Indícios de improbidade

Ação contra prefeito César Maia deve prosseguir

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1 de abril de 2006, 7h00

A juíza Regina Coeli Medeiros de Carvalho, da 18ª Vara Federal do Rio de Janeiro, deu prosseguimento às denúncias dos Ministérios Público Federal e Estadual do Rio de Janeiro. Ela reconheceu a existência de indícios de atos de improbidade administrativa por parte do prefeito César Maia e do secretário municipal de Saúde Ronaldo César Coelho, no recebimento de verbas da União Federal relativas a programas de saúde.

Em defesa prévia, o secretário Ronaldo César Coelho, alegou que o fato de o município do Rio de Janeiro não ter optado por aderir a “ditos programas” de saúde não significa renúncia de receitas já que “em todos os casos mencionados no pedido as transferências de recursos que a União Federal se propõe a realizar são significativamente inferiores aos custos efetivos destes serviços”.

Destaca ainda, que o intuito da ação proposta pelos Ministérios Públicos “é impor ao Poder Executivo municipal a adoção de políticas públicas da União, sem qualquer preocupação com a capacidade financeira e fiscal do município e, muito menos, com a manutenção de todos os serviços de saúde por ele já disponibilizados.”

Já o prefeito César Maia afirma que esta ação não seguiu o procedimento previsto no artigo 17 da Lei de Improbidade Administrativa (Lei 8.429/92), que prevê a adoção de rito ordinário, e não aquele previsto na Lei de Ação Civil Pública. Alega também que houve supressão de instância uma vez que a ação não foi precedida de inquérito policial ou de processo administrativo.

Para a juíza os réus descumpriram algumas normas operacionais de assistência à saúde. O que caracteriza o desrespeito “ao direito aos serviços e ações de saúde.” Segundo ela, “foi trazido aos autos suporte probatório suficiente a caracterizar a existência de indícios de atos de improbidade objetivando, enfim, apurar as responsabilidades e determinar providências.”

Leia a íntegra da decisão

DECISÃO

Vistos, etc.

Vêm os autos conclusos para, em cumprimento ao disposto no parágrafo 8º, do art. 17, da Lei de Improbidade Administrativa – LIA (Lei nº 8.429/92), com a redação dada pela Medida Provisória nº 2.225-54/2001, apreciação dos requisitos de admissibilidade da presente demanda, para fins de prosseguimento do feito.

Instados a apresentarem “defesa prévia”, nos termos do despacho de fl. 345, o segundo réu, RONALDO CÉSAR COELHO, cingiu-se a argüir a incompetência do Juízo através das manifestações de fls. 358, 390/392, 457/458 e 460.

Já o primeiro réu afirma, às fls. 363/369, que os atos tidos como omissivos, relativos ao recebimento de recursos da União Federal atinentes a programas federais na área de saúde, importam em verdadeira intervenção do Governo Central na autonomia constitucionalmente assegurada aos Municípios.

Ressalta, ainda, que todos os programas de saúde enumerados no “item 1” do pedido da inicial são extremamente onerosos aos Municípios, de modo que o fato do Município do Rio de Janeiro não ter optado por aderir a ditos programas de saúde não importa em renúncia de receitas já que “em todos os casos mencionados no pedido as transferências de recursos que a União Federal se propõe a realizar são significativamente inferiores aos custos efetivos destes serviços”.

Por fim, destaca que o intuito da presente demanda é impor ao Poder Executivo Municipal a adoção de políticas públicas da União, sem qualquer preocupação com a capacidade financeira e fiscal do município e, muito menos, com a manutenção de todos os serviços de saúde por ele já disponibilizados.

Nova manifestação do primeiro réu, às fls. 472/478, reiterando questões que já foram objeto de apreciação por este Juízo (fls. 445/452) e ressaltando a ausência de pressuposto de constituição da ação de improbidade administrativa e a violação ao devido processo legal, destacando que o artigo 17 da Lei nº 8.429/92 prevê a adoção do rito ordinário, e não o procedimento previsto na Lei de Ação Civil Pública, bem como que houve supressão de instância uma vez que a presente não foi precedida de inquérito policial ou de processo administrativo.

É o relatório do necessário. Passo a decidir.

Primeiramente, quanto à preliminar aventada pelo réu CESAR EPITÁCIO MAIA, no sentido de que a presente ação não foi ajuizada seguindo o procedimento ordinário, previsto no art. 17 da legislação em comento, tenho que a mesma não merece prosperar posto que a Ação Civil Pública é o instrumento adequado para que se efetive o controle sobre os atos que reflitam conduta ímproba dos Administradores Públicos.

Ressalte-se, ainda, que é pacifico na doutrina e jurisprudência pátrias o cabimento de Ação Civil Pública em casos de improbidade administrativa, valendo, nesse passo transcrever aresto do Colendo Superior Tribunal de Justiça que corrobora, in totum, o entendimento deste Juízo:


“Origem: STJ – SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

Classe: RESP – RECURSO ESPECIAL – 510150

Processo: 200300078957 UF: MA

Órgão Julgador: PRIMEIRA TURMA

Data da decisão: 17/02/2004

DJ DATA:29/03/2004 PÁGINA:173

RELATOR: LUIZ FUX

EMENTA

ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. AÇÃO CIVIL PÚBLICA.

1. A probidade administrativa é consectário da moralidade administrativa, anseio popular e, a fortiori, difuso.

2. A característica da ação civil pública está, exatamente, no seu objeto difuso, que viabiliza mutifária legitimação , dentre outras, a do Ministério Público como o mais adequado órgão de tutela, intermediário entre o Estado e o cidadão.

3. A Lei de Improbidade Administrativa, em essência, não é lei de ritos senão substancial, ao enumerar condutas contra legem, sua exegese e sanções correspondentes.

4. Considerando o cânone de que a todo direito corresponde um ação que o assegura, é lícito que o interesse difuso à probidade administrativa seja veiculado por meio da ação civil pública máxime porque a conduta do Prefeito interessa à toda a comunidade local mercê de a eficácia erga omnes da decisão aproveitar aos demais munícipes, poupando-lhes de noveis demandas.

5. As conseqüências da ação civil pública quanto aos provimento jurisdicional não inibe a eficácia da sentença que pode obedecer à classificação quinária ou trinária das sentenças

6. A fortiori, a ação civil pública pode gerar comando condenatório, declaratório, constitutivo, autoexecutável ou mandamental.

7. Axiologicamente, é a causa petendi que caracteriza a ação difusa e não o pedido formulado, muito embora o objeto mediato daquele também influa na categorização da demanda.

8. A lei de improbidade administrativa, juntamente com a lei da ação civil pública, da ação popular, do mandado de segurança coletivo, do Código de Defesa do Consumidor e do Estatuto da Criança e do Adolescente e do Idoso, compõem um microssistema de tutela dos interesses transindividuais e sob esse enfoque interdisciplinar, interpenetram-se e subsidiam-se.

9. A doutrina do tema referenda o entendimento de que “A ação civil pública é o instrumento processual adequado conferido ao Ministério Público para o exercício do controle popular sobre os atos dos poderes públicos, exigindo tanto a reparação do dano causado ao patrimônio por ato de improbidade quanto à aplicação das sanções do art. 37, § 4º, da Constituição Federal, previstas ao agente público, em decorrência de sua conduta irregular. (…)

Torna-se, pois, indiscutível a adequação dos pedidos de aplicação das sanções previstas para ato de improbidade à ação civil pública, que se constitui nada mais do que uma mera denominação de ações coletivas, às quais por igual tendem à defesa de interesses meta-individuais.

Assim, não se pode negar que a Ação Civil Pública se trata da via processual adequada para a proteção do patrimônio público, dos princípios constitucionais da administração pública e para a repressão de atos de improbidade administrativa, ou simplesmente atos lesivos, ilegais ou imorais, conforme expressa previsão do art. 12 da Lei 8.429/92 (de acordo com o art. 37, § 4º, da Constituição Federal e art. 3º da Lei n.º 7.347/85)” (Alexandre de Moraes in “Direito Constitucional”, 9ª ed. , p. 333-334)

10. Recurso especial desprovido.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Primeira Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas a seguir, após o voto-vista do Sr. Ministro José Delgado, por unanimidade, negar provimento ao recurso, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Teori Albino Zavascki, Denise Arruda e José Delgado (voto-vista) votaram com o Sr. Ministro Relator. Ausente, ocasionalmente, o Sr. Ministro Francisco Falcão.”

(grifamos)

Quanto à alegada ausência de inquérito policial ou de processo administrativo, que no entender do primeiro réu configuraria “supressão de instância inquisitorial prévia e obrigatória”, bem como violaria o devido processo legal, é de se reconhecer que igualmente falece razão ao mesmo, vez que além da presente demanda estar instruída com cópias dos Inquéritos Civis nºs 03/05 e 3156/05, é sabido que o inquérito civil é procedimento instrutório, e como tal não há que se falar em contraditório e ampla defesa. Nesse sentido, o entendimento pacífico do C. Superior Tribunal de Justiça conforme se verifica in verbis:

“Origem: STJ – SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

Classe: RESP – RECURSO ESPECIAL – 644994

Processo: 200302154910 UF: MG

Órgão Julgador: SEGUNDA TURMA

DJ DATA:21/03/2005 PÁGINA:336


RELATOR: JOÃO OTÁVIO DE NORONHA

EMENTA

PROCESSO CIVIL AÇÃO CIVIL DE REPARAÇÃO DE DANOS – INQUÉRITO CIVIL PÚBLICO. NATUREZA INQUISITIVA. VALOR PROBATÓRIO.

1. O inquérito civil público é procedimento informativo, destinado a formar a opinio actio do Ministério Público. Constitui meio destinado a colher provas e outros elementos de convicção, tendo natureza inquisitiva.

2. “As provas colhidas no inquérito têm valor probatório relativo, porque colhidas sem a observância do contraditório, mas só devem ser afastadas quando há contraprova de hierarquia superior, ou seja, produzida sob a vigilância do contraditório” (Recurso Especial n. 476.660-MG, relatora Ministra Eliana Calmon, DJ de 4.8.2003).

3. As provas colhidas no inquérito civil, uma vez que instruem a peça vestibular, incorporam-se ao processo, devendo ser analisadas e devidamente valoradas pelo julgador.

4. Recurso especial conhecido e provido.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da SEGUNDA TURMA do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, conhecer do recurso e dar-lhe provimento nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Castro Meira, Francisco Peçanha Martins, Eliana Calmon e Franciulli Netto votaram com o Sr. Ministro Relator. Presidiu o julgamento o Sr. Ministro Franciulli Netto.

(grifamos)

Ademais, é cristalino que o ajuizamento da ação prescinde de prévio trâmite na via administrativa, constituindo tal exigência em verdadeira afronta ao texto constitucional, que assegura o pleno acesso ao Judiciário em seu art. 5º, XXXV, sendo assente tal entendimento nos Tribunais Superiores, conforme se verifica nos arestos abaixo-transcritos:

Origem: STJ – SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

Classe: ROMS – RECURSO ORDINARIO EM MANDADO DE SEGURANÇA – 4289

Processo: 199400104839 UF: MS

Órgão Julgador: QUINTA TURMA

DJ DATA:04/06/2001 PÁGINA:185

RELATOR: GILSON DIPP

EMENTA

RMS – CONSTITUCIONAL – ADMINISTRATIVO – PROCESSUAL CIVIL –PRELIMINAR – CARÊNCIA DO DIREITO DE AÇÃO QUANTO AO SEGUNDO IMPETRANTE – ESGOTAMENTO DAS VIAS ADMINISTRATIVAS – DESNECESSIDADE – GRATIFICAÇÃO DE REPRESENTAÇÃO – EXTENSÃO AOS INATIVOS – NATUREZA PRO LABORE FACIENDO – INEXISTÊNCIA DE LINEARIDADE E GENERALIDADE.

I- Após a proclamação da Constituição Federal de 1988, o exaurimento da via administrativa é mera faculdade da parte interessada, não consubstanciando condição sine qua non para impetrar-se mandado de segurança.

II- De acordo com o Decreto 6.348/92, regulamentador da Lei Complementar Estadual 52/90, a Gratificação de Representação foi concedida aos servidores em atividade, com natureza indenizatória, ou seja, não tem caráter geral, sendo paga de acordo com os serviços prestados.

III- Segundo a jurisprudência do Pretório Excelso e deste Superior Tribunal de Justiça, a isonomia preceituada no artigo 40, § 4º da Constituição Federal só é aplicável quando o acréscimo vencimental for linear e geral. Desta feita, persistindo circunstância condicionante do percentual a ser conferido aos servidores em atividade, resta afastada a extensão do aludido dispositivo constitucional aos inativos, em face da natureza pro labore faciendo.

IV- Recurso conhecido e parcialmente provido, tão somente para afastar a preliminar de carência de ação quanto ao segundo impetrante

ACORDAO

Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da QUINTA TURMA do Superior Tribunal de Justiça, A Turma, por unanimidade, deu parcial provimento ao recurso, tão somente para declarar que o autor Hilton Pereira Vargas tem legitimidade para figurar no polo ativo da lide.Os Srs. Ministros Edson Vidigal, José Arnaldo da Fonseca e Felix Fischer votaram com o Sr. Ministro Relator. Ausente, justificadamente, o Sr. Ministro Jorge Scartezzini.

Origem: STJ – SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

Classe: RESP – RECURSO ESPECIAL – 182513

Processo: 199800535055 UF: ES

Órgão Julgador: SEGUNDA TURMA

Data da decisão: 02/03/2005 Documento: STJ000608696

DJ DATA:09/05/2005 PÁGINA:322

RELATOR: JOÃO OTÁVIO DE NORONHA

EMENTA

PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. RECURSO ESPECIAL. AUSÊNCIA DE VIOLAÇÃO DO ART. 535 DO CPC. PREQUESTIONAMENTO. REPETIÇÃO DE INDÉBITO. TRIBUTO DECLARADO INCONSTITUCIONAL. EXAURIMENTO DA VIA ADMINISTRATIVA. INTERESSE DE AGIR.

1. Tendo a Corte Regional fundamentado sua decisão em base jurídica adequada e suficiente ao desate da lide, não haveria por que se reexaminar a matéria sob perspectiva diversa, ditada pelo embargante. Violação do art. 535 do CPC não-caracterizada.

2. Não merece ser conhecido recurso especial fundado na alínea “a” do permissivo constitucional se o acórdão impugnado decide a lide sem emitir juízo, ainda que implícito, sobre os comandos legais tidos por violados.


3. Para a ação de restituição de indébito do Adicional do Imposto de Renda, uma vez declarada sua inconstitucionalidade, o não-esgotamento da via administrativa não redunda no reconhecimento da falta de interesse de agir, não sendo a prévia postulação administrativa imprescindível a seu ingresso em juízo.

4. Recurso especial conhecido e improvido.

ACORDAO

Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da SEGUNDA TURMA do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, negar provimento ao recurso nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Castro Meira, Francisco Peçanha Martins, Eliana Calmon e Franciulli Netto votaram com o Sr. Ministro Relator. Presidiu o julgamento o Sr. Ministro Franciulli Netto.

De outra banda, no que se refere à questão da incompetência do Juízo, aventada pelo segundo réu – RONALDO CÉSAR COELHO, a par do tema ter sido tratado exaustivamente na decisão de fls. 445/452, destaco que o foro privilegiado, por prerrogativa de função, do art. 53, parágrafo 1º, da CRFB, não tem o condão de modificar a competência para o processamento das ações civis de improbidade administrativa, posto que a competência originária do Pretório Excelso é prevista em numerus clausus, exaustivamente descrita no rol constante do inciso I, do art. 102 da Constituição, não constando deste o objeto da presente, o que impossibilita sua apreciação pelo Supremo Tribunal Federal, conforme se verifica na decisão proferida quando do julgamento do Agravo Regimental na Reclamação nº 1.110/DF, publicada no DJU em 07/12/1999, da lavra do MM. Relator Ministro Celso de Mello, cuja ementa ora transcrevo, in verbis:

“Senador da República. Inquérito Civil. Ação Civil Pública. Medida processual a ser eventualmente adotada contra empresas que estiveram sujeitas ao poder de controle e gestão parlamentar, até sua investidura no mandato legislativo. Alegada usurpação da competência originária do Supremo Tribunal Federal. Ausência de plausibilidade jurídica. Medida liminar cassada. O Supremo Tribunal Federal – mesmo tratando de pessoas ou autoridades que dispõem em razão do ofício, prerrogativa de foro, nos casos de estritos de crimes comuns – não tem competência originária para processar e julgar ações civis públicas que contra elas possam ser ajuizadas. Precedentes. A competência originária do Supremo, por qualificar-se como um complexo de atribuições jurisdicionais de extração essencialmente constitucional – e ante o regime de direito estrito a que se acha submetida – não comporta a possibilidade de ser estendida a situações que extravasem os rígidos limites fixados, em numerus clausus, pelo rol exaustivo inscrito no art. 102, i, da Constituição da República. Precedentes.”

(grifamos)

Ressalte-se, ainda, que as modificações operadas no art. 84 do CPP, com a redação dada pela Lei nº 10628/2002, que determinavam que a Ação de Improbidade seria proposta perante o tribunal competente para julgar criminalmente a Autoridade, na hipótese de prerrogativa de foro em razão do exercício da função pública, bem como estendia a competência especial por prerrogativa de função aos ex-ocupantes de cargos públicos, já foram declaradas inconstitucionais pelo Colendo STF, na ADI 2.797/DF, restando, mantida a competência deste Juízo, nos termos da aludida decisão.

Some-se a isso o fato por demais relevante do segundo réu estar afastado do seu mandato de Deputado Federal, justamente para exercer o cargo de Secretário Municipal de Saúde, razão pela qual a ele também não se aplica o dispositivo constitucional que pretende invocar, por desrespeitar o Princípio da Atualidade do Exercício da Função, proclamado pelo Ministro Carlos Ayres Britto ao julgar a Ação Direta de Inconstitucionalidade 2.797/DF, suso mencionada, que como já dito também versa sobre o foro privilegiado para os ex-ocupantes de cargos públicos em processos de improbidade administrativa.

Igualmente é de ser rechaçado o pedido de declínio de competência para julgamento conjunto perante o Supremo Tribunal Federal, sob o novo fundamento adunado às fls. 460 e seguintes, no sentido de que já foi instaurado inquérito policial, por requisição da Procuradoria Geral da República, para apurar os mesmos fatos objeto desta Ação Civil Pública, haja vista inexistir a alegada conexão entre ação de natureza penal e de natureza civil, e, de conseguinte, o perigo de decisões conflitante, objetivo primário da reunião dos feitos.

Passando ao exame de admissibilidade da presente Ação Civil Pública, em conformidade com o disposto no art. 17, § 8º, da Lei nº 8.429/92, é sabido que a notificação prévia, acrescida na Lei de Improbidade Administrativa (LIA), através da inclusão do aludido parágrafo, tem como objetivo precípuo evitar a admissibilidade de demandas temerárias e manifestamente incabíveis, com indesejáveis repercussões não só para o réu, mas também para a própria Administração, a qual ele esta vinculado, com comprometimento, inclusive, da própria credibilidade desta e do regular funcionamento dos serviços por ela prestados.


Insta frisar, desde logo, que a exigência para o prosseguimento do feito é a existência tão-somente de indícios, e não a comprovação imediata de caracterização de atos de improbidade.

Como bem ressaltou o ilustre Magistrado Dr. José Antônio Lisboa Neiva, em sua obra Improbidade Administrativa – Estudo sobre a Demanda na Ação de Conhecimento e Cautelar, ao tratar do parágrafo 8º, do art. 17, pg. 119, “O dispositivo admite que o juiz indefira a inicial em caso de improcedência patente, cabalmente demonstrada, pois seria visível a ausência de improbidade administrativa diante da causa de pedir descrita na petição inicial e dos elementos probatórios existentes nos autos”.

Porém, a questão não está restrita tão somente a indícios. A título de exemplificação de conduta omissiva dos réus ressalto, dentre outras, o “Descumprimento das Metas dos programas subsidiados pelo Banco Mundial”, comprometendo, inclusive, os demais Estados que se beneficiam do Programa, vez que se trata de projeto à nível nacional, além de deixar de receber as aludidas verbas, por falta de implementação das metas, e dos medicamentos correspondentes destinados às equipes de Saúde de Família e Bucal, que não foram implementadas, nos moldes e nas quantidades recomendadas.

No Sistema PROESF, por exemplo, os recursos que o Município estaria apto a receber, deixaram de ser repassados por falta de habilitação por parte das Autoridades Municipais, sem se mencionar os recursos da Gestão Plena de Atenção Básica Ampliada, onde a falta de repasses, em razão dessa omissão, alcança a cifra de R$20.532.692,32.

A não habilitação para obtenção das verbas referidas e a não alocação de outras gerou o desabastecimento de medicamentos e o desaparelhamento da rede de saúde, com equipamentos sofisticados sem manutenção, criando condições adversas até mesmo para o armazenamento do material hospitalar, sem falar da falta de climatização dos centros cirúrgicos, propiciando a proliferação de bactérias que conduzem ao alto índice de infecção hospitalar.

Com o sistema de atendimento não-emergencial interrompido, por falta de recursos, ocorre uma sobrecarga no sistema emergencial, que acaba por restar, também, inviabilizado.

Tais fatos, relatados pelo órgão do Ministério Público Federal, estão consubstanciados em relatórios do Ministério da Saúde, baseados em levantamentos obtidos junto aos Hospitais Municipais, bem como em depoimento de profissionais médicos que vivenciam o caos em que se transformou o Sistema de Saúde Municipal.

Enfim, a própria mídia tem se encarregado de nos municiar de informações, “ao vivo e à cores”, da situação catastrófica da saúde no Município do Rio de Janeiro, deixando patente a necessidade de providências judiciais e de apuração de responsabilidades.

No caso em tela, inobstante os argumentos colacionados pelo Prefeito do Município do Rio de Janeiro, que a seu ver seriam aptos a impedir a instauração da Ação Civil Pública, tenho que estes não merecem prosperar, posto que, com a presente, busca-se proteção não só ao patrimônio público, como também o respeito ao direito aos serviços e ações de saúde, com espeque no Princípio do Respeito à Dignidade da Pessoa Humana, assegurados constitucionalmente, e cobrado pelos Organismos Internacionais, encarregados dos Direitos Humanos, direitos que estão sendo descumprido pelos réus em vista do não atendimento às normas reguladoras da gestão da saúde, incertas nas Leis nºs 8.080/90 e 8.142/90 e nas Normas Operacionais Básicas e de Assistência à Saúde nºs NOB-SUS 01/96, NOAS-SUS 01/01 e NOAS-SUS 02.

Ademais, como bem ressaltaram os Órgãos do Ministério Público Estadual e Federal, a demanda trata do desrespeito aos Princípios Constitucionais da Eficiência e da Moralidade, que devem obrigatoriamente permear as políticas públicas, versando, também, sobre o descumprimento de convênios firmados com o Ministério da Saúde (Pacto dos Indicadores da Atenção Básica, Pacto pela Redução da Mortalidade Materna e Neonatal e a Carta de Compromisso para a execução do PROESF), bem como sobre as “falhas na administração de hospitais federais cedidos ao Município e nos demais serviços de saúde municipais que culminaram no não-atendimento e atendimento deficiente aos pacientes do Sistema Único de Saúde, que constitui descumprimento do dever constitucional de garantir ações e serviços de saúde”.

Nesta esteira, cumpre reconhecer, através do exame da documentação colacionada pelos Autores, que foi trazido aos autos suporte probatório suficiente a caracterizar a existência de indícios de atos de improbidade, restando, de conseguinte, configurada a justa causa autorizadora do prosseguimento da demanda, objetivando, enfim, apurar as responsabilidades e determinar providências.

Citem-se os réus.

Oportunamente, dê-se vista aos Ministérios Público Federal e Estadual, para ciência da presente decisão.

P.I.

Rio de Janeiro, 29 de março de 2006.

REGINA COELI MEDEIROS DE CARVALHO

Juíza Federal da 18ª Vara

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