Separação de contas

Dificuldades da empresa não justificam atraso de salário

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28 de setembro de 2005, 16h55

A empresa não pode transferir ao trabalhador os riscos da atividade econômica, como prevê o artigo 2° da CLT. Por isso, mesmo quando a empresa vai mal, o salário deve ser pago em dia. O entendimento é do Tribunal Regional de São Paulo que aceitou recurso de trabalhador que tinha seu salário constantemente atrasado e condenou a empresa a pagar indenização por danos morais.

Para o juiz relator, Ricardo Artur Costa E Trigueiros, se o trabalhador “não é o empreendedor, e se não ganha mais quando houve incremento dos lucros, não deve ganhar menos — ou nada ganhar — porque o negócio vai mal. Em suma, empregado não corre riscos na relação contratual.”.

Não se deve cogitar a existência de "risco do empregado",de acordo com Trigueiros. Se for provado que o constante atraso do pagamento dos salários causou transtornos na vida do trabalhador, deve haver reparação por dano moral, como previsto na Constituição Federal artigo 5º, inciso V e X. Segundo os autos, o trabalhador teve diversos cheques devolvidos por falta de fundos e foi obrigado a pegar empréstimos para saldar dívidas vencidas.

O trabalhador Alison Ribeiro Lannes entrou com ação contra a Gazeta Mercantil e a Investnews (versão online do mesmo jornal) pedindo reparação por danos morais e multa para a empresa em conseqüência dos atrasos constantes do pagamento do salário. Alegou que chegou a ficar sem receber por mais de 200 dias, entre setembro de 2001 a fevereiro de 2002.

Para o juiz, cabe à empresa provar o pagamento de salários e adiantamentos dentro do prazo previsto pela norma coletiva que, por obrigação legal, é responsável por guardar a documentação da folha de pagamento. Mas a empresa só apresentou o contrato de trabalho do empregado, seu registro e o termo de rescisão contratual, e não justificou sua omissão quanto à comprovação dos pagamentos dentro do prazo previsto pela norma coletiva.

O trabalhador também alegou que a empresa descontava de seus salários parte dos encargos previdenciários que não eram repassados ao INSS, o que caracterizaria crime de apropriação indébita. O juiz disse que vai comunicar às autoridades competentes, já que é seu dever comunicar se for verificada qualquer irregularidade, no entanto não existem indícios de que isso ocorreu. “Não é porque existiram reiterados atrasos nos pagamentos de salários que se irá presumir que os repasses previstos em lei não estão sendo cumpridos pela reclamada.”esclarece Trigueiros

Com relação ao atraso de salários e o merecimento de dano moral, Trigueiros alerta que “sempre que o trabalhador, em razão do contrato de trabalho, sofrer lesão à sua honra, ofensa que lhe cause um mal ou dor (sentimental ou física) causando-lhe abalo na personalidade, terá o direito de exigir do empregador a reparação por dano moral, hipótese que o caso dos autos comporta plenamente, ante todo o já considerado.”

O juiz condenou a empresa ao pagamento de R$ 30 mil por danos morais. Além de multas normativas por descumprir o acordo estabelecido de pagar o salário nos prazos, que devem ser apuradas com a liquidez da sentença.

Leia a íntegra da decisão:

4ª. TURMA: PROCESSO TRT/SP NO: 02257200204502006 (20030860550)

RECURSO: ORDINÁRIO

RECORRENTE: ALISON RIBEIRO LANNES

1.RECORRIDOS: GAZETA MERCANTIL S/A.

2.INVESTNEWS S/A.

3.GAZETA MERCANTIL S/A. INFORMAÇÕES ELET. E OUTROS


ORIGEM: 45ª VT DE SÃO PAULO

EMENTA: DANO MORAL. MORA SALARIAL. ENDIVIDAMENTO DO TRABALHADOR. DIREITO À INDENIZAÇÃO . Não se conforta em nosso ordenamento jurídico o entendimento de que a mora salarial não enseja dano moral por constituir risco do próprio empregado, decorrente do fato de que a prestação de serviços precede o pagamento de salários. Tal posicionamento transfere ao trabalhador, indevidamente, os riscos da atividade econômica, ao arrepio do art. 2º da CLT. O empregado vende a sua força de trabalho e permite a direção da prestação de seus serviços pelo empregador em troca de salário. Ele não é o empreendedor, e se não ganha mais quando houve incremento dos lucros, não deve ganhar menos – ou nada ganhar – porque o negócio vai mal. Em suma, empregado não corre riscos na relação contratual. O próprio conceito de subordinação jurídica, por si só, já afasta essa possibilidade. Não há pois, que se cogitar de "risco do empregado", e assim, provada a mora salarial reiterada e os infortúnios aos quais foi submetido o autor, que inclusive teve diversos cheques devolvidos por insuficiência de fundos e viu-se obrigado a contrair empréstimos para saldar dívidas vencidas, é devida a reparação (CF, artigo 5º,V e X). Descabida a compensação pretendida porquanto as multas deferidas constituem penalidade pelo descumprimento do acordado e destinam-se a preservar a eficácia do instrumento normativo, não se confundindo com a reparação dos danos causados ao trabalhador, ainda que originárias do mesmo fato.

Contra a respeitável sentença de fls. 308/315 recorre ordinariamente o reclamante postulando multas normativas, indenização por dano moral e expedição de ofícios.

Contra-razões fls. 356/360.

Considerações do Digno representante do Ministério Público do Trabalho, fls. 369, quanto à inexistência de interesse público que justificasse sua intervenção.

É o relatório.

V O T O

Conheço porque presentes os pressupostos de admissibilidade.

DAS MULTAS NORMATIVAS

As convenções coletivas que instruíram a exordial estabelecem prazos para o pagamento dos salários e respectivos adiantamentos. Outrossim, trazem previsão de aplicação de multa em caso de mora salarial.

O reclamante sustenta que inúmeras vezes a empregadora descumpriu a previsão normativa, atrasando o pagamento de seus salários e elabora o demonstrativo de fls. 08/09, do qual se verificam atrasos que ultrapassam duzentos dias. Postula o pagamento da multa mencionada.

Em defesa, a reclamada se limita a negar o fato, afirmando que observou escorreitamente as datas de adiantamento e pagamento de salários.

O juízo a quo entendeu ser do reclamante o ônus de provar as suas alegações e que desse encargo não se desincumbiu, porque dos extratos de conta corrente carreados ao exórdio não é possível identificar quais créditos se referem a proventos.

Insustentável a conclusão da decisão originária.

Via de regra, a prova de pagamento efetuado é o recibo. Apenas na hipótese de impossibilidade justificada de comprovação documental do pagamento se admite a prova por outro meio. Evidente que tal raciocínio se estende à tempestividade, visto que o devedor, além de satisfazer a obrigação a ele imputada, deve fazê-lo dentro do prazo previsto, sob pena de incorrer em mora. Resta claro, outrossim, que tal circunstância, ou seja, a data da efetiva satisfação da dívida, tempestiva ou não, também deve constar do recibo.

Posta esta premissa, há que se concluir que o ônus de provar o pagamento de salários e adiantamentos dentro do prazo previsto pela norma coletiva era da empregadora que, por obrigação legal, é responsável pela guarda da documentação concernente à folha de pagamento a qual, obviamente não constitui documento comum às partes.


Resta claro dos autos que deste ônus a empregadora não se desvencilhou, posto que sua defesa foi instruída tão-somente com o contrato de trabalho do autor, seu registro de empregado e o termo de rescisão contratual (fls. 274/283), e bem assim porque a empregadora não justificou a sua omissão quanto à comprovação dos pagamentos dentro do prazo previsto pela norma coletiva.

Portanto, aplicáveis, in casu, as disposições contidas no artigo 359 do CPC. Todavia, também devem ser observados os documentos carreados pelo próprio autor, evitando-se o enriquecimento sem causa. Tal documentação, que em momento algum foi impugnada pela reclamada, corrobora as alegações do exórdio.

Tais documentos retratam a mora salarial que, pior, é verificável em vários meses. Cito alguns deles, a título exemplificativo:

O salário de abril/01 (recibo às fls. 58), que deveria ter sido pago até o dia 04 do mês seguinte (sexta-feira), conforme cláusula normativa, só foi creditado na conta do autor no dia 07 de maio (segunda-feira), conforme extrato às fls. 92.

Da mesma forma quanto ao adiantamento do mês de julho/01 (fls. 62), com vencimento no dia 20 do mesmo mês (sexta-feira) e pagamento apenas no dia 06 do mês seguinte, uma segunda-feira (fls. 101). O salário do mês de julho/01 (fls. 63), vencido em 03 de agosto (sexta-feira) só foi pago no dia 06 de setembro, quinta-feira (fls. 102), juntamente com o adiantamento do mês de agosto/01, também atrasado, considerando-se que deveria ter sido pago até o dia 20 do mesmo mês (segunda-feira).

Por fim, a partir de setembro de 2.001 o autor nada mais recebeu. A reclamada só voltou a pagar os salários do reclamante em fevereiro do ano seguinte, com atraso, diga-se.

Os documentos de fls. 87/88 atestam tal conclusão. Mais do que óbvio que a reclamada não cedeu graciosamente ao reclamante um veículo avaliado em mais de vinte mil reais. A fatura de fls. 88 e o termo de fls. 87 revelam que os valores "devidos" pelo empregado seriam abatidos de seus créditos, provenientes da relação de trabalho. Entretanto, inexiste qualquer "abatimento" nos pagamentos efetuados ao autor posteriormente à aquisição do automóvel. Nem mesmo o TRCT (fls. 279) estampa qualquer desconto. Corolário lógico, o veículo foi cedido ao autor para o pagamento de seus salários em atraso, no caso, os valores correspondentes ao interregno setembro/01 a janeiro/02.

Ex positis, são devidas ao autor as multas normativas, merecendo reforma o julgado recorrido, no particular.

Será observada toda a documentação carreada aos autos. Serão considerados como pagamentos efetuados os lançamentos nos extratos de conta corrente do reclamante a título de "Liq Prov". Da mesma forma quanto aos lançamentos "ordem de crédito", "ordem de pagamento", "Dep Poup Chq" e "Dep Poup Corr" quando encontrarem valor idêntico nos recibos de pagamento. Tal regra não é absoluta, havendo que se considerar que alguns pagamentos se deram em duas parcelas, bem como que o vencimento da obrigação precede o crédito em conta, ou se dá na mesma data.

A vigência das normas coletivas carreadas se estende por todo o período apontado no demonstrativo de fls. 08/09.

Para o cálculo da multa imposta serão consideradas as remunerações devidas nas respectivas épocas. A apuração limitar-se-á ao postulado no mencionado demonstrativo, afastando-se deferimento ultra petita, bem como na previsão do artigo 920 do Código Civil de 1.916, vigente à época dos fatos.

Reformo.

DO DANO MORAL

Entendeu o juízo a quo que a mora salarial não enseja dano moral por constituir risco do próprio empregado, decorrente da prestação de serviços preceder o pagamento de salários e, ainda, porque as leis trabalhistas protegem direitos mas não garantem a sua efetividade.


É equivocada tal conclusão que, embora não diga expressamente, transfere ao empregado os riscos da atividade econômica. Não há que se cogitar de "risco do empregado". O empregado vende a sua força de trabalho e permite a direção da prestação de seus serviços pelo empregador em troca de salário. Ele não é o empreendedor, e se não ganha mais porque houve incremento dos lucros, não deve ganhar menos – ou nada ganhar – porque o negócio vai mal. O empregado não corre riscos na relação contratual. O próprio conceito de subordinação jurídica, por si só, já afasta a tese da sentença recorrida.

Por outro lado, a farta documentação carreada à exordial deixa claro que o autor sofreu toda a sorte de infortúnios em decorrência dos constantes atrasos de pagamento de salários, aos quais foi submetido pela ré, como se observa de fls. 134 e seguintes, tendo diversos cheques devolvidos pela instituição financeira por insuficiência de fundos e contraindo empréstimos para saldar dívidas vencidas.

Se o emprego é o bem jurídico maior do trabalhador, sendo fonte de sua subsistência e de sua família é porque em decorrência dele o empregado aufere salário. Se estes deixam de ser pagos, as conseqüências para quem deles depende são violentamente danosas. No caso dos autos, onde tal situação perdurou por vários meses, até mesmo as relações familiares são comprometidas como, aliás, sustentou o reclamante (fls. 16).

As relações de trabalho devem pautar-se pela respeitabilidade mútua, face ao caráter sinalagmático da contratação, impondo aos contratantes reciprocidade de direitos e obrigações. Assim, o empregador além da obrigação de dar trabalho e de possibilitar ao empregado a execução normal da prestação de serviços, deve ainda, respeitar a honra, a reputação, a liberdade, a dignidade, e integridade física e moral de seu empregado, porquanto se tratam de valores que compõem o patrimônio ideal da pessoa, assim conceituado o conjunto de tudo aquilo que não seja suscetível de valor econômico.

Tais valores foram objeto de preocupação do legislador constituinte de 1.988 que lhes deu status de princípio constitucional, assegurando o direito à indenização pelo dano material e moral decorrente de sua violação (CF, artigo 5º,V e X).

Portanto, sempre que o trabalhador, em razão do contrato de trabalho, sofrer lesão à sua honra, ofensa que lhe cause um mal ou dor (sentimental ou física) causando-lhe abalo na personalidade, terá o direito de exigir do empregador a reparação por dano moral, hipótese que o caso dos autos comporta plenamente, ante todo o já considerado.

Por fim, nem se cogite que o deferimento de indenização por dano moral redunda em bis in idem, porquanto também deferidas as multas normativas, conforme tópico precedente. Seria inócua a previsão normativa, se não se fizesse acompanhar de sanção em caso de descumprimento de seus próprios termos. Logo, as multas deferidas constituem penalidade pelo descumprimento do acordado e destinam-se a preservar a eficácia do instrumento normativo, o que não se confunde com a reparação dos danos causados ao trabalhador, ainda que basicamente decorram do mesmo fato. Isto porque a falta de pagamento de salários pela ré gerou duas conseqüências jurídicas distintas, quais sejam, o desprestígio aos instrumentos negociais e o dano propriamente dito ao autor.

Ex positis, reformo o julgado de origem para deferir ao autor a indenização pelo dano moral sofrido, arbitrando-a em R$ 30.000,00 (trinta mil reais) considerando, para tanto, seu caráter ressarcitório e de sanção, sua função pedagógica, a gravidade do ocorrido e o princípio da razoabilidade.

Reformo.

DA EXPEDIÇÃO DE OFÍCIOS

O reclamante alega que tinha descontados de seus salários os valores relativos a sua cota parte dos encargos previdenciários que, no entanto, não eram repassados ao INSS. Sustenta que a reclamada cometeu o crime de apropriação indébita.

A rigor, incumbe ao juiz comunicar às autoridades competentes, para tomada de providências, sempre que verificada qualquer irregularidade ou ilicitude nos processos em que atua, tratando-se de dever de ofício.

Ocorre que, no caso vertente, sequer indícios existem de que a versão do autor corresponde à realidade. Não é porque existiram reiterados atrasos nos pagamentos de salários que se irá presumir que os repasses previstos em lei não estão sendo cumpridos pela reclamada.

Mantenho.

Do exposto, conheço do recurso ordinário interposto e, no mérito, DOU-LHE PARCIAL PROVIMENTO, deferindo ao autor o pagamento de multas normativas, a serem apuradas em regular liquidação de sentença e indenização por dano moral, ora arbitrada em R$ 30.000,00 (trinta mil reais), tudo na forma da fundamentação que integra e complementa este dispositivo. Elevo o valor da condenação para R$ 100.000,00. Mantida, no mais, a sentença de primeiro grau.

RICARDO ARTUR COSTA E TRIGUEIROS

Juiz Relator

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