Combate à inércia

STF tem dado ao Mandado de Injunção papel decorativo

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18 de abril de 2006, 7h00

A construção do Estado Democrático de Direito como meio garantidor dos direitos fundamentais está intimamente ligada à idéia de efetividade irrestrita das normas constitucionais. Definitivamente não é mais concebível a atuação de normas desprovidas de qualquer aplicabilidade. Estas devem sim guardar direta correlação com os anseios sociais e visando implementar melhores condições da coexistência humana.

Partindo de idéias aparentemente inconciliáveis, o Estado Democrático de Direito surge como ponto inicial da interdependência necessária entre soberania popular e direitos fundamentais. Adotando a concepção de nexo interno entre soberania popular e direitos humanos e intersubjetivismo das relações sociais, o Estado tende a se humanizar e servir como instrumento respeitado, e não meramente imposto, para a regulação da vida em coletividade.

Buscando atender aos interesses da sociedade, atribuindo maior carga de efetividade às normas constitucionais, a Constituição da Republica Federativa do Brasil de 1988 introduziu dois instrumentos para lidar com as omissões normativas: (i) a Ação Direta de Inconstitucionalidade por omissão e (ii) o Mandado de Injunção. O Mandado de Injunção tem por escopo assegurar aos jurisdicionados a tutela de direitos constitucionalmente assegurados, mas que em princípio se mostram inexeqüíveis em virtude da inércia do poder público. O Mandado de Injunção pressupõe a inexistência de normas regulamentadoras de direito assegurado na Carta da República.

Há de ser ressaltado que o Mandado de Injunção visa disseminar cidadania, pretendendo-se com sua criação abrir caminho para superar a inércia do poder constituinte derivado em favor da efetivação do exercício dos direitos constitucionalmente consagrados. Aliás, sobre os óbices que sempre foram instituídos para frenagem do exercício dos direitos fundamentais, pronunciou-se Carlos Roberto Siqueira Castro, afirmando com enorme lucidez que “há uma espécie de tradição institucional perversa em nossa história, consistente na sistemática sonegação das condições de exercício de direitos constitucionalmente consagrados, pelo expediente de paralisia das instancias regulamentadoras — ou, quando menos, da lentidão e da insuficiência da regulamentação congressual” (A Constituição Aberta e os Direitos Fundamentais. Editora Forense, Rio de Janeiro, 2003, 1ª Edição, página 728).

Não obstante a importância do Mandado de Injunção, infelizmente o Supremo Tribunal Federal lhe tem reservado um papel meramente decorativo no âmbito das ações constitucionais, deturpando completamente o objetivo da criação desse writ. Ao invés de atribuir carga de concretude a normas constitucionais de eficácia limitada, o Poder Judiciário tem se posicionado pela inócua constituição em mora do poder regulamentador. Funda-se o Supremo Tribunal Federal no princípio da separação de poderes e da democracia para não entregar a tutela jurisdicional efetiva ao jurisdicionado lesionado pela inércia da atividade legislativa infraconstitucional.

Parece se esquecer o Supremo Tribunal Federal de que a jurisdição constitucional é uma instância de poder contra-majoritário, visando coadunar a soberania popular consistente no exercício dos direitos políticos positivos com a defesa dos direitos fundamentais. Nas palavras de Gustavo Binebojm, “a jurisdição constitucional é, portanto, uma instância de poder contra-majoritário, no sentido de que sua função é mesmo a de anular determinados atos votados e aprovados, majoritariamente, por representantes eleitos. Nada obstante, entende-se, hodiernamente, que os princípios e direitos fundamentais, constitucionalmente assegurados, são, em verdade, condições estruturantes e essenciais ao bom funcionamento do próprio regime democrático. Assim, quando a Justiça constitucional anula leis ofensivas a tais princípios ou direitos, sua intervenção se dá a favor e não contra a democracia. Esta a fonte maior de legitimidade da jurisdição constitucional” (A nova jurisdição constitucional brasileira. Legitimidade democrática e instrumentos de realização. Editora Renovar, Rio de Janeiro, 2004)

Sem qualquer sombra de dúvidas, a entrega de tutela jurisdicional substitutiva em caso concreto ao postulante que não pode exercer eficazmente seu direito constitucionalmente assegurado em virtude da omissão de edição de norma regulamentadora não afeta o princípio democrático, já que está em cabal congruência com o pretendido pelo poder constituinte originário. A ratio da norma constitucional era justamente, em homenagem ao princípio democrático, possibilitar o exercício pleno e irrestrito dos direitos fundamentais.

Fatalmente também deve ser superada a visão ultrapassada — típica das revoluções burguesas do século XVIII — de rígida separação de poderes. O Estado moderno, que acaba de assumir sua vertente gerencial, não pode mais conviver com três centros de poder absolutamente estanques. Afinal, a consagração da interdependência e harmonia entre os poderes deflagra o checks and balances, permitindo sim que uma atuação omissiva do legislador seja sanada concretamente a favor do jurisdicionado por meio de uma decisão judicial.

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