Comedor de lixo

Trabalhador apelidado de comedor de lixo deve ser indenizado

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10 de abril de 2006, 14h33

Mesmo que o empregado tenha cometido um erro, a empresa não pode divulgar o fato aos demais funcionários. O entendimento é da 6ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região que condenou, por danos morais, a Tese Administração, Serviços e Comércio e a Infraero — Empresa Brasileira de Infra-Estrutura Aeroportuária por apelidarem um trabalhador de comedor de lixo porque ele buscava restos de pizza na lixeira.

Para o relator, juiz Paulo Eduardo Vieira de Oliveira, ainda que o trabalhador tenha agido de forma errada, a empregadora não podia “nomeá-lo de ‘comedor de lixo, fuçador de lixo ou lixeiro’, ou ainda divulgar os fatos ocorridos para os demais empregados, pois, agindo assim, abusou de seu poder de direção”.

Por isso, as empresas foram condenadas a pagar R$ 40 mil de indenização por danos morais e R$ 14 para ele comprar uma pizza.

O empregado da empresa, contratado para trabalhar como funcionário terceirizado da Infraero no Aeroporto Internacional de Cumbica, em Guarulhos (SP), não negou o fato, mas pediu que as empresas fossem condenadas pelos danos morais sofridos com a divulgação.

Em sua defesa, a Tese sustentou que “nada mais fez do que retratar os fatos ocorridos”, mas que “os colegas do reclamante já tinham conhecimento daqueles fatos” e que a prática do ex-empregado estaria denegrindo sua imagem.

O juiz da 7ª Vara do Trabalho de São Paulo condenou as empresas a reparação de R$ 2,5 mil. Mas o reclamante apelou ao TRT-SP para que aumentar o valor da indenização.

De acordo com o relator no TRT-SP, “infelizmente, verifica-se que a primeira reclamada [Tese], aproveitando-se da crise de empregos que assola o país, tratava seus empregados de forma desrespeitosa e cruel”.

O juiz Paulo Eduardo de Oliveira estranhou, ainda, a contratação, pela Infraero, “de uma empresa que assim agia com seus empregados”. Para ele, a estatal tem responsabilidade pelos atos praticados pela empregadora.

Leia a íntegra da decisão:

RO 00503.2002.317.02.00-0

PROCESSO TRT/SP Nº 00503.2002.317.02.00- 0

RECURSO ORDINÁRIO DA 7a VT de Guarulhos/SP

RECORRENTES: Luiz Cláudio Batista da Silva e Empresa Brasileira de Infra Estrutura Aeroportuária – INFRAERO

RECORRIDO: Tese Administração Serviços e Comércio Ltda.

Inconformado com a r. sentença de fls. 165/167, cujo relatório adoto, que julgou Procedente em Parte a reclamação, recorre ordinariamente o reclamante com as razões de fls. 169/173, pleiteando a reforma do julgado para que seja aumentado o valor da indenização por danos morais fixado e recorre ordinariamente a segunda reclamada com as razões de fls.176/193, pleiteando sua ilegitimidade de parte.

Tempestividade (fls. 168/169 e 176).

Custas às fls. 179 e preparo às fls.178.

Contra-razões do reclamante às fls. 195/197.

Parecer da D. Procuradoria às fls.200, pelo prosseguimento.

É o relatório.

VOTO

1. Recurso da Segunda Reclamada.

Conheço do recurso, eis que presentes os pressupostos de admissibilidade.

Rejeito a alegação de ilegitimidade passiva ad causam alegada pela segunda reclamada, afinal a legitimidade é a pertinência subjetiva da ação, isto é, a regularidade do poder de demandar de determinada pessoa sobre determinado objeto. Assim, se alguém dirige sua reclamação em face de determinada pessoa, pugnando por sua responsabilização, a qualquer título, somente essa pessoa pode responder à demanda, não havendo outra que detenha tal legitimidade. Note-se que, aí, não se fala em legitimidade do ponto de vista material, mas sim no aspecto processual, onde deve ser demandado aquele contra que se pretende ver o direito reconhecido. Por tais razões, rejeito a preliminar de ilegitimidade passiva de parte e mantenho, neste ponto, a r. sentença originária.

Quanto à responsabilidade subsidiária da 2ª reclamada com relação às obrigações trabalhistas decorrentes da relação de emprego havida entre o reclamante e a 1ª reclamada, a r. sentença de primeiro grau também deve ser integralmente mantida, por aplicação da Súmula 331 do Colendo TST, vez ser inequívoco que a prestação de serviços efetuada pelo autor lhe trouxe benefícios.

O fato da segunda reclamada se tratar de empresa pública em nada modifica a análise de sua responsabilidade quanto aos direitos devidos ao reclamante, vez igualar-se à empresa privada para fins trabalhistas.

Mantenho, assim, integralmente, o julgado de origem, com a responsabilização subsidiária da INFRAERO.

2. Recurso do Reclamante.

Conheço do recurso, eis que presentes os pressupostos de admissibilidade.

No tocante ao valor da indenização por danos morais fixado na sentença originária, o mesmo deve realmente ser modificado.

E isso se dá pelo fato de que a análise dos elementos de prova constantes dos autos demonstra, de forma cabal, que o autor teve sua honra e sua imagem atingidas pela primeira reclamada que, arbitrariamente divulgou comunicado com nome de empregados advertidos por estarem “fuçando e revirando o lixo para comer pizza” (fls.09).

A primeira reclamada, além de admitir a veracidade dos fatos alegados na inicial em sua defesa (fls.54/55), ausente à audiência, foi declarada confessa quanto à matéria de fato (fls.161).

As alegações da primeira reclamada constantes da defesa, de que “nada mais fez do que retratar os fatos ocorridos naquela semana” e de que “os colegas do reclamante já tinham conhecimento daqueles fatos” (fls.54) demonstram o desrespeito com que referida empresa trata seus empregados.

O empregado deve ser tratado como cidadão e ter respeitadas sua dignidade (artigo 1º, III da CF), sua honra e sua imagem (artigo 5º, incisos V e X da CF). Ainda que o autor tenha agido de forma errada, não podia a primeira reclamada nomeá-lo de “comedor de lixo, fuçador de lixo ou lixeiro” ou ainda divulgar os fatos ocorridos para os demais empregados, pois agindo assim abusou de seu poder de direção, praticando ato ilícito passível de reparação.

Ressalte-se ainda, por oportuno, o fato daquelas “brincadeiras já terem ocorrido anteriormente à circular” (fls.54), não outorga poderes ao empregador para agir com evidente abuso de direito.

Deveria a reclamada, isso sim, verificar os motivos que levaram o reclamante a agir daquela forma “há muito tempo” (fls.54) e procurar corrigi-los, talvez até aumentado os salários que pagava.

Infelizmente verifica-se que a primeira reclamada, aproveitando-se da crise de empregos que assola o país, tratava seus empregados de forma desrespeitosa e cruel, aproveitando-se de sua melhor condição econômica.

Não se pode deixar de mencionar a estranheza da contratação de uma empresa como a primeira reclamada, que assim agia com seus empregados, pela INFRAERO, que efetivamente tem responsabilidade pelos atos por aquela praticados como acima já se decidiu.

A gravidade do ato praticado pela primeira reclamada e o descaso com que trata seus empregados, em especial o reclamante, impõe a reforma da r. sentença de origem para que seja majorado o valor da indenização por danos morais ali fixada.

Referida indenização, segundo a melhor doutrina, deve ter dupla finalidade: ressarcitiva (para que possa minorar os efeitos do ato na consciência do lesado) e punitiva (para que o agente agressor não mais volte a agir daquela maneira), em ambas as hipóteses considerando a capacidade de pagamento do ofensor.

Assim, observado o preceito constante do artigo 944 do Código Civil, reformo nesse ponto a r. sentença de primeiro grau e fixo o valor da indenização pelos danos morais inequivocamente praticados ao autor em R$ 40.014,00 (quarenta mil e quatorze mil reais), ficando desde já esclarecido, conforme entendimento havido no julgamento deste feito ocorrido na Sexta Turma deste Tribunal, que os quarenta mil reais se referem à indenização propriamente dita e os quatorze reais correspondem ao preço médio de uma pizza, para que as reclamadas pensem melhor ao tomar atitude idêntica à que ocorreu no presente processo.

Os valores devem ser devidamente atualizados até a data do efetivo pagamento.

Diante do exposto, conheço dos recursos e, no mérito, NEGO PROVIMENTO ao recurso da segunda reclamada a fim de manter o r. julgado de origem, por seus próprios e jurídicos fundamentos e DOU PROVIMENTO ao recurso do reclamante para fixar o valor da indenização pelos danos morais praticados em R$ 40.014,00 (quarenta mil e quatorze reais).

É o meu voto.

PAULO EDUARDO VIEIRA DE OLIVEIRA

Juiz Relator

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