União estável

Viúva não recebe pensão se não comprovar união estável

Autor

24 de abril de 2006, 17h36

Sem provas do período de convivência e dependência econômica, viúva não pode receber pensão integral pela morte do companheiro. Com esse entendimento, a 1ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça gaúcho acolheu o recurso do Ipergs — Instituto de Previdência do Estado do Rio Grande do Sul e livrou o instituto de pagar pensão para uma viúva que alegava viver em união estável com o segurado.

A autora da ação sustentou ter mantido união estável por mais de 10 anos e que a filha maior, casada e aposentada, não fazia jus ao benefício. Já o Ipergs, em sua defesa, afirmou que negou o pedido porque as provas não preenchiam os requisitos de uma união estável. A primeira instância não acolheu os argumentos e o instituto de previdência recorreu ao Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul.

O relator do caso, desembargador Irineu Mariani, observou que a mulher confessou não ter como provar o período que conviveu com o companheiro. O relator considerou ainda não haver “qualquer referência que comprove o relacionamento e o teto em comum, ou qualquer outro requisito necessário que reconheça união estável.”

Irineu Mariani também não reconheceu a dependência econômica já que a mulher recebe do INSS o equivalente a 91% da renda do ex-segurado. O voto de Irineu Mariani foi acompanhado pelo juiz convocado Niwton Carpes da Silva.

Voto vencido

Somente o desembargador Osvaldo Poeta Roenick manifestou divergência quanto à exigência do prazo de cinco anos para o reconhecimento de união estável. Para o desembargador, a legislação do Ipergs (Lei 7.672/82) é anacrônica, pois “não mais se amolda ao figurino legal sobre o tema e ao que modernamente vem entendendo a jurisprudência pátria especializada.”

De acordo com Roenick, a união estável “pode perfeitamente restar reconhecida mesmo com prazo inferior a cinco anos, basta que seja duradoura, pública e contínua. O que revela a prova dos autos”, concluiu, citando escritura pública e declaração prestada pela filha do segurado que afirmou que o pai e a apelada viveram juntos por mais de 10 anos. No entanto, o seu voto foi vencido.

Apelação Cível 70008622714

Leia a íntegra da decisão

APELAÇÃO CÍVEL. PREVIDÊNCIA PÚBLICA ESTA-DUAL. IPERGS. PENSÃO. UNIÃO ESTÁVEL. INEXIS-TÊNCIA DE PROVA DOS REQUISITOS ESSENCIAIS.

1. Para que seja possível deferir pensão com base em união estável são imprescindíveis os dois requisitos básicos: período mínimo de cinco anos e dependência econômica.

1.1 – Quanto à união estável, tem-se por insuficiente se, relativamente ao período posterior a uma escritura pública de união estável, apenas um ano e meio depois o ex-segurado, já com setenta e oito anos, foi internado gravemente enfermo em clínica geriátrica, vindo a falecer decorridos sete meses; e, relativamente ao período anterior à citada escritura, a própria autora, ainda na esfera administrativa, declarou não dispor de meios para provar e tampouco fêlo em juízo, embora a oportunidade.

1.2 – Quanto à dependência econômica, ostenta-se evidente a inexistência na medida em que: (a) o ex-segurado não ganhava sequer ao próprio sustento, haja vista que passou o último período de vida numa clínica geriátrica; e (b) a pretendente à pensão ganhar outra do INSS de valor equivalente a 91% da renda do ex-segurado.

2. Apelação provida e reexame prejudicado, por maioria. Voto vencido.

APELAÇÃO CÍVEL — PRIMEIRA CÂMARA CÍVEL

Nº 70008622714 — COMARCA DE PORTO ALEGRE

APELANTE: INSTITUTO DE PREVIDENCIA DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL

APELADO: MARIONE TITONI CURTINOVE

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os autos.

Acordam os Magistrados integrantes da Primeira Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado, por maioria, em dar provimento ao apelo, res-tando prejudicado o reexame necessário conhecido de ofício, vencido o Presi-dente que desproveu e confirmou a sentença em reexame conhecido de ofício.

Custas na forma da lei.

Participaram do julgamento, além do signatário, os eminentes Se-nhores DES. HENRIQUE OSVALDO POETA ROENICK (PRESIDENTE) e DR. NIWTON CARPES DA SILVA, Juiz de Direito convocado.

Porto Alegre, 16 de março de 2005.

DES. IRINEU MARIANI,

Relator.

RELATÓRIO

DES. IRINEU MARIANI (RELATOR) — Marione Titoni Curtinove ajuíza ação ordinária com pedido de tutela antecipada contra o Instituto de Previdência do Estado do RS objetivando sua habilitação junto à autarquia, como beneficiária de pensão por morte deixada por seu companheiro, na forma integral.

Diz a autora, que manteve união estável com Paulo Pereira de Almeida por mais de 12 anos, vindo este a falecer em data de 5-7-2002. Refere que o ex-segurado era viúvo das primeiras núpcias e deixou uma filha, hoje maior, casada e aposentada, não fazendo jus ao benefício. Relata que na condição de companheira e, em face do falecimento do seu companheiro, ingressou com pedido de pagamento do benefício, acompanhada de farta documentação comprobatória da vida em comum, inclusive escritura pública de união estável. Aduz que a autarquia previdenciária não autoriza a habilitação, mesmo já estando comprovada sua condição de beneficiária, estando preenchidos os requisitos previstos no art. 9, II, e 11 e alíneas, da Lei 7.672/82, tendo também o direito à pensão na forma integral, com fundamento no art. 40, § 5.º, do CF. Postula a antecipação da tutela buscando sua imediata habilitação junto ao Instituto, bem como as quantias em atraso devidamente atualizadas (fls. 2-79).


Indeferido o pedido de tutela antecipada, a autora agrava de instrumento sendo, pelo mesmo motivo, indeferida a suspensividade ativa (fls. 86-94). O réu, na resposta, aponta que foi indeferido o pedido no processo administrativo porque todas as provas indicam que a autora não conviveu por cinco anos com o falecido, restando, com isso, não preenchidos os requisitos exigidos pela autarquia para o fim de habilitação na forma pleiteada. Destaca, ainda, que consta no referido processo que a esposa do ex-segurado faleceu em 1994, e este, em 2002, transcorrendo, neste período, apenas 8 anos, o que entende tornar inválida a declaração feita na escritura de declaração de união estável. Por fim, chama atenção ao fato de que o ex-servidor sofria de doença de grave-demência, tendo sido internado de 10-9-2001 até seu falecimento em 5-7-2002 (fls. 99-103).

A sentença julga procedente o pedido reconhecendo a existência de união estável e determina ao IPERGS a inclusão da autora no rol de dependentes previdenciários (fls. 186-190).

Apela o réu buscando a reforma da sentença. Reafirma a impssibilidade de ser reconhecido o pedido da autora-apelada, uma vez que não preenche os requisitos legais exigidos para tanto, salientado a falta de prova de terem sido estes atendidos. Requer o provimento da apelação para que seja julgado improcedente o pedido, com a inversão dos ônus da sucumbência (fls. 192-6).

A parte autora oferta as contra-razões (fls. 198-9).

O parecer do Dr. Procurador de Justiça é pelo provimento da apelação (fls. 207-13).

É o relatório.

VOTO

DES. IRINEU MARIANI (RELATOR)

A princípio, conheço de ofício do reexame necessário, uma vez que não há qualquer das excludentes dos §§ do art. 475 do CPC. No mais, estou em prover para julgar o pedido improcedente, pois a autora, embora a oportunidade que lhe foi dada pelo juízo singular no sentido de provar o alegado (fl. 178), não demonstrou qualquer dos requisitos essenciais: (a) quanto ao período de convivência, não demonstrou o período mínimo, chegando mesmo a confessar que não tinha como prová-lo; e (b) quanto à dependência econômica, não só o ex-segurado não ganhava o suficiente sequer para o próprio sustento, haja vista que morreu numa clínica geriátrica, como a autora ganha uma pensão do INSS cujo valor, veremos mais adiante, equivale a 91% da renda do ex-segurado.

Assim, estou em adotar como razão de decidir o bem elaborado Parecer do eminente Procurador de Justiça, Dr. Cláudio Mastrângelo. Peço vênia, pois, para reproduzir o que consta nas fls. 209-11: De saída, cabe assentar que o direito ao benefício de pensão por morte pleiteado pela autora depende de comprovação da alegada convivência more uxorio, haja vista a regra do art. 9.º, II, da Lei n.º 7.672/72/82, verbis: “Art. 9.º – Para efeitos desta lei, são dependentes do segurado: (…); II – a companheira, mantida como se esposa fosse há mais de 5 anos, desde que se trate de solteira, viúva, desquitada, separada judicialmente ou divorciada, e solteiro, viúvo, desquitado, separado judicialmente ou divorciado seja o segurado. (…). Art. 13 – Considera-se dependente econômico, para os efeitos desta Lei, a pessoa que percebe, mensalmente, renda inferior a um Salário Mínimo Regional, a qualquer título.”

Com a devida vênia da r. sentença, entende-se que a postulante não logrou provar o fato constitutivo de seu direito, merecendo realce a pertinente análise da prova procedida pela eminente Promotora de Justiça, Dr.ª Marisa Lara Adami da Silva, que ora se pede vênia para colacionar: “A demandante apresenta documentos para demonstrar a condição de companheira. São significativos para a prova pretendida: a declaração de Imposto de Renda, exercício 2002 e as procurações acostadas.

A análise do domicílio comum fica prejudicada frente aos endereços constantes dos autos: – o de Paulo Pereira é Andradas, 393 de 2000 a 2003; – o da autora, além dos antes consignado, registra-se aquele da Gen. Salustiano, 248, em 2002. Pode-se entender, entretanto, que houve alteração de endereço após a internação do servidor na clínica geriátrica, o que seria matéria de prova.

Não há qualquer referência ao período anterior a 2000, comprovando o relacionamento e o teto comum, ou qualquer outro requisito necessário ao reconhecimento da união estável. A própria autora declara que não tem meios de comprovar (fl. 75).

A procuração pública juntada demonstra a vontade das partes, mas não comprova o lapso temporal. ‘Embargos infringentes. Previdência pública estadual. Habitação de dependente. Configuração de união estável. Requisitos necessários: convívio ‘more uxorio’, publicidade, notoriedade, continuidade e exclusividade da relação, união de esforços no intuito de formar um ente familiar. Hipótese em que a prova produzida não demonstra, à saciedade, a configuração de relacionamento estável. Embargos desacolhidos (Embargos Infringentes 70 002 132 132, 1.º Grupo Cível, TJRS, em 5-10-2001, Rel. Des.ª Teresinha Oliveira Silva).’


Mister ressaltar, ainda, que em 2001, houve internação do servidor motivo de doença grave, caracterizada como demência, a qual perdurou até a data do óbito” (fls. 183/184).

Ademais disso – volto ao Parecer do Dr. Cláudio – acresce que a requerente tampouco demonstrou sua dependência econômica, requisito também necessário ao reconhecimento do direito, cumprindo assinalar que já percebe pensão, por morte, do INSS, no valor de R$ 698,72, conforme documentado datado de 25/9/02 (fl. 82), que excede, com sobras, o salário-mínimo regional. Vale dizer, assim elidindo, de vez, a pretensão deduzida, haja vista, no ponto, elucidativo aresto deste pretório, assim ementado: “Apelação cível. Previdenciária. IPERGS. Ação objetivando o recebimento de pensão por morte. União estável. O elemento básico e essencial ao reconhecimento da dependência previdenciária de companheira é a dependência econômica, conforme o disposto no § 5.º, do art. 9.º, da Lei Estadual n.º 7.672/82. No caso, não restou demonstrada a dependência econômica em relação ao suposto companheiro, tendo em vista que a autora já recebe pensão por morte de seu ex-marido. Apelação provida (Apelação Cível n.º 70 007 629 199, 21.ª Câmara, TJRS, em 17-11-2003, Rel. Des. Marco Aurélio Heinz).

Em suma, eminentes colegas, quanto à dependência econômica, não há efetivamente prova de que a autora era mantida, isto é, vivia às ex-pensas do ex-segurado Paulo Pereira de Almeida, até porque, nas circunstâncias, convenhamos, ganhando apenas R$767,48 (fl. 13), e sendo uma pessoa idosa (já estava com 78 anos), e com sérios problemas de saúde, não ganhava o suficiente nem ao próprio sustento, muito menos para sustentar uma companheira, haja vista que foi passar seu último período de vida numa clínica geriátrica. Isso por um lado. Por outro, conforme salientado, a autora não é uma pessoa desamparada financeiramente, visto que recebe pensão do INSS de valor no valor de R$701,66 (fl. 82-v), e não de R$698,72, como constou por equívoco no douto Parecer, portanto equivalente a 91% daquela do ex-segurado, restando evidenciado também por aí a impossibilidade de reconhecer-se relação de dependência face às respectivas rendas serem praticamente as mesmas.

O só fato de não existir dependência econômica por si só já afasta a pretensão da autora. Mas não custa referir que também a alegada união estável não restou provada.

Sabem os eminentes colegas que não entendo ser imprescindível a convivência sob o mesmo teto para fins de caracterização do concubinato. No entanto, cresce o ônus de provar a efetiva existência dos laços que unem homem e mulher, e por período longo, exigindo a lei ser de pelo menos durante cinco anos. E no caso chama atenção o fato de que o próprio IPERGS na fase administrativa ter dado a autora oportunidade de provar a alegada união estável, respondendo em16-1-2003 que não tinha como provar a convivência durante cinco anos (fl. 75). Ora, para quem conseguiu tantos documentos, inclusive declaração de união por meio de escritura pública em 24-1-2000 (fl. 43) e procuração por instrumento público em 13-8-2001 e 20-12-2001 (fls. 23-6), causa estranheza que não consiga provar, e nem se dispôs a fazê-lo em juízo, embora a oportunidade que lhe foi dada (fl. 178), relativamente ao período anterior à escritura. Aliás, convém lembrar que tais documentos foram celebrados quando o ex-segurado já se encontrava com sua saúde abalada, haja vista que uma procuração foi outorgada dois dias depois da internação na clínica geriátrica em 18-12-2001 (fls. 39-41), vindo a falecer meio ano depois, em 5-7-2002 (fl. 11). Outra informação importante: a internação na clínica aconteceu apenas um ano e meio após a escritura de união estável. E volto a lembrar: relativa-mente ao período anterior à escritura, a própria autora declarou que não tinha como provar.

Óbvio que o a declaração na escritura de união estável de que conviviam maritalmente há mais dez anos, não prova o fato, até porque diz demais. Com efeito, tendo a escritura sido lavrada em 24-1-2000, recuando-se mais de dez anos chega-se pelo menos a 1988-9. Ora, a esposa do ex-segurado, senhora Olinda Rocha de Almeida, faleceu em 10-3-94 (fl. 16). Portanto, a declaração na escritura de união estável prestada pelos mutuamente interessados, quanto ao período pretérito, sem a devida prova, não tem valor algum.

Nesses termos, dou provimento para julgar o pedido improcedente, restando prejudicado o reexame conhecido de ofício, invertendo a sucumbência, suspensa a execução, na forma da lei, face ao benefício da AJ.

DR. NIWTON CARPES DA SILVA – De acordo com o Relator.

DES. HENRIQUE OSVALDO POETA ROENICK (PRESIDENTE) – Peço vista.

Prosseguindo no julgamento, proferiu voto o Presidente.

DES. HENRIQUE OSVALDO POETA ROENICK (PRESIDENTE)


Vênia aos eminentes pares para desprover o apelo e confirmar a sentença em reexame, que também conheço de ofício.

Em primeiro lugar, e aqui já alinho minha inicial divergência, é que não mais se pode exigir o prazo de cinco anos de convivência para o reconhecimento da união estável. Tal exigência legal, contida na Lei Estadual n.º 7.672/82, é anacrônica. Há que se ter em mente, principalmente, que o que a lei exige para reconhecer a dependência da companheira é que exista união estável (anteriormente tratada por concubinato).

A legislação do IPERGS (lei n.º 7.672/82), no exigir o prazo mínimo de cinco (05) anos, como acima se disse, é anacrônica, pois não mais se amolda ao figurino legal sobre o tema e ao que modernamente vem entendendo a jurisprudência pátria especializada.

A união estável (que é o requisito exigido pela lei previdenciária para o reconhecimento da dependência e esta como condição para a qualidade de pensionista) pode perfeitamente restar reconhecida mesmo com prazo inferior a cinco anos. Basta que seja duradoura, pública e contínua, o que revela ter sido a união entre Laura e seu companheiro, como esclarece a prova dos autos.

E o espírito da lei do IPERGS, ao permitir o reconhecimento da dependência para a companheira (condição para a qualidade de pensionista), foi, acima de tudo, o de exigir a existência do que hoje se denomina de união estável (anteriormente concubinato). E o prazo de cinco anos, ali exigido, tinha razão e sentido à época da edição da lei (7.672/82), onde a tendência da jurisprudência era de só reconhecer a existência do antes denominado concubinato apenas com a convivência dos companheiros por, no mínimo, cinco anos. Hoje não é mais assim, por força do que dispõe a Lei n.º 9.278/96, que regulamentou o parágrafo 3.º, do artigo 226, da CF, que trata da união estável entre homem e mulher.

Assim, nos dias de hoje, há de se interpretar aquela exigência do prazo mínimo de cinco anos, prevista na lei previdenciária, de forma flexibil-zada, sob pena de destoar da atual legislação pátria sob o tema e de toda a moderna jurisprudência pátria a respeito.

A Lei n.º 8.971/94, que regulamenta o direito dos companheiros a alimentos e à sucessão, dispõe:

“Art. 1.º A companheira comprovada de um homem solteiro, separado judicialmente, divorciado ou viúvo, que com ele viva a há mais de 5 (cinco) anos, ou dele tenha prole, poderá valer-se do disposto na Lei n.º 5.478, de 25 de julho de 1968, enquanto não constituir nova união e desde que prove a necessidade.”

Por sua vez, a Lei n.º 9.278/96, que veio a regular o § 3.º, do art. 226, da CF, no sentido de reconhecer a existência de união estável entre homem e mulher como entidade familiar, dispõe expressamente:

“Art. 1.º É reconhecida como entidade familiar a convivência duradoura, pública e contínua, de um homem e uma mulher, estabelecida com objetivo de constituição de família.”

Como se vê, aqueles requisitos exigidos pelo art. 1.º, da Lei n.º 8.971/94, não podem ser exigidos para o reconhecimento da união estável. Primeiro, porque a Constituição Federal, no art. 226, § 3.º, não os exige. Segundo, porque a lei que veio a regular este dispositivo constitucional, da mesma forma, não o faz. Terceiro, porque, para o reconhecimento da união estável, o disposto no art. 1.º, da Lei n.º 8.971/94 restou revogado pelo art. 1.º, da Lei n.º 9.278/96, como se infere do disposto no art. 11 deste último diploma legal, que expressamente refere estarem revogadas as disposições em contrário.

Assim, agora, para o reconhecimento da união estável como entidade familiar, basta a convivência duradoura, pública e contínua entre homem e mulher, estabelecida com o objetivo de constituição de família. Não há mais necessidade do prazo mínimo de cinco anos. Basta que haja aquela espécie de convivência exigida em lei (duradoura, pública e contínua, estabelecida com o objetivo de constituição de família).

As Câmaras especializadas desta Corte, em matéria de família, vem assim entendendo:

“UNIÃO ESTÁVEL. COMPROVAÇÃO. LAPSO TEM-PORAL. O fato de ter sido casado não afasta a possibilidade de se re-conhecer a união estável concomitante à separação de fato, desde que comprovada a affectio maritalis e o ânimo de constituir família com a companheira, havendo prova consistente nesse sentido. A Lei não estabelece período de tempo para essa convivência, sendo irrelevante se não atingiu o período de cinco anos. RECURSO DESPROVIDO.” (APC n.º 70 001 584 176 – 7.ª C. Cível do TJRGS – Rel. Des. Sérgio Fernando de Vasconcellos Chaves – j. 01.11.00) – (grifei).

“UNIÃO ESTÁVEL. RELAÇÃO QUE ABRANGE ETA-PA EM QUE O VARÃO ESTAVA CASADO. PERÍODO POSTERIOR IN-CONSTANTE. DESCABIMENTO. PRAZO DE DURAÇÃO. Embora não se estigmatize a relação que se desenvolve quando casado o varão, e que pode gerar efeitos em alguns casos, é fundamental que a união seja duradoura e contínua. A existência de prazo inferior a cinco anos não desfigura a possibilidade de reconhecimento da união, admitindo-se prazo menor. APELO DESPROVIDO.” (APC n.º 70 000 285 106 – 7.ª C. Cível do TJRGS – Rel. Des. José Carlos Teixeira Giorgis – j. 12.04.00) – (grifei).

“UNIÃO ESTÁVEL. ALIMENTOS. O direito aos alimentos entre companheiros nasce do art. 226, par. 3.º, da CF. Desnecessidade, para sua solicitação, do cumprimento do requisito temporal de cinco anos de união estável antes da revogação parcial da Lei 8971/94 pela Lei 9278/96. EMBARGOS IMPROVIDOS.” (EMI n.º 597 104 090 – 4.º Grupo Cível do TJRGS – Rel. Des. Breno Moreira Mussi – j. 10.10.97) – (grifei).

Ora, em assim sendo, se o novo diploma legal, que veio a regular o instituto da união estável previsto na Carta Política (§ 3.º, do art. 226), não mais exige prazo para o seu reconhecimento, não há como entender possa prevalecer aquela anacrônica regra inserta na Lei Previdenciária Estadual (Lei n.º 7.672/82) que o exige para fins de reconhecer a dependência da mulher como companheira do segurado.

Registre-se, ademais, como já consignado acima, que a prova dos autos revela ter havido união duradoura, pública e contínua, por vários a-nos, entre a autora e o segurado. Tal conclusão se extrai, por exemplo, da escritura pública de fls. 43, bem como da declaração de fls. 76, prestada pela filha do segurado, Sra. Lúcia Helena Almeida Machado, ao declarar, em data de 08.01.03, ter conhecimento que seu pai e a ora autora viveram maritalmente por mais de dez anos. Nos autos, ainda, a fls. 69, uma correspondência datada de 05.04.97, endereçada ao segurado e à autora, remetida por uma amiga comum que se encontrava em férias na Europa, dando conta de que, desde então, Paulo e Marione viviam como marido e mulher e sob o mesmo teto, à Rua dos Andradas, 393/32, nesta Capital.

Ademais, a morte da esposa do segurado (falecida em 1994), em princípio e por si só não desmerece a alegação de vida more uxorio entre a autora e o segurado há mais de dez anos, pois tal relacionamento bem poderia ter iniciado na constância do casamento.

Com estas considerações, somadas àquelas expendidas pela Magistrada de primeiro grau em sua sentença, e rogando a máxima vênia aos eminentes pares, é que nego provimento ao apelo e confirmo, em reexame conhecido de ofício, a sentença a quo.

É como voto.

DES. HENRIQUE OSVALDO POETA ROENICK – Presidente – Apelação Cível nº 70008622714, Comarca de Porto Alegre: “PROSSEGUINDO NO JULGA-MENTO, PROFERIU VOTO O PRESIDENTE, COM A SEGUINTE DECISÃO FINAL: POR MAIORIA, DERAM PROVIMENTO AO APELO, RESTANDO PREJUDICADO O REEXAME CONHECIDO DE OFÍCIO, VENCIDO O PRESI-DENTE QUE DESPROVEU E CONFIRMOU A SENTENÇA EM REEXAME CONHECIDO DE OFÍCIO .”

Julgadora de 1º Grau: ROSANA BROGLIO GARBIN

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!