Perda do benefício

Preso que comete falta grave não tem remição de pena

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12 de abril de 2006, 11h23

O condenado que comete falta grave durante o cumprimento da pena perde o direito ao benefício da remição pelos dias trabalhados durante a condenação. O entendimento é da 1ª Turma do Supremo Tribunal Federal.

Os ministros rejeitaram pedido de Habeas Corpus em que Jair Batista da Silva pretendia reaver os dias remidos da sua condenação. O benefício funciona da seguinte forma: a cada três dias de trabalho dentro do sistema prisional, um dia da pena é subtraído.

Na sessão desta terça-feira (11/4), o julgamento foi retomado para a apresentação do voto-vista do ministro Carlos Ayres Britto que acompanhou o relator do Habeas Corpus, ministro Marco Aurélio. Em seu voto, Ayres Britto salientou o caráter regenerador do trabalho para a reinserção social do preso.

“São duas funções que operam sempre em conjunto, de modo a legitimar o juízo de que se falta grave vier a ser praticada pelo apenado no curso do seu regime de remição, é sinal de que o trabalho deixou de cumprir o aspecto regenerador de sua função. Ficará o preso na mesma situação daquele que não quis experimentar (não há obrigatoriedade em fazê-lo) esse tipo de regime remissional. Tirante, é claro, o mencionado aspecto da remuneração laboral”, afirma Ayres Britto em seu voto.

A discussão sobre o cometimento de falta grave e a perda do benefício da remissão de pena já foi feita também no Plenário do Supremo. No julgamento do Recurso Extraordinário os ministros entenderam que o artigo 127 da Lei de Execução Penal está em harmonia com o texto constitucional, ao declarar a perda dos dias remidos em caso de falta grave cometida pelo condenado.

Leia a decisão

HABEAS CORPUS 86.173-3 SÃO PAULO

RELATOR : MIN. MARCO AURÉLIO

PACIENTE(S) : JAIR BATISTA DA SILVA

IMPETRANTE(S) : PGE-SP – PATRÍCIA HELENA MASSA ARZABE (ASSISTÊNCIA JUDICIÁRIA)

COATOR(A/S)(ES) : SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

V O T O – V I S T A

O SENHOR MINISTRO CARLOS AYRES BRITTO (Relator)

Cuida-se de habeas corpus, por meio do qual se busca a reforma do entendimento de que a prática de falta grave acarreta, em desfavor do condenado, a “perda” dos dias por ele remidos em virtude de trabalho prestado nas dependências do estabelecimento prisional.

2. Tratando-se de tema sensível, porque imbricado com a garantia constitucional da individualização da pena, solicitei vista dos autos para melhor apreciar a tese defendida pela ilustrada defensora Patrícia Helena Massa Arzabe. Tese que postula, justamente, a aplicação do inciso XLVI do art. 5º da Constituição Federal aos casos de decisão judicial em matéria de remição de pena.

3. Pois bem, na assentada em que teve início o julgamento, o eminente relator, Ministro Marco Aurélio, aderindo ao que decidido na sessão plenária em que se apreciou o RE nº 452.994, indeferiu a ordem. É que, na apreciação desse recurso, o Supremo Tribunal Federal entendeu que o art. 127 da Lei de Execução Penal estava em harmonia com a Constituição da República. É dizer: o cometimento de falta grave, para esta nossa Casa de Justiça, leva à “perda” dos dias remidos com o efetivo trabalho do prisioneiro.

4. Naquela assentada plenária, tanto quanto nas sessões desta nossa 1a Turma em que pude oficiar, votei no sentido de que “a figura da remição é um benefício contabilizado à medida que o apenado trabalha. Essa contabilização deve operar no subjetivismo dele, apenado, como estímulo para persistir enquadrado em boa conduta. É dizer: à medida que visualiza os dias que lhe são contabilizados favoravelmente, o apenado vai-se convencendo de que não vale a pena delinqüir, sob o risco de perder tudo o que já acumulou”.

5. Reexaminando o tema, agora sob o prevalecente ângulo da sanção dita premial, com mais razão persisto no meu entendimento. Explico: sanção é palavragênero, por abarcar tanto uma conseqüência favorável quanto um efeito desfavorável pelo cumprimento, ou, então, pelo descumprimento de uma norma. E é precisamente no primeiro sentido que se insere a sanção premial, por significar um benefício pela obediência a determinada regra de Direito.

Cuida-se de uma distinção que parte de um claro pressuposto: o gênero humano costuma ser mais sensível a promessas de recompensa do que a ameaças de castigo. Por isso que o Direito às vezes prefere operar pela técnica do estímulo ao comportamento socialmente desejável, abrindo ao seu destinatário a possibilidade de obtenção de uma dada recompensa. É a técnica da sanção premial, que, no caso dos autos, opera como instrumento de política penitenciária. Técnica assim enfatizada nos luminosos escritos de Miguel Reale1[1]:

“Podemos dizer que, atualmente, excogitamse técnicas aperfeiçoadas para obter-se o cumprimento das norma jurídicas, através não de sanções intimidativas, mas sim através de processos que possam influir no sentido da adesão espontânea dos obrigados, como os que propiciam incentivos e vantagens. Assim, ao lado das sanções penais, temos as sanções premiais que oferecem um benefício ao destinatário, como, por exemplo, um desconto ao contribuinte que paga o tributo antes da data do vencimento.”

6. Convém repetir. Pela sanção premial, sanção da espécie positiva, o Direito promete uma recompensa, um benefício, uma vantagem, um ganho, uma mercê, enfim, na hipótese do cumprimento de uma dada norma. Impondo ao destinatário dessa promessa, não propriamente um dever, mas a assunção de um ônus. Daí que, descumprida a norma, nenhum castigo ou sanção negativa é de se aplicar a quem quer que seja. Apenas deixa-se de pagar a promessa legal, traduzida numa específica vantagem. No caso, vantagem que muito 1[1] REALE, Miguel. Lições Preliminares de Direito. 24ad. São Paulo:Saraiva, 1998, p. 75/76.concorre para a boa disciplina no interior dos presídios em que se cumpre pena.

7. Por esse modo de ver as coisas, a norma veiculadora de sanção premial nenhuma perda acarreta para o seu endereçado, se por acaso descumprida. Tal endereçado apenas deixa de obter o ganho para cujo desfrute a norma lhe acenou. É isto o que se dá com o instituto da remição de pena, nos termos do art. 126 da Lei de Execuções Penais, verbis:

“Art. 126. O condenado que cumpre a pena em regime fechado ou semi-aberto poderá remir, pelo trabalho, parte do tempo de execução da pena.”

8. Assim, superada a tradicional idéia de perda ou prejuízo, fica fácil compreender que o cometimento de falta grave pelo apenado não significa outra coisa senão a privação de um ganho que sempre esteve em peculiar estado de perfazimento ou “in fieri.”. Um ganho permanentemente sub condicionis ou tão somente virtual, porquanto passível de estorno a qualquer momento.

9. Daqui se deduz que o trabalho humano atua de forma ambivalente em sede de execução de pena. De um lado, opera como instrumento de regeneração do apenado, ao possibilitar o aperfeiçoamento do seu caráter, ou pelo menos, do seu temperamento. De outra parte, possibilita a redução do tempo de encarceramento, pela paga final (sempre a final) dos dias trabalhados (a cada três dias de trabalho, um dia da pena é subtraído). São duas funções2[2] 2[2] Isso, sem que sejam desconsideradas as disposições da Lei de Execução Penal sobre o trabalho do condenado, quais sejam:

“Art. 28. O trabalho do condenado, como dever social e condição de dignidade humana, terá finalidade educativa e produtiva.

§ 1º Aplicam-se à organização e aos métodos de trabalho as precauções relativas à segurança e à higiene.

§ 2º O trabalho do preso não está sujeito ao regime da Consolidação das Leis do Trabalho.

Art. 29. O trabalho do preso será remunerado, mediante prévia tabela, não podendo ser inferior a três quartos do salário mínimo.

§ 1º O produto da remuneração pelo trabalho deverá atender:

a) à indenização dos danos causados pelo crime, desde que determinados judicialmente e não reparados por outros meios;

b) à assistência à família;

c) ao ressarcimento ao Estado das despesas realizadas com a manutanção do condenado, em proporção a ser fixada e sem prejuízo da destinação prevista nas letras anteriores.

§ 2º Ressalvadas outras aplicações legais, será depositada a parte restante para constituição do pecúlio, em cadernetas de poupança, que será entregue ao condenado quando posto em liberdade.

Art. 30. As tarefas executadas como prestação de serviço à comunidade não serão remuneradas.

Art. 31. O condenado à pena privativa de liberdade está obrigado ao trabalho na medida de suas aptidões e capacidade.

Parágrafo único. Para o preso provisório, o trabalho não é obrigatório e só poderá ser executado no interior do estabelecimento.

Art. 32. Na atribuição do trabalho deverão ser levadas em conta a habilitação, a condição pessoal e as necessidades futuras do preso, bom como as oportunidades oferecidas pelo mercado.

§ 1º Deverá ser limitado, tanto quanto possível, o artesanato sem expressão econômica, salvo nas regiões de turismo.

§ 2º Os maiores de 60 (sessenta) anos poderão solicitar ocupação adequada à sua idade.

§ 3º Os doentes ou deficientes físicos somente exercerão atividades apropriadas ao seu estado. que operam sempre em conjunto, de modo a legitimar o juízo de que se falta grave vier a ser praticada pelo apenado no curso do seu regime de remição, é sinal de que o trabalho deixou de cumprir o aspecto regenerador de sua função.

Ficará o preso na mesma situação daquele que não quis experimentar (não há obrigatoriedade em fazê-lo) esse tipo de regime remissional. Tirante, é claro, o mencionado aspecto da remuneração laboral.

10. Por tudo quanto posto, indefiro a ordem.

11. É como voto.

Art. 33. A jornada normal de trabalho não será inferior a 6 (seis), nem superior a 8 (oito) horas, com descanso nos domingos e feriados. Parágrafo único. Poderá ser atribuído horário especial de trabalho aos presos designados para os serviços de conseração e manutenção do estabelecimento penal.

Art. 34. O trabalho poderá ser gerenciado por fundação, ou empresa pública, com autonomia administrativa, e terá por objetivo a formação profissional do condenado.

§ 1º Nessa hipótese, incumbirá à entidade geranciadora promover e supervisionar a produção, com critérios e métodos empresariais, encarregar-se de sua comercialização, bem como suportar despesas, inclusive pagamento de remuneração adequada.

§ 2º Os governos federal, estadual e municipal poderão celebrar convênio com a iniciativa privada, para implantação de oficinas de trabalho referentes a setores de apoio dos presídios.

Art. 35. Os órgãos da administração direita ou indireta da União, Estados, Territórios, Distrito Federal e dos Municípios adquirirão, com dispensa de concorrência pública, os bens ou produtos do trabalho prisional, sempre que não for possível ou recomendável realizar-se a venda a particulares.

Parágrafo único. Todas as importâncias arrecadadas com as vendas reverterão em favor da fundação ou empresa pública a que alude o artigo anterior ou, na sua falta, do estabelecimento penal.

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