Pacto de confiança

O esporte precisa que todos acreditem que o juiz é honesto

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26 de setembro de 2005, 14h25

As falcatruas praticadas pelo árbitro de futebol Edilson Pereira de Carvalho, apuradas pelo Ministério Público Federal e reveladas pela última edição da revista Veja, são, além de uma grave violação do Direito, um tiro fatal na própria essência do esporte. Enquanto a sociedade em geral dispõe de leis e instrumentos eficazes para combater atitudes como as do árbitro vendilhão de resultados, o esporte não tem como se proteger quando sua boa fé é atingida.

No caso do Direito, as leis são claras, e num caso como este, o indivíduo é processado, julgado, e se considerado culpado, punido. No caso do esporte é diferente. Ainda que seja punido com a mais drástica pena do esporte e seja proibido de participar de qualquer atividade esportiva, Edílson Pereira de Carvalho continuará com seu ato negando a possibilidade de se fazer esporte.

A confiança no julgamento do árbitro é um elemento essencial e imprescindível ao esporte. Um árbitro de futebol pode tudo em campo, sua palavra é lei, suas decisões são irrecorríveis. Um juiz, que não é de futebol, pode menos. Suas decisões estão sempre sujeitas a revista e reforma. No futebol, não – o juiz tem a última palavra, sempre.

Esta autoridade é resultado de um pacto de confiança das partes do jogo ¬– mesmo com o teatro que cartolas e jogadores costumam fazer antes do jogo, ninguém entraria em campo se não tivesse certeza de que o homem de preto (antigamente os árbitros sempre se vestiam de preto) irá agir como juiz isento e soberano. Ele tem de estar acima de qualquer suspeita, caso contrário não tem jogo.

Um árbitro de futebol pode errar. Seu ato ao deixar de marcar um pênalti que realmente existiu, é equivalente ao pênalti que o artilheiro perde ao chutar a bola para fora. Faz parte do jogo. O que não é admissível no futebol, é que o árbitro possa mentir, que possa agir no jogo em função de interesses outros que não o do jogo mesmo

Quando um árbitro comete erros grosseiros e freqüentes demais, ele pode ser punido, ou pelo menos deixa de apitar partidas importantes, ou até mesmo de atuar. Mas a punição tem sempre caráter administrativo. Por isso, quando ele marca um pênalti que ninguém viu, a torcida xinga a senhora mãe dele, mas ele não vai preso. Até prova em contrário, o árbitro, pode até ser cego ou analfabeto das leis do futebol, mas é honesto.

Este senso de lealdade faz parte do esporte em geral. Neste sentido, o doping é uma ameaça ao esporte tão destruidora quanto a de um juiz ladrão. Porque o maior mal que o uso de substâncias proibidas faz não é a saúde do atleta. Na verdade ele violenta a natureza da competição ao permitir que a condição de igualdade entre os atletas, que é um pressuposto básico do esporte, seja alterada de forma ilegal.

Não é possível a existência do esporte sem absoluta lealdade entre os participantes. Quando se descobre que um atleta venceu à custa de doping, o esporte morre um pouco.

Quando se descobre que um árbitro não se enquadra neste figurino de lisura e lealdade, a confiança desaparece e acaba por comprometer todo o sistema. Se um se vende, por que outro não faz o mesmo? Se um esquema prospera, por que outros similares não existirão? E se o árbitro pode, a seu bel prazer, invalidar a bola que entrou no gol, para que chutar a bola em gol?

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