Declínio do rei

Acordo com investidor pode salvar músicas de Michael Jackson

Autor

  • Nehemias Gueiros Jr

    é advogado especializado em Direito Autoral Show Business e Internet professor da Fundação Getúlio Vargas-RJ e da Escola Superior de Advocacia — ESA-OAB/RJ consultor de Direito Autoral da ConJur membro da Ordem dos Advogados dos Estados Unidos e da Federação Interamericana dos Advogados – Washington D.C. e do escritório Nelson Schver Advogados no Rio de Janeiro.

18 de abril de 2006, 14h02

Ele já foi o maior artista da Terra, lLiteralmente. Nos gloriosos tempos de Thriller (1984), considerado o álbum que mais vendeu na história da música gravada, Michael Jackson era definitivamente o “Rei do Pop”. Seus discos vendiam aos milhões em todo o mundo e sua carreira parecia não conhecer limites de sucesso.

Outrora dono de uma fortuna que chegou a ser avaliada em US$ 2 bilhões, Jackson colecionou simultaneamente momentos de extrema glória e instantes de incompreensível exotismo, com suas manias extravagantes de prodigalidade e reprovável comportamento pessoal. Uma de suas aquisições mais importantes nos tempos áureos — um catálogo musical que inclui cerca de 200 canções dos Beatles, adquirido em 1985 — vai mudar de mãos novamente, para evitar a falência financeira do cantor.

A luta de Michael Jackson contra o fracasso já dura alguns anos e foi recrudescida com as denúncias de assédio sexual a crianças e um rumoroso julgamento na Califórnia em 2005, que poderia tê-lo trancafiado por até 25 anos numa cela de prisão. Em função principalmente dos exorbitantes honorários cobrados por um verdadeiro esquadrão de advogados que o assistiu (estima-se que ele tenha pago cerca de US$ 120 milhões de honorários), além de seus hábitos perdulários quando vai às compras, Michael Jackson teve de recorrer a empréstimos bancários junto ao Bank of America, dando como garantia os seus 50% de participação nos direitos autorais de um valorizado catálogo musical adquirido há 20 anos.

Jackson nunca modificou seu extravagante estilo de vida mesmo quando seus discos pararam de vender como antes, nos tempos do sucesso global. Seu pomposo rancho na Califórnia, denominado Neverland, que possui um parque de diversões completo, quase foi fechado no ano passado, após uma denúncia coletiva de seus empregados por falta de pagamento de salários.

As negociações para refinanciar a dívida com o Bank of America, que já alcança US$ 270 milhões, estão em andamento há pelo menos um ano. No ano passado, o banco vendeu os empréstimos ao Fortress Investment Group, uma empresa sediada em Nova Iorque especializada em adquirir dívidas para depois revendê-las. O catálogo musical objeto da garantia (Sony/ATV) vale hoje cerca de US$ 1 bilhão, dos quais Michael Jackson possui 50% e a Sony Music Publishing a outra metade.

O grupo financeiro novaiorquino concordou em adiantar mais US$ 300 milhões ao cantor em troca de uma opção de compra pela Sony de 25% de sua parte nos próximos dois anos. Desta forma, se a Sony exercer sua opção contratual, Michael Jackson estaria em condições de pagar as altas prestações mensais de sua dívida bancária. Entretanto, executivos próximos ao negócio informaram esta semana que o acordo ainda não foi assinado e existe até a possibilidade dele não acontecer, devido às pressões do artista e seus advogados.

O acordo vem sendo costurado em várias partes do mundo, envolvendo diversos escritórios de advocacia de Los Angeles, Nova Iorque, Londres e até do Bahrain, onde Michael Jackson está vivendo atualmente como hóspede do Sheik Abdullah, filho do monarca daquele país árabe.

Há vários anos, diversas personalidades da alta sociedade americana vêm tentando ajudar Michael Jackson a resolver sua complicada situação financeira. O empresário Alvin Malnik da Flórida e bilionário californiano Ronald W. Burkle e suas sugestões aconselham o cantor para voltar a excursionar pelo mundo e levantar dinheiro enquanto ainda possui uma grande base de fãs e entusiastas.

A Sony, por sua vez, tem vivo interesse em manter Michael Jackson solvente, pois se o grupo Fortress resolver executar o empréstimo, a parte do artista no catálogo musical pode ir a leilão por força da legislação falimentar americana e a empresa japonesa se veria obrigada a dividir com terceiros o controle do acervo que há anos tenta adquirir.

Mas o esperado acordo, que pode aliviar os altos juros pagos por Jackson todos os meses (cerca de 20%), continua trilhando caminhos turbulentos. A Prescient Capital, uma empresa de New Jersey que prestou assistência financeira ao cantor no contrato com a Fortress, ajuizou processo contra ele por falta de pagamento de honorários, o que acabou levando Jackson a finalmente ter de abrir mão de parte dos direitos autorais sobre o valioso catálogo de que é titular.

O catálogo da ATV, adquirido por R$ 47,5 milhões em 1985, contém cerca de 4 mil músicas, entre elas mais de 200 canções dos Beatles e as negociações em torno de sua compra também foram rumorosas naquela época, tendo Michael Jackson superado vários grandes executivos da indústria fonográfica além do próprio dono da ATV, o rico empresário australiano Robert Holmes à Court.

Em 1995, já começando a experimentar problemas financeiros devido à queda nas vendas de seus discos e à extrema prodigalidade de seus gastos pessoais, o cantor concordou em fundir seu catálogo ATV com o braço editorial musical da Sony (Sony Music Publishing), em troca de participação em novas obras do catálogo da editora. Excelente negociação engendrada pelos advogados do cantor, que assim garantiu mais um quinhão de royalties na utilização futura das obras envolvidas.

Além das valiosas músicas dos Beatles, o catálogo ainda contém sucessos como Blowin’ in the Wind de Bob Dylan, Sweet Caroline, de Neil Diamond e E-Pro de Beck e de outros artistas, como Sarah McLaughlan, Destiny’s Child, Garth Brooks, Roy Orbison e Hank Williams. Mas o futuro não reservaria bons ventos para o famoso artista, hoje em busca de salvar o patrimônio que ainda lhe resta.

De toda sorte, é uma pena assistirmos mais uma vez a esse filme da ascensão e queda de uma grande estrela do entretenimento, fato que vai se tornando cada vez mais comum. Na semana passada, depois de pelo menos cinco anos longe da ribalta, a cantora Whitney Houston, um dos maiores sucessos musicais do mundo há duas décadas, reapareceu abatida, reconhecendo um vício de drogas e anos de abuso físico de seu marido Bobby Brown em sua mansão em Atlanta.

Mesmo reconhecendo a dificuldade de fazer sucesso num mundo tão volátil e vertiginoso como o atual, é certo que o mais difícil é manter-se no topo. Se for assinado o acordo entre Michael Jackson e seus investidores, ao menos restará preservada uma jóia rara do mercado fonográfico, composta pelas milhares de canções que encantaram — e continuarão a encantar — as nossas vidas nos últimos 40 anos, impedindo sua pulverização e dispersão por meio da revenda a terceiros unicamente interessados em obter lucro fácil e rápido no mercado do show business.

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    é advogado especializado em Direito Autoral, Show Business e Internet, professor da Fundação Getúlio Vargas-RJ e da Escola Superior de Advocacia — ESA-OAB/RJ , consultor de Direito Autoral da ConJur, membro da Ordem dos Advogados dos Estados Unidos e da Federação Interamericana dos Advogados – Washington D.C. e do escritório Nelson Schver Advogados no Rio de Janeiro.

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