Dano de R$ 1 milhão

Jornal de ACM terá de pagar R$ 1 milhão para desembargador

Autor

26 de abril de 2006, 13h59

A Empresa Baiana de Jornalismo, que publica o jornal Correio da Bahia, administrado pelos familiares do senador Antonio Carlos Magalhães (PFL), foi condenada a pagar R$ 1 milhão de indenização por danos morais para o desembargador Carlos Alberto Dultra Cintra, ex-presidente do Tribunal de Justiça da Bahia. As informações são do jornal Folha de S. Paulo.

A decisão é do juiz da 17ª Vara Cível de Salvador, Clésio Rômulo Carilho Rosa. A diretoria do Correio da Bahia anunciou que vai recorrer.

Cintra foi eleito presidente do TJ derrotando um candidato que tinha o apoio do grupo de ACM. A ação foi movida por Cintra depois que o jornal publicou, em 19 de dezembro de 2005, que o desembargador “tentou negociar, nos bastidores políticos, assumindo postura de líder do Judiciário baiano, aprovação do projeto que garante salário de R$ 22,1 mil para os 30 desembargadores”.

Na época, o desembargador era presidente do Tribunal Regional Eleitoral da Bahia. Ele entrou com ação alegando que foi vítima de calúnia, injúria e difamação por parte do jornal. A empresa negou a intenção de ofender.

Leia a íntegra da decisão

INDENIZATORIA (REPARACAO DE DANOS) – 973676-1/2006

Autor(s): Carlos Alberto Dultra Cintra

Advogado(s): Wellington Cerqueira, Manfredo Lessa Pinto

Reu(s): Empresa Baiana De Jornalismo S/A(Correio Da Bahia)

Advogado(s): Marcelo Coelho dos Santos Barreto

Sentença: Vistos, etc…

CARLOS ALBERTO DULTRA CINTRA, já regularmente qualificado na vestibular dos presentes autos, ingressou, neste Juízo, por intermédio de seus advogados, com AÇÃO DE INDENIZAÇÃO contra a EMPRESA BAIANA DE JORNALISMO S/A (CORREIO DA BAHIA), pessoa jurídica de direito privado, aduzindo, inicialmente, que em sua edição de 19 de Dezembro de 2005, o conceituado periódico “Correio da Bahia”, cuja edição é de responsabilidade da demandada, teria publicado, em sua respectiva segunda página, matéria jornalística sob o título “DESEMBARGADORES INSISTEM NO AUMENTO”, contendo os trechos a seguir transcritos:

“(…) o desembargador Carlos Alberto Dultra Cintra, presidente do TRE, tenta negociar nos bastidores políticos, assumindo postura de líder do judiciário baiano, aprovação do projeto que garante salário de R$ 22.111,25 para os 30 desembargadores a partir de janeiro de 2006.

(…)

A maioria da Assembléia deve ignorar os apelos de Dultra Cintra.

(…)

Na última sexta-feira, Cintra esteve com o presidenta da Assembléia, deputado Clóvis Ferraz (PFL), para tentar negociar a aprovação do projeto de reajuste. ‘Ainda não há acordo para votar. Está se discutindo’, disse o presidente da casa. Ele contou que o presidente do TRE, assim como os demais integrantes do TJ, têm interesse em votar também a proposta que aumenta o número de desembargadores, que atualmente é de 30 – a Constituição Estadual permite até 35, mas o projeto que tramita na Assembléia sugere um aumento para 45.

(…)

(…) só a bancada de oposição que tem ótimas relações Carlos Alberto Dultra Cintra e o considera como um líder político no estado – o presidente do TRE intermediou as negociações com o governo do estado que possibilitaram a liberação da senha, aos parlamentares, que dá acesso às contas do Executivo (…)” (sic – fl. 03).

Neste compasso, no tocante ao teor das matérias publicadas, sustentou que “(…) são inúmeras as agressões praticadas contra o Autor. O conceituado jornal Correio da Bahia, de forma abusiva, arbitrária, escandalosa, mentirosa, caluniosa, injuriosa e difamatória, imputou a pessoa do Autor fatos desabonadores, sem qualquer procedência” (sic – fl. 03).

Mais adiante, alegou que “(…) a teor da publicação transcrita, a Empresa Ré imputa responsabilidades ao presidente do Tribunal Regional Eleitoral, emitindo opiniões próprias, afirmando que o mesmo ‘tenta negociar nos bastidores políticos, assumindo postura de líder do judiciário baiano’. Nesse sentido, prossegue a Ré afirmando que ‘só a bancada de oposição que tem ótimas relações com Carlos Alberto Dultra Cintra e o considera como um líder político do estado’, sendo que ‘o presidente do TRE intermediou as negociações com o governo do estado, que possibilitaram a liberação da senha, aos parlamentares, que dá acesso às contas do Executivo’” (sic – fl. 04).

Dessa forma, justificando que em razão de eventuais interesses políticos prejudicados, a suplicada teria objetivado assacar contra a honra e a moral do ora suplicante, na condição de Desembargador do Tribunal de Justiça da Bahia e de Presidente do Tribunal Regional Eleitoral do Estado da Bahia, cujas ofensas haveriam repercutido em toda a comunidade, “(…) por se tratar de um jornal de tradições e até merecedor do respeito de seus leitores (…)” (sic – fl. 04), tudo a resultar, pois, em conseqüências danosas, nas esferas, pessoal, profissional e familiar da parte autora, com conseqüente abalo na imagem pública do ofendido.


Entendendo restar presente o nexo de causalidade entre a conduta da demandada e o dano moral sofrido pelo demandante, invocou a parte autora o disposto no art. 5º, V e X, da Magna Carta, combinado com a inteligência contida nos arts. 49 e 53 da Lei Federal n. 5.250/67 (Lei de Imprensa), requerendo fosse a empresa ré condenada a arcar com o pagamento de indenização pecuniária para reparação da lesão apontada, em valor a ser definido segundo o critério deste Juízo.

Requereu, mais, fossem encaminhadas, com esteio no art. 40 do Código de Processo Penal, fotocópias da sentença a ser prolatada por este Juízo ao Ministério Público do Estado da Bahia.

Em seguida, instruiu a peça vestibular com os documentos de fls. 10/12.

Determinada a citação da empresa ré, veio esta, às fls. 18/27, oferecer sua contestação, suscitando, de início, preliminar pugnando pelo indeferimento da peça inicial, por entender que o tipo de procedimento adotado pelo autor não comportava o valor atribuído oportunamente à causa.

Neste ínterim, alegou a acionada que, em respeito ao art. 128 do Código Instrumental, não poderia o Magistrado, de ofício, arbitrar o valor da condenação, fato este que, por via transversa, impunha ao acionante a indicação expressa do pleito indenizatório pretendido.

Na oportunidade, invocando dispositivos da Lei Federal n. 9.099/95, declarou a suplicada, em sede de eventualidade, que a ação manejada seria de eventual competência dos Juizados Especiais Cíveis, caso se entendesse como regular a atribuição simbólica do valor da causa.

Logo à frente, suscitou a demandada preliminar de inépcia da peça inicial, por entender que restara violado o disposto no art. 282, IV, do Código Instrumental, visto que não houvera sido indicado, expressamente, o quantum reparatório pretendido, sendo o pedido declinado na vestibular, no entender da parte ré, deficiente.

Neste diapasão, em razão da incidência da inteligência contida na Súmula n. 281 do Colendo Superior Tribunal de Justiça, entendeu a demandada que seria imperiosa a indicação expressa do volume indenizatório pretendido, de sorte a evitar que a eventual sentença a ser prolatada por este Juízo fosse de natureza extra petita.

No mérito, de logo ponderou a demandada que a ausência de exercício do direito de resposta, nos moldes previstos na Lei de Imprensa, por parte do demandante, se constituiria, por si só, em confissão subreptícia da veracidade das informações contidas nas matérias jornalísticas publicadas.

Em seu raciocínio, afirmou que “A ‘transcrição’ da petição inicial limita-se a quatro pequenos trechos pinçados da notícia, na tentativa de passar falsa idéia sobre o sentido da reportagem, da notícia. Por essa ‘transcrição’ fica parecendo que o jornal ‘Correio da Bahia’ criou um texto de ataque ao Des. Carlos Alberto Dultra Cintra. Isto não é verdade” (sic – fl. 23).

Sustentou, ainda, que “A petição inicial, mesmo deturpando o texto, não consegue demonstrar (porque não existem) ofensas à honra do autor. Onde as ofensas à honra? A notícia é rigorosamente verdadeira. ‘Tentar negociar, com deputados, majoracao de proventos dos Desembargadores é iniciativa legítima’. Os jornais de todo o País têm noticiado as tratativas (nos bastidores políticos do Congresso Nacional) do ministro Nelson Jobim, Presidente do Supremo Tribunal Federal, sobre ‘teto de vencimentos e vantagens’ dos ministros” (sic – fl. 24).

Alertando, ainda, que inexistira eventual violação à intimidade, privacidade ou à vida privada do autor, invocou a demandada a aplicação da norma prevista no art. 220, §1º, da Carta Política de 1988, em combinação com o comando expresso no art. 54 da Lei Federal n. 5250/67, os quais pregam o princípio da liberdade de imprensa.

Finalmente, ao se manifestar sobre os termos da vestibular, declarou a ré que “O Autor é um jurista de qualidade, magistrado experiente que conhece as leis do processo. Duvida-se que tenha lido aquilo que foi apresentado em seu nome à guisa de ‘motivação’. Não deve realmente ter lido, tanto que sua assinatura não aparece em meio à ‘carimbagem’ da peça” (sic – fl. 27).

Requereu, por conseguinte, fosse julgada improcedente a ação intentada, arcando, ainda, a parte autora com o pagamento do ônus da sucumbência.

Em réplica, veio a parte autora, às fls. 31/36, rebater toda a tese sustentada no âmbito da defesa e reiterar os termos da vestibular, argüindo, inicialmente, que não haveria de ser acolhida a primeira preliminar suscitada, haja vista que a atribuição do valor da causa seguira em consonância com o entendimento jurisprudencial oriundo do Colendo Superior Tribunal de Justiça, já que a prerrogativa para atribuição do quantum indenizatório ficou a cargo do Poder Judiciário.

Ademais, justificou o demandante que a opção pelo rito ordinário do juízo comum, em detrimento do rito especial junto aos Juizados Especiais, se deu em razão da gravidade das ofensas e a potencialidade de fixação de quantia reparatória em volume superior ao teto de alçada fixado para os processos regidos pela Lei Federal n. 9.099/95.


Quanto à segunda preliminar suscitada, repeliu a parte autora, mais uma vez, os argumentos da parte ré, ponderando que “(…) a simples leitura da inicial leva à conclusão de que os fatos foram criteriosamente narrados, as ofensas e suas repercussões foram cuidadosamente demonstradas e o pedido foi especificamente formulado. Em suma, não há vícios que maculem a aludida peça. Não há que se falar em inépcia” (sic – fl. 34).

No mérito, esclareceu o suplicante que “(…) a liberdade de imprensa não pode comportar excessos e ofensas de natureza pessoal, que atinjam, despropositadamente, a vida privada das pessoas, sem nenhuma relevância para o interesse público. É certo que a imprensa tem a função social de informar, todavia a informação dada pela Ré quanto ao Autor não é de cunho social e não traz nenhuma notícia de relevo para a sociedade baiana (…)” (sic – fl. 35).

Protestou, assim, pelo julgamento procedente da ação intentada e, por via de conseqüência, na condenação da parte ré no pagamento do ônus sucumbencial.

Após, vieram-me os autos conclusos.

TUDO BEM VISTO E DEVIDAMENTE EXAMINADO, É O RELATÓRIO.

PASSO A DECIDIR:

De pronto, se observa que o caso dos autos se trata de matéria de fato e de direito, que não requisita maior dilação probatória em audiência, a reivindicar, pois, o julgamento antecipado da lide, na exata forma prevista no art. 330, I, do Código Instrumental.

Pois bem, quanto a primeira preliminar suscitada pela parte ré, razão não lhe assiste.

É que, o Colendo Superior Tribunal de Justiça e o Egrégio Tribunal de Justiça da Bahia há muito vem entendendo, em relação à reparação moral, que:

AÇÃO DE INDENIZAÇÃO – DANOS MORAIS – VALOR DA CAUSA – PRECEDENTES DA CORTE – Cabível é a indicação de valor meramente estimativo quando o autor da ação de indenização, embora tenha feito cálculo sobre o valor possível, pede que a mesma seja arbitrada pelo Magistrado. 2. Recurso Especial não conhecido. (STJ – RESP 527821 – MA – 3ª T. – Rel. Min. Carlos Alberto Menezes Direito – DJU 19.12.2003 – p. 00461).

“(…) É cediço que a indenização pelo dano moral deve ser fixada, ante a inexistência de parâmetro legal, ao prudente arbítrio do juiz, sendo entretanto consenso da doutrina e jurisprudência pátria, que para tanto ele deve ser observado o binômio razoabilidade e proporcionalidade, levando-se em consideração a gravidade da ofensa e a repercussão no ambiente sócio-econômico-cultural da vítima e a capacidade econômica do réu, evitando-se assim que seja insuficiente para inibir a reincidência do ofensor ou fonte de enriquecimento sem causa do ofendido. (TJBA – AC 19.232-2/2004 – (26809) – 1ª C.Cív. – Relª Desª Ruth Pondé – J. 18.03.2005).

AÇÃO DE INDENIZAÇÃO – DANO MORAL – QUANTUM – PRUDENTE ARBÍTRIO DO JUIZ – RECURSOS PRINCIPAL E ADESIVO IMPROVIDOS – A indenização do dano moral deve ser fixada em razão da condição econômica das partes e da intensidade do dano, estando, sempre, condicionada ao prudente arbítrio do julgador, desde que, embora não pague a ofensa, mas tão-só, compense-a, também não se destina ao enriquecimento patrimonial do ofendido. (TJBA – AC 21.537-4/2000 – (40258) – 2ª C.Cív. – Rel. Des. Renato Ribeiro M. da Costa – J. 16.12.2003).

Neste compasso, outros Pretórios brasileiros têm adotado o mesmo posicionamento, ao admitir que é possível relegar ao arbítrio do Magistrado a fixação da reparação pela lesão moral, a exemplo do entendimento jurisprudencial emanado do Egrégio Tribunal de Justiça de Santa Catarina:

APELAÇÃO CÍVEL – AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE DÉBITO, NULIDADE DE TÍTULO E SUSTAÇÃO DE PROTESTO DE CAMBIAL – ILEGITIMIDADE PASSIVA AD CAUSAM, DENUNCIAÇÃO À LIDE E INÉPCIA DA INICIAL – PROEMIAIS AFASTADAS – BOLETO BANCÁRIO ENVIADO A PROTESTO POR INDICAÇÃO – IMPOSSIBILIDADE – DESCUMPRIMENTO DO ARTIGO 13, § 1º, DA LEI Nº 5.474/68, E ARTIGO 21, § 3º, DA LEI Nº 9.492/97 – DIREITO DE REGRESSO – TÍTULO INDEVIDAMENTE APONTADO A PROTESTO – DANO PRESUMIDO – DEVER DE INDENIZAR – VERBA INDENIZATÓRIA ARBITRADA CONDIZENTEMENTE COM OS DESÍGNIOS DA TUTELA DISCUTIDA – HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS – MINORAÇÃO – EXCESSO NÃO EVIDENCIADO – RECURSO DESPROVIDO – Tendo sido encaminhado boleto bancário a protesto pela instituição financeira, esta há de ser considerada parte legítima passiva para figurar nas ações cautelares de sustação de protesto e declaratória de nulidade do título, porquanto extrapolou os poderes do endosso-mandato. Por ficar ao arbítrio do Magistrado a fixação da verba indenizatória não se há cogitar em inépcia da inicial por ausência de indicação do quantum pretendido. Encontra-se sedimentada na jurisprudência deste Tribunal e do Superior Tribunal de Justiça a inadmissibilidade do protesto de boleto bancário, por não constituir título de crédito, somente sendo possível o protesto por indicação, nos termos dos artigos 13, § 1º, da Lei nº 5.474/68, e 21, § 3º, da Lei nº 9.492/97, desde que devidamente comprovado que a duplicata foi enviada ao sacado para aceite e este não procedeu à devolução. O exercício de direito de regresso do Banco endossatário, em operação de desconto de duplicata, não resta prejudicado com a nulidade do título e de seu protesto, servindo a própria sentença declaratória para este fim. O apontamento de título para protesto, ainda que sustada a concretização do ato por força do ajuizamento de medidas cautelares pela autora, causa alguma repercussão externa e problemas administrativos internos, tais como oferecimento de bens em caução, geradores, ainda que em pequena expressão, de dano moral, que se permite, na hipótese, presumir em face de tais circunstâncias, gerando direito a ressarcimento que deve, de outro lado, ser fixado moderadamente, evitando-se enriquecimento sem causa da parte atingida pelo ato ilícito (STJ, RESP nº 254.073/SP, Rel. Min. Aldir Passarinho Júnior, DJU 19-8-02). A indenização por dano moral deve ser fixada em termos razoáveis, não se justificando que a reparação venha a constituir-se em enriquecimento indevido, devendo o arbitramento operar-se com moderação, proporcionalmente ao grau de culpa, ao porte empres das partes, às suas atividades comerciais e, ainda, ao valor do negócio. Há de orientar-se o juiz pelos critérios sugeridos pela doutrina e pela jurisprudência, com razoabilidade, valendo-se de sua experiência e do bom senso, atento à realidade da vida, notadamente à situação econômica atual e às peculiaridades de cada caso (STJ, RESP nº 205268/SP, Rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, DJU de 28-6-99). (TJSC – AC 2003.012987-1 – Brusque – 3ª CDCom. – Rel. Des. Fernando Carioni – J. 10.03.2005).


Em outra oportunidade, invocando exposições doutrinárias de Humberto Theodoro Júnior, Desembargador aposentado do Tribunal de Justiça de Minas Gerais, se manifestou o Egrégio Tribunal de Justiça de Santa Catarina:

“’Não há melhor caminho a trilhar, in casu, do que relegar ao prudente arbítrio do juiz a definição, diante dos fatos concretos, da cuidadosa averiguação das circunstâncias objetivas e subjetivas em que o dano moral ocorreu’ (Theodoro JÚNIR, Humberto. Dano Moral. 4. ED. São Paulo: Juarez de Oliveira, 2001. p. 9-10). (TJSC – AC 2004.022013-8 – São José – 2ª CDPúb. – Rel. Des. Luiz Cézar Medeiros – J. 08.03.2005).

Como visto, não restaria violado o art. 128 do Código de Processo Civil, na hipótese de fixação do quantum indenizatório pelo arbítrio deste Magistrado, tampouco se impunha o exercício do direito de ação perante um dos Juizados Especiais Cíveis da Comarca da Capital, haja vista que o uso do rito previsto na Lei Federal n. 9.099/95 se constituía em alternativa do autor, não obrigação.

Rejeito, pois, a reportada preambular.

Já em relação à segunda preliminar suscitada, razão também não assiste à demandada, na medida em que da integralidade da peça vestibular deflui-se, logicamente, a conclusão pretendida pelo demandante, tendo ele, objetivamente, requerido a condenação da parte ré no pagamento de indenização objetivando a reparação moral da lesão reportada na exordial.

Em assim sendo, não há que se falar em pedido defeituoso, muito menos na potencialidade de prolação de decisão extra petita, visto que haverá o desate da lide que se restringir à pretensão jurisdicional então declinada.

Rejeito, de igual modo, a mencionada preambular.

Assim, não havendo outras preliminares a serem enfrentadas, impõe-se o enfrentamento, com veemência, do mérito da lide.

Inicialmente, antes de se adentrar no próprio mérito da causa, há que se invocar, aqui, os ensinamentos do eminente Ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira, recentemente aposentado, quando então dirigia a Escola Nacional da Magistratura, lançados no texto “A Imprensa e o Judiciário”, publicado na Revista da Justiça n. 226, de Agosto de 1996, pg. 27:

“1. NAS RELAÇÕES PODER JUDICIÁRIO E IMPRENSA SOBRELEVA, DE INÍCIO, A IMPORTÂNCIA DO JUDICIÁRIO E DA IMPRENSA NO CONTEXTO POLÍTICO-SOCIAL

O primeiro, pela missão que desempenha como Poder e como instituição na efetivação dos direitos, na preservação da democracia, no respeito à ordem jurídica, na garantia das liberdades e no cumprimento da vontade popular assentada na lei maior que é a Constituição.

A Imprensa, por sua vez, tornou-se indispensável à convivência social, com atividades múltiplas, que abrangem noticiário, entretenimento, lazer, informação, cultura, ciência, arte, educação e tecnologia, influindo no comportamento da sociedade, no consumo, no vestuário, na alimentação, na linguagem, no vernáculo, na ética, na política, etc. Representa, em síntese, o mais poderoso instrumento de influência na sociedade dos nossos dias. A propósito, recentemente o Prof. CALMON DE PASSOS assinalou (“Revista de Processo”, 73/98 e segs.):

‘O Século XX, particularmente, experimentaria, no particular, verdadeira revolução. Nele se consolidou o que vinha paulatinamente se revelando – a progressiva transformação de um público pensador de cultura e formador de opinião em um público consumidor de cultura, deslocando-se a formação da opinião pública para os detentores dos meios de comunicação de massa’.

Nenhum outro tipo de empresa conseguiu somar tanto poder político ao seu poder econômico quanto as empresas da área de comunicação. Por isso mesmo elas se fizeram mais políticas que econômicas, ou melhor dizendo, as que mais eficientemente utilizaram o poder político em favor de seu poder econômico. A imprensa, máxime com sua expansão além da imprensa escrita, se fez um poder e um poder que, por não estar formalmente institucionalizado, escapa de controles sociais, inexistindo controles políticos eficazes. Pode-se subjugar a imprensa, submetê-la ao poder político, estatizando-a ou censurando-a prévia e drasticamente, mas não se sabe como controlá-la eficientemente quando liberada.

UMBERTO ECO, com a sua costumeira acuidade, adverte que, não muito tempo atrás, se alguém desejasse empolgar o poder político num país suficiente seria controlar o exército e a polícia. Hoje, só em países subdesenvolvidos generais fascistas podem dar golpes de Estado, usando seus tanques. Basta, porém, que um país tenha adquirido um certo nível de industrialização para que o panorama mude completamente. E exemplifica. No dia seguinte à queda de KRUSCHEV, os diretores do Pravda e do Izvestia e das cadeias radiotelevisivas foram substituídos; prescindiu-se de qualquer movimentação de tropas. E conclui: “Hoje, um país pertence a quem controla os meios de comunicação”. E acrescenta: “Como sugeriu o Prof. MCLUHAN, a informação não é mais um instrumento para produzir bens econômicos; ela própria tornou-se principal dos bens. A informação transformou-se em indústria pesada. Quando o poder econômico passa de quem tem em mãos os meios de produção para os que detêm os meios de informação, que podem determinar o controle dos meios de produção, também o problema da alienação muda de significado. Diante da sombra de uma rede de comunicação que se estende para abraçar o universo, cada cidadão do mundo torna-se membro de um novo proletariado”. E incisivo: “Os meios de massa não veiculam uma ideologia; são, eles próprios, uma ideologia”.


Seguindo em seu raciocínio, o digno e honrado Ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira demarca as identificações e as deficiências principais do Poder Judiciário e da Imprensa:

“2. HÁ, POR OUTRO LADO, VISÍVEL IDENTIFICAÇÃO ENTRE O JUDICIÁRIO E A IMPRENSA

Representam ambos valores democráticos, refletidos especialmente na liberdade de manifestação e nas garantias da cidadania. E sofre, cada um a seu modo, as restrições dos regimes totalitários.

Ademais, convivem ambos, presentemente, com o perfil de massa da sociedade dos nossos dias, ao qual procuram adaptar-se. A Imprensa, diversificando-se. O Judiciário, buscando novos mecanismos e novas técnicas de solução de conflitos, ciente de que o seu modelo liberal-individualista não mais responde aos reclamos dos tempos atuais.

Outrossim, nítida é a busca do aprimoramento que ambos perseguem: a Imprensa, debatendo sua ética e o seu poder de influência, adotando inclusive a figura do ombudsman; o Judiciário, com a criação de escolas judiciais, cursos de formação e aperfeiçoamento do seu pessoal e, ainda, com o debate em torno da adoção de um órgão de controle administrativo-disciplinar e outro de reflexão e planejamento permanentes.

3. NOTÓRIAS, DE OUTRO LADO, SÃO AS SUAS DEFICIÊNCIAS PRINCIPAIS

Assim, em relação ao Judiciário, a impunidade, o formalismo exacerbado, o nepotismo, a morosidade, o corporativismo, muito embora contra esses vícios lute o próprio Judiciário em sua parcela mais expressiva e também se saiba que a correção das falhas exige investimento com recursos materiais e humanos e uma legislação adequada, criativa e moderna.

Em relação à Imprensa, as falhas são sobretudo decorrentes de abuso e irresponsabilidade. Para exemplificar, tomo de empréstimo estudo realizado em Pernambuco, sob a coordenação da Universidade Católica e do Des. NILDO NERY DOS SANTOS. Pesquisa feita com critério científico, tomando por base as programações da televisão em duzentas e sessenta e quatro (264) horas, no período de três (3) semanas, no ano de 1979 (hoje, certamente os dados seriam ainda mais alarmantes), registrou (publicação do TJPE):

‘Cenas de agressão: 3.484, sendo que 1.203 de modo verbal, 753 com luta corporal, 620 por meio de arma de fogo e 636 com utilização de outros tipos de arma. Decorreram dessas agressões 608 lesões, 573 mortes, 363 aprisionamentos, 258 torturas, 234 ocorrências de direção perigosa e 316 chantagens.

Foi anotada, no dito período, a prática de 501 crimes de diversas naturezas, dos quais 149 assaltos, detectando-se, como motivação delituosa, 272 por dinheiro, 103 por desvio sexual, 93 por abuso alcoólico e 33 pelo uso indevido de tóxicos. Provocaram ainda os ditos fatores 70 cenas de prostituição, 19 de homossexualismo, 19 suicídios e mais 110 casos de direção perigosa.

O desajuste familiar em novelas e filmes de TV surgiu nas três semanas 543 vezes, com 60 casos de infidelidade masculina e coincidentemente com igual número de infidelidade feminina. Foram registradas 233 brigas de casal, 157 brigas entre pais e filhos, 35 brigas entre irmãs. Em conseqüência destes desajustes, ocorreram 73 separações de casal, 35 roubos, 42 mulheres ingressaram na prostituição, 07 tornaram-se viciadas em drogas, 54 passaram a abusar do álcool, 12 tentaram ou consumaram o suicídio, e foram registradas por essa motivação 20 lesões.

As cenas de erotismo anotadas foram de 874, das quais 89 foram apresentando atos de conjunção carnal, 320 de exibição do corpo feminino, 374 modos sensuais, 38 gestos imorais e foram proferidas 53 pornografias. O crime de estupro registrou-se em 6 ocasiões.

Os sujeitos ativos da violência foram 1.878 homens e 588 mulheres; e como sujeito passivo, 1.716 homens e 506 mulheres, e 116 crianças apareceram como personagens da violência.

Assinale-se que em 95 programas de gênero para crianças, somente 3 não continham episódios violentos’” (sic).

Finalmente, vem concluindo o competente Ministro Sálvio de Figueiredo:

“4. FREQÜENTE E GENERALIZADO, NÃO SE PODE NEGAR, É O DESCONTENTAMENTO DO JUDICIÁRIO COM O NOTICIÁRIO DA IMPRENSA

Em primeiro lugar, pelo desconhecimento de noções elementares por quem dá a notícia, a começar por confundir o Judiciário com a Polícia, com o Ministério Público, com a Defensoria, com os Ministérios da Justiça e do Trabalho, englobando na expressão “Justiça” todos esses segmentos e passando à sociedade uma imagem distorcida, publicando manchetes apelatórias do tipo “Supremo dá de goleada no Governo”, “Polícia prende e Judiciário solta”, “Os juízes não querem o controle do Judiciário”, etc. Publicando meias verdades e deixando ao relento temas que efetivamente interessariam a todos, até mesmo certas mazelas, como a balbúrdia das remunerações e a anomalia dos classistas da Justiça do Trabalho.


Em segundo lugar, pela carência de boas entrevistas com pessoas qualificadas do Judiciário e pelo descaso com o que nele ocorre, contribuindo para passar à sociedade uma imagem falsa do Poder, sem noticiar decisões que em muito interessariam à comunidade, como, para exemplificar, as relacionadas ao Direito de Família, especialmente em uma fase de tantas mutações nesse campo (…)” (sic).

Como visto, é reconhecido não só pelas mais altas esferas da Magistratura Nacional, como por toda a sociedade, que a imprensa tem se delineado, em muitos momentos da história contemporânea brasileira, como instrumento de manutenção das garantias individuais, auxiliando a desenhar a feição da versão brasileira de Estado Democrático de Direito, podendo se afirmar, inclusive, que “A imprensa, até mesmo quando manietada, até mesmo quando denunciava a censura através da publicação de poemas de CAMÕES ou de receitas de doce, exerceu um papel fundamental para que nós tentássemos e viéssemos conseguir reconstituir o Estado de Direito, assim com outros segmentos como a Ordem dos Advogados, a Igreja, etc” (DIAS, José Carlos apud D’URSO, Luiz Flávio Borges (Coord.). Advocacia e justiça criminal. São Paulo: Oliveira Mendes, 1997, p. 139).

Contudo, tal função social ou eventuais benefícios decorrentes da atuação, de forma lato sensu, da imprensa, sobre hipótese alguma, podem se sobrepor aos direitos e garantias individuais e da personalidade, especialmente os escorados nos princípios gerais do direito, na inspiração constitucional e apregoados no Estatuto Civil vigente.

Tal consecutivo lógico, de sua parte, é difundido por diversos Tribunais do país, a exemplo do quanto propagado pelo Egrégio Tribunal de Justiça do Distrito Federal:

“(…) a imprensa não ostenta uma liberdade absoluta, ampla e irrestrita, eis que encontrará sempre no direito à honra e à dignidade da pessoa humana o seu limite. Ademais, é sabido que o uso de um direito, por mais absoluto que seja, não deve ser feito com um pensamento maledicente. (…)” (TJDF – APC 20030110767212 – 2ª T.Cív. – Rel. Des. J.j. Costa Carvalho – DJU 09.08.2005 – p. 105).

Mais que isto, o posicionamento jurisprudencial emanado do Egrégio Tribunal de Justiça do Paraná e congregado no Acórdão cuja ementa segue abaixo transcrita sintetiza, com eloqüência, o exato sentido e delimitação da liberdade de imprensa.

AGRAVO DE INSTRUMENTO – MEDIDA CAUTELAR – DIREITO Á INFORMAÇÃO – PUBLICAÇÃO DE MATÉRIA OFENSIVA À HONRA E MORAL DOS REQUERENTES – LIBERDADE DE IMPRENSA – PROTEÇÃO AOS DIREITOS DA PERSONALIDADE – PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS – CONFLITO APARENTE – HERMENÊUTICA – INTERPRETAÇÃO CONJUNTA, ONDE UM SERVE DE LIMITE AO EXERCÍCIO DO OUTRO – RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO – Havendo direitos aparentemente antagônicos, mas ao mesmo tempo previstos constitucionalmente, um não possui valoração maior que o outro, apenas, pelo princípio da máxima efetivação das normas, interpretam-se conjuntamente de modo a terem auto-executoriedade imediata, servindo um de limite jurídico ao exercício do outro. (TJPR – Ag Instr 0158172-0 – (4047) – Cascavel – 8ª C.Cív. – Rel. Des. Rafael Augusto Cassetari – DJPR 08.11.2004).

Vistas tais premissas, há que se avaliar se a notícia veiculada no periódico de responsabilidade da empresa demandada, em seu contexto, violou quaisquer das prerrogativas individuais do demandante, quer na condição de cidadão, quer na condição de ocupante de cargo público de alta gradação na esfera estadual.

Ora, a partir de uma análise perfunctória da matéria jornalística, um leitor desatencioso teria a mera interpretação segundo a qual o periódico, de forma singela, haveria divulgado que o ora demandante estaria, na condição de Presidente do Egrégio Tribunal Regional Eleitoral do Estado da Bahia, pugnando pela simples defesa de interesses dos integrantes da Magistratura baiana, somando seus esforços ao do Exmo. Desembargador Presidente do Egrégio Tribunal de Justiça da Bahia, do dileto Magistrado Presidente da Associação dos Magistrados da Bahia – AMAB e do honrado Magistrado Presidente da Associação dos Magistrados Aposentados da Bahia – AMAP.

Contudo, partindo-se de uma avaliação mais acurada, se observa que a pretensão da matéria jornalística sob testilha fora atribuir, diretamente, ao ora suplicante a prática de evidente improbidade administrativa e faltas funcionais, à luz do que dispõe a Lei Federal n. 8.429/92 e a própria Lei de Organização da Magistratura Nacional – LOMAN.

Neste ponto, ao insinuar que estaria o ora demandante fazendo uso de eventual prestígio junto a integrantes do Poder Legislativo como instrumento de pressão para aprovação de determinado Projeto de Lei pela augusta Assembléia Legislativa do Estado da Bahia, por via obliqua, o periódico administrado pela suplicada imputou ao Magistrado suplicante a prática de suposto ato de improbidade previsto, entre outros dispositivos, no art. 11, caput, da Lei Federal n. 8.429/92, assim como a realização de eventual tráfico de influência, tipificado como infração penal pelo art. 332 do Código Penal Brasileiro.


Art. 11. Constitui ato de improbidade administrativa que atenta contra os princípios da administração pública qualquer ação ou omissão que viole os deveres de honestidade, imparcialidade, legalidade e lealdade às instituições, e notadamente:

Art. 332. Solicitar, exigir, cobrar ou obter, para si ou para outrem, vantagem ou promessa de vantagem, a pretexto de influir em ato praticado por funcionário público no exercício da função:

Pena – reclusão, de 2 (dois) a 5 (cinco) anos, e multa.

Parágrafo único. A pena é aumentada da metade, se o agente alega ou insinua que a vantagem é também destinada ao funcionário. (Redação dada ao artigo pela Lei nº 9.127, de 16.11.1995).

Sublinhe-se, porque necessário, que na matéria jornalística sob análise não fora transcrita qualquer declaração atribuída a integrantes do Poder Legislativo, cujo teor tivesse a aludida conotação, tendo o Exmo. Deputado Estadual Clóvis Ferraz, Presidente do Poder Legislativo da Bahia, se limitado a alegar, quanto à tramitação do Projeto de Lei de interesse do Poder Judiciário, que “Ainda não há acordo para votar. Está se discutindo”.

Mas não é só!

O jornal impresso de responsabilidade da acionada imputou, francamente, ao acionante a prática de atividade político-partidária, vedada pelo art. 95, III, da CF, e a violação conseqüente ao princípio da manutenção de conduta irrepreensível, previsto no art. 35, VIII, da LOMAN, no momento em que divulgou, textualmente, os seguintes trechos:

“Só a bancada de oposição que tem ótimas relações com Carlos Alberto Dultra Cintra e o considera um líder político no estado – o presidente do TRE intermediou as negociações com o governo do estado que possibilitaram a liberação da senha, aos parlamentares, que dá acesso às contas do Executivo – já se manifestou favorável ao aumento do salário dos desembargadores e à rápida votação da matéria” (sic).

Art. 95

Parágrafo único. Aos juízes é vedado:

III – dedicar-se à atividade político-partidária;

Art. 35. São deveres do magistrado:

VIII – manter conduta irrepreensível na vida pública e particular.

Não obstante ter a empresa ré reconhecido, em sua peça de defesa, que o autor se trata de Magistrado probo, competente e zeloso de seus deveres funcionais; do conjunto da matéria jornalística, se observa, até não mais poder, que o periódico “Correio da Bahia” assacou contra a honra do demandante ao imputar-lhe a prática de conduta ilegal e, até mesmo, criminosa, tanto mais porque o membro do Poder Judiciário, a par do que se extrai da Constituição Federal de 1988 e da Lei de Organização da Magistratura Nacional, se trata de homem público incumbido de diversos deveres e obrigações funcionais, as quais, para serem exercidas, invocam respeito por parte dos jurisdicionados.

Em outras palavras, significa dizer que ao se atacar a honra de um Magistrado, está a se violentar a própria imagem do Poder Judiciário, personificado em seus membros, e os princípios constitucionais, uma vez que, para se imprimir efetividade à prestação jurisdicional, é imperioso que os jurisdicionados respeitem as determinações do Estado-Juiz, tendo por base que as decisões prolatadas, como se lei em concreto fossem, se constituiriam na melhor e mais eqüitativa solução que poderia ser oportunizada aos litigantes pelo aparato estatal.

Desse modo, em sendo questionada a conduta e a honra do Magistrado, estar-se-ia questionando, propriamente, a própria razoabilidade e integridade das decisões emanadas pelo Poder Judiciário.

Seja como for, o certo é que o teor da matéria jornalística extraída do exemplar acostado à vestibular, em sua integralidade, dilapidou a honra e a imagem do demandante, tanto enquanto cidadão, quanto na condição de ocupante de cargo público de alta gradação, dado o abuso no caso dos autos da prerrogativa prevista no art. 220, §1º, da Carta Federal.

Art. 220. A manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo não sofrerão qualquer restrição, observado o disposto nesta Constituição.

§ 1º. Nenhuma lei conterá dispositivo que possa constituir embaraço à plena liberdade de informação jornalística em qualquer veículo de comunicação social, observado o disposto no artigo 5º, IV, V, X, XIII e XIV.

Vulneradas, desta feita, as disposições contidas no art. 5º, X, da Magna Carta e no art. 187 do Estatuto Civil de 2002.

Art. 5.º

X – são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito à indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação;

Art. 187. Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes.


Dessa forma, remanesce direito ao suplicante em pleitear, no âmbito judicial, a reparação da lesão moral sofrida, com respaldo no art. 5º, V, da CF c/c o art. 927 do Código Civil vigente.

Art. 5.º

V – é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem.

Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.

Há que se ressaltar, aqui, que em situações que tais, nas quais a honra de Magistrado houvera sido submetida à depredação moral, o Egrégio Tribunal de Justiça ordenou a reparação pecuniária da lesão perpetrada.

APELAÇÕES CÍVEIS – RESPONSABILIDADE CIVIL – AÇÃO DE REPARAÇÃO POR DANOS MORAIS – APELO DA PRIMEIRA VENCIDA DESERTO, POR INOBSERVADA A REGRA DO ART. 57, 6º, DA LEI DE IMPRENSA – PRELIMINAR DE NULIDADE PROCESSUAL REJEITADA – POSSIBILIDADE JURÍDICA DO PEDIDO – MÉRITO – USO INCONSIDERADO DO NOME E OFENSAS ASSACADAS CONTRA MAGISTRADO EM PROGRAMA DE RÁDIO – Inviolabilidade constitucional do parlamentar que não se confunde com privilégio, a autorizar conduta lesiva de agravamento à honra e à imagem de terceiro – abuso de direito plenamente configurado – art. 5º, V e X, da CF. Obrigação de indenizar – confirmação do decisório – improvimento do apelo. (TJBA – AC 15.978-8/2004 – (80986) – 4ª C.Cív. – Rel. Des. João Pinheiro – J. 23.02.2005).

Por outro lado, no que se refere à sistemática do abuso de direito, o jurista Sílvio de Salvo Venosa, em sua obra Direito Civil: parte geral, São Paulo: Atlas, 2003, pg. 602, é enfático ao lecionar:

“Cada dia mais se torna difícil manter o homem no âmbito de seus próprios direitos. Tendo em vista a pressão social, o exercício de um direito, ainda que dentro de seu próprio limite, pode causar dano a outrem.

Na noção de ato ilícito, pugna o jurista segundo os conceitos de dolo e culpa e atinge a noção ampla de culpa civil. Por vezes, ocorre dano obrado por alguém que, aparentemente no exercício de seu direito, causa transtorno a terceiros. Esse extravasamento de conduta, dentro do âmbito do direito, pode gerar dever de indenizar. A temperança no exercício de qualquer ato da vida humana não é apenas virtude moral ou ética. O Direito não pode desconhecer essa realidade. Assim como a conduta do homem deve ser exercida com moderação, para não se sujeitar a uma reprimenda social ou psíquica, também o Direito não pode ser levado ao extremo.

A compreensão inicial do abuso de direito não se situa, nem deve situar-se, em textos de direito positivo. A noção é supra legal. Decorre da própria natureza das coisas e da condição humana. Extrapolar os limites de um direito em prejuízo do próximo merece reprimenda, em virtude de consistir em violação a princípios de finalidade da lei e da equi No vocábulo abuso encontramos sempre a noção de excesso; o aproveitamento de uma situação contra pessoa ou coisa, de maneira geral. Juridicamente, abuso de direito pode ser entendido como o fato de se usar de um poder, de uma faculdade, de um direito ou mesmo de uma coisa, além do que razoavelmente o Direito e a sociedade permitem.

Ocorre abuso quando se atua aparentemente dentro da esfera jurídica daí ser seu conteúdo aplicável em qualquer esfera jurídica, ainda que isso no direito público possa ter diferente rotulação”

Razoável, portanto, também à luz da doutrina dominante, se atribuir à conduta indicada na exordial a pecha de evidente abuso de direito, a incorrer na lesão moral tantas vezes reportada.

Já na esfera constitucional, o festejado Prof. Alexandre de Moraes, ex-Secretário de Justiça do Estado de São Paulo e, atualmente, integrante do Conselho Nacional de Justiça, em sua obra Constituição do Brasil Interpretada, São Paulo: Editora Atlas, 2005, 5ª edição, pg. 2125, é objetivo ao demarcar o que viria a ser o direito constitucional à liberdade de imprensa:

“A garantia constitucional de liberdade de comunicação social, prevista no art. 220, é verdadeiro corolário da norma prevista no art. 5º, IX, que consagra a liberdade de expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença. O que se pretende proteger nesse novo capítulo é o meio pelo qual o direito individual constitucionalmente garantido será difundido, por intermédio dos meios de comunicação de massa. Essas normas, embora não se confundam, completam-se, pois a liberdade de comunicação social refere-se aos meios específicos de comunicação.

Apesar da vedação constitucional da censura prévia, há necessidade de compatibilizar a comunicação social com os demais preceitos constitucionais, (…)” (sic).

Indubitável, portanto, que sob a suposta justificativa de exercício da liberdade de imprensa, o periódico de responsabilidade da empresa ré violou o preceito constitucional previsto no art. 5º, X, da Magna Carta, a autorizar, sem qualquer sombra de dúvida, o direito de resposta proporcional ao agravo e a indenização pelo dano moral ventilado, na forma do art. 5º, V, da Constituição da República, independentemente da eventual incidência de dispositivos da Lei de Imprensa, conforme preceitua o Colendo Superior Tribunal de Justiça.


LEI DE IMPRENSA E PROTEÇÃO CONSTITUCIONAL À LIVRE MANIFESTAÇÃO DE PENSAMENTO – A Constituição considera livre a manifestação do pensamento, proíbe o anonimato, e assegura o direito de resposta, a inviolabilidade da intimidade, a vida privada, a hora e a imagem das pessoas, o que não derroga a chamada Lei de Imprensa, a qual continua em vigor naquilo em que não contraria a Carta Magna. (STJ – 5ª Turma – RGC 3296-0/SC – rel. Min. Jesus Costa Lima, Ementário STJ n. 9/712).

Ultrapassados os pressupostos até aqui demarcados e verificada a ocorrência de lesão na esfera moral do demandante, bem como o nexo de causalidade entre a divulgação da matéria jornalística e o dano perpetrado, há que se arbitrar a parcela indenizatória, à luz, especialmente, da inteligência contida na Súmula n. 281 da Corte Especial.

Súmula STJ n. 281 – A indenização por dano moral não está sujeita à tarifação prevista na Lei de Imprensa.

Quanto a este ponto, impõe-se a utilização dos critérios da proporcionalidade e da razoabilidade, tendo o Magistrado como pilares de se raciocínio, ainda, a estirpe do dano, o porte social ou econômico dos litigantes e o caráter educativo e pedagógico da medida, uma vez que, segundo a jurisprudência dominante, “(…)Inexistindo critérios determinados e fixos para a quantificação do dano moral, recomendável que o arbitramento seja feito com moderação, atendendo às peculiaridades do caso concreto (…)” (STJ – RESP 200400431645 – (640196 PR) – 3ª T. – Rel. Min. Castro Filho – DJU 01.08.2005 – p. 00448).

A propósito do tema, o Egrégio Tribunal de Justiça de Santa Catarina tem se posicionado:

APELAÇÕES CÍVEIS – AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS – RECURSO DA RÉ – PRELIMINARES – CONEXÃO E CERCEAMENTO DE DEFESA – NÃO ACOLHIMENTO – MÉRITO – RESPONSABILIDADE – LINHA TELEFÔNICA – ALEGADO INADIMPLEMENTO DA FATURA MENSAL – PAGAMENTO EFETUADO – SUSPENSÃO DOS SERVIÇOS PRESTADOS – ABUSO DE DIREITO – DANO MORAL PRESUMIDO – DESNECESSIDADE DE COMPROVAÇÃO – INDENIZAÇÃO DEVIDA – QUANTUM INDENIZATÓRIO – CRITÉRIOS DA RAZOABILIDADE E PROPORCIONALIDADE OBSERVADOS – VALOR MANTIDO – RECURSO NÃO PROVIDO – A simples identidade de partes não caracteriza conexão, pois seu pressuposto está na coincidência do objeto ou da causa de pedir, ex vi do art. 103 do CPC. Não há cerceamento de defesa se as provas produzidas são suficientes ao deslinde do feito e as por produzir somente têm caracter protelatório. O arbitramento do valor da indenização por dano moral deve ser justo, a ponto de alcançar seu caráter punitivo e proporcionar a correspondente compensação à vítima, atendendo-se aos critérios de proporcionalidade e razoabilidade. Apelação do autor – majoração do quantum indenizatório – não cabimento – honorários advocatícios – manuntenção da verba arbitrada na sentença – recurso não provido. (TJSC – AC 2003.029211-0 – Chapecó – 3ª CDCiv. – Rel. Des. Wilson Augusto do Nascimento – J. 01.04.2005) JCPC.103

APELAÇÃO CÍVEL – DÉBITO FISCAL JÁ PAGO – INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL – CABIMENTO – RESPONSABILIDADE CIVIL DO MUNICÍPIO – NEXO DE CAUSALIDADE DEMONSTRADO – (…) INDENIZAÇÃO – DANO MORAL – CRITÉRIOS DE FIXAÇÃO DA VERBA – DIREITO COMPARADO – Para aferição dos fatores determinantes do prejuízo moral, deve o juiz, em se valendo da experiência e do bom senso (art. 335, CPC), aplicar o princípio arbitrium boni viri, exteriorizado pela doutrina e pela jurisprudência, nas circunstâncias do caso concreto (case law), na gravidade do dano, nas condições do lesante e do lesado (punitive damages, como no direito da Comonn Law) e nas demais causas eficientes na produção da ofensa, sendo a indenização proporcional ao agravo sofrido (art. 5°, V, CRFB) e apta a servir de elemento de coerção destinado a frear o ânimo do agressor, impedindo, desta forma, a recidiva. (TJSC – AC 2004.006224-9 – Araranguá – 1ª CDPúb. – Rel. Des. Volnei Carlin – J. 26.04.2005) JCF.37 JCF.37.6 JCPC.335.

Assinale-se, porque oportuno, que a exposição doutrinária do premiado processualista Humberto Theodoro Jr, ao invocar o entendimento jurisprudencial emanado do Tribunal de Justiça de Minas Gerais, em sua obra Dano Moral, fulmina a temática aqui tratada.

“‘Se, à falta de critérios objetivos da Lei, o juiz tem de se valer da prudência para atender, em cada caso, às suas peculiaridades assim como à repercussão econômica da indenização pelo dano moral, o certo é que o valor da condenação, como princípio geral, ‘ não deve ser nem tão grande que se converta em fonte de enriquecimento, nem tão pequeno que se torne inexpressivo’ (TJMG, AP. 87.244-3, Rel. Des. BADY CURI, AC. 9-4-1992, in Jurisprudência Mineira 118/161)” (THEODORO Jr, Humberto. in Dano Moral. 4ª ED. São Paulo: Juarez de Oliveira, 2001, p. 39).


Neste rastro, partindo-se da conjectura aqui traçada, razoável se afigura a condenação da empresa ré, enquanto responsável pela edição do periódico “Correio da Bahia”, no pagamento de indenização, a título de reparação exclusivamente moral, na alçada equivalente a 1.000 (mil) salários mínimos, a título de reparação pelas ofensas irrogadas em desfavor do demandante, por meio das quais lhe fora imputada a prática de infrações de natureza civil, especificamente a execução de atos de improbidade administrativa.

Acrescido a isto, haverá a acionada que ser condenada no pagamento de indenização equivalente a mais 1.000 (mil) salários mínimos, ainda a título de reparação pelo dano perpetrado, buscando restituir a lesão decorrente da imputação de suposta prática infracional na órbita disciplinar, por parte do demandante, enquanto Magistrado.

Somar-se-á, ainda, à condenação da demandada a obrigação no pagamento de indenização equivalente a outros 1.000 (mil) salários mínimos, objetivando reparar a lesão moral oriunda da imputação imotivada de prática de ilícitos penais, por parte do ora demandante, notadamente a suposta realização de lobby e tráfico de influência.

Por último, é imprescindível reafirmar que o parâmetro indenizatório aqui fixado tem por sustentáculo os critérios estritos emanados do Colendo Superior Tribunal de Justiça, a quem cabe a unidade e interpretação do Direito Federal, sendo relevados os seguintes aspectos: 1) a parte ofendida se trata de integrante da Magistratura baiana, na condição de Desembargador do Tribunal de Justiça da Bahia, atualmente cumulando as funções de Juiz Presidente do Tribunal Regional Eleitoral da Bahia; portanto, ocupante de cargos públicos de alta gradação no âmbito estadual; 2) a empresa demandada, administradora do periódico ofensor, se trata de sociedade integrante do conglomerado econômico denominado Rede Bahia de Comunicação, a qual se constitui em um dos maiores grupos de comunicação no Norte/Nordeste do Brasil, fato este público e notório; 3) a lesão moral perpetrada, conforme asseverado, assacou contra a honra da parte autora por três ângulos e esferas distintas, a administrativa/disciplinar, a civil e a penal; 4) recomenda-se, na hipótese dos autos, a imposição de condenação dotada de potencial pedagógico tal que a parte acionada não se sinta motivada, em momento futuro, a incentivar a veiculação de matérias jornalísticas detrimentosas e acintosas contra a honra de quaisquer integrantes dos Poder Executivo, do Poder Legislativo e do Poder Judiciário baiano.

A título ilustrativo, é salutar transcrever outra nota, contida na mesma página 02 do Primeiro Caderno da edição de 19 de Dezembro de 2005 do periódico Correio da Bahia, por meio da qual são propagadas acusações, de forma genérica, a todos os integrantes da Egrégia Corte Estadual:

“RETRATO DA JUSTIÇA.

O ex-prefeito Antonio Imbassahy testemunho, e, como os demais ouvintes, ficou estarrecido com o relato da liderança judiciária sobre alguns colegas e seus filhos nos bastidores do Tribunal de Justiça da Bahia. Ele contou que, à sombra dos pais e ocupando cargos de confiança na Justiça, os menos se locupletam. Um deles chegou a utilizar um carro-forte para transportar o dinheiro, com receio de perder a dinheirama para um colega, ou melhor, ladrão. A conversa, que o ex-prefeito pode confirmar, aconteceu num hotel em São Paulo, meses passados. E a descrição do que acontece nos bastidores da Justiça causou vergonha. Talvez o relato explique por que os desembargadores do Tribunal de Justiça baiano – campeão nacional de nepotismo – resista tanto a adotar a medida moralizadora exigida pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ)” (sic – pg. 11).

Da conjuntura fática que se amolda, por motivos estranhos, ocultos e alheios aos autos, o periódico de responsabilidade da empresa demandada demonstra pretender atacar, abertamente, a figura, a imagem e a honra de integrantes do Poder Judiciário baiano, fato este que, de sua parte, invoca com vigor sobrenatural a necessidade de aplicação de medida eminentemente pedagógica, por parte do poder estatal competente, no caso, o Estado-Juiz, a fim de evitar a prorrogação da prática infratora.

Alternativa não resta, portanto, senão julgar procedentes os pedidos declinados na vestibular, condenando-se, por via de conseqüência, a empresa demandada no pagamento de indenização total na alçada equivalente a 3.000 (três mil salários mínimos), a qual haverá de ser atualizada monetariamente, pelo índice INPC, desde 19 de Dezembro de 2005, e acrescida dos juros de mora, de 1% (um por cento) ao mês, a contar da citação, bem como das custas processuais e respectivos honorários advocatícios estes fixados na alçada de 20% (vinte por cento) sobre o total devido e a ser pago.

DO EXPOSTO,

JULGO PROCEDENTES os pedidos declinados na vestibular e, em conseqüência, condeno a parte acionada no pagamento de indenização total na alçada equivalente a 3.000 (três mil salários mínimos), a qual haverá de ser atualizada monetariamente, lo índice INPC, desde 19 de Dezembro de 2005, e acrescida dos juros de mora, de 1% (um por cento) ao mês, a contar da citação.

Condeno, mais, a parte demandada no pagamento das custas processuais e respectivos honorários advocatícios, estes fixados na alçada de 20% (vinte por cento) sobre o total devido e a ser pago em favor do acionante.

PUBLIQUE-SE. REGISTRE-SE. INTIMEM-SE.

Salvador, 18 de Abril de 2006.

BEL CLÉSIO RÔMULO CARRILHO ROSA

JUIZ DE DIREITO

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!