Teoria do risco

Empresa pode ser responsabilizada por atos de terceiros

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7 de abril de 2006, 7h00

A Lei 10.406, de 10 de janeiro de 2002, conhecida como Código Reale, trouxe para a esfera cível transformações com relação a responsabilidade civil, sendo a principal a admissão da responsabilidade objetiva baseada na teoria do risco (artigo 931). Tais inovações já podiam ser observadas nas disposições da Lei Federal 8.078/90 e nos entendimentos majoritários dos tribunais estaduais e superiores. Entretanto, faltava uma confirmação mais precisa e civilista do instituto.

Por sua vez, o novo Código Civil, na perspectiva de abarcar a responsabilidade da empresa de forma ampliativa, inseriu uma nova denominação para a antiga figura do comerciante, classificando-o como empresário, considerando como tal: “quem exerce profissionalmente atividade econômica organizada para produção ou circulação de bens e serviços.”1

Na mesma direção, a substituição da teoria dos atos de comércio pela teoria da empresa trazida pelo novo código passa a apresentar a empresa com base no multifacetado fenômeno econômico, sob quatro aspectos ou perfis: o subjetivo, o funcional, o corporativo e o objetivo (ou patrimonial).

Pelo primeiro perfil, o subjetivo, a empresa é “confundida com a figura do empresário”, isto é, como exercente de atividade autônoma, de caráter organizativo e com assunção de risco. Neste caso, a pessoa (física ou jurídica) que organiza a produção ou circulação de bens e serviços é identificada com a própria empresa. Já para o perfil funcional, a empresa identifica-se com a própria atividade. Neste caso, o conceito é sinônimo de empreendimento e denota uma abstração2, um conjunto de atos racionais e seriais organizados pelo empresário com vistas à produção ou circulação de bens ou serviços.

O terceiro perfil, corporativo, considera a empresa como uma instituição, uma vez que reúne pessoas (empresários e empregados) com propósitos comuns. Por fim, o quarto e último perfil, objetivo, faz corresponder à empresa seu patrimônio aziendal ou estabelecimento. Há identificação, muitas vezes, dela com o local em que a atividade econômica de produção ou circulação de bens ou serviços é explorada.

Esta visão multifacetária da empresa proposta por Alberto Asquini foi recebida quase que por todas as doutrinas de diversos países, sendo certo que sofreu algumas críticas como a do professor da Faculdade de Direito de Coimbra, Jorge Manuel Coutinho de Abreu. Críticas estas que se pautaram principalmente na idéia central de que o conceito econômico de empresa comporta uma visão unitária apenas. Mas é importante ressaltar que o seu conceito jurídico não, podendo ser compreendida sob vários aspectos e interesses relevantes.

Assim, o novo Código Civil assumiu a teoria da empresa implicando em uma vagarosa desconsideração dos perfis subjetivo, objetivo e corporativo, concentrando-se os autores e a própria hermenêutica jurídica no perfil funcional como sendo o conceito jurídico mais apropriado para a empresa.

Ou seja, a partir do momento em que o empresário exerce profissionalmente atividade econômica organizada visando à obtenção de lucro, assumindo os riscos oriundos da mesma, esta só pode ser entendida como uma atividade revestida destas duas características singulares.

O que se pretende neste simples estudo é alertar para o fato de que a empresa pode ser responsabilizada por ato de terceiros, como já descreviam os artigos 8º e 14º do Código de Defesa do Consumidor, e agora sob a mesma ótica os artigos 927 caput, e parágrafo único, 931 e 932 do Código Civil.

Neste jaez, e para facilitar a compreensão do presente estudo, necessário a conceituação de empresa e de empresário perante a nova teoria da empresa assumida pela doutrina e legislação brasileira.

Tendo em vista os objetivos aqui traçados e as divergências quanto ao conceito de empresa e empresário, ressalta-se a importância do ensinamento de Oscar Barreto Filho:

“Ao conceito básico de empresário se ligam as noções, também fundamentais, de empresa e de estabelecimento. São três noções distintas, mas que na realidade se acham estreitamente correlacionadas. O empresário, como visto, é um sujeito de direito, e a empresa é a atividade por ele organizada e desenvolvida, através do instrumento adequado que é o estabelecimento. A figura do empresário é determinada pela natureza da atividade por ele organizada e dirigida; sob este aspecto, a noção de empresário é, logicamente, um corolário da noção de empresa”3.

Em sendo assim, a responsabilização será da empresa, sofrendo o empresário seus reflexos de maneira direita e estando o seu estabelecimento (correspondente ao perfil patrimonial ou objetivo), de certa forma, comprometido até solução da reparação, indenização ou ressarcimento de danos causados por terceiros.


O estabelecimento comercial e o novo Código Civil

Considera-se estabelecimento comercial “todo complexo de bens organizado, para o exercício da empresa, por empresário, ou por sociedade empresária”. 4

A teoria da empresa, adotada pelo novo Código Civil, abrangeu de forma mais dinâmica o estabelecimento comercial, antes compreendido apenas como um complexo de bens patrimoniais estáticos, restrito ao local das atividades comerciais, o que afastava a figura do próprio empresário em suas relações, diga-se patrimonial e econômica, com o estabelecimento.

Sendo o estabelecimento comercial um dos quatro aspectos da constituição da própria idéia de empresa, assume o empresário os riscos que de sua atividade possa acarretar aos seus clientes e consumidores, neste caso, o estabelecimento insere-se como sede ou local de identificação da empresa e parte da constituição de seu patrimônio.

Assim, compreende-se a empresa responsável por todos os atos e acontecimentos, lícitos ou ilícitos causados em suas dependências (estabelecimento) e imediações de que tem o comando para desenvolver atividade lucrativa (como exemplo, pode-se citar as empresas que disponibilizam aos seus clientes estacionamentos durante o período que estão realizando suas compras, nestes casos os estacionamentos representam um atrativo a mais oferecido pelas empresas como forma de angariar clientes, em contrapartida, estes estarão seguros de que seus bens e veículos estão protegidos; neste sentido é clara a responsabilidade da empresa sobre os bens que se dispõe a proteger, uma vez que assumi este risco com a finalidade de atrair sua clientela).

Convêm lembrar que o estabelecimento empresarial não se limita apenas à idéia fixa de um local onde as atividades são desenvolvidas, mas abrange todo um know-how, incluindo-se o que hoje se chama de good will, ou seja, toda a clientela, a publicidade e o domínio econômico da atividade lucrativa desenvolvida em um determinado local.

Teoria do risco e teoria da culpa — Da culpa in vigilando

Conforme o que vem sendo apresentado, necessária a análise do sentido exato da teoria do risco acrescentada pelo Código Civil e quais os limites para a responsabilização da empresa pelos atos de seus funcionários e terceiros.

Inicialmente, cabe ressaltar que o significado da palavra responsabilidade encontra sua origem no latim respondere, ou seja, responder a alguma coisa, responsabilizar alguém por seus atos danosos.

A resposta a um dano causado, seja de forma dolosa ou culposa, tem seus reflexos diretos e indiretos, ambos resultando na indenização, sendo este o meio utilizado para se reparar um mal, material ou moral.

A responsabilidade civil do agente causador do dano e, igualmente se pode incluir a do empresário que é responsável pela vigilância do local e pela integridade física de seus clientes conforme a teoria da empresa vem demonstrando, anteriormente era estabelecida pela responsabilidade civil subjetiva, sendo imprescindível a existência da culpa derivada de um ato ilícito. Neste diapasão, devendo responder pelo dano causado apenas a pessoa causadora do ato de maneira direta, ou seja, apenas a pessoa de cuja conduta direta causasse um dano — conduta e resultado — devendo existir um nexo de causalidade (causa e efeito) direto.

A responsabilidade civil no direito brasileiro, de acordo com o artigo 159 do Código Civil de 1916, exigia para que houvesse alguma indenização a demonstração de ocorrência dos seguintes requisitos: (a) ação ou omissão; (b) culpa ou dolo do agente; (c) relação de causalidade entre dano e conduta; e (d) o dano.

Entretanto, as mudanças sociais e axiológicas que vem direcionando as sociedades contemporâneas têm exigido da doutrina e jurisprudência um novo raciocínio para atender os anseios de justiça que inspiram o instituto da responsabilidade civil, de modo a ampliar as possibilidades de indenização, fornecendo uma entrega de tutela jurisdicional de forma mais eficaz proporcionando, assim, uma maior segurança jurídica dentro das relações sociais e jurídicas com a finalidade de se manter uma pacificação social, um dos escopos principais do direito.

Foi por esta nova perspectiva social que o novo Código Civil pátrio trouxe uma ampliação da esfera da responsabilidade civil, antes reclamada pela doutrina e jurisprudência, percebendo-se da análise de seus dispositivos uma tendência irrefragável de se adotar a responsabilidade objetiva como regra geral nos casos de indenização por danos causados a outrem, seja porque mais se coadunam com a realidade das relações sociais, seja ainda porque o antigo sistema fundado na existência da culpa mostrou-se insatisfatório como meio de proporcionar a reparabilidade plena.

O sentimento de insatisfação decorrente da utilização generalizada da teoria da responsabilidade subjetiva como forma de caracterizar a obrigação de reparar o dano causado já foi objeto de inúmeras discussões doutrinárias.


Porquanto, tal insatisfação para com a teoria subjetiva, magistralmente posta à calva por Cáio Mário, tornou-se cada vez maior e evidenciou a sua incompatibilidade com o impulso desenvolvimentista da atualidade. A multiplicação das causas de dano evidenciou que a responsabilidade subjetiva demonstra-se inadequada para cobrir todos os casos de reparação.5

Em contrapartida, a teoria objetiva é uma teoria social que considera o homem como parte de uma coletividade e que trata sua individualidade demonstrada por meio de suas ações em confronto com as individualidades que o cercam. O novo diploma legal civilista na tentativa de uma aproximação maior das exigências sociais, em todos os seus aspectos, visando uma verdadeira adaptação aos moldes reclamados pelas novas relações humanas e suas “novas necessidades transformadas em litígios”, passa a adotar a teoria do risco, ainda que de forma tímida.

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Assim, a Lei 10.406/02 possibilitou uma interpretação ampliativa e mais justa no sentido de que toda pessoa física ou jurídica que exerce alguma atividade cria um risco de dano para terceiros, devendo ser obrigada a repará-lo, ainda que sua conduta seja “isenta” de culpa.

A teoria do risco faz com que a responsabilidade civil se desloque da noção de culpa para a idéia de risco, como risco — proveito/risco — criado/risco — profissional e risco — excepcional6, que se funda no princípio segundo o qual é reparável o dano causado a outrem em conseqüência de uma atividade realizada em benefício do responsável7.

A prova essencial que caracteriza a obrigação de reparar o dano, para a teoria supracitada, não considerada mais como sendo a culpa, mas sim o fato em si. Um dos principais méritos que deve ser concedido aos juristas civilistas que atentaram para a idéia do risco ao apresentarem o anteprojeto do novo Código Civil reside justamente no fato de possibilitar uma interpretação extensiva do que se pode entender por atividade que envolva risco para terceiros, aumentando, assim, as hipóteses de responsabilidade sem culpa, que mais se coadunam com os ideais de justiça que inspiram o instituto e o pensamento da sociedade moderna.

A novidade trazida está no parágrafo único do artigo 927, que acolhe a teoria do risco, em suma, a obrigação de indenizar, ainda que a conduta (ação/omissão) não seja culposa. Nesse caso, como nos ensina Luciana Hernández Quintana:

“a responsabilidade incide nos casos em que a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, riscos para os direitos de outrem”8.

Sob esta ótica, são suficientes que estejam presentes os demais requisitos: ação, nexo de causalidade e dano.

O que se quer dizer com a responsabilidade objetiva é que a execução da atividade que ofereça qualquer perigo da qual gera alguma lucratividade originando esta atividade um risco a terceiros, este deve ser assumido pelo agente ou por quem detêm o controle da atividade.

Importante ressaltar que a teoria do risco admitida pelo Código Civil não se confunde com a teoria do risco integral. Para esta última, basta a ocorrência do dano, dispensando-se os demais elementos. A teoria do risco integral é uma vertente extremada da teoria do risco desprezando até a existência do nexo causal.

A interpretação que se pode fazer do artigo 927, parágrafo único, é bem abrangente de modo que surge o problema da definição do risco: qual teria sido a intenção do legislador? Seria a possibilidade de abarcar todos os riscos, ou apenas algum, ou mesmo um? Em resposta, Luiz Roldão de Freitas Gomes sustenta que teria sido a idéia do risco — criado, ou seja, aquele que decorre da atividade, independentemente de existir ou não proveito ou vantagem para o agente.9

O parágrafo único do artigo 927 traz a expressão “implicar por sua natureza risco”, expressão esta igualmente subjetiva capaz de gerar interpretações diversas, entretanto é possível se afirmar que incide nos casos em que a atividade perigosa é exercida sem a segurança necessária.

“Quando se fala em risco, o que se tem em mente é a idéia de segurança. A vida moderna é cada vez mais arriscada, vivemos perigosamente, de sorte que, quanto mais o homem fica exposto a perigo, mais experimenta a necessidade de segurança. Logo, o dever jurídico que se contrapõe ao risco é o dever de segurança.”10

A presente situação, de acordo com a orientação seguida pelo novo Código Civil, permite a responsabilização da empresa pelos atos causados por seus funcionários, como exemplo, casa de shows, cinemas, restaurantes, supermercados, lojas, shoppings, etc. responsabilizando-se pelos danos causados em vítimas por eventos ocorridos em suas dependências, como roubos, furtos, lesões corporais causadas por brigas, incêndios, desabamentos, etc., situações estas de natureza previsível e passível de serem controladas.


É fato que, nos dias de hoje, as danceterias, boates, shoppings, cinemas, lojas, estacionamentos, agências bancárias, etc., tornaram-se empreendimentos que suportam riscos em suas atividades.

Os noticiários diários informam casos, cada vez mais freqüentes, de brigas e confusões dentro dos estabelecimentos de diversão, de compras, de lazer, etc.. Estes empreendimentos, deveras lucrativos, são guarnecidos com muitos funcionários, sendo a maioria seguranças, para evitarem confrontos, tumultos, roubos, furtos, latrocínios e conseqüentemente danos causados aos seus clientes.

Para as empresas destes ramos, é possível a previsão de confusões que possam vir a ocorrer, desta forma assumem os riscos advindos de suas atividades.

Se aquele que desempenha a atividade de risco, concreto ou in potencial, não agir com as cautelas normais de segurança se pode concluir pela aplicação da responsabilidade civil objetiva. É bastante razoável dizer que a responsabilidade civil objetiva prevista no Código Civil em muito se aproxima com a figura do dolo eventual, em que o agente (compreende-se aqui pessoa física ou jurídica) assume o risco de produzir dano, embora não o deseje.

Os tribunais vêm admitindo com muita prudência a responsabilidade das empresas por ato de terceiros desde que possua o nexo causal entre a atividade desenvolvida e a conduta do terceiro que originou o dano, bom exemplo é a responsabilidade dos bancos (empresas de financiamento) pelos roubos e furtos efetuados aos seus clientes dentro ou aos redores das agências bancárias:

“Responsabilidade Civil_ Indenização_ Banco_ Assalto ocorrido dentro de agência bancária, vindo um de seus clientes a ser atingido por projétil de arma de fogo_ Verba devida pela instituição financeira, mesmo que em casos de culpa exclusiva da vítima, fato de terceiro, caso fortuito ou força maior, pois sua responsabilidade se funda na teoria do risco integral” (TJRJ_ Ap. 17.241/99_ 13ª Câm._ j. 16.03.2000_ rel. Des. Nametala Jorge_ DORJ 15.06.2000_ RT 781/366).

“Responsabilidade Civil_ A instituição financeira é obrigada a indenizar o dano experimentado por cliente, alvejado por tiro, em assalto ocorrido no estabelecimento bancário. Não se escusa de fazê-lo, alegando a natureza fortuita do evento, pois a hipótese é regida pelo Código de Defesa do Consumidor, e o que se deve aferir é o atendimento da expectativa legítima de segurança, atenta aos riscos oferecidos pela atividade. Não atendido tal expectativa, o serviço é defeituoso, no sentido técnico da palavra”. (TRF, 2ªRegião_ Ap. 97.02.34032-2 RJ_ 4ªT. _j. 26.04.1999, rel. Juiz convocado Guilherme Couto de Castro_ DJU 09.03.2000_ RT 779/393).

Poder-se-ia citar muitos exemplos de risco assumido pelas empresas por ato de terceiros. Acima se falou da responsabilidade de terceiro citando este quase sempre como sendo o funcionário da empresa, cabe ressaltar que há casos em que o terceiro não possui qualquer vínculo com a empresa, como os exemplos supramencionados de assaltos e roubos. Entretanto, observa-se que a empresa assume a responsabilidade pelo ato perante a vítima, normalmente seu cliente, mas deve ser garantido à empresa o direito de regresso contra o seu funcionário responsável pelo cuidado e vigilância do estabelecimento.

Em 2004, na Argentina, houve um exemplo claro sobre a irresponsabilidade da empresa quando a mesma lacrou as portas de emergência legalmente exigidas, com a finalidade de evitar que clientes evacuassem o estabelecimento sem pagar suas respectivas consumações, expondo os clientes bem como os funcionários ao perigo de incêndio o que causou inúmeras mortes.

Este exemplo cabe às empresas brasileiras que, da mesma forma, lacram suas portas de emergência, com a mesma finalidade, na tentativa de evitar que seus clientes saiam do estabelecimento sem pagar as respectivas contas devidas.

Compete às empresas cercarem-se das cautelas devidas para evitar a ocorrência de danos. Incumbe às mesmas o dever de resguardar a segurança dos clientes que acorreram ao local em horário aberto ao público.

Com relação à responsabilidade da empresa por ato de funcionário a ela subjugado, fica clara sua responsabilidade. Mesmo antes de haver a possibilidade da responsabilização com base na teoria do risco, em específico, o risco — criado, poderia a mesma ser responsabilizada pela culpa in vigilando.

Estando presente, no caso supramencionado, o nexo de causalidade entre o ato ilícito e o dano, causado pela empresa de forma indireta e por terceiro a ela subjugado de forma direta, estará claramente caracterizada a culpa in vigilando da empresa, sendo indiscutível o dever de indenizar.

Conforme entendimento jurisprudencial, a empresa é responsável pela segurança de seus clientes. A lesão ocasionada em vítima que ocorre no interior do estabelecimento caracteriza nexo de causalidade, porquanto há culpa strictu sensu, incorrendo a ré na culpa in vigilando o que configura de forma inconteste sua legitimidade passiva ad causam.


Devendo sofrer, assim, as conseqüências jurídicas do ato ilícito, sendo de se afirmar a sua responsabilidade por fatos ocorridos nas dependências do estabelecimento empresarial, pois, de qualquer forma, atrai a clientela pela forma como se apresenta, assumindo as conseqüências do risco do negócio, restando caracterizada a sua responsabilidade.

Evidente está que a empresa deve prever que suas atividades cotidianas podem ocasionar atos ilícitos, descartando-se assim alegações de força maior ou caso fortuito.

A responsabilidade da empresa torna-se incontestável, tendo assim legitimidade passiva para responder a demanda, de acordo com as novas exigências da sociedade moderna e o verdadeiro sentido de justiça.

Nos casos do terceiro ser funcionário da empresa, haverá um verdadeiro litisconsórcio passivo entre o agente causador do dano direto e a empresa responsável pela vigilância e segurança dos clientes que se encontram em suas dependências. Entretanto, a parte, sujeito ativo da demanda, não está obrigada a indicar o terceiro como réu, bastando ingressar com pedido contra a empresa, cabendo a esta a indicação do terceiro seja denunciando-o a lide, ou com ingresso posterior de uma ação de regresso.

O novo Código Civil veio trazer para as relações civis e para o instituto da responsabilidade civil as regras que já se encontravam nas relações de consumo. Mesmo porque as relações das empresas com as pessoas físicas ou mesmo jurídicas ensejam, maioria das vezes, relações de consumo e prestação de serviços.

O Código de Defesa do Consumidor já fixava situações que possibilitavam a responsabilidade civil da empresa. Entretanto, deixava algumas situações não enquadradas nos artigos 3 e 4 do CDC sem soluções por pertencerem unicamente a esfera civil. Fortes exemplos são os relacionados com os contratos e negócios jurídicos fixados entre duas partes onde nenhuma delas equivaleria a fornecedor e consumidor.

Importante lembrar que o Superior Tribunal de Justiça já sumulou o assunto possibilitando a responsabilidade objetiva da empresa antes da vigência do novo Código Civil.

Reparação e indenização fixadas pelo Código de Defesa do Consumidor

A responsabilidade da empresa já vinha sendo declarada aos poucos mesmo antes da existência de um instituto civil que o previsse. Desta forma, foi que os artigos 12 a 14 do Código de Defesa do Consumidor, tentando abarcar todas as situações possíveis de responsabilização sem a existência da culpa, antes exigida pelo artigo 159 do Código Civil de 1916, passaram a renovar os institutos da responsabilidade.

Fato é que a moral conveniente quer salvaguardar a liberdade de agir dos homens e só responsabilizá-los quando se configurar uma conduta culpável. Ocorria que, uma sociedade civil cada vez mais reivindicante, reclamava mecanismos normativos capazes de assegurar o ressarcimento dos danos, se necessários fossem, mediante sacrifício do pressuposto da culpa. A obrigação de indenizar sem culpa surgiu no bojo dessas idéias renovadoras por duas razões:

a) a consideração de que certas atividades do homem criam um risco especial para outros homens, e que;

b) o exercício de determinados direitos deve implicar ressarcimento dos danos causados.11

Desta forma, começaram a ser lançadas as sementes da teoria do risco que, partindo do suposto cuius cômoda eius incommoda, abria o caminho para a desconsideração da culpa na reparação de determinados danos que, de início, eram restritos e posteriormente alargou-se de maneira a incluir a responsabilidade sob as empresas por assunção de riscos.

Aos poucos e atendendo aos reclamos da sociedade moderna, a responsabilidade civil objetiva invadiu a esfera civil para poder responder aos fatos e novas relações que vinham surgindo.

O artigo 14 do Código de Defesa do Consumidor deixa clara a possibilidade de responsabilizar-se a empresa por ato praticado por terceiro, desde que tenha alguma relação com a prestação de serviços e que assuma indiscutivelmente os riscos de seus negócios.

Importante ressaltar ainda que situações onde estão presentes o caso fortuito ou força maior são excludentes de qualquer responsabilidade, mesmo porque são situações previstas pelo próprio Código Civil.

O Código de Defesa do Consumidor Brasileiro inovou a matéria possibilitando, vez por todas, a aplicação da responsabilidade objetiva, tendo como fundamento a teoria do risco.

Apesar de tal inovação, apenas com a entrada em vigor do Código Civil de 2002 é que foi possível ampliar ainda mais a responsabilidade objetiva, pois o Código de Defesa do Consumidor restringia sua aplicação à relação fornecedor-consumidor, tendo o novo Código Civil ampliado-a para todas as relações jurídicas por onde tramitam a previsão e criação de uma situação de risco.


Conclusão

A nova estrutura normativa dos institutos da responsabilidade trazida pelo Código Civil de 2002 encerrou, vez por todas, com grandes divagações a respeito da aplicação ou não da responsabilidade objetiva em situações tratadas entre particulares.

Fato é que anteriormente exigia-se a existência de três requisitos para a atribuição da responsabilidade, quais eram: o ato ilícito, o dano e o nexo de causalidade, todos visando a confirmação de culpa (por negligência, imprudência ou imperícia) do próprio agente causador do dano, ou seja, a culpa somente poderia ser atribuída ao agente causador do dano e se fosse comprovada a culpa do mesmo.

Atualmente, a sociedade passou a exigir outra postura do Judiciário frente às novas formas de negociações jurídicas e mesmo pela grande transformação por que passaram as relações humanas.

O Código de Direito do Consumidor já vinha compreendendo tais necessidades sociais e traçou o que seria o início das transformações para o instituto da responsabilidade civil da empresa. Entretanto, limitou tal responsabilidade nas relações de consumo, ficando ainda várias questões mal interpretadas e ainda não solucionadas.

Com a normatização trazida pelo novo Código Civil, a sociedade como um todo passou a ganhar maior proteção e tutela, não só as pessoas físicas, mas também as pessoas jurídicas, vez que ambas podem ser vítimas de danos tanto moral quanto material.

As novas teorias, como a teoria da empresa e acompanhada pela teoria do risco, que já vinham sendo debatidas e aceitas por muitos juristas, ganharam corpo e forma com a regulamentação da responsabilidade civil objetiva.

É neste sentido que este pequeno estudo procurou traçar algumas considerações a respeito da aplicação da responsabilidade objetiva para as empresas que não tenham dado causa direta aos danos, mas que de alguma forma tenham colaborado para tanto, ou que tenham assumido os riscos, com suas próprias atividade empresariais.

Em sendo assim, é clara a obrigação de indenizar as vítimas por ato de terceiros de algumas empresas que passam a assumir os riscos de seus negócios. Evidentemente que não se pode estabelecer a responsabilidade objetiva de maneira generalizada e irresponsável. Há critérios que devem ser observados para a sua aplicação.

A responsabilidade civil causado por dano é situação fática e de direito, não se limitando apenas às questões de direito. Desta forma, cada situação deve ser analisada em separado para que não haja qualquer abuso ou má-fé por parte de supostas vítimas contra empresas.

Em suma, o Código Civil de 2002 solucionou inúmeras questões relacionadas à responsabilidade civil da empresa com a regulamentação e ampliação do instituto e somente foi possível tal avanço após inúmeros estudos e reclamos sociais. Para viabilizar a aplicação do instituto, foi ainda necessária uma reformulação no próprio conceito de empresa e empresário, passando-se a admitir a teoria da empresa em detrimento da teoria dos atos de comércio.

Importante ressaltar, por fim, que tais mudanças ocorreram de maneira gradativa, lenta, após inúmeros estudos e acompanhamento das novas formas de relações socais, provando mais uma vez que o Direito é uma forma de comunicação indispensável para a sobrevivência e convívio social.

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Notas de rodapé

1 – Artigo 966, Código Civil.

2 – Neste entendimento, temos Rubens Requião, para quem “o conceito de empresa se firma na idéia de que é ela o exercício de atividade produtiva. E do exercício de uma atividade não se tem senão uma idéia abstrata” (Curso de Direito Comercial, 20ed., São Paulo: Saraiva, 1991, v.1, p. 57).

3 – BARRETO FILHO, Oscar. Teoria do Estabelecimento Comercial, São Paulo: Saraiva, 2ed., 1988, p. 115.

4 – Artigo 1.142, CC.

5 – STOCO Rui. Responsabilidade Civil e sua Interpretação Jurisprudencial. 4 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999, p. 76.

6 – Risco – proveito está ligado a idéia de que aquele que tira vantagem(=proveito) de uma determinada atividade fica obrigado a indenizar, desde que cause dano a alguém; risco – criado impõe o dever de reparar o dano em razão da atividade, potencialmente geradora de risco e normalmente exercida (independentemente de haver vantagem para aquele que a exerce); risco – profissional, por sua vez, determina o dever de indenizar sempre que o dano decorre da profissão do lesado, enquanto a teoria do risco – excepcional diz respeito às hipóteses em que o dano é conseqüência de um risco que escapa à atividade comum da vítima.

7 – GONÇALVES, Carlos Roberto. Comentários ao Código Civil. São Paulo: Saraiva, 2003, p.07.

8 – QUINTANA, Luciana Hernández. A responsabilidade civil objetiva no Código Civil Brasileiro: a teoria do risco criado prevista no artigo 927, parágrafo único. São Paulo: Revista do Advogado AASP, ano XXIV, julho de 2004, n77, pg. 25.

9 – GOMES, Luiz Roldão de Freitas. A responsabilidade civil subjetiva e objetivo no novo código civil, in Aspectos controvertidos no novo código civil. Coordenação Arruda Alvim, Joaquim Portes de Cerqueira Cézar e Roberto Rosas. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003, p.457.

10 – DIREITO, Carlos Alberto Menezes e CAVALIERI FILHO, Sérgio. Comentários ao Novo Código Civil, da responsabilidade civil, das preferências e privilégios creditórios. Rio de Janeiro: Forense, 1ed., 2004, Vol. XIII, p. 153.

11 – GRINOVER, Ada Pellegrini; BENJAMIN, Antônio Herman de Vasconcellos, FINK, Daniel Roberto, FILOMENO, José Geraldo Brito, WATANABE, Kazuo, NERY JR., Nelson, DENARI, Zelmo. Código Brasileiro de Defesa do Consumidor. 5ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária Biblioteca Jurídica, 1998, pg. 143.

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