Geneticamente modificada

Exportação de soja transgênica do Porto de Paranaguá é mantida

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11 de abril de 2006, 7h00

Os filiados à Associação Brasileira dos Terminais Portuários poderão continuar a armazenar e exportar grãos de soja geneticamente modificados nos Portos de Paranaguá e Antonina, no Paraná. A presidente em exercício do Supremo Tribunal Federal, ministra Ellen Gracie, rejeitou pedido para cassar a liminar concedida pela 3ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região à associação.

A ministra Ellen Gracie observou que as atividades de produção e comercialização da soja geneticamente modificada foram “expressamente autorizadas pela Lei 11.105/05 (Lei de Biossegurança) e pelo Decreto 5.534/05, além de monitoradas pela CNTBio — Comissão Técnica Nacional de Biossegurança”.

Desta forma, ressaltou a ministra, “é premissa inafastável a conclusão de que as atividades relacionadas à soja transgênica, incluída a exportação comercial, estão, até o presente momento, dentro da plena legalidade”.

Uma das preocupações levantadas pelo estado do Paraná, na briga judicial com a Associação Brasileira dos Terminais Portuários, diz respeito à possibilidade de contaminação de outros grãos no processo de armazenagem.

Com relação a esse argumento, a ministra Ellen afirmou não ter se convencido de que “o Porto de Paranaguá, o segundo terminal marítimo mais importante do país e principal meio de exportação de grãos do Brasil, não tenha capacidade técnica e administrativa para executar um plano operacional que proporcione um rigoroso e viável escoamento de mercadorias distintas e que não devam ter contato entre si”.

Para a ministra, é preciso evitar grave lesão à ordem jurídica e à economia pública, com empecilhos apresentados à possibilidade de exportação da soja geneticamente modificada no Porto de Paranaguá. “Além de contrariar dispositivos legais já citados, poderá afetar, até mesmo, a balança comercial brasileira”, concluiu a ministra Ellen Gracie.

Leia a íntegra da decisão

SUSPENSÃO DE SEGURANÇA 2.912-6 PARANÁ

RELATOR : MINISTRO PRESIDENTE

REQUERENTE(S) : ESTADO DO PARANÁ

ADVOGADO(A/S) : PGE-PR – CÉSAR AUGUSTO BINDER

REQUERIDO(A/S) : TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 4ª REGIÃO

(AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº 20060400011009-9 NO MANDADO DE SEGURNAÇA Nº 20067008000350-7)

IMPETRANTE(S) : ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DOS TERMINAIS PORTUÁRIOS – ABPT

ADVOGADO(A/S) : CLEVERSON MARINHO TEIXEIRA

1. O Estado do Paraná, por sua Procuradoria-Geral, ajuizou, com base no art. 4º, § 5º, da Lei 8.437/92, pedido de suspensão dos efeitos de medida liminar concedida, em 28.03.06, pelo Juízo da Vara Federal de Paranaguá – PR nos autos do Mandado de Segurança 2006.70.08.000350-7 (fls. 397/408), impetrado pela Associação Brasileira dos Terminais Portuários

– ABTP em face do Superintendente da Administração dos Portos de Paranaguá e Antonina – APPA, e mantida, em 03.04.06, pela 3ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região no julgamento de Questão de Ordem no Agravo de Instrumento 2006.04.00.011009-9 (fls. 806/809).

Afirma que o mandado de segurança preventivo impetrado pela Associação Brasileira dos Terminais Portuários (fls. 26-116) teve por finalidade evitar que seus associados não sofressem restrição de direito consubstanciada “na vedação de utilização de suas instalações no Porto de Paranaguá para o armazenamento e embarque de soja geneticamente modificada” (fl. 116). Na impetração, foi evocado, para tanto, dentre outros fundamentos de direito, o princípio da legalidade (CF, arts. 5º, II, e 37), evidenciado, segundo se sustenta, tanto na legislação de biossegurança (Lei 11.105/05), que, no seu art. 35 autoriza a produção e a comercialização de sementes de cultivares de soja geneticamente modificada, como, também, na declaração de inconstitucionalidade, levada a efeito por este Supremo Tribunal na ADI 3.035, rel. Min. Gilmar Mendes, DJ 14.10.05, da Lei 14.162/03, do Estado do Paraná, que buscou vedar, no território daquela unidade federada, o cultivo, a manipulação, a importação, a industrialização e a comercialização de organismos geneticamente modificados destinados à produção agrícola e à alimentação humana e animal, em ofensa à competência privativa da União para legislar sobre comercialização, importação, exportação e regime dos portos e à competência para dispor, em caráter geral, sobre produção, consumo e proteção ao meio ambiente e à saúde.

Alegou a referida associação, ainda, no mandamus em análise, que a imposição de óbices administrativos e normativos à utilização do Porto de Paranaguá para os fins pretendidos violaria os princípios constitucionais da segurança jurídica, do equilíbrio contratual, da razoabilidade e da proporcionalidade.

Aduz o requerente que não obstante traga a referida pretensão mandamental flagrante violação à ordem jurídica, ao Estado Democrático de Direito, aos princípios constitucionais da legalidade, da separação e independência entre os Poderes e aos direitos fundamentais à informação e ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, a Justiça Federal paranaense proferiu decisão concessiva de liminar “para o fim de determinar que a Autoridade Coatora abstenha-se de proibir o embarque de soja geneticamente modificada pelo Porto de Paranaguá” (fl. 407). A decisão apontada destacou que a questão relativa à segurança do manejo da soja Round Up Ready já foi enfrentada pela Comissão Técnica Nacional de Biossegurança – CTNBio, comitê multidisciplinar responsável, nos termos da Lei 11.105/05, de emitir decisão sobre a biossegurança de OGM e seus derivados, inclusive no uso comercial. Salientou, assim, o Juízo Federal de 1º grau, não caber, na presente causa, a análise dos possíveis riscos da utilização dos organismos geneticamente modificados para o homem e para o meio ambiente.


Asseverou ainda, aquela unidade julgadora, que o regime de operação dos portos deve ser disciplinado por normas federais. Transcreveu, ademais, trechos de relatórios da Agência Nacional de Transportes Aquaviários – ANTAQ que concluíram pela relutância da autarquia estadual impetrada em viabilizar, em cumprimento à obrigação de operar toda e qualquer carga legalmente habilitada para transbordo e armazenagem, um regime que permita a movimentação de soja transgênica. Citou, ainda, trecho do Acórdão 768, de 15.06.05, do Plenário do Tribunal de Contas da União, que reafirmou ser a entidade portuária a provedora dos meios necessários para a prestação de serviços atinentes à importação ou a exportação de produtos lícitos, devendo a Administração dos Portos de Paranaguá e Antonina promover um plano operacional que permita o embarque de produtos geneticamente modificados. Por fim, a decisão prolatada pelo Juízo Federal de Paranaguá – PR fez referência a trecho do voto proferido pelo eminente Ministro Gilmar Mendes na ADI 3.035, no qual S. Ex.ª observa que a competência residual dos Estados para legislar sobre saúde e meio ambiente não pode chegar ao extremo de afastar a aplicação das normas federais de caráter geral vigentes.

Narra a requerente que após a concessão da medida liminar interpôs agravo de instrumento perante o TRF da 4ª Região (fls. 765/801), recurso ao qual se emprestou, num primeiro momento, efeito suspensivo por decisão monocrática da Relatora (fls. 802/803). Nesse despacho foi apontada a circunstância fática de que existe apenas um silo público e um corredor de exportação no Porto de Paranaguá, não havendo, assim, razoabilidade na exigência de se promover o armazenamento conjunto da soja convencional com a soja geneticamente modificada, o que acarretaria inevitável mistura, contrariando, desse modo, as regras legais de biossegurança que determinam a rotulagem e a segregação de produtos geneticamente modificados. Conclui, portanto, a decisão examinada, que o cumprimento da liminar agravada causaria danos irreparáveis à saúde e à economia do Estado, sendo necessário criar, dessa forma, condições para o adequado movimento da soja transgênica no referido Porto de Paranaguá.

Em 03.04.06, a 3ª Turma do TRF da 4ª Região apreciou questão de ordem para deliberar sobre pedido de reconsideração apresentado pela associação impetrante. Nessa sessão de julgamento prevaleceu o entendimento de que, em razão da existência de diversos silos e armazéns particulares no Porto de Paranaguá, não há que se presumir que o embarque da soja geneticamente modificada trará automática contaminação à soja convencional. Salientou o órgão julgador que a paralisação das exportações da soja geneticamente modificada já armazenada no Porto em questão causará prejuízos irreparáveis de grande vulto. No tocante à relevância do fundamento jurídico, ressaltou, mais uma vez, que a tentativa estadual de impor restrições normativas à livre comercialização de produtos geneticamente modificados, o que inclui a atividade de exportação, foi rechaçada por esta Suprema Corte na ADI 3.035. Assim, negou a 3ª Turma do TRF da 4ª Região, por maioria, o efeito suspensivo requerido no agravo de instrumento, o que significou o restabelecimento da decisão liminar proferida na primeira instância da Justiça Federal paranaense.

Para fundamentar a alegação de grave lesão à ordem pública, alega o requerente que a liminar impugnada impede o regular cumprimento, pela entidade autárquica integrante da administração pública estadual, das normas que impõem a segregação e a rotulagem de alimentos ou ingredientes alimentares geneticamente modificados destinados ao consumo humano ou animal (art. 40 da Lei Federal 11.105/05, Lei Estadual 14.861/05 e Decreto Estadual 6.653/06). Assevera que a possibilidade de contaminação, na operação de exportação, da soja convencional produzida em 98 % das áreas de cultivo desse grão no Estado do Paraná pela soja geneticamente modificada, produzida em apenas 2% da área total de plantação, fere o princípio da legalidade, o direito fundamental à informação e o dever constitucional do Estado de promover a defesa do consumidor.

Afirma que a política institucional da Administração dos Portos de Paranaguá e Antonina em evitar a contaminação do corredor de exportação com grãos de soja transgênica não foi considerada, por este Supremo Tribunal Federal, descumpridora do acórdão prolatado na referida ADI 3.035, conforme proclamado no julgamento da RCL 2.634, rel. Min. Marco Aurélio, DJ 26.08.05. Noticia, ainda, que o Tribunal de Justiça do Estado do Paraná suspendeu os efeitos de decisão liminar análoga a que ora se examina e que há jurisprudência deste Supremo Tribunal Federal que reconhece certa parcela de competência legislativa dos Estados para dispor sobre alimentos transgênicos (ADI 2.303-MC, rel. Min. Maurício Corrêa, DJ 05.12.03).


No que se refere à alegação de grave lesão à economia pública, afirmou o requerente ter prestado informações noticiando a existência de um “contrato de licitação para a construção de um novo silo público com capacidade para armazenar 110.000 toneladas de grãos, que dobrará a capacidade de recebimento e armazenamento de grãos pela APPA e que poderá servir ao embarque de grãos geneticamente modificados” (fl. 19). Diz ter informado, outrossim, a apresentação de solução para a exportação da soja geneticamente modificada, consubstanciada no embarque do produto, por parte dos interessados, pelos terminais privados da SOCEPAR (Sociedade Cerealista Exportadora de Produtos Paranaenses) e da PASA (Paraná Operações Portuárias S.A.).

Por outro lado, argumenta que as possíveis alternativas já estudadas pela APPA que se adequariam tanto às exigências contidas na decisão liminar contestada como à legislação que impõe a segregação e a rotulagem dos produtos geneticamente modificados, consubstanciadas (1) na alternância da utilização do silo público entre a soja convencional e a geneticamente modificada, com limpezas periódicas para evitar a contaminação, (2) na instalação de um terceiro Ship Loader no berço 214 de atracação de navios (3) ou na instalação de um novo Ship Loader em outro berço exclusivo de atracação de navios, “acresceriam em muito os seus custos operacionais, com reflexos negativos na competitividade internacional dos grãos embarcados” (fl. 19), impondo-se, assim, “um acréscimo considerável ao custo dos serviços portuários, conhecido como custo Paranaguá” (fl. 20).

Destaca a notoriedade do rigor das exigências dos importadores na comprovação da pureza dos grãos de soja convencionais, concluindo, então, “que a contaminação (…) no corredor de exportação implicará a imediata rescisão dos contratos de exportação atualmente praticados” (fl. 20-21). Também ressalta, como potencial lesão à ordem econômica, a perda, para outros países, de investimentos internacionais voltados à construção de silos e esteiras para o escoamento de grãos de soja convencionais, que são preferidos e consumidos por grandes mercados como a China e a União Européia.

Defende o requerente a necessidade da suspensão dos efeitos da decisão liminar proferida pela ocorrência de violação do direito líquido e certo de parcela dos associados da impetrante que comercializam e exportam grãos e sementes de soja convencional orgânica, pois perderiam, com a contaminação, o diferencial econômico representado pela garantia da procedência e do rastreamento de toda a cadeia produtiva. No tocante ao perigo na demora, alega que uma vez misturada, no silo público e na esteira, a soja convencional à geneticamente modificada, “todo o produto será tido como transgênico, o que afetará negativamente os produtores, importadores e consumidores de soja convencional” (fl. 23). Também conclui pela ausência do perigo na demora na pretensão mandamental contestada, eis que desde 2003 está liberado o plantio e a comercialização de soja geneticamente modificada.

Por fim, transcreve o requerente decisão do Presidente do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, que suspendeu a eficácia de medida liminar similar a que ora se examina, concedida pela Justiça estadual paranaense de primeira instância. Reproduzo, daquela decisão, o seguinte trecho (fl. 629):

“O armazenamento da soja transgênica e da convencional pressupõe a possibilidade da separação posterior de um e de outro tipo de produto, exatamente pelas razões alinhadas pelo Estado. Há necessidade da identificação do que é transgênico e do que é convencional para a correta informação ao consumidor destinatário final e ao importador – e a Lei 11.105/2005 é expressa a respeito. A impossibilidade física do acondicionamento separado dos dois tipos de soja, no entanto, impede o cumprimento da lei, motivo suficiente para a adoção de providências urgentes, em razão, por exemplo, da indispensabilidade da proteção ao consumidor final, imposta pelo Código do Consumidor.Também há o risco do comprometimento do comércio externo de soja, um valor fundamental e de interesse geral. Conforme dito nas informações prestadas no mandado de segurança e no pedido de suspensão, a exportação de soja contaminada para países importadores de soja convencional coloca em risco as exportações e compromete a balança comercial, afetando, além disso, os legítimos interesses dos exportadores de soja convencional, os quais, assim como os produtores e exportadores de soja transgênica, também são beneficiários dos princípios constitucionais que tutelam a atividade econômica.”

Requer, ao final, a suspensão da execução da liminar ora impugnada até o trânsito em julgado da decisão final do mandado de segurança impetrado, com a imediata comunicação às autoridades judiciárias competentes.


No dia de hoje (10.04.06), o Estado do Paraná apresentou dados adicionais que melhor detalham as informações trazidas na inicial (fls. 818/832).

2. Conforme ficou evidenciado na exposição da controvérsia, ambas as pretensões estão fundamentadas em normas e princípios de natureza constitucional, estando fixada, assim, a competência dessa Presidência para a análise da existência de grave lesão à ordem, à saúde, à segurança ou à economia pública na execução da decisão liminar concedida pela Justiça Federal paranaense e mantida pelo egrégio Tribunal Regional Federal da 4ª Região.

3. Ressalto, de início, não haver o mínimo espaço, nessa sede processual específica e limitada, para discussões técnico-científicas a respeito do impacto dos alimentos geneticamente modificados no meio ambiente e na saúde humana. O assunto é sempre polêmico, porém, já existe no ordenamento jurídico pátrio um conjunto de normas que oferecem ao Poder Público os instrumentos necessários para o controle das atividades de pesquisa, cultivo, industrialização e comercialização desses produtos. E é exatamente nesse cenário que se encontra a soja geneticamente modificada, cujas atividades de produção e comercialização foram expressamente autorizadas pela Lei 11.105/05 (Lei de Biossegurança) e pelo Decreto 5.534/2005, além de monitoradas pela Comissão Técnica Nacional de Biossegurança – CTNBio.

Para o presente caso, portanto, é premissa inafastável a conclusão de que as atividades relacionadas à soja transgênica, incluída a exportação comercial, estão, até o presente momento, dentro da plena legalidade.

4. O cerne da questão a ser enfrentada na presente suspensão de segurança passa pela análise da consistência e da verossimilhança dos argumentos do Estado do Paraná no sentido de que há uma completa e intransponível inviabilidade operacional do Porto de Paranaguá, na atual situação em que se encontra, para a realização do escoamento da produção de grãos de soja geneticamente modificada sem comprometer a pureza da soja convencional lá exportada, e sem causar, por conseguinte, risco de grave lesão à ordem e a economia pública, representada pela transgressão às normas de informação e consumo de transgênicos, quebra de contratos internacionais, multas, prejuízos e fuga de importantes investimentos.

5. Na análise efetuada no âmbito restrito do presente procedimento, não me convenci de que o Porto de Paranaguá, o segundo terminal marítimo mais importante do País e principal meio de exportação de grãos do Brasil, não tenha capacidade técnica e administrativa para executar um plano operacional que proporcione um rigoroso e viável escoamento de mercadorias distintas e que não devam ter contato entre si.

O rigoroso controle, na cadeia de operações necessárias para o carregamento dos navios, da pureza da soja convencional, é, sem dúvida alguma, fator indispensável para a manutenção da credibilidade do Estado do Paraná e do próprio País perante os mercados internacionais compradores de soja convencional. Porém, a autoridade impetrada, como ente de gerenciamento da prestação de serviços portuários, não pode ignorar a realidade representada pela produção em larga escala de soja geneticamente modificada levada a efeito no território brasileiro, voltada, na sua grande parte, para o mercado internacional, sob pena de se transformar num indevido instrumento da política estadual de restrição aos organismos geneticamente modificados, papel que não se coaduna com a existência de um convênio de delegação celebrado entre o ente que possui a titularidade da exploração dos portos marítimos, a União, e o Estado do Paraná (Convênio de Delegação 37/01), nos termos do art. 21, XII, f, da Constituição Federal.16. Nesse sentido, destaco trecho do voto do eminente Ministro Valmir Campelo, do Tribunal de Contas da União, no Acórdão 768/2005, relativo à auditoria solicitada pela Comissão de Agricultura, Pecuária, Abastecimento e Desenvolvimento Rural da Câmara dos Deputados para averiguar a existência de eventuais prejuízos ao patrimônio público federal decorrentes da gestão dos Portos de Paranaguá e Antonina (fls.183/184):

“Como bem assinala a unidade técnica, a questão do embarque de soja transgênica nos portos situados no Paraná assume uma dimensão política e retrata um conflito entre aquele Estado e a União. Entretanto, sob o aspecto legal, a agência federal de regulação do setor [ANTAQ] não pode se quedar passiva diante de sua missão de zelar pelo bom funcionamento do sistema portuário nacional, devendo adotar todas as providência necessárias e utilizar-se de todas as prerrogativas e sanções legais ao seu alcance de modo a garantir o cumprimento da legislação federal por parte da autarquia responsável pela administração dos portos de Paranaguá e Antonina.A APPA, ao descurar das medidas operacionais que viabilizem o embarque da soja transgênica, está negando cumprimento tanto à legislação federal já mencionada, como também à cláusula 3.XIII do Convênio de Delegação nº 037/2001, que estabelece como sua obrigação:‘XIII – prestar serviço adequado ao pleno atendimento dos usuários dos portos delegados, sem qualquer tipo de discriminação e sem incorrer em abuso do poder econômico, atendendo às condições de regularidade,continuidade, eficiência, segurança, atualidade, generalidade, cortesia na sua prestação e modicidade nas tarifas;’


1 CF, art. 21, XII, f: “Compete à União: XII – explorar, diretamente ou mediante autorização, concessão ou permissão: f) os portos marítimos, fluviais e lacustres;” Não é demais lembrar que o Governo do Estado do Paraná, na qualidade de delegatário dos bens e recursos federais representados pela estrutura dos portos que estão sob sua administração, deve ser cientificado da decisão que vier a ser adotada nestes autos, devendo exercer seu poder de supervisão sobre sua autarquia – a APPA – no sentido de velar pelo fiel cumprimento das cláusulas do instrumento de delegação que assinou com a União.”

7. Quanto à específica alegação de impossibilidade fática na separação dos carregamentos de soja convencional dos de soja transgênica nas operações de escoamento, além da existência de outros silos que não o público no Porto de Paranaguá, circunstância noticiada nos votos proferidos no julgamento realizado na 3ª Turma do TRF da 4ª Região, tem-se, de um dos relatórios técnicos da Superintendência de Portos da Agência Nacional de Transportes Aquaviários – ANTAQ (Relatório AG – 002/2005 – SPO), elaborado como fruto dos trabalhos de acompanhamento da gestão do referido Convênio de Delegação, a seguinte conclusão (fl. 140/141):

“No Relatório nº AG – 001/2005 – SPO, de fevereiro de 2005, consta que ‘[…] a APPA posiciona-se francamente disposta a não cumprir a Lei Federal nº 10.711, de agosto de 2003, que dispõe sobre o Sistema Nacional de Sementes e Mudas e dá outras providências, alegando dificuldades de ordem operacional, em especial a dificuldade para a segregação da soja geneticamente modificada de modo a que não venha a contaminar outros produtos’.Essa alegação foi contestada naquele relatório, quando dito que ‘[…] carece inteiramente de fundamento, visto que nos silos e correias próprias do porto, bem como nas instalações exclusivas de seus usuários, são operados todos os tipos de granéis alimentares, como o milho, a soja e o trigo sem que tal contaminação tenha sido verificada nos embarques realizados no porto’.E prossegue a explicação naquele relatório esclarecendo que ‘[…] as empresas que operam granéis alimentares no Porto de Paranaguá, quando questionadas a respeito dessa alegação da APPA para não realizar embarques de soja geneticamente modificada, são unânimes em declarar que tais alegações não se sustentam, já que é perfeitamente possível operar as diferentes qualidades e tipos de granéis alimentares, inclusive a soja transgênica, nos silos e correias existentes no porto e em suas próprias instalações sem contaminação como já se executa atualmente bastando para tanto que as providências de limpeza e higiene sejam realizadas antes e após cada tipo de operação’.

(…)

Vencida a argumentação da não movimentação da soja transgênica por motivos de segregação e contaminação, por não mais se sustentar, conforme já tratado no relatório anterior, a argumentação da APPA para não movimentar soja transgênica pelos portos do Estado passou a ser a de que, até esta data, não aconteceu a chegada ao porto de qualquer caminhão carregando soja transgênica, assim legalmente classificada, para embarque.Diante dessa argumentação, apesar das declarações fartamente divulgadas de posicionamento já assumido como bandeira política e administrativa de não movimentar soja transgênica nos portos do Estado do Paraná, há que se admitir a efetividade da afirmativa pois, até o momento, não há documentação comprobatória desse fato.Assim, permanece a caracterização do não cumprimento, pela APPA, da Lei Federal 10.711, de 2004, cabendo aos operadores e empresários de soja no porto de Paranaguá a comprovação, ou não, da realidade desse argumento.”

Vê-se, assim, que o argumento angular da presente suspensão de segurança se encontra minado pela constatação da possibilidade de pleno cumprimento, pela autarquia impetrada, de toda a legislação federal vigente e das obrigações assumidas por meio do Convênio de Delegação celebrado com a União.

8. Também não procede a alegação de que este Supremo Tribunal Federal, no julgamento da RCL 2.634, rel. Min. Marco Aurélio, ocorrido em 29.06.05, tenha reconhecido a lisura da condução administrativa do Porto de Paranaguá ao concluir pela falta de demonstração do desrespeito ao acórdão prolatado na ADI 3.035. O que essa Suprema Corte constatou foi, tão-somente, que o reclamante não logrou êxito em provar a aplicação, pela autoridade reclamada, do disposto na Lei Estadual 14.162/03, já então declarada inconstitucional nos autos da referida ADI 3.035, rel. Min. Gilmar Mendes.

9. Ressalto, ademais, que o egrégio Tribunal de Justiça do Estado do Paraná negou provimento ao agravo regimental interposto contra a mencionada decisão do Presidente daquela Corte que suspendera os efeitos de liminar concedida em mandado de segurança impetrado pela Federação da Agricultura do Estado do Paraná – FAEP também em face da autoridade impetrada no mandamus ora em exame (fls. 627/630). Nesse acórdão (fls. 648/652), foi destacado, como um dos principais fundamentos para se chegar ao desprovimento do recurso, o fato de que a matéria tratada naquele writ apresentado perante a Justiça estadual paranaense evidenciava, nos termos dos arts. 21, XII, f, e 109, I, ambos da Constituição Federal, a plena competência da Justiça Federal. Não há que se falar, portanto, em conflito de decisões antagônicas prolatadas, respectivamente, pela Justiça estadual paranaense e pela Justiça Federal.

10. Por fim, diante de toda a análise ora desenvolvida, concluo que a liminar preventiva concedida pelo Juízo da Vara Federal de Paranaguá – PR e confirmada pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região, ao contrário do que afirmado pelo requerente, evita grave lesão à ordem jurídica e à economia pública, sendo certo que os empecilhos apresentados à possibilidade de exportação da soja geneticamente modificada no Porto de Paranaguá, além de contrariar os dispositivos legais já citados, poderá afetar, até mesmo, a balança comercial brasileira.

11. Ante o exposto, ausentes os requisitos legais, indefiro o pedido de suspensão, ficando prejudicado o exame do pedido de medida liminar.

Comunique-se. Publique-se.

Brasília, 10 de abril de 2006.

Ministra Ellen Gracie

Vice-Presidente

(RISTF, art. 14)

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