Tivemos um presidente deposto, Fernando Collor de Mello. E desde então a instabilidade passou a fazer parte do cenário político.
A expressão “assar uma pizza” tornou-se recorrente. Significa selar acordo de impunidade entre os agentes da política. Negocia-se solução de cúpula em que acusadores e acusados barganham interesses à revelia da opinião pública.
A indignação da sociedade em face dos fatos serve apenas de munição para pressionar o lado acusado e levá-lo a pagar um alto preço político pela impunidade. É o que acontece presentemente.
Tão indecente quanto a roubalheira é a tentativa de minimizá-la, manipulá-la politicamente. A idéia de manter o Presidente da República “sangrando” para que chegue fraco às eleições é inqualificável.
Se o Presidente cometeu alguma irregularidade, deve responder por seus atos, nos termos da lei. Se é inocente, deve ser preservado. O inaceitável é que seja condenado e, simultaneamente, preservado em face de interesses eleitoreiros. Isso é ainda mais grave que a pizza. É, como
dizia Ulysses Guimarães, fazer piquenique na boca do vulcão.
A sociedade está atenta e já não tolera essa encenação. Está cada vez mais cética quanto às instituições políticas –e isso é trágico para a consolidação do Estado democrático de Direito.
Otávio Mangabeira comparava a democracia a uma “plantinha tenra”, que precisa ser regada e cuidada com carinho. E o que vemos hoje é essa plantinha ser pisoteada sem qualquer cerimônia pelos agentes políticos.
O Presidente Lula tem responsabilidade no desconforto moral em que está. Até hoje não proferiu uma palavra categórica que convença a sociedade de sua inocência.
Diz-se traído, mas não revela por quem ou por quê. Traição ao Presidente da República não é questão de foro privado – é questão institucional. Quem trai o supremo mandatário do País trai o País. E o mínimo que se pode exigir é que a sociedade saiba os nomes dos que a estão traindo.
Este é o grito que, neste mês de Setembro, que marca a celebração do 183º (centésimo- octogésimo-terceiro) ano de nossa Independência, nos impede de ouvir e celebrar condignamente aquele outro grito que nossos ancestrais nos legaram - o Grito do Ypiranga.
O grito que prevalece e se sobrepõe é o da indignação da sociedade brasileira contra a corrupção e a impunidade, mazelas que se somam e realimentam há tantos anos em nossa paisagem político-institucional.
Poderá o Brasil celebrar sua efetiva Independência enquanto se mantiver refém de si mesmo? Hoje, o principal inimigo nacional está dentro do próprio país.
É a banda podre de suas elites dirigentes, que, como já disse, continua a ter presença hegemônica no jogo do Poder, cujas carências básicas são as de sempre: ética e cidadania.
Sem elas, o exercício do poder não se legitima. É sempre arbitrário, espúrio. Sem ela, nossa República permanece fictícia, a exigir reproclamação - refundação.
A Ordem dos Advogados do Brasil, como entidade representativa dos anseios da sociedade civil brasileira – e desde sua fundação, há 75 anos, estatutariamente comprometida com a defesa do Estado democrático de direito e as instituições republicanas -, não pode ficar indiferente a este quadro.
Não temos partido político, nem sectarismos ideológicos. Mas temos compromisso claro com a lei e a cidadania. A Constituição Federal do Brasil, de 1988, estabelece, em seu artigo 133, que “o advogado é indispensável à administração da justiça, sendo inviolável por seus atos e manifestações no exercício da profissão, nos limites da lei”.
Ao alçar o advogado ao nível de “preceito constitucional”, o constituinte brasileiro definiu-o para além de sua atividade estritamente privada, qualificando-o como prestador de serviço de interesse coletivo e conferindo a seus atos múnus público – quer queiram, quer não!
Não há outra profissão com status equivalente. Para alguns, trata-se de privilégio, mas, na verdade, trata-se de compromisso com a coletividade, verdadeira promissória social, que excede os deveres corporativos e nos torna homens públicos, ainda que sem mandato político ou cargo funcional no Estado.
Muitos confundem a defesa das prerrogativas com privilégios corporativos, quando, na verdade, trata-se da defesa da cidadania. É o direito do cidadão que está em pauta, quando se exige, em nome da liberdade de defesa e do sigilo profissional, que se respeite a inviolabilidade do local de trabalho do advogado, de seus arquivos e dados, de sua correspondência e de suas comunicações, inclusive telefônicas e afins.
São direitos que se destinam aos jurisdicionados e aos cidadãos, para que tenham uma Justiça (vale a redundância) efetivamente justa.
Por isso, consideramos os ataques às prerrogativas da advocacia um sinal perigoso, que pode resultar no enfraquecimento da profissão, na redução de cidadania.
Comentários de leitores
1 comentário
Allan (Outros)
Como sempre, o Brasil com seus velhos problemas políticos...
Comentários encerrados em 04/10/2005.
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