Dois por um

Montadoras pagam indenização por não garantirem peça de reposição

Autor

14 de abril de 2006, 7h00

O Tribunal de Justiça do Rio acaba de condenar a Suzuki do Brasil Automóveis e a General Motors do Brasil, solidariamente, a pagarem indenização de R$ 10 mil por dano moral a Umile Gardi. Os desembargadores reconheceram que lhe cabia reparo financeiro diante da frustração que teve após comprar o modelo Ignis GL da marca japonesa, no valor de R$ 34 mil, em agosto de 2002. Mas não viram razões para o desfazimento do negócio.

A decisão da 6ª Câmara Cível do TJ cria jurisprudência para que outros clientes da marca que tenham problemas com os veículos da Suzuki em território fluminense batam às portas do tribunal e lutem por seus direitos. Isso, no caso de não encontrarem assistência técnica e peças na rede GM, que passou a dar suporte em 20 concessionárias aos clientes da fábrica japonesa, que chegou ao Brasil em 1991, mas foi embora quando o dólar disparou em 2002.

Os problemas de Umile Gardi começaram por ocasião da primeira revisão do carro, em agosto de 2003, agravando-se três meses depois, quando o carro dele foi roubado. Ao ser encontrado diversas peças tinham sido retiradas. Repô-las, equivalia a despender 73% do preço do carro. Foi quando tentou no juízo de primeira instância ser indenizado por causa da dificuldade de encontrar produtos subsalentes na rede GM, pedindo ainda o desfazimento do negócio.

Perdeu e recorreu. Em seu despacho semana passada, o desembargador Luis Felipe Salomão considerou que de fato não cabia anular a transação porque o autor da ação foi atendido em prazo inferior a 30 dias. A marca japonesa estava assim respaldada pelo Código de Defesa do Consumidor.

Quanto à responsabilidade das rés, na ótica do desembargador, está claro que ambas merecem ser punidas, uma vez que integram a cadeia de fornecedores do serviço, conforme o disposto nos artigos 7º, parágrafo único e 25, parágrafos 1 e 2 combinados com 12 e 14, todos do CDC. Segundo Salomão, "se as empresas nacionais se beneficiam das marcas mundialmente conhecidas, devem responder também pelas deficiências dos bens comercializados, não sendo razoável atribuir-se ao consumidor as

consequências negativas dos negócios".

Neste contexto, o dano moral resultou do transtorno pelo comportamento desidioso das rés, diz o desembargador, entendendo que o autor da ação sofreu lesões ao se deparar com um quadro de escassez de peças de reposição ou, ainda, com preços exorbitantes. Daí, solidariamente a Suzuki do Brasil e a GM terem sido condenadas ao pagamento de R$ 10 mil, solidariamente, acrescidos de juros legais contados a partir da semana passada.

Leia a decisão

SEXTA CÂMARA CÍVEL DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

Apelação cível nº 2005.001.44994

Apelante : Umile Gardi

Apelados: General Motors do Brasil Ltda. e

Suzuki do Brasil Automóveis Ltda.

Revisor designado para acórdão: Desembargador Luis Felipe Salomão

APELAÇÃO. RELAÇÃO DE CONSUMO. COMPRA E VENDA DE VEÍCULO IMPORTADO “ZERO KM”, MODELO “SUZUKI IGNIS GL”. PRIMEIRA RÉ (SUZUKI DO BRASIL) QUE, OITO MESES APÓS O NEGÓCIO, ENCERRA SUAS ATIVIDADES NO BRASIL, CREDENCIANDO A SEGUNDA RÉ PARA A MANUTENÇÃO DOS AUTOMÓVEIS E SERVIÇOS DE PÓS-VENDA. RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA DAS DEMANDADAS, POIS AMBAS INTEGRAM A CADEIA DE FORNECIMENTO DOS SERVIÇOS, NA FORMA DOS ARTIGOS 7º, PARÁGRAFO ÚNICO E 25, §§ 1º E 2º, DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. ATRASO NA REVISÃO DO VEÍCULO, DENTRO DO PRAZO DE GARANTIA. TRANSTORNOS PARA REPOSIÇÃO DAS PEÇAS, COM ELEVADO PREÇO DE MERCADO. DESFAZIMENTO DO NEGÓCIO JURÍDICO E DEVOLUÇÃO DO PREÇO PAGO PELO AUTOMÓVEL DESCABIDOS, CONSIDERANDO-SE QUE A MORA NA REVISÃO NÃO EXTRAPOLOU O PRAZO DE 30 DIAS PREVISTO NO ART. 18, § 1º, DO COC. DIFICULDADE DE ATENDIMENTO. ELEVADO CUSTO DE MANUTENÇÃO, DECORRENTE DA RETIRADA DO PRODUTO DE LINHA. LEGÍTIMA EXPECTATIVA DO CONSUMIDOR FRUSTRADA. TRANSTORNOS E ABORRECIMENTOS SUPORTADOS PELO ADQUIRENTE. DANO MORAL CONFIGURADO. DEVER DE INDENIZAR. O MERCADO CONSUMIDOR É OBJETO DE INTENSA PROPAGANDA, NOTADAMENTE DE PRODUTOS ESTRANGEIROS, COM RELEVO NA RESPEITABILIDADE DA MARCA. EMPRESAS NACIONAIS QUE SE BENEFICIAM DAS MARCAS MUNDIALMENTE CONHECIDAS, DEVENDO RESPONDER TAMBÉM PELAS DEFICIÊNCIAS DOS BENS COMERCIALIZADOS. RECURSO PROVIDO EM PARTE PARA ACOLHER APENAS O PEDIDO DE RESSARCIMENTO DO DANO MORAL, ORA FIXADO EM R$ 10.000,00.

VISTOS, relatados e discutidos estes autos de apelação cível nº 44994/2005, em que é apelante Umile Gardi e apelados General Motors do Brasil Ltda. e Suzuki do Brasil Automóveis Ltda.


ACORDAM os Desembargadores que compõem a Sexta Câmara Cível do Tribunal de Justiça, por maioria de votos, vencido o Relator, em dar provimento ao recurso.

Umile Gardi ajuizou ação indenizatória, pelo rito ordinário, em face de Suzuki do Brasil Automóveis Importação Exportação Ltda. e General Motors do Brasil Ltda., afirmando que, em 27.08.02, adquiriu da primeira ré veículo novo, Modelo “Suzuki Ignis LG”, pagando a importância de R$ 34.000,00 (trinta e quatro mil reais). Aduz que em 09.04.03 tomou conhecimento do encerramento das atividades da primeira ré no Brasil, sendo informado que a segunda ré ficaria responsável pelo cumprimento da garantia de dois anos do automóvel adquirido. Salienta que em 13.08.03 procurou a segunda ré, com o fim de realizar a primeira revisão do veículo (15.000 Km), porém não foi atendido, ante a falta de peças de reposição necessárias, somente efetivada a providência quando o veiculo já havia rodado 16.600 Km, em 05.09.03. Houve várias trocas de correspondências com as rés e concessionárias, tendo sido o autor diligente quanto à garantia relativa a compra do carro. Acresce que, em 23.11.03, o automóvel foi roubado e posteriormente recuperado sem diversas peças. Narra que o orçamento apresentado pela segunda ré, relativo as peças subtraídas, totaliza a importância de R$ 24.668,83 (vinte e quatro mil, seiscentos e sessenta e oito reais e oitenta e três centavos), equivalente a 73% do preço do veículo. Requer indenização por dano material, equivalente a importância paga pelo veículo, com sua conseqüente devolução. Postula, ainda, a reparação moral, a ser arbitrada pelo juízo.

A sentença de fls. 270/272 julgou improcedentes os pedidos, por entender que as reclamações do consumidor foram atendidas e que o encerramento das atividades da primeira ré no Brasil, por si só, não enseja o desfazimento do negócio entabulado entre as partes. Negou a existência de dano moral.

Apela o autor, tempestivamente e com regular preparo, reeditando seus argumentos.

Contra-razoes em prestígio do julgado (fls. 298/311).

O recurso merece parcial provimento.

Cuida-se de relação de consumo, disciplinada pelo Código de Defesa do Consumidor, adquirindo o autor, em 27.08.02, o veículo modelo “Suzuki Ignis GL”.

O pedido de devolução da quantia paga pelo automóvel não prospera.

Com efeito, tratando-se de aquisição de produto de caráter durável, a devolução do preço somente é cabível na hipótese de vício não sanado no prazo de 30 dias (art. 18, § 1º, do Código do Consumidor).

No presente caso, o autor narra que, quando da revisão do veículo, foi atendido pela segunda ré, em prazo inferior a trinta dias, resultando afastada a possibilidade de desfazimento do negócio.

Para ensejar a rescisão, mister algum vício no consentimento, o que inocorreu.

Houve aquisição de automóvel importado, cuja marca deixou de ser comercializada no Brasil. Péssimo negócio, mas não há, nos autos, motivo para o desfazimento.

Resta a análise do pedido de reparação moral, decorrente da falha na prestação do serviço.

A responsabilidade das rés é objetiva e solidária, pois ambas integram a cadeia de fornecedores do serviço, consoante o disposto nos arts. 7º, parágrafo único e 25, §§ 1º e 2º, c.c. 12 e 14, todos do Código de Defesa do Consumidor.

O encerramento das atividades da primeira ré é fato incontroverso que, sem dúvida, frustrou a legítima expectativa do consumidor e dificultou consideravelmente a manutenção do veículo adquirido, a cargo da segunda ré.

Conforme reconhecido pela primeira ré em sua peça de bloqueio, somente foram comercializados no Brasil 255 unidades do veículo em questão, “o que torna óbvio que o custo inerente às peças de tal veículo será realmente superior a de um veículo com alto volume de produção e vendas no mercado interno” (fls. 125).


A falha na prestação dos serviços também restou reconhecida, asseverando a primeira ré que “a despeito de indesejável, devem ser considerados como aceitáveis eventuais faltas de estoque de determinadas peças” (fls. 125).

As questões internas de produção e custos de peças são estranhas a relação de consumo, não servindo de excludente da responsabilidade do prestador de serviços.

Registre-se que o mercado consumidor é objeto de intensa propagada, notadamente de produtos estrangeiros, com relevo na respeitabilidade da marca. Dessa forma, se as empresas nacionais se beneficiam das marcas mundialmente conhecidas, devem responder também pelas deficiências dos bens comercializados, não sendo razoável atribuir-se ao consumidor as conseqüências negativas dos negócios.

O dano moral resultou do transtorno pelo comportamento desidioso das rés, que pode ser mensurado pela “via crussis” narrada na inicial e comprovada pelos documentos que a instruem.

Veja a seqüência de cartas e mensagens enviadas pelo autor, sempre buscando identificar a responsabilidade das rés, salientando-se a desídias nas respostas.

Não é crível nem aceitável que, após a aquisição de um veículo “zero”, o consumidor se depare com a escassez de peças de reposição ou, ainda, com os preços exorbitantes que lhe foram cobrados.

Nesse sentido, o entendimento assente nesta Egrégia Corte:

“RELAÇÃO DE CONSUMO. AQUISIÇÃO DE VEÍCULO O KM. DEFEITO DE FÁBRICA. AJUSTES NO AUTOMÓVEL EM OFICINA AUTORIZADA. DEMORA DA AUTORIZADA PARA REPOSIÇÃO DA PEÇA DEFEITUOSA. DANOS MORAIS EVIDENTES. Responde a ré, concessionária e prestadora de serviços autorizados pelo fabricante do veículo 0 Km adquirido pelo autor. Posto que constatada a existência de defeito na fabricação do produto, não se mostra compatível a permanência do automóvel na oficina da ré por período de mais de trinta dias, quando o conserto deveria ser priorizado ante o vício redibitório. Assim, tem-se que a ré agiu ilicitamente, quando deixou de agilizar a substituição da peça defeituosa, pois, de certo, lhe competia uma melhor estruturação, a fim de atender seu cliente dignamente e com eficácia, ofertando um serviço de qualidade e célere, razão pela qual mantém-se o quantum indenizatório, fixado no valor de R$ 7.400,00 (sete mil e quatrocentos reais), que obedecerá aos acréscimos legais explicitados na sentença, inclusive, observando o termo inicial de incidência da correção monetária, a partir da data da sentença, quando foi reconhecido ao autor, a indenização por danos morais. Todavia, verificado nos autos se o defeito apresentado no automóvel era ou não passível de conserto, constatando o perito que após os serviços executados pela ré encontra-se em perfeito estado de funcionamento e conservação, não havendo defeitos estruturais, mecânicos e/ou eletrônicos que impliquem na descaracterização do automóvel, afigura-se inadequada a devolução do valor da compra, pretendida pelo autor, conquanto foi reparado o dano material consistente no defeito de fabricação. Recursos conhecidos e improvidos” (Apel. 2003.001.36384. Décima Primeira Câmara Cível. Rel. Des. Cláudio de Mello Tavares, j. 05.05.04).

O apelante sofreu lesão aos direitos de consumidor e, na impossibilidade da total reparação com o retorno das coisas ao seu estado anterior, compensa-se mediante indenização em pecúnia.

O valor da indenização por dano moral deve representar uma compensação pelo constrangimento experimentado, levando-se em conta o princípio da lógica do razoável e as peculiaridades do caso concreto, no qual o veículo foi adquirido pela quantia de R$ 34.000,00 (trinta e quatro mil reais).

Fixa-se o valor em R$ 10.000,00 (dez mil reais), com os respectivos consectários legais.

Ante o exposto, DÁ-SE PROVIMENTO PARCIAL ao recurso para condenar as rés, solidariamente, ao pagamento da quantia R$ 10.000,00 (dez mil reais) por danos morais, corrigida a partir desta data, com a incidência de juros legais a contar da citação. Os ônus sucumbenciais serão compensados, na forma do art. 21, caput, do CPC.

Rio de Janeiro, 21 de março de 2006.

Des. Presidente

Luis Felipe Salomão

Designado para Acórdão

Autores

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!