Exercício profissional

Advogado pode renovar carteira da OAB sem quitar anuidade

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11 de abril de 2006, 15h53

O Tribunal Regional Federal da 2ª Região assegurou para um advogado o direito de renovar sua carteira da OAB mesmo sem quitar a anuidade atrasada. A decisão é da 6ª Turma Especializada e confirma entendimento da 6ª Vara Federal do Rio de Janeiro.

O recurso foi apresentado pela OAB fluminense contra a sentença de primeira instância. O Ministério Público Federal opinou pela manutenção da decisão, sob o argumento de que não se pode impor qualquer sanção de caráter político para forçar o inadimplente a cumprir suas obrigações.

A quitação das anuidades e multas, além do pagamento de R$ 35 para tirar uma nova carteira, está prevista nas Resoluções 03/2001 e 07/2003 do Conselho Federal da OAB. No entanto, Márcio Alisson Brito dos Santos entrou com pedido de Mandado de Segurança na Justiça Federal alegando que “tal exigência contraria o ordenamento jurídico pátrio, a Lei 8.904/94, que dispõe sobre o Estatuto do Advogado, e o Direito Constitucional do livre exercício da profissão”.

Na prática, segundo Márcio Alisson Brito dos Santos, o advogado que não paga a anuidade não pode fazer seu recadastramento e, conseqüentemente, fica impedido de exercer a profissão. Já a OAB argumentou, preliminarmente, ilegitimidade passiva, já que e o ato que determinou o cadastramento e a substituição das carteiras dos advogados foi baixado pelo presidente do Conselho Federal da OAB. Quanto ao mérito, alegou que é necessária a troca das carteiras por causa da vulnerabilidade dos modelos instituídos até a data da Resolução 07/2002.

“A fragilidade das carteiras põe em risco o interesse social, sendo necessária a emissão de novas cédulas de identidade profissional, revestidas de tecnologia contemporânea, a fim de evitar fraudes e adulterações, permitindo que somente advogados regularmente inscritos e em dia com suas obrigações a portem”, afirmou a OAB.

O desembargador federal Fernando Marques, relator do caso, afastou a tese de ilegitimidade passiva. “A autoridade apontada coatora — no caso, o presidente do Conselho Federal da OAB — responsável pela organização dos registros de seus profissionais, tem condições jurídico-materiais de reverter o ato atacado”, entendeu.

Para o relator, a OAB, como entidade autárquica, está submetida ao princípio da estrita legalidade. “O Estatuto da Advocacia, não prevê, em relação à eventual inadimplência dos profissionais inscritos, as restrições contidas nas referidas Resoluções, para que sejam impedidos de exercer sua atividade profissional.”

No entendimento da 6ª Turma, se a OAB pretende trocar a carteira dos advogados, poderá fazê-lo, contudo sem imposição do pagamento de obrigações em atraso ou suspensão do exercício profissional como forma de coação.

Processo 2003.51.01.004150-2

Leia a íntegra da decisão

RELATOR: DESEMBARGADOR FEDERAL FERNANDO MARQUES

APELANTE: ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL-SECCIONAL DO RIO DE JANEIRO

ADVOGADO: FERNANDO ANTONIO IELPO JANNUZZI JUNIOR E OUTRO

APELADO: MARCIO ALISSON BRITO DOS SANTOS

ADVOGADO: MARCIO ALISSON BRITO DOS SANTOS

ORIGEM: SEXTA VARA FEDERAL DO RIO DE JANEIRO (200351010041502)

RELATÓRIO

Trata-se de Remessa de Ofício e de Apelação de sentença que concedeu parcialmente segurança para garantir ao impetrante direito à troca de cédula de identidade profissional, ou o direito à sua renovação periódica, independentemente de estar ou não em dia com as exigências financeiras impostas pela Ordem dos Advogados do Brasil, podendo ser cobrados os emolumentos respectivos ao ato da troca ou renovação.

Na inicial, noticia o impetrante: que as Resoluções n°s 03 e 07 do Conselho Federal da OAB exigem, de forma compulsória, que os advogados substituam suas cédulas de identidade profissional, mas para isso exigem o pagamento da taxa de R$35,00, bem como de todas as anuidades, contribuições, multas e demais serviços em atraso; que tal exigência contraria o ordenamento jurídico pátrio, a Lei 8.904/94 e o direito constitucional do livre exercício da profissão.

Em seu recurso, alega a apelante, preliminarmente, ilegitimidade passiva, ao argumento de que o ato que determina o cadastramento e a substituição das carteiras dos advogados foi baixado pelo Presidente do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil e, no mérito: que a troca de carteiras decorre da constatação quanto à vulnerabilidade dos modelos instituídos até a data da Resolução 07/2002, tendo em vista que a fragilidade dessas carteiras põe em risco o interesse social; que busca a emissão de documento revestido de tecnologia contemporânea, a fim de evitar fraudes e adulterações, permitindo que somente advogados regularmente inscritos e em dia com suas obrigações a portem; que a tentativa de conferir ao profissional inadimplente direitos semelhantes aos conferidos àqueles que cumprem com suas obrigações, inclusive o pagamento de anuidades, já foi alvo de várias decisões em desfavor dos inadimplentes; que a manutenção da parcial segurança frustra o poder de polícia da OAB.


Contra-razões, em que se ressalva: que o presente mandamus visa assegurar o exercício da profissão, pois a exigência contida nas Resoluções n°s 03 e 07 ofendem o ordenamento jurídico e constitui embaraço ao exercício dos direitos fundamentais, à liberdade profissional, ao trabalho e à participação política; que o art. 11 da Lei 8906/94 estabelece as hipótese de cancelamento da inscrição do advogado e nela não consta a exigência veiculada nas Portarias citadas.

O Ministério Público Federal, às fls. 110/114, opinou no sentido do improvimento da apelação, ao argumento de que, conforme a jurisprudência de nossos Tribunais, não se pode impor sanção de caráter político como meio de forçar o devedor inadimplente ao cumprimento de suas obrigações.

É o relatório.

Peço data para julgamento.

Desembargador Federal FERNANDO MARQUES

Relator

VOTO

O Exmº Sr. Desembargador Federal Fernando Marques (Relator)

Inicialmente, rejeito a preliminar de ilegitimidade passiva, uma vez que coator é aquele que ordena ou omite a prática do ato impugnado ou o superior que recomenda ou baixa normas para sua execução. Assim, a autoridade apontada coatora, responsável pela organização dos registros de seus profissionais, tem condições jurídico-materiais de reverter o ato atacado. Há que se registrar que o art. 45, § 2°, da Lei 8.0906/94 prevê a autoridade dos Presidentes dos Conselhos Seccionais, entidades dotadas de personalidade jurídica própria, sobre os inscritos nos respectivos Estados-membros, DF e Territórios.

No mérito, objetiva o impetrante garantir direito à troca de sua cédula de identidade profissional ou direito à sua renovação periódica, independentemente de estar em dia com suas obrigações financeiras para com a OAB.

Insurge-se, em verdade, o impetrante contra disposições contidas nas Resoluções 03/2001 e 07/2002, da Diretoria do Conselho Federal da OAB, que dispõe sobre o recadastramento dos profissionais inscritos na Ordem dos Advogados do Brasil e impõe a troca das carteiras, resultado de preocupação diante da fragilidade dos atuais documentos. O ponto central da controvérsia é que a aquisição do novo documento por parte do profissional encontra-se condicionada ao pagamento de anuidades, contribuições, multas e demais serviços em atraso. Resumindo: o advogado que não efetuar o pagamento exigido não poderá fazer seu recadastramento e, conseqüentemente, estará impedido de exercer sua profissão.

A OAB, como entidade autárquica, encontra-se submetida ao princípio da estrita legalidade. A Lei 8.906, de 4 de julho de 1994, Estatuto da Advocacia, não prevê, em relação à eventual inadimplência dos profissionais inscritos, as restrições contidas nas Resoluções 03/2001 e 07/2002, para que sejam impedidos de exercer sua atividade profissional.

A Lei 8.906/94 estabelece, no art. 8°, as condições para que o interessado possa se inscrever como advogado, nos seguintes termos:

Art. 8° . Para inscrição como advogado é necessário:

I – capacidade civil

II – diploma ou certidão de graduação em direito, obtido em instituição de ensino oficialmente autorizada e credenciada;

III – título de eleitor e quitação do serviço militar, se brasileiro;

IV- aprovação em Exame de Ordem;

V- não exercer atividade incompatível com a advocacia;

VI- idoneidade moral;

VII- prestar compromisso perante o Conselho.

Por sua vez, o art. 11 do mesmo diploma legal assim prevê os casos de cancelamento da inscrição do advogado:

Art. 11. Cancela-se a inscrição do profissional que:

I – assim o requerer;

II – sofrer penalidade de exclusão;

III – falecer;

IV- passar a exercer, em caráter definitivo, atividade incompatível com a advocacia;

V – perder qualquer um dos requisitos necessários para inscrição.

A penalidade de exclusão, de que trata o art. 38, I, da Lei 8.906/94, pode ser aplicada ao advogado que incidir por três vezes na penalidade de suspensão, que, por sua vez, pode ser aplicada em caso de não pagamento de contribuições, multas e preços devidos à OAB, desde que notificados para satisfação de seus débitos.

Dessa forma, verifica-se que a autoridade impetrada possui meios legais para evitar a inadimplência dos profissionais inscritos, impedindo até que exerçam, a final, a profissão.

Importante lembrar, então, o disposto no art. 5°, XIII, da Constituição Federal, verbis:

XIII – é livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer;

Portanto, não se fazendo presentes as hipóteses elencadas no art. 11 da Lei 8.906/94, não pode o advogado ser impedido de exercer sua profissão, sem que fique configurado o abuso de autoridade.


Desse modo, a exigência da autoridade impetrada não pode prevalecer por falta de amparo legal, eis que respaldada em mera Resolução, ato administrativo normativo de menor hierarquia, a violar o princípio da reserva legal e da hierarquia das normas.

A autoridade impetrada dispõe dos meios que o próprio Estatuto lhe oferece como forma de exigir a quitação de obrigações por parte dos profissionais inscritos, bem como poderá se valer dos outros meios legais previstos no ordenamento jurídico pátrio para cobrança de seus créditos, sendo inadmissível impor óbice ao exercício da profissão para cobrança de anuidades e outras obrigações.

Assim, comungando com a sentença proferida, entende-se que, se a OAB pretende trocar a carteira dos advogados, poderá fazê-lo, contudo sem imposição do pagamento de obrigações em atraso ou suspensão do exercício profissional como forma de coação.

Pelo exposto, nego provimento ao recurso e à remessa necessária.

É como voto.

Desembargador Federal FERNANDO MARQUES

Relator

EMENTA

MANDADO DE SEGURANÇA. CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. ILEGITIMIDADE PASSIVA. OAB-SECCIONAL DO RIO DE JANEIRO. RESOLIÇÕES N°S 03/2001 E 07/2002 DO CONSELHO FEDERAL DA OAB. RECADASTRAMENTO E TROCA DAS CARTEIRAS PROFISSIONAIS CONDICIONADOS AO PAGAMENTO DE OBRIGAÇÕES ATRASADAS. SUSPENSÃO DO EXERCÍCIO PROFISSIONAL. LEI 8.906/94. IMPOSSIBILIDADE.

Rejeitada a preliminar de ilegitimidade passiva, uma vez que coator é aquele que ordena ou omite a prática do ato impugnado ou o superior que recomenda ou baixa normas para sua execução. Assim, a autoridade apontada coatora, responsável pela organização dos registros de seus profissionais, tem condições jurídico-materiais de reverter o ato atacado. Há que se registrar que o art. 45, § 2° da Lei 8.0906/94 prevê a autoridade dos Presidentes dos Coselhos Seccionais, entidades dotadas de personalidade jurídica própria, sobre os inscritos nos respectivos Estados-membros, DF e Territórios.

Insurge-se o impetrante contra disposições contidas nas Resoluções 03/2001 e 07/2002, da Diretoria do Conselho Federal da OAB, que dispõe sobre o recadastramento dos profissionais inscritos na Ordem dos Advogados do Brasil e impõe a troca das carteiras, resultado de preocupação diante da fragilidade dos atuais documentos. O ponto central da controvérsia é que a aquisição do novo documento por parte do profissional encontra-se condicionada ao pagamento de anuidades, contribuições, multas e demais serviços em atraso. Resumindo: o advogado que não efetuar o pagamento exigido não poderá fazer seu recadastramento e, conseqüentemente, estará impedido de exercer sua profissão.

A OAB, como entidade autárquica, encontra-se submetida ao princípio da estrita legalidade. A Lei 8.906, de 4 de julho de 1994, Estatuto da Advocacia, não prevê, em relação à eventual inadimplência dos profissionais inscritos, as restrições contidas nas Resoluções 03/2001 e 07/2002, para que sejam impedidos de exercer sua atividade profissional.

A Lei 8.906/94 estabelece, no art. 8°, as condições para que o interessado possa se inscrever como advogado e o art. 11 do mesmo diploma legal prevê os casos de cancelamento da inscrição do advogado. A penalidade de exclusão, de que trata o art. 38, I, da Lei 8.906/94, pode ser aplicada ao advogado que incidir por três vezes na penalidade de suspensão, que, por sua vez, pode ser aplicada em caso de não pagamento de contribuições, multas e preços devidos à OAB, desde que notificados para satisfação de seus débitos.

A autoridade impetrada possui meios legais para evitar a inadimplência dos profissionais inscritos, impedindo até que exerçam, a final, a profissão. Não se fazendo presentes as hipóteses elencadas no art. 11 da Lei 8.906/94, não pode o advogado ser impedido de exercer sua profissão, sem que fique configurado o abuso de autoridade.

A exigência da autoridade impetrada não pode prevalecer por falta de amparo legal, eis que respaldada em mera Resolução, ato administrativo normativo de menor hierarquia, a violar o princípio da reserva legal e da hierarquia das normas.

A OAB poderá se valer dos próprios meios oferecidos por seu Estatuto como forma de exigir a quitação de obrigações por parte dos profissionais inscritos, bem como poderá lançar mão dos outros meios legais previstos no ordenamento jurídico pátrio para cobrança de seus créditos, sendo inadmissível impor óbice ao exercício da profissão para cobrança de anuidades e outras obrigações.

Comungando com a sentença proferida, entende-se que, se a OAB pretende trocar a carteira dos advogados, poderá fazê-lo, contudo sem imposição do pagamento de obrigações em atraso ou suspensão do exercício profissional como forma de coação.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos, em que são partes as acima indicadas;

Decide a Sexta Turma Especializada do Tribunal Regional Federal da 2ª Região, por unanimidade, negar provimento ao recurso e à remessa necessária, nos termos do Voto do Relator.

Rio de Janeiro, 14 de dezembro de 2005 (data do julgamento).

Desembargador Federal FERNANDO MARQUES

Relator

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