Catimba em excesso

Ponte Preta é condenada a pagar salário atrasado de jogador

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17 de abril de 2006, 13h12

Em caso de atraso de pagamento de salário de atleta profisisonal deve-se aplicar a Lei 9.615/98, a chamada Lei Pelé, que regulamenta a atividade esortiva no país, e não simplesmente a CLT. Com base neste entendimento, a 6ª Câmara do Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região (Campinas, SP), condenou a Ponte Preta, clube de futebol de Campinas, a pagar multa rescisória e indenização a seu ex-jogador Fabrício de Carvalho Silva. Atualmente o atleta joga no São Caetano.

Sob alegação de atraso nos pagamento dos salários, o atleta entrou com reclamação trabalhista pedindo, além da multa, o pagamento das férias do período de 1998 a 2002, 13º salário e o FGTS — Fundo de Garantia por Tempo de Serviço. Para se defender, o clube alegou que não houve atraso e que todas as verbas tinham sido quitadas. A primeira instância não acolheu o argumento e a Ponte Preta recorreu ao TRT.

“Não resta a menor sombra de dúvida que o clube, por conta da demora no pagamento salarial, deu causa à rescisão contratual”, entendeu o relator, juiz Samuel Hugo Lima. O juiz constatou que somente no dia em que o atleta entrou com a reclamação trabalhista é que os salários dos meses de junho e julho de 2003 foram depositados, além de ter sido pago parcialmente o salário do mês de agosto.

Ficou comprovado, ainda, que os cheques para o pagamento foram devolvidos por insuficiência de fundos. Portanto, na data do ajuizamento da ação a mora salarial era superior a três meses. Além disso, a Ponte Preta não apresentou os recibos de pagamento do 13º salário e das férias vencidas.

O relator esclareceu que o artigo 31 da Lei 9.615/98 prevê que, em caso de atraso no pagamento de salário de atleta profissional, superior a três meses, o contrato de trabalho será rescindido, ficando o atleta livre para se transferir para qualquer outra agremiação de mesma modalidade, nacional ou internacional, e exigir a multa rescisória e os haveres devidos.

“Conforme se pode perceber, a Ponte Preta, tanto na primeira instância, quanto na fase recursal, abusou da ‘catimba’, fazendo pouco caso do Judiciário, alterando a verdade dos fatos, além de interpor recurso protelatório, devendo ser condenada por litigância de má – fé. Assim agindo, não só praticou ato contra a dignidade da justiça, como também impediu a execução de verbas devidas, causando sérios prejuízos financeiros para o atleta”, fundamentou Hugo Lima.

Além da multa rescisória, a Ponte Preta foi condenada a pagar multa de 1%, mais indenização de 20%, ambas sobre o valor da causa — R$50 mil.

Processo 02030 – 2003 – 053 – 15 – 00 – 5 RO

Leia a íntegra da decisão

ACÓRDÃO Nº

PROCESSO TRT/15ª REG. Nº 02030 – 2003 – 053 – 15 – 00 – 5

RECURSO ORDINÁRIO – 3ª TURMA – 6ª CÂMARA

1o RECORRENTE: FABRÍCIO DE CARVALHO SILVA

2o RECORRENTE: ASSOCIAÇÃO ATLÉTICA PONTE PRETA

ORIGEM: 4a VARA DO TRABALHO DE CAMPINAS

EMENTA – ATLETA PROFISSIONAL DE FUTEBOL. MORA SALARIAL. RESCISÃO INDIRETA. CLÁUSULA PENAL INDEVIDA. MULTA RESCISÓRIA. INTELIGÊNCIA DOS ARTIGOS 28 E 31 da Lei 9.615/98.

O Legislador, ao editar a chamada “Lei Pelé”, restringiu a multa rescisória, nas hipóteses de mora salarial, ao montante previsto no art. 479 da CLT. Em momento algum, no art. 28 do referido Estatuto, estabeleceu cláusula penal adicional. Pelo contrário, a cláusula penal prevista no art. 28 objetiva, apenas e tão – somente, compensar o investimento feito pelo clube no jogador, bem como indenizar os lucros cessantes de um atleta que daria, até o final do contrato, vantagens financeiros para o clube. Além disso, o § 5o do art. 28, ao prever que a limitação não se aplica às transferências internacionais, deixou ainda mais claro que a cláusula penal está ligada apenas às transferências unilaterais do jogador antes do final do contrato.

Indevida, assim, a cláusula penal.

Vistos etc…

Inconformadas com a r. sentença de fls. 156/161, complementada à fl. 181, que julgou os pedidos parcialmente procedentes, recorrem as partes. O reclamante, no recurso ordinário de fls. 167/177, alegando que tem direito à cláusula penal prevista no contrato, em decorrência do descumprimento do contrato por parte da reclamada. A reclamada, por intermédio do recurso ordinário de fls. 187/193, alega em apertada síntese: deve ser revogada a antecipação da tutela; não ocorreu mora salarial, pois já pagou os salários atrasados; foram gozadas as férias do período 1998/2002; foram quitados o 13o salário proporcional e o FGTS; como não deu causa à rescisão contratual, não deve pagar a multa rescisória.

Contra – razões às fls. 196/201 e 202/205.

Em cumprimento ao decidido pelo Egrégio Tribunal Pleno, na sessão realizada no dia 16/12/04, foram – me distribuídos, no dia 07/01/05, mil processos, dentre os quais o presente, fixando ainda prazo de um ano para julgamento, respeitados os períodos de férias.


É o relatório.

V O T O

1. – Conheço dos recursos ordinários, pois foram atendidos os pressupostos de admissibilidade.

2. – A r. sentença deve ser integralmente mantida.

2.1 – Recurso da reclamada

Antes de examinar o recurso obreiro, deverá ser analisado o recurso da reclamada, a fim de que se verifique quem deu causa à rescisão contratual.

Não resta a menor sombra de dúvida que a reclamada, por conta da mora salarial, deu causa à rescisão contratual. Com efeito, por coincidência ou não, a reclamada, no dia da propositura da presente reclamação trabalhista (07/10/03), depositou na conta corrente do reclamante os salários referentes aos meses de junho e julho/03 (fls. 130/132), sendo que o do mês de agosto/03 foi parcialmente depositado (fl. 128), sendo que o reclamante não impugnou tais documentos na réplica (fls. 147/155). Além disso, é oportuno salientar que os cheques referentes a tais salários foram anteriormente devolvidos por insuficiência de fundos (fls. 33/35). Portanto, na data da propositura da reclamatória, já estava mais do que caracterizada a mora salarial, superior a três meses.

Logo, não se pode negar, de forma séria, a aplicação do disposto no art. 31 da Lei nº 9.615/98, cuja redação é a seguinte:

“A entidade de prática desportiva empregadora que estiver com pagamento de salário de atleta profissional em atraso, no todo ou em parte, por período igual ou superior a três meses, terá o contrato de trabalho daquele atleta rescindido, ficando o atleta livre para se transferir para qualquer outra agremiação de mesma modalidade, nacional ou internacional, e exigir a multa rescisória e os haveres devidos”.

Assim, deve ser mantida a liberação do vínculo decretada na r. sentença, não havendo como se falar, seriamente, na revogação da antecipação da tutela. Além disso, também é devida a multa rescisória fixada na origem.

Também não pode ser acolhido o tópico recursal que alega que já pagou os salários, o que implicaria “responder por obrigação já extinta” (fl. 192). Primeiro, porque em relação ao salário de agosto/03, a própria contestação reconheceu o pagamento parcial (cfr. fl. 124). Além disso, em relação aos valores depositados, a r. sentença, de forma clara e expressa, autorizou “as deduções daquilo que, no processo de conhecimento, foi comprovadamente pago” (fl. 160); apesar da meridiana clareza da r. sentença, a reclamada opôs os embargos de declaração de fls. 164/166 alegando omissão em relação ao pedido de compensação, tendo o MM. Juiz, de forma elegante, consignado o seguinte à fl. 181: “Cumpre a embargante, por seus patronos, verificar, com atenção, o teor disposto no julgado, especialmente o dispositivo (3o parágrafo)”; mesmo assim, eis que a reclamada recorre, alegando injustiça do julgado em relação ao saldo salarial. Lamentável.

O acima dito também se aplica ao FGTS, pois na liquidação da sentença verificar – se – á se os depósitos (que também serão considerados na liquidação), efetuados no dia da distribuição (cfr. fls. 142/143) também foram, ou não, suficientes.

Em relação ao 13o salário proporcional e férias vencidas, em momento algum a reclamada juntou recibos, sendo que seu era o ônus de provar tal fato extintivo (art. 333, II, CPC).

Conforme se pode perceber, a reclamada, tanto na primeira instância, quanto na fase recursal, abusou da “catimba”, fazendo pouco caso do Judiciário, alterando a verdade dos fatos e deduzindo pretensões contra fatos incontroversos, além de interpor recurso manifestamente protelatório, devendo assim ser reputado litigante de má – fé (art. 17, I, II e VII, CPC). Assim agindo, não só praticou ato atentatório contra a dignidade da justiça, como também impediu a execução definitiva de verbas manifestamente devidas, causando sérios e adicionais prejuízos financeiros para o reclamante. Por via de conseqüência, com amparo no art. 18 do CPC, condeno a reclamada a pagar: a) multa de 1% sobre o valor da causa atualizado; b) indenização correspondente a 20% do valor da causa; c) honorários advocatícios de 15% sobre o “quantum debeatur”.

2.2 – Recurso do reclamante

Persiste o reclamante no recebimento da cláusula penal fixada no “contrato de trabalho de atleta profissional de futebol” de fl. 29, no valor de R$ 13.650.000,00.

Inicialmente, convém transcrever os artigos 28 e 31 da Lei nº 9.615/98:

“Art. 28. A atividade do atleta profissional, de todas as modalidades desportivas, é caracterizada por remuneração pactuada em contrato formal de trabalho firmado com entidade de prática desportiva, pessoa jurídica de direito privado, que deverá conter, obrigatoriamente, cláusula penal para as hipóteses de descumprimento, rompimento ou rescisão unilateral.

§ 1o Aplicam – se ao atleta profissional as normas gerais da legislação trabalhista e da seguridade social, ressalvadas as peculiaridades expressas nesta Lei ou integrantes do respectivo contrato de trabalho.


§ 2o O vínculo desportivo do atleta com a entidade desportiva contratante tem natureza acessória ao respectivo vínculo trabalhista, dissolvendo – se, para todos os efeitos legais: (Redação dada pela Lei nº 10.672, de 2003)

I – com o término da vigência do contrato de trabalho desportivo;

ou (Redação dada pela Lei nº 10.672, de 2003);

II – com o pagamento da cláusula penal nos termos do caput deste artigo; ou ainda (Redação dada pela Lei nº 10.672, de 2003);

III – com a rescisão decorrente do inadimplemento salarial de responsabilidade da entidade desportiva empregadora prevista nesta Lei. (Redação dada pela Lei nº 10.672, de 2003);

§ 3o O valor da cláusula penal a que se refere o caput deste artigo será livremente estabelecido pelos contratantes até o limite máximo de cem vezes o montante da remuneração anual pactuada. (Incluído pela Lei nº 9.981, de 2000)

§ 4o Far – se – á redução automática do valor da cláusula penal prevista no caput deste artigo, aplicando – se, para cada ano integralizado do vigente contrato de trabalho desportivo, os seguintes percentuais progressivos e não – cumulativos: (Redação dada pela Lei nº 10.672, de 2003)

I – dez por cento após o primeiro ano; (Redação dada pela Lei nº 10.672, de 2003);

II – vinte por cento após o segundo ano; (Redação dada pela Lei nº 10.672, de 2003);

III – quarenta por cento após o terceiro ano; (Redação dada pela Lei nº 10.672, de 2003);

IV – oitenta por cento após o quarto ano. (Redação dada pela Lei nº 10.672, de 2003).

§ 5o Quando se tratar de transferência internacional, a cláusula penal não será objeto de qualquer limitação, desde que esteja expresso no respectivo contrato de trabalho desportivo. (Incluído pela Lei nº 9.981, de 2000).

§ 7o É vedada a outorga de poderes mediante instrumento procuratório público ou particular relacionados a vínculo desportivo e uso de imagem de atletas profissionais em prazo superior a um ano. (Incluído pela Lei nº 10.672, de 2003)”.

“Art. 31. A entidade de prática desportiva empregadora que estiver com pagamento de salário de atleta profissional em atraso, no todo ou em parte, por período igual ou superior a três meses, terá o contrato de trabalho daquele atleta rescindido, ficando o atleta livre para se transferir para qualquer outra agremiação de mesma modalidade, nacional ou internacional, e exigir a multa rescisória e os haveres devidos.

§ 1o São entendidos como salário, para efeitos do previsto no caput, o abono de férias, o décimo terceiro salário, as gratificações, os prêmios e demais verbas inclusas no contrato de trabalho.

§ 2o A mora contumaz será considerada também pelo não recolhimento do FGTS e das contribuições previdenciárias.

§ 3o Sempre que a rescisão se operar pela aplicação do disposto no caput deste artigo, a multa rescisória a favor do atleta será conhecida pela aplicação do disposto no art. 479 da CLT. (Redação dada pela Lei nº 10.672, de 2003)”

Trata – se de matéria controvertida, tanto na doutrina, quanto na jurisprudência.

Com efeito, uma corrente entende que, na hipótese de mora salarial, o clube, além de pagar a multa rescisória prevista no art. 479 consolidado, também deve pagar a cláusula penal.

Exemplificando, transcrevo a seguinte ementa:

“JOGADOR DE FUTEBOL. CLAÚSULA PENAL. A cláusula penal tratada no art. 28 da Lei 9615/98, que institui normas gerais sobre o desporto e dá outras providências, é aplicável tanto ao atleta profissional quanto à entidade de prática desportiva, pois não há nada nesse dispositivo legal que autorize interpretação diversa, ressaltando – se que a previsão contida no § 3º do art. 31 diz respeito ao que dispõe o seu caput”. (TRT 3ª R – 5T – RO/3824/03 – Rel. Juiz José Murilo de Morais – DJMG 10/05/2003 – P. 19).

Todavia, filio – me à segunda corrente, que entende que nessa hipótese somente será devida a multa rescisória.

De fato, entendo que os arts. 28 e 31 do Estatuto sob exame diferenciou claramente a cláusula penal da multa rescisória.

A cláusula penal prevista no art. 28:

É devida pelo atleta ao clube e não de forma recíproca, inclusive nas hipóteses de mora salarial, pois o inciso III do § 2o faz a manifesta remessa para o art. 31. Aliás, se a intenção do legislador fosse a acumulação, certamente utilizaria, no art. 31, a expressão “sem prejuízo da cláusula penal”;

Resulta da infringência contratual, pelo rompimento unilateral por vontade do atleta, com o objetivo de compensar o investimento feito pelo clube no jogador, bem como a indenização dos lucros cessantes de um atleta que daria, até o final do contrato, vantagens financeiros para o clube. Ademais, o § 5o, ao prever que a limitação não se aplica às transferências internacionais, deixou claro qual é o objetivo da cláusula penal;

Na prática, a responsabilidade por seu pagamento é normalmente transferida para o clube adquirente ou clube de destino do atleta;

Seu valor (até cem vezes o valor anual pactuado) é fixado pelas partes contratantes e submetido a redutores estatuídos na lei, com o objetivo de proteger o jogador contra valores abusivos.

Em contrapartida, a multa rescisória prevista no art. 31:

É devida pelo clube ao atleta;

Decorre do atraso salarial por 3 ou mais meses;

Tem natureza moratória, como sanção de inadimplemento salarial;

É da responsabilidade exclusiva do clube ao qual o atleta está vinculado; seu valor está limitado e fixado pelo art. 479 da CLT (50% do que deveria receber até o fim do contrato).

Este Tribunal já decidiu nesse sentido, conforme a seguir ementado:

“ATLETA PROFISSIONAL DE FUTEBOL – MORA SALARIAL – ROMPIMENTO ANTECIPADO DO CONTRATO POR CULPA ATRIBUÍDA À ASSOCIAÇÃO ESPORTIVA – CLÁUSULA PENAL ESTIPULADA COM FUNDAMENTO NO ARTIGO 28 DA LEI 9.615/98 – INDEVIDA – INCIDÊNCIA DA PREVISÃO DO § 3º, DO ARTIGO 31, DO MESMO DIPLOMA ESPECIAL: Preconizada lei, cognominada “Lei Pelé”, ao estabelecer a cláusula penal em seu artigo 28, nada mais fez do dar um sucedâneo para o instituto do “passe” até então previsto (Lei 6.354/76) e por ela revogado (art. 96), compensando, assim, o clube de futebol que investiu, formou ou promoveu o atleta, na hipótese deste descumprir, romper ou rescindir unilateralmente o contrato, como, por exemplo, transferindo – se para outra agremiação congênere (art. 28, caput). Aliás, com a devida venia de entendimentos contrários, via de mão dupla a hipótese, podendo o atleta também cobra – la do clube, caso este descumpra, rompa ou rescinda unilateralmente o pacto (idem). E isso porquê prevê o § 2º, do citado artigo, ter “o vínculo desportivo do atleta com a entidade desportiva contratante natureza acessória ao respectivo vínculo trabalhista”, nitidamente contratual esse liame, portanto, mostrando – se legítima a pré – fixação da penalidade clausular. Entretanto, para o inadimplemento do contrato principal, o contrato de emprego, reservou a lei, e não poderia ser diferente, a legislação consolidada, tornando específico, porém, que no caso de mora salarial, a regra a ser seguida é a do artigo 479, da CLT (art. 31, § 3º)” (TRT, proc. 01129 – 2002 – 081 – 15 – 00 – 8, Rel. Juiz Valdevir Roberto Zanardi).

Indevida, portanto, a cláusula penal postulada no recurso obreiro.

Ante o exposto, decido a) conhecer dos recursos ordinários; b) negar – lhes provimento; c) condenar a reclamada a pagar, nos limites da fundamentação, multa, indenização e honorários advocatícios.

SAMUEL HUGO LIMA – Juiz Relator

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