Dia de julgamento

Acusadas de sacrificar criança terão novo Júri Popular

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12 de abril de 2006, 12h58

Mãe e filha absolvidas da acusação de homicídio por encomendar o sacrifício de uma criança terão de enfrentar novo Tribunal do Júri. A decisão é da 6ª Turma do Superior Tribunal de Justiça. O crime ocorreu em 1992, na cidade de Guaratuba, Paraná.

Celina Cordeiro Abagge e Beatriz Cordeiro Abagge passaram por um julgamento que durou 34 dias e acabaram absolvidas porque os jurados entenderam que o cadáver a que o processo se referia não era o do menor Evandro Ramos Caetano.

Com a materialidade do crime negada pelos jurados, o Ministério Público apelou ao Tribunal de Justiça do Paraná, que reconheceu a nulidade do julgamento. Os desembargadores decidiram que a tese a que os jurados se renderam não teve qualquer respaldo nas provas do processo, porque o corpo foi identificado por exame da arcada dentário e exame de DNA.

Assim, a 2ª Câmara Criminal, por unanimidade, determinou que as acusadas fossem submetidas a novo julgamento popular. Além do pedido apreciado pelo TJ, o Ministério Público também entrou com Recurso Especial no Superior Tribunal de Justiça. O relator, ministro Paulo Medina, não atendeu ao pedido por entender que o objetivo da ação já tinha sido alcançado na segunda instância.

Assassinato na serraria

Celina Cordeiro Abagge e Beatriz Cordeiro Abagge são acusadas de homicídio triplamente qualificado, seqüestro e ocultação de cadáver. De acordo com a denúncia, em 1992, mãe e filha passaram a freqüentar um terreiro de umbanda e faziam oferendas com a intenção de melhorar sua situação econômica.

Em abril do mesmo ano, teriam encomendado um “trabalho espiritual forte” para recuperar as finanças da serraria de propriedade da família. O serviço deveria ser o sacrifício de uma criança, dentro do estabelecimento comercial.

Evandro, de seis anos de idade, desapareceu em 6 de abril de 1992, nas proximidades de uma escola em Guaratuba. A denúncia diz que as acusadas “cortaram-lhe o pescoço, amputando-lhe as orelhas e as duas mãos, bem como os dedos dos pés, retirando-lhe o couro cabeludo”.

Ainda teriam aberto o tórax e retirado seus órgãos e víceras, depositando-os em tigelas de barro, para “oferendas”. Depois do ritual, os envolvidos teriam levado o corpo a um matagal. Ao todo, sete pessoas foram denunciadas.

REsp 549.154

Leia a íntegra da decisão

RECURSO ESPECIAL Nº 549.154 – PR (2003/0107386-2)

RELATOR: MINISTRO PAULO MEDINA

RECORRENTE: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO PARANÁ

RECORRIDO: CELINA CORDEIRO ABAGGE

RECORRIDO: BEATRIZ CORDEIRO ABAGGE

ADVOGADO: RONALDO ANTÔNIO BOTELHO E OUTROS

PROCESSUAL PENAL. RECURSO ESPECIAL. OBJETIVO DA IRRESIGNAÇÃO ALCANÇADO. AUSÊNCIA DE INTERESSE RECURSAL. RECURSO NÃO-CONHECIDO.

O objetivo buscado no recurso especial foi alcançado, na medida em que o novo julgamento das recorridas pelo Júri Popular, pleiteado pelo Ministério Público, foi determinado pelo Tribunal a quo.

Recurso especial não-conhecido.

DECISÃO

Trata-se de recurso especial interposto pelo MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO PARANÁ com fundamento na alínea “a”do permissivo constitucional, visando a reforma de acórdão proferido pelo Grupo de Câmaras Criminais do Tribunal de Justiça Paranaense que deu provimento aos embargos infringentes opostos por Celina Cordeiro Abagge e Beatriz Cordeiro Abagge.

Depreende-se dos autos que as recorridas, pronunciadas por infringência aos arts. 121, § 2o, I, II, IV, e § 4o, parte final, 148, § 2o, 211, c/c os art.s 29 e 69, todos do Código Penal, restaram absolvidas pelo Tribunal do Júri da Comarca de São José dos Pinhais – PR.

Irresignado, o Ministério Público do Estado do Paraná interpôs apelo objetivando a anulação do julgamento, afirmando para tanto a existência de quatro nulidades posteriores à pronúncia, além da contrariedade da decisão à prova dos autos.

A egrégia Segunda Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, por maioria, deu provimento à apelação ministerial para anular o julgamento e determinar a realização de novo júri (fls. 8.332/8.348, vol. 41). Opostos embargos infringentes, restaram providos pelo Grupo de Câmaras Criminais do Tribunal de Justiça Paranaense, sendo afastada a primeira preliminar de nulidade do julgamento realizado pelo Júri, e determinado o prosseguimento da apreciação do apelo interposto pelo parquet (fls. 8.484/8.506, vol. 42).

Embargos declaratórios opostos pela acusação rejeitados (fls. 8.545/8.552, vol. 42).

Daí a interposição deste recurso especial pelo Ministério Público do Estado do Paraná postulando pelo reconhecimento de nulidade ocorrida no julgamento das recorridas pelo Tribunal do Júri, alegando contrariedade aos arts. 209, 421, parágrafo único e 573, todos do Código de Processo Penal (fls. 8.579/8.612, vol. 42).

Contra-arrazoado (fls. 8.683/8.707) e admitido na origem (fls. 8.736/8.739), vieram-me conclusos os autos.

Parecer do Ministério Público Federal pelo não conhecimento do recurso nos seguintes termos:

“RECURSO ESPECIAL. CRIMES CONTRA A VIDA. HOMICÍDIO. TRIBUNAL DO JÚRI. ANULAÇÃO. EXCESSO DE TESTEMUNHAS DA DEFESA. NULIDADE.

1. Se o objetivo do presente recurso especial já foi alcançado através do julgamento do recurso de apelação, não há interesse recursal do ora recorrente.

2. Parecer pelo não conhecimento do Recurso Especial.” (fls. 8.777/8.805).

É o relatório. Decido.

O recurso especial interposto pelo Ministério Público do Estado do Paraná objetiva a reforma de acórdão proferido no julgamento de embargos infringentes com a finalidade de submeter Celina Cordeiro Abagge e Beatriz amento pelo Júri Popular.

Ocorre que após o afastamento da primeira preliminar de nulidade do julgamento, foi determinado em sede de embargos infringentes que a egrégia Segunda Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná prosseguisse no julgamento da apelação ministerial.

Informa o Ministério Público Federal em seu parecer, outrossim, que o Tribunal a quo, ao prosseguir na análise do apelo ministerial, terminou por dar provimento ao recurso, diante da contrariedade da decisão do Conselho de Sentença à prova dos autos.

Eis a ementa do julgado em questão:

“Apelação Crime. Júri. Homicídio qualificado, seqüestro e ocultação de cadáver. Absolvição no homicídio que se estendeu aos crimes conexos. Materialidade do homicídio negada pelo Conselho de Sentença. Nulidade do julgamento pleiteada recursalmente pelo Ministério Público, ao argumento de: a) – ter sido violada a norma do art. 475 do CPP; b) – sonegação ao Júri do julgamento dos crimes conexos; c) – suspeição de oficial de justiça; d) – ser a decisão manifestamente contrária à prova dos autos.

Ausência de prejuízo à acusação na mostra de documento em plenário pela defesa. Crimes conexos alcançados pela negativa de materialidade. Suspeição de oficial de justiça não demonstrada. Tese abraçada pelos jurados sem respaldo probatório mínimo.

Recurso provido.

1 – Documento mostrado pelo defesa em plenário, quando nenhum prejuízo causa à acusação, não viola o art. 475 do Código de Processo Penal.

2 – Negado pelos jurados ser da vítima o cadáver, desnecessário se julguem os crimes conexos de seqüestro e de ocultação de cadáver, posto que relacionados com a mesma pessoa (vítima).

3 – Tem-se como manifestamente contrária à prova dos autos a decisão do Conselho de Sentença sem um mínimo elemento de convicção.

(…)

Diante de todo o exposto, ACORDAM os integrantes da Segunda Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, à unanimidade de votos, em dar provimento ao recurso, ao efeito de submeter as apeladas a novo julgamento popular.” (fls.

8.806/8.811).

Ora, o objetivo buscado neste recurso especial já foi alcançado. O novo julgamento das acusadas pelo Júri Popular, pleiteado pelo Ministério Público paranaense, foi determinado pelo Tribunal a quo. Não há mais, portanto, interesse recursal, na medida em que ausente a utilidade do recurso em análise.

Posto isso, NÃO CONHEÇO do recurso especial.

Publique-se. Intimem-se.

Brasília (DF), 20 de março de 2006.

MINISTRO PAULO MEDINA

Relator

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