Vigia assassinado

Empresa responde pelos danos causados ao trabalhador

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18 de abril de 2006, 14h20

Empresa responde pelos danos causados ao trabalhador, quando deixa de fornecer as necessárias condições de segurança. O entendimento é da 2ª Câmara do Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região (Campinas, SP), que condenou a Gurgel Motores, já falida, a pagar R$ 200 mil como indenização para a família de um funcionário morto, mais pensão mensal no valor de dois salários mínimos. Cabe recurso.

O vigilante foi assassinado durante um assalto na empresa, no ano de 2000. Segundo testemunhas, ele não tinha uma arma de fogo para fazer a segurança e eram freqüentes as denúncias de furto no local. Para se defenderem, os vigias tinham de usar pedaços de pau e faroletes na ronda noturna e diurna. Além disso, a portaria da empresa era iluminada com velas e diversas vezes os vigilantes eram ameaçados de morte por assaltantes. Cerca de 40 boletins de ocorrência foram lavrados, mas a polícia nunca comparecia ao local.

Depois do incidente, os cinco herdeiros do trabalhador entraram com ação na Justiça cível, pedindo o pagamento de pensão e indenização por danos morais. Alegaram que a morte do pai ocorreu por culpa exclusiva da empregadora, que agiu com negligência e foi omissa. Para se defender, a empresa alegou que a contratação do funcionário não foi válida porque não tinha sido feita de forma legal.

A primeira instância negou o pedido. A família recorreu ao Tribunal de Justiça de São Paulo. O parecer do Ministério Público paulista foi favorável aos autores, mas com a Emenda Constitucional 45, que ampliou a competência da Justiça do Trabalho, o processo foi encaminhado para o TRT de Campinas.

“Os autos demonstram que houve inequívoco vínculo empregatício com a ré, cuja condição de massa falida não impede a condição de empregadora”, fundamentou a juíza Tereza Aparecida Asta Gemignani, relatora do recurso. Para ela, ficou comprovado que o empregado foi morto por disparo de arma de fogo durante jornada de trabalho, nas dependências da antiga fábrica.

“Evidencia de maneira clara a conduta negligente e imprudente da ré ao contratar, como vigias, trabalhadores sem nenhum preparo, nenhum treinamento, sem conceder-lhes equipamento de proteção, e sem propiciar-lhes condições mínimas de segurança, mantendo-os numa situação de extrema e inaceitável precariedade. Numa sociedade pautada pelo Estado de Direito, é absolutamente inadmissível e inaceitável que, para receber um salário de R$330 (necessário para não morrer de fome), alguém tenha que trabalhar nas condições a que era submetido o falecido. A negligência, a imprudência, o pouco caso com o valor da vida humana é flagrante, ofuscante”, concluiu a juíza.

Processo 02177-2005-010-15-00-9 RO

Leia a íntegra da decisão

ACÓRDÃO

Procedimento sumaríssimo — Lei 9.957/2000

RECURSO ORDINÁRIO

PROCESSO TRT/15ª REGIÃO Nº 02177-2005-010-15-00-9

ORIGEM — VARA DO TRABALHO DE RIO CLARO

RECORRENTE: SONIA BISCARO PERES

RECORRENTE: MARCEL ANTONIO DE JESUS PERES

RECORRENTE: SANTIAGO PASQUETTE PERES NETO

RECORRENTE: WEBSTER JOSÉ PERES

RECORRENTE: SIMONE APARECIDA PERES

RECORRIDO: GURGEL MOTORES S.A. MASSA FALIDA

EMENTA- NEGLIGÊNCIA E IMPRUDÊNCIA-CONFIGURAÇÃO DE CULPA – INDENIZAÇÃO

Ao deixar de propiciar as necessárias condições de segurança, para que o empregado possa executar seu trabalho, o empregador responde por culpa, em virtude de imprudência e negligência, arcando também com o dano moral decorrente da intensidade da omissão e descaso pelo valor da vida humana. – inteligência dos incisos V do artigo 5º e incisos XXII e XXVIII do artigo 7º- CF/88-

Inconformados com a r. sentença de fls.204 a 211, que julgou a ação improcedente, recorrem os autores ( fls. 213 a 219), alegando que a culpa da ré foi comprovada, de modo que é devida a pensão pleiteada, bem como o pagamento da indenização por danos morais.

Contra-razões pela ré ( fls. 221/222)

Parecer do Ministério Público do Estado de São Paulo pelo provimento ( fls 233 a 235)

Remetido pela Justiça Comum Estadual a esta Especializada em cumprimento a EC 45/2004 ( fls 243 a 254)

V O T O

Presentes os pressupostos de admissibilidade, decido conhecer.

Inicialmente, é preciso registrar ser insustentável a alegação defensiva de que a contratação do de cujus não pode ser reconhecida, por não ter sido realizada pelo síndico, mas por seu “preposto”. Os autos demonstram que houve inequívoco vinculo empregatício com a ré, cuja condição de massa falida não impede a condição de empregadora, como reconheceu a decisão cuja cópia foi colacionada de fls. 185 a 189.

A prova documental revela que Dorazir Marcolino Peres, marido e pai dos autores, foi morto por disparo de arma de fogo em 22/12/2000 ( fls 89/90), durante a jornada de trabalho, quando se ativava como vigia, nas dependências da antiga fábrica da ré.

Em audiência, Luiz Antonio Bortolin, confirmou que foi ele quem indicou o de cujus ao Dr. Jaime, que o contratou para trabalhar como vigia, no período das 18h00 às 07h00, com o salário de R$ 330,00. Explicou que “não utilizavam armas para fazer a segurança e eram freqüentes os furtos no local, em razão da extensão da área. O depoente e outros vigias utilizavam pedaços de pau e faroletes na ronda noturna e diurna”. Esclareceu, também, que “a portaria era iluminada com velas;os vigias foram diversas vezes ameaçados por assaltantes, consignando o depoente que certa vez meliantes escreveram na parede da fábrica frases ameaçadoras do tipo ‘vocês vão morrer’, ‘vou voltar para matar vocês’…. todos os vigias, por diversas vezes, defrontaram-se com meliantes no local, sendo que era muito freqüente o furto dos objetos que estavam no interior da fábrica” (fls 137)

Miguel Antonio Clemente, a 2ª testemunha, confirmou expressamente que o “vigias não fizeram qualquer curso de defesa pessoal, tão pouco receberam qualquer instrução da ré no tocante a treinamentos de defesa pessoal… o local a ser vigiado tinha aproximadamente 45 mil metros e…. não tinha iluminação… sabe que Dorazir e Horácio receberam ameaças dos assaltantes” ( fls 139)

Sidnei Casale, 3º a depor, fez referência aos mesmos fatos, explicando que “foram lavrados mais de quarenta boletins de ocorrência de furto e roubo, sendo que muitas vezes a polícia não comparecia no local em razão do número de vezes em que era acionada…nenhum dos vigias era registrado e todos foram contratados verbalmente.” Esclareceu que “tinha ciência das condições de trabalho que iria exercer, entretanto não tinha conhecimento dos riscos, esclarecendo que no início não existiam tantos furtos e a situação piorou com o passar do tempo.” ( fls 141/142- g.n.).

A prova documental de fls 145 a 148 é eloqüente ao revelar a extrema precariedade em que se desenvolviam os trabalhos dos vigias, sem condições elementares. Há pedido de “fornecimento de pilhas para lanternas”, “veículo com combustível para rondas”, alerta quanto a intensificação dos ataques à noite, em virtude da proximidade da realização do leilão dos bens da massa falida, situação que se agravava dia a dia, antes da morte de Dorazir Marcolino Peres, e que se constituía em fato público e notório, divulgado pela imprensa local da cidade, de sorte que a ré deles tinha cabal conhecimento.

A prova dos autos é robusta.

Contundente.

Evidencia de maneira clara a conduta negligente e imprudente da ré ao contratar, como vigias, trabalhadores sem nenhum preparo, nenhum treinamento, sem conceder-lhes equipamento de proteção, e sem propiciar-lhes condições mínimas de segurança, mantendo-os numa situação de extrema e inaceitável precariedade. Para tanto, irrelevante a distinção apontada na origem, quanto as diferenças do trabalho do vigia e vigilante, pois tais obrigações patronais também são exigíveis em relação ao trabalho dos vigias, constituindo-se em dever de todo empregador providenciar a “redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de saúde, higiene e segurança”, conforme dispõe expressamente nossa Lei Maior ( inciso XXII do artigo 7º da CF/88)

Nem mesmo quando as situações de perigo se intensificaram, como demonstram os fatos amplamente divulgados pela imprensa local, conforme documentação colacionada aos autos, a ré tomou qualquer atitude que pudesse minimizar os riscos a que expunha seus trabalhadores, deixando de tomar as precauções necessárias para garantir a segurança de seus empregados.

Numa sociedade pautada pelo Estado de Direito, é absolutamente inadmissível, e inaceitável, que para receber um salário de R$ 330,00, necessário para não morrer de fome, alguém tenha que trabalhar nas condições a que era submetido o de cujus.

A negligência, a imprudência, o pouco caso com o valor da vida humana é flagrante, ofuscante. A prática de ato ilícito, por culpa, em virtude de manifesta imprudência e negligência, se revela em todas as folhas destes autos, onde esta cabalmente demonstrado não só que o resultado danoso era previsível para a ré, bem como que sua conduta omissiva expôs o empregado Dorazir Marcolino Peres a riscos extraordinários, excessivos, que extrapolavam os inerentes a função de vigia, para a qual foi contratado. Deste modo, não há nenhuma dúvida quanto a existência de nexo causal, entre a conduta omissiva ilícita da ré e o dano provocado aos autores, esposa e filhos do empregado morto. Ressalte-se, ter o próprio representante legal da ré reconhecido que poderiam ser chamados “auxiliares para guarda e vigilância dos bens da massa”(fls 161/162), atitude que não foi tomada, sendo que o fato dos vigias terem recebido orientação para “evitar confronto com os bandidos” e recebido um telefone celular para “comunicar a polícia” chega a ser pueril, até mesmo sob a ótica do senso comum, considerando as comprovadas condições em que Dorazir foi morto, não elidindo em nenhum momento a culpabilidade da ré.

Por tais razões, com espeque no artigo 159 do Código Civil de 1916, que estava em vigor na época dos fatos, cuja diretriz foi também adotada pelo artigo 186 do NCC/2002 e, principalmente, com fundamento nos incisos XXII e XXVIII do artigo 7º, bem como inciso I do artigo 5º, ambos da CF/88, a ré deve responder por culpa, em decorrência de omissão voluntária, imprudência e negligência, arcando com a devida reparação dos danos causados.

Assim sendo, decido dar provimento parcial para julgar a ação procedente em parte, deferir os pedidos 1 e 2 da inicial em montante a ser apurado em liquidação, considerando-se para fins de pensão mensal o valor de 2 (dois) salários-mínimos, face a prova dos autos e o valor vigente á época dos fatos, observando-se o disposto no artigo 602 do CPC, quanto a constituição de capital necessário para assegurar o cabal cumprimento desta obrigação.

Para fins de indenização por dano moral, considerando a comprovada atitude de descaso e negligência, a intensidade da omissão, a imperiosa necessidade pedagógica de alertar a ré para o valor da dignidade do ser humano, e para a dor que acarreta a perda da vida de um pai de família, arbitro a indenização no valor de R$ 200.000,00 (duzentos mil reais).

O deslocamento de competência exige a aplicação da lei 5.584/70, que disciplina a questão dos honorários advocatícios nesta Justiça Especializada, afastando a incidência da Súmula 234 do STF. Assim tal condenação só pode ser acolhida quando presentes os requisitos ali estabelecidos, notadamente quanto a assistência sindical, conforme entendimento esposado pela jurisprudência dominante, consubstanciado nas Súmulas 219 e 329 do C. TST. Como tal não restou configurado nestes autos, julgo improcedente o pedido quanto ao pagamento de honorários advocatícios.

Face a natureza indenizatória, não há incidências tributárias, nem fiscais ( leis 8.541/92 e 8.212/91)

Juros e correção monetária nos termos do artigo 883 da CLT e lei 8.177/91, com observância da súmula 200 do C. TST, face a natureza trabalhista da matéria nos termos da EC 45/2004, bem como da lei de falências quanto aos juros.

ISTO POSTO decido conhecer, dar provimento parcial, julgar a ação procedente em parte para deferir os pedidos 1 e 2 da inicial, em montante a ser apurado em liquidação, considerando-se para fins de pensão mensal o valor de 2(dois) salários-mínimos e o disposto no artigo 602 do CPC, bem como a indenização arbitrada no valor de R$ 200.000,00 para reparação dos danos morais, acrescida de juros e correção monetária, tudo nos termos da fundamentação.

Custas no importe de R$ 4.000,00 calculadas sobre o valor ora arbitrado à condenação em R$ 200.000,00 pela ré, em reversão, observando-se a Súmula 86 do C. TST.

JUÍZA TEREZA APARECIDA ASTA GEMIGNANI

Relatora

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