Direito de recorrer

Interpor recurso é um direito e não litigância de má-fé

Autor

30 de setembro de 2005, 11h06

Não se pode admitir que uma pessoa seja condenada por litigância de má-fé somente porque interpôs um recurso de apelação. Se isso fosse possível, estaria ferindo o direito da parte de recorrer. O entendimento é da 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça que afastou a multa e a indenização por litigância de má-fé impostas num processo de um deficiente mental contra seu curador.

Os ministros levaram em consideração a afirmação do Ministério Público gaúcho de que o eventual ilícito que tenha sido cometido deverá ser apurado em sede própria e não pode impedir o direito de recorrer.

A ministra Nancy Andrighi concordou com a observação do MP de que a interposição de recurso de apelação, mesmo com remotas chances de êxito, não consubstancia um dos atos relacionados no artigo 17, incisos I a VII, do Código de Processo Civil.

Segundo esse artigo do código processual, é litigante de má-fé quem deduzir pretensão ou defesa contra texto expresso de lei ou fato incontroverso; alterar a verdade dos fatos; usar do processo para conseguir objetivo ilegal; opuser resistência injustificada ao andamento do processo; proceder de modo temerário em qualquer incidente ou ato do processo; provocar incidentes manifestamente infundados ou interpuser recurso com intuito manifestamente protelatório.

O caso começou quando o Ministério Público do Rio Grande do Sul entrou com uma ação contra o curador visando à remoção dele como curador do irmão deficiente mental. O MP alegou que, em função da interdição, assumiu cuidar dos negócios do irmão, mas em momento algum prestou contas nem dos valores mensalmente recebidos a título de benefícios previdenciários, nem da indenização recebida do Ministério dos Transportes, de R$ 162 mil.

A primeira instância decidiu que o homem deixaria de ser o curador de seu irmão. Além disso, foi condenado a pagar uma multa e indenização por má-fé no valor de R$ 14 mil. Esse montante seria o equivalente ao valor supostamente desviado pelo curador do patrimônio do irmão.

O curador entrou com Embargos de Declaração para saber por que o Tribunal calculou a multa e a indenização por litigância de má-fé com base no montante supostamente desviado do patrimônio, se a regra do artigo 18 do Código Penal é expressa ao determinar que esse cálculo deve tomar como base o valor da causa. Além disso, questionou por que o desvio de patrimônio foi tomado como certo se ele é objeto de ação de prestação de contas ainda não julgada e quem seria o destinatário da indenização fixada.

Os embargos foram rejeitados. O Tribunal esclareceu que “dispõe o julgador de poder discricionário para fixar a indenização, sendo que o uso de um parâmetro busca tão-só indicar o critério que serviu para quantificar o prejuízo estimado. Ao contrário do que sustenta o recorrente, o curatelado é parte na demanda, havendo legitimação extraordinária do Ministério Público para representá-lo em juízo. Assim, é evidente que a indenização foi fixada em benefício do curatelado, que foi lesado pelo recorrente pelo mau exercício da curatela”.

O curador impetrou Recurso Especial no STJ alegando violação do artigo 18 e de seu parágrafo 2º, os quais impõem que a multa e a indenização por litigância de má-fé sejam calculadas com base em percentual sobre o valor da causa, e do artigo 460, ambos do Código de Processo Civil. Segundo ele, a decisão, ao fixar essas verbas em percentual sobre o montante supostamente desviado, baseou-se em fato alheio ao processo. Considerou, também, violados os artigos 81 e 1.194 também do CPC, pela menção acerca do destinatário da multa e indenização por litigância de má-fé. Com base nisso, o curador. pediu a não-aplicação da pena e da imposição da indenização da multa.

A relatora do recurso no STJ, ministra relatora Nancy Andrighi, deu razão ao curador, entendendo violado o artigo 18 do CPC. Observando o voto do desembargador relator no TJ, a ministra percebeu ter ficado comprovado que o curador utilizou, para fins próprios, os rendimentos e economias de seu irmão interditado. “Assim, não há qualquer dúvida do acerto de sua remoção do cargo de curador.”

A ministra destaca, porém, que a questão está em saber se, mesmo sendo correta sua remoção do cargo de curador, a simples interposição de recurso de apelação poderia ser considerada conduta meramente protelatória, para justificar a aplicação da pena e da indenização fixadas pelo parágrafo 2º do artigo 18 do CPC. Para o tribunal estadual, o intuito seria a afirmação do então curador, feita em seu depoimento, de “que não queria ser curador, só não queria ter sido retirado desse jeito”, do qual extraiu a conclusão de que “o uso da via recursal tão-só para tentar justificar seus atos lesivos ao curatelado revela litigância de má-fé, por evidenciar intuito meramente procrastinatório”.

Para a relatora, não é possível concordar com esse entendimento. Ressalta que o próprio Ministério Público, por ocasião do oferecimento de suas contra-razões ao recurso especial, pondera que não se pode admitir que o recorrente seja condenado por litigância de má-fé somente porque interpôs um recurso de apelação. “Se isso fosse possível, estar-se-ia ferindo o direito da parte de recorrer. É que o recorrente nada mais fez do que interpor recurso de apelação de decisão que lhe foi desfavorável, embora tenha dito na audiência que não queria exercer a curatela. Eventual ilícito que tenha o recorrente cometido quando do exercício da curatela deverá ser apurado em sede própria e não pode ter o condão de obstaculizar o seu direito de recorrer”, foram as palavras do MP.

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!