Espírito de corpo

Cassação de Jefferson atenta contra o Congresso

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28 de setembro de 2005, 13h18

Movido por razões certamente imperscrutáveis, eis que o deputado Roberto Jefferson acabou sendo cassado de seu mandato parlamentar justamente em face daqueles motivos que o levaram a denunciar, publicamente, o mais abjeto e sistemático esquema de corrupção jamais observado no cenário político brasileiro. Ocorre que o Relatório da Comissão de Ética e Decoro Parlamentar da Câmara dos Deputados extrapolou os limites da representação que lhe fora formulada, razão pela qual, bem ou mal, não era para dirimir dúvidas a respeito do que ali não teria sido suscitado ao desfavor do representado, salvo haver se excedido no exercício do mandato parlamentar por ter supostamente feito imputações generalizadas a colegas acerca do que se convencionou chamar de “mensalão”.

Acaso pretendesse, de fato, iniciar outros procedimentos por quebra de decoro de parte do deputado Roberto Jefferson, certamente seria lícito aos membros do Congresso Nacional fazê-lo, nos termos regimentais de cada uma de suas Casas. Mas, não lhes terá sido lícito, tanto jurídica quanto politicamente, aproveitar o expediente que se iniciara por motivação diversa para garantir a todo custo o desfecho da cassação do indigitado.

Esse quadro permite acreditar que a cassação em exame reflete tudo, menos o desejo de depurar o Congresso dos maus congressistas, pois não se deve tratar as pendências, quer internas quer externas, com desapreço ao Direito e ao devido processo legal. Pois, é certo que a ninguém é dado responder sem causa como não se pode contestar o que não é imputação.

O que levou a Câmara dos Deputados a cassar, inapelável e rapidamente, o mandato do deputado Roberto Jefferson foi, na verdade, paradoxalmente, o incômodo que ele passou a representar para o conjunto dos parlamentares da União conglomerados, em maior ou menor expressão, isso é irrelavante, em seu espírito de corpo, traduzido por uma atmosfera de intangibilidades. A força da reação corporativa, claramente observada pela população através da mídia, sobretudo pelo fogo ardente da vendetta de pessoas e instituições direta ou indiretamente atingidas pelas denúncias do ora cassado, orientaram o processo assim em sua fase instrutória no Conselho de Ética e Decoro Parlamentar como no momento do julgamento pelo plenário da Câmara dos Deputados como se uma grande satisfação definitiva estivesse sendo empreendida em favor da sociedade perplexa.

Desse modo, ao contrário do que se supõe ingenuamente, essa cassação é um libelo que se opõe ao próprio Congresso Nacional no sentido da ingente responsabilidade de também defenestrar de seus quadros, legalmente, todos aqueles que de algum modo foram pilhados nessas práticas menores que traduzem infidelidade à função pública, desrespeito à vontade popular e violação aos valores nacionais. Cumpre anotar que nada disso teria sido possível conhecer, amiúde e sem subterfúgios, não fosse o concurso objetivo e decisivo do então deputado Roberto Jefferson e do que não depende, evidentemente, o seu próprio passado.

Ao Supremo Tribunal Federal, se provocado, compete restabelecer a constitucionalidade ultrajada por práticas corporativistas de ocasião que não se prestam, por isso mesmo, ao agasalho das manifestações interna corporis, dado que suas motivações integram o regime de controle da legalidade dos atos do Poder Público. E ao povo, finalmente, jamais reconduzir, pelo voto, todos aqueles que, pela renúncia aos atuais mandatos, intentem escapar ao cutelo da cassação justa e necessária, hipótese, aliás, até aqui não concretizada.

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