Lamentavelmente, precisamos admitir que uma parcela generosa do texto constitucional está cataléptico (pende de regulamentação para que possa ser exercido). É o caso, em alguns estados, do plano de cargos e salários dos professores, instrumento a serviço da educação.
Está na Constituição Federal que a educação é um direito social de todos, tal como a saúde e o trabalho, natureza que lhe confere — ou ao menos deveria — especial proteção por parte o Estado.
A educação, mais que um bem social, é um serviço público essencial que não comporta um juízo de conveniência e oportunidade, já exercido pelo constituinte quando a escolheu como meio para se atingir os fins colimados pela República, e tampouco solução de continuidade.
Essa é a inteligência que se depreende do caput do artigo 205, como também do inciso V do artigo 206 da Constituição, que prevê a elaboração de um plano de cargos e salários como instrumento de valorização profissional dos professores.
No entanto, a inércia governamental tem patrocinado distorções e frustrações aos sujeitos da relação educacional. Mas, é preciso que se diga: os erros do Estado não autorizam outros erros por parte dos cidadãos, tanto mais quando se tratam de cidadãos esclarecidos e com boa formação, como é o caso dos professores.
Há outros meios legais e legítimos para se reclamar o direito ferido. Vejamos: se é verdade que num Estado Democrático de Direito — modelo adotado pela República Federativa do Brasil — é admissível o uso da greve como meio legítimo de coerção na busca de soluções, é também verdade que esse direito termina onde começa o de outrem. Pois bem, na relação educacional há, no mínimo, dois sujeitos diretamente vinculados: o professor (o educador) e o aluno (o educando). É entre esses que deverá coexistir o equilíbrio de direitos, pois, quando prevalece um, o outro será, inescapavelmente, prejudicado.
É o que se verifica diante do movimento grevista dos professores paranaenses, que reclamam um plano de carreira e reposições salariais em prejuízo do direito à educação dos alunos.
Aqui, duas coisas precisam ser lembradas: a inércia do Estado em regulamentar o direito de greve para o servidor público (artigo 37, inciso VI, CF/88) e o manejo de instrumentos jurídicos legítimos para os fins pretendidos.
Precisamos, antes de tudo, desmistificar um grande equívoco. No serviço público, latu sensu, não há a figura do trabalhador, há, sim, a do servidor público.
A dicotomia conceitual seria irrelevante não fossem os efeitos decorrentes dos regimes jurídicos próprios a cada uma das categorias. O trabalhador — termo corrente para se referir àquele que labora nas atividades privadas — estabelece um vínculo jurídico com o seu empregador, cujos direitos e obrigações tutelarão o patrimônio de ambos.
De outra banda, o servidor público, por ser autêntico servidor do público, labora com a res pública, jamais podendo dele dispor ao seu alvedrio. Essa natureza faz com os seus direitos como servidor sejam sopesados e até mitigados frente ao interesse coletivo da comuna. Esta é a razão pela qual o constituinte não outorgou ao servidor público o que deu ao trabalhador da iniciativa privada — a greve.
Algumas ilações em torno da greve dos professores paranaenses podem aclarar isso. Sendo a educação um serviço público essencial, não poderá sofrer solução de continuidade. Se houvesse a regulamentação do direito de greve aos servidores públicos, certamente asserguraria-se um mínimo de funcionamento para evitar prejuízos aos alunos, por exemplo, o não-alijamento dos alunos do “terceirão” dos vestibulares, o não-retardamento dos egressos do segundo grau, a escolha seletiva das disciplinas que poderiam e não poderiam ser suspensas em face da greve (algumas são de mais fácil recuperação, v.g., educação física, educação artística, ensino religioso) e assim por diante.
A ausência da aludida regulamentação do direito de greve não implica na ausência de outros recursos legítimos e democráticos para que os professores alcancem o direito reclamado. Há os meios jurídicos para isso, sem embargos dos meios políticos que antecedem ou sucedem àqueles.
Esgotadas as negociações, poderiam, por intermédio do órgão de representação (sindicato e/ou confederação), ajuizar um Mandado de Injunção para obrigar o governador do estado a propor o plano de cargos e salários, ou uma Ação Direta de Inconstitucionalidade por omissão do governador, ou, ainda, de modo pontual, uma Ação Ordinária visando a reposição salarial decorrente da corrosão inflacional.
São alternativas jurídicas que merecem ser consideradas para perquirirem os seus direitos constitucionalmente assegurados, preservar os direitos dos alunos, para não verem o seu movimento declarado ilegal pelo exercício arbitrário das próprias razões e para evitar que uma ação popular os obrigue a isso. Afinal, estamos ou não em um Estado Democrático de Direito?