Exigências dispensáveis

Juízes não se submetem às regras do Estatuto do Desarmamento

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1 de agosto de 2006, 12h34

Juízes não devem se submeter às regras do Estatuto do Desarmamento — Lei 10.826/03. O entendimento é o de que a Lei Orgânica da Magistratura (Lei Complementar 35/79) confere aos juízes a prerrogativa de portar arma para defesa pessoal. E, por se tratar de lei complementar, não pode ser alterada por lei ordinária.

O entendimento é da juíza Tânia Lika Takeuchi, da 26ª Vara Cível da Justiça Federal de São Paulo. Ela concedeu liminar que garante aos juízes federais de São Paulo e Mato Grosso do Sul e aos juízes do Trabalho do interior paulista (15ª Região) o registro ou renovação de porte de arma “com a dispensa da comprovação da capacidade técnica e psicológica, bem como a dispensa da revisão periódica do registro”.

A decisão vale apenas para os associados da Ajufesp — Associação dos Juízes Federais de São Paulo e Mato Grosso do Sul e da Amatra XV — Associação dos Magistrados da Justiça do Trabalho da 15ª Região, autoras da ação.

De acordo com o Estatuto do Desarmamento, para obtenção de registro ou renovação do registro de propriedade de arma de fogo é preciso comprovar capacitação técnica e psicológica. Além disso, o estatuto prevê revisão periódica de registro.

As associações pediram que os juízes fossem dispensados das obrigações para obter o registro. A juíza Tânia concluiu que a prerrogativa de porte de armas dos juízes não depende do preenchimento dos requisitos impostos pelo estatuto. “Logo, as condições previstas na Lei 10.826/03 não se aplicam aos magistrados e aos demais ocupantes de cargos a que foi conferido o porte legal de arma de fogo.”

Para conceder a liminar, a juíza afirmou que ficou evidente o perigo de demora, “já que a validade dos registros de propriedade das armas vencerão no curso do processo, quando já não estiverem vencidos, tornando irregulares os portes, ou submetendo indevidamente os magistrados à comprovação dos requisitos para o porte administrativo de arma de fogo”.

A liminar garante aos juízes das duas associações o registro ou renovação simplificada do registro de propriedade de armas de fogo de uso permitido.

Leia a decisão

MANDADO DE SEGURANÇA

Processo nº 2006.61.81.007482-8

ASSOCIAÇÃO DOS MAGISTRADOS DA JUSTIÇA DO TRABALHO DA 15ª REGIÃO — AMATRA XI E ASSOCIAÇÃO DOS JUÍZES FEDERAIS DE SÃO PAULO E MATO GROSSO DO SUL — AJUFESP, qualificadas na inicial, impetraram o presente mandado de segurança contra ato praticado pelo Delegado de Polícia Federal em São Paulo, pelas razões a seguir expostas:

As impetrantes afirmam que os associados, na condição de magistrados, possuem a prerrogativa de portar arma de defesa pessoal, nos termos da Lei Orgânica da Magistratura (Lei Complementar 35/79), sem se submeterem às condições previstas no Estatuto do Desarmamento (Lei 10.826/03).

Isso porque as prerrogativas dos Magistrados devem ser previstas em lei complementar, no caso a LOMAN, não podendo a Lei Ordinária 10.826/03 alterar suas disposições.

Requerem a concessão da medida liminar que assegure aos Magistrados associados a obtenção do registro e/ou renovação simplificada do registro de propriedade de armas de fogo de uso permitido, com a dispensa da comprovação de capacitação técnica e psicológica, bem como dispensa da revisão periódica de registro.

É o relatório. Passo a decidir.

Para a concessão da liminar é necessária a presença de dois requisitos: o fumus boni iuris e o periculum in mora. Passo a analisá-los.

A Lei Orgânica da Magistratura (Lei Complementar 35/79) confere aos Magistrados a prerrogativa de portar arma de defesa pessoal. Trata-se de porte legal, que independe do preenchimento dos requisitos impostos para a obtenção do porte administrativo de arma de fogo.

Logo, as condições previstas na Lei 10.826/03 não se aplicam aos Magistrados e aos demais ocupantes de cargos a que foi conferido o porte legal de arma de fogo. Tais exigências visam dificultar o acesso às armas de fogo pela população civil, atendendo a opinião pública, alarmada com o aumento crescente da violência. São requisitos administrativos a serem preenchidos por aqueles que pretendem portar arma de fogo, embora não integrem nenhuma das carreiras a que foi conferido porte funcional.

A própria lei faz tal ressalva ao dispor que é proibido o porte de arma de fogo em todo território nacional, “salvo os casos previstos em legislação própria”. É justamente este o caso em análise. A lei 10.826/03 manteve os portes legais de arma de fogo, ou seja, os casos em que o porte de arma é conferido aos integrantes de determinadas carreiras por leis específicas, independentemente do preenchimento dos requisitos administrativos do porte de arma.

Ainda que a Lei 10.826/03 não tivesse feito tal ressalva, não poderia alterar disposição expressa na LOMAN, pois sendo lei ordinária não poderia alterar disposição cuja matéria é reservada à lei complementar.

Em que pese o entendimento em contrário, o Juízo adota o entendimento de que não há hierarquia entre lei ordinária e lei complementar, pois ambas retiram seu fundamento de validade da Constituição Federal. O que ocorre é que as espécies normativas possuem funções diferentes. As matérias reservadas à lei complementar são expressamente previstas na Constituição Federal, enquanto as matérias a serem tratadas por lei ordinária são residuais.

O artigo 93 da Constituição Federal estabelece a necessidade de lei complementar, de iniciativa do Supremo Tribunal Federal, para dispor sobre o Estatuto da Magistratura. Este diploma legal prevê as prerrogativas dos Magistrados, e evidentemente o porte legal de arma de fogo é uma das prerrogativas conferidas aos Magistrados.

Assim sendo, não pode a lei ordinária alterar disposição prevista em lei complementar, se a matéria foi constitucionalmente reservada à lei complementar, e no presente caso, lei complementar de iniciativa privativa do Supremo Tribunal Federal.

Está, pois, presente a plausibilidade do direito alegado.

O perigo pela demora evidencia-se pela ineficácia da medida se deferida apenas ao final, já que a validade dos registros de propriedade das armas vencerão no curso do processo, quando já não estiverem vencidos, tornando irregulares os portes, ou submetendo indevidamente os Magistrados à comprovação dos requisitos para o porte administrativo de arma de fogo.

Diante do exposto, CONCEDO A MEDIDA LIMINAR para determinar à autoridade impetrada que assegure aos Magistrados representados nesta ação o registro/renovação simplificada do registro de propriedade de armas de fogo de uso permitido, com a dispensa da comprovação da capacidade técnica e psicológica, bem como a dispensa da revisão periódica do registro.

Notifique-se a autoridade impetrada, solicitando as informações. Após, vistas ao Ministério Público Federal, conclusos para sentença.

Publique-se.

São Paulo, 07 de julho de 2006

TANIA LIKA TAKEUCHI

Juíza Federal Substituta

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