestão pública norteada pela probidade e moralidade.

Contudo, ainda que venha a prevalecer o entendimento intentado pela Reclamação 2.138/DF, procurou-se demonstrar que os atos atentatórios aos princípios e regras norteadores da Administração Pública acarretam a persecução judicial, mediante, por exemplo, ações coletivas para a busca das tutelas inibitória, desconstitutiva e condenatória, independentemente de julgarem-se aplicáveis ou não as sanções previstas na Lei de Improbidade Administrativa aos agentes políticos — tais como governadores e prefeitos.

Notas de Rodapé

1. FAVA, Marcos Neve. Ação Civil Pública Trabalhista. São Paulo: LTr, 2005.

2. O Começo da História. A Nova Interpretação Constitucional e o Papel dos Princípios no Direito Brasileiro. in A Nova Interpretação Constitucional – Ponderação, Direitos Fundamentais e Relações Privadas. 1a Edição. Rio de Janeiro: Renovar, 2003 – página 335.

3. Idem, página 337.

4. BEZERRA LEITE, Carlos Henrique. Princípios da Jurisdição Metaindividual. in BEZERRA LEITE, Carlos Henrique (Org). Direitos Metaindividuais. São Paulo: ed. LTr, 2005, pág.152.

5. ARENHART, Sérgio Cruz Arenhart. Perfis da Tutela Inibitória Coletiva – Coleção Temas Atuais de Direito Processual Civil – vol. 6. São Paulo: Revista dos Tribunais – RT, 2003, pág. 332.

6. DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. São Paulo: Editora Atlas, 15a Edição, 2003, pág. 679.

7. ZAVASCKI, Teori Albino. Processo Coletivo – tutela de direitos coletivos e tutela coletiva de direitos. São Paulo: Revista dos Tribunais – RT, 2006, pág. 119.

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