Consultor Jurídico

Concessionária deve cumprir oferta feita em propaganda

25 de setembro de 2005, 7h01

Por Aline Pinheiro

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Uma concessionária da Renault em Campinas, no interior de São Paulo, foi condenada pela Justiça a cumprir oferta feita em propaganda publicada em jornal local. O consumidor Felipe Rodrigues Martinez alegou que a empresa anunciou o carro Clio por um preço e, quando ele chegou na loja para comprar o veículo, foi informado de que o valor era bem mais alto.

A decisão, em caráter liminar, é da juíza Renata Manzini, da 5ª Vara Cível de Campinas. Ela entendeu que o anunciou foi feito de tal forma a induzir o consumidor ao erro, acreditando que o preço era bem menor do que o praticado na loja.

A História

Felipe Rodrigues Martinez conta que leu, no jornal <I>Correio Popular</I>, um anúncio sobre a venda de um Renault Clio 1.0 na concessionária Valec, cuja sede fica em Jundiaí. O preço anunciado, segundo ele, era de R$ 18,2 mil — R$ 13,9 mil à vista e 24 parcelas de R$ 176. Além disso, a propaganda dizia que, quem comprasse o veículo, teria direito a um bônus de R$ 1.500 em combustível.

Atraído pelo anúncio, o consumidor foi até a concessionária. Lá, conta que foi avisado por um vendedor que, além do preço mencionado, teria de pagar outra parcela de R$ 13,9 mil. O valor do veículo, de fato, era de R$ 32,2 mil. O bônus de combustível também não era de R$ 1.500, e sim de R$ 1.000. O anunciado só valia para carros com 16 válvulas, o que, segundo ele, não estava legível na propaganda. Felipe, então, entrou com uma Ação de Obrigação de Fazer, com pedido de liminar, contra concessionária.

Na ação, pediu que a Justiça mandasse a Valvec vender o veículo pelo preço anunciado, além de conceder pelo menos R$ 1.000 em combustível. Ele alegou que o Código do Consumidor protegia o cliente nesses casos de propaganda enganosa. O artigo 6º, inciso III, garante ao consumidor o direito à informação adequada e clara sobre os produtos e serviços. Já o inciso IV protege contra a propaganda enganosa.

Felipe citou ainda o artigo 30: “toda informação ou publicidade, suficientemente precisa, veiculada por qualquer forma ou meio de comunicação com relação a produtos e serviços oferecidos ou apresentados, obriga o fornecedor que a fizer veicular ou dela se utilizar e integra o contrato que vier a ser celebrado”.

As ressalvas sobre o preço anunciado estavam presentes na propaganda, mas com letras muito pequenas, o que dificultava a leitura e levava ao erro, segundo Felipe.

A juíza Renata Manzini acolheu os argumentos do autor e determinou que a concessionária venda o automóvel no valor anunciado. “Há, nos autos, prova de que o anúncio foi feito de forma a induzir o consumidor, dando a entender que o preço final do veículo seria bem menor que o praticado”, escreveu.

Procurada pela Consultor Jurídico, a Valec afirmou que preferia não se manifestar.


Leia a íntegra da inicial

EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR JUIZ DE DIREITO DE UMA DAS VARAS CÍVEIS DA COMARCA DE CAMPINAS/SP

FELIPE RODRIGUES MARTÍNEZ, brasileiro, solteiro, advogado, portador do RG nº 25.550.841-4 e inscrito no CPF sob nº 279.276.268-33 (doc. 02), residente e domiciliado na Rua Elisiário Prado, nº 15 apto. 11, Botafogo, na cidade de Campinas/SP, vem respeitosamente à presença de V. Exa., por seu advogado e bastante procurador que esta subscreve (doc. 01), com fulcro no Código de Defesa do Consumidor (Lei 8.078/90), e nos artigos 282 e demais do Código de Processo Civil propor

AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZERCOM PEDIDO DE ANTECIPAÇÃO DE TUTELA

Em face de VALEC DISTRIBUIDORA DE VEÍCULOS LTDA., com sede na Av. John Boyd Dunlop, 665, Jardim Ipaussurama, Campinas/SP, CEP 13060-803, fone (19) 3212-2100, nesta cidade de Campinas/SP, pelos motivos de fato e de direito a seguir aduzidos.

1 – DOS FATOS

O Autor, há algum tempo, tinha intenção de trocar seu carro por um veículo 0 Km e, procurando nos meios de comunicação, dentre as possibilidades existentes no mercado, interessou-se na aquisição de um veículo Renault, modelo Clio (doc. 04). Procurando nos anúncios de classificados do jornal Correio Popular, periódico de grande circulação na cidade e região de Campinas, viu a publicidade da ré-concessionária que oferecia o veículo de interesse do Autor.

O veículo descrito no anúncio é um Renault Clio Authentique 1.0, 8 válvulas, com 2 portas, ano/modelo 05/05, que possui, nos termos da oferta, ar condicionado, pintura metálica, limpador e desembaçador traseiro, encosto de cabeça, calotas, tapetes, vidros verdes, relógio digital, rodas 14’’, tudo conforme se interessara o Autor, por ele decidindo-se.

Como se observa na oferta veiculada no jornal Correio Popular, resta bem claro que o veículo fora oferecido nas seguintes condições: entrada de R$ 13.995,00, acrescida de 24 parcelas de R$ 176,00, totalizando R$ 18.219,00.

Além disso, no mesmo anúncio foi oferecido um bônus de até R$1.500,00 em combustível, que lhe seriam concedidos gratuitamente.

Tal publicidade foi veiculada no dia 26 de maio, quinta-feira (doc. 05), e depois repetida no dia 28 de maio, sábado (doc. 06).

Como as condições anunciadas na publicidade do mencionado jornal atingiam as expectativas do Autor, uma vez que era um veículo zero quilometro, em condições de pagamento que poderia arcar, na segunda-feira, dia 30 de maio, o Autor dirigiu-se até a concessionária-ré a fim de adquirir o veículo anunciado.

Ao chegar na concessionária-ré, foi prontamente atendido pelo vendedor Alcides da Costa (doc. 08), que lhe mostrou o carro, falou de suas vantagens do motor, da rede de concessionária e todas os benefícios da aquisição do veículo Renault.

Após toda a explicação o Autor argüiu ao vendedor quanto ao preço do veículo, alegando inclusive o anúncio do jornal e, para sua surpresa, foi-lhe “esclarecido” pelo vendedor que o valor era o que constava da parte maior da publicidade, mas ainda faltava uma “pequena parcela” referente a 50% do valor do carro, igual ao valor à ser pago como entrada, ou seja, mais R$13.995,00. Absurdo!!


Quando questionado por não ter sido aquilo que realmente fora anunciado, o vendedor apenas informou que estava aquilo escrito abaixo do anúncio, nas letras “miúdas”, bem como as demais informações de que o Autor precisaria ter conhecimento.

Mesmo insistindo que era absurdo tal anúncio, foi informado que nada poderia fazer, que aquele era o valor: uma entrada de R$ 13.995,00 + 24 parcelas de R$176,00 + uma 25ª de R$13.995,00. O próprio vendedor anotou o valor do veículo no documento anexo (doc. 07), tendo anotado as parcelas como sendo R$14.00,00, tanto a primeiro quanto a última, aproximando “para cima” o valor.

Se não bastasse, ao perguntar sobre o crédito de combustível oferecido na mesma oferta, foi mais uma vez “esclarecido” ao Autor que trata-se de crédito para a aquisição de veículo com motor de 16 válvulas; para o modelo que o Autor estava interessado em adquirir, com motor de 8 válvulas, o crédito era de R$1.000,00, o que, segundo o vendedor, estava muito explicado nas letras “miúdas” abaixo do anúncio.

Assim, sentindo-se enganado pela publicidade veiculada pela empresa, não lhe restou alternativa a não ser a propositura da presente ação para obrigar a Ré ao cumprimento da publicidade que ludibriou o consumidor-Autor. Deve a empresa, ante isto, honrar a oferta que publicou, por diversas vezes, em veículo de grande circulação.

2 – DO DIREITO

Não há de se falar em qualquer dúvida quanto à conceituação do Autor como consumidor, nem tampouco da Ré como fornecedora, nos termos da legislação em vigor. Entendendo este ser assunto já exaustivamente debatido nos meios jurídicos e estando patentes as características de consumidor e fornecedor, respectivamente, tanto quanto ao Autor como quanto à Ré, há de aplicar-se in caso a legislação específica.

O Código de Defesa do Consumidor, Lei 8.078/90, em várias oportunidades prevê as hipóteses para situações como a enfrentada pelo Autor, sendo a publicidade enganosa sempre rechaçada, inclusive prevendo a obrigação forçada de cumprimento da oferta feita pelo fornecedor.

Já como direito básico do consumidor o artigo 6º do referido diploma legal prevê que o consumidor deverá ter informação clara sobre os produtos que adquire ou quer adquirir, sobretudo quanto a suas características essenciais, dentre elas o preço.

“Art. 6º – São direitos básicos do consumidor:

III – a informação adequada e clara sobre os diferentes produtos e serviços, com especificação correta de quantidade, características, composição, qualidade e preço, bem como sobre os riscos que apresentem;”

Neste mesmo artigo, como direito básico do consumidor, propõe o Código a proteção contra a publicidade enganosa e a práticas comerciais desleais, como a que se sujeitou o Autor e que espera o provimento jurisdicional para que não se repita – pelo menos com relação à Ré.

“IV – a proteção contra a publicidade enganosa e abusiva, métodos comerciais coercitivos ou desleais, bem como contra práticas e cláusulas abusivas ou impostas no fornecimento de produtos e serviços;”

Tal é a preocupação do legislador com a prática da publicidade enganosa, que sempre prejudicou o consumidor e, infelizmente, tornou-se prática comum no comércio, principalmente no ramo automobilístico, que há em tal Código duas seções, com diversos artigos, que tratam especificamente da hipótese.

Conforme dita o artigo 31 abaixo transcrito, a oferta do produto deve conter informações corretas, claras, precisas e ostensivas dentre outras especificamente sobre o preço do produto anunciado. Certamente, não é esta a maneira como foi veiculada a publicidade, na qual constava claramente uma entrada mais as 24 parcelas, sem mais. Nada foi dito sobre 25ª parcela e que esta ainda representaria 50% do valor do veículo.


Art. 31A oferta e apresentação de produtos ou serviços devem assegurar informações corretas, claras, precisas, ostensivas e em língua portuguesa sobre suas características, qualidade, quantidade, composição, preço, garantia, prazos de validade e origem, entre outros dados, bem como sobre os riscos que apresentam à saúde e segurança dos consumidores.” (Grifamos)

Não foram respeitados a forma e os requisitos para a oferta de um produto. As informações claras, precisas e ostensivas não davam a entender a falta de 1 parcela, e que esta representaria 50% do valor do veículo. E mesmo quanto ao combustível a ser fornecido, nenhuma dessas características tinha a oferta, o que levou o consumidor a erro.

Mesmo nas pequenas letras do rodapé, ilegíveis para muitos, não é feita menção ao valor total do veículo. Muito confusamente é colocada uma condição que não é clara, nem precisa, muito menos ostensiva, que esclareça ser o preço do veículo na verdade de R$32.214,00, que é o valor que se obtém ao somar a entrada, as parcelas e os outros 50% do valor que a Ré quer receber do consumidor-Autor.

Nossos tribunais vêm decidindo da seguinte maneira quanto à referida matéria:

“AÇÃO COLETIVA DE CONSUMO. POSTO DE COMBUSTÍVEL. CERCEAMENTO DE DEFESA. PREÇOS DIFERENCIADOS NAS BOMBAS DE ABASTECIMENTO E NOS CARTAZES INFORMATIVOS. INTENÇÃO CLARA DE CAPTAR CLIENTELA. INFORMAÇÃO E PUBLICIDADE ENGANOSA. AFRONTA AOS DIREITOS DO CONSUMIDOR. Prova testemunhal impertinente para o fim pretendido. Suficientes as provas já produzidas no processo. Cerceamento de defesa inocorrente. Prática comercial abusiva em posto de combustível que fez constar nas bombas de abastecimento de combustível preço diferente do anunciado. Afronta ao direito do consumidor quanto à informação e à publicidade correta. Art. 6º, incs. III e IV, do CDC. Lesão e iminência de lesão coibida no art. 29, do CDC. Oferta que deve conter informações claras e precisas. Art. 31, do CDC. Bombas de abastecimento que devem registrar o menor preço anunciado. Ação procedente. Sentença mantida. Negaram provimento ao apelo.” (Apelação Cível Nº 70009848912, Décima Nona Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Heleno Tregnago Saraiva, Julgado em 03/05/2005) -Grifamos

“Ação Civil Pública – Propaganda Enganosa Cassação – Oferta publicitária de cesta básica sem as ressalvas insertas no contrato – Sentença mantida – Reputando-se que as informações constantes de oferta publicitária devem ser precisas sob todos os aspectos de interesse do consumidor, e, na espécie em exame, não o foram, e de se considerar enganosa a propaganda a par da omissão demonstrada, indutora de erro.” (TJSP. AC 196177-1, Relator: Leite Cintra Data: 29/09/93).- Grifamos

“PUBLICIDADE ENGANOSA. DANOS MORAIS. MONTANTE INDENIZATÓRIO. CRITÉRIOS DE FIXAÇÃO. 1 – Ação de indenização que visa a reparação por danos ocasionados pela veiculação, na mídia, de propaganda que, de forma enganosa, induzia a convicção de recebimento de um celular habilitado, em decorrência da assinatura anual da Revista Exame. 2 – A inserção de minúsculos asteriscos que remetem ao regulamento da promoção afigura-se contrário à regulamentação sobre publicidade constante no Código de Defesa do Consumidor. 3 – Responsabilidade pelas conseqüências da publicidade enganosa. 4 – Os critérios de fixação do quantum indenizatório são de ordem subjetiva do julgador, e visam reparar os danos, bem como dissuadir o réu da prática reiterada dos atos lesivos. Apelos dos réus improvidos.” (Apelação Cível Nº 70003375276, Décima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Paulo Antônio Kretzmann, Julgado em 15/08/2002). Grifamos

Quando trata-se de financiamento de valor ou outorga de crédito, é o fornecedor obrigado ao veicular sua oferta a colocar de forma ostensiva, clara e objetiva todas as informações sobre o valor total, os juros que são cobrados e os valores totais do veículo, com ou sem financiamento. No caso, nada disso fora publicado no referido anúncio e nem mesmo na leitura das letras “miúdas” encontra-se o valor total do bem, nem tampouco qual a taxa de juros efetivamente aplicada. Ou seja, em total afronta à lei consumerista.


“Art. 52 – No fornecimento de produtos ou serviços que envolva outorga de crédito ou concessão de financiamento ao consumidor, o fornecedor deverá, entre outros requisitos, informá-lo prévia e adequadamente sobre:

I – preço do produto ou serviço em moeda corrente nacional;

II – montante dos juros de mora e da taxa efetiva anual de juros;

III – acréscimos legalmente previstos;

IV – número e periodicidade das prestações;

V – soma total a pagar, com e sem financiamento.” Grifamos

O mesmo pode-se dizer sobre a oferta do combustível. Fica bem claro, sem qualquer ressalva, que o valor a ser recebido a título de incentivo seria de R$1.500,00. Independente do tipo de motorização, 8 ou 16 válvulas, não há nos anúncios qualquer restrição clara, precisa ou ostensiva para esta diferenciação.

Uma vez publicada a oferta, esta obriga o fornecedor a cumpri-la, ainda mais por se tratar de publicidade enganosa, na qual o intuito do fornecedor é de atrair o consumidor até seu estabelecimento, ocasião em que seria “esclarecido” qual o real valor do produto anunciado. O artigo 30, abaixo transcrito, prevê a obrigação do fornecedor em cumprir a publicidade que veicular.

“Art. 30 – Toda informação ou publicidade, suficientemente precisa, veiculada por qualquer forma ou meio de comunicação com relação a produtos e serviços oferecidos ou apresentados, obriga o fornecedor que a fizer veicular ou dela se utilizar e integra o contrato que vier a ser celebrado.“ -Grifamos

E conforme se vê pelo anúncio veiculado, o veículo é oferecido com diversos opcionais e lhe é colocado o preço de forma ostensiva, não havendo qualquer menção expressa sobre outro valor a ser pago por ele. De outro lado, nas entrelinhas, às quais se remete por verdadeiramente invisível asterisco, fala-se em uma 25ª parcela, sem, contudo, mencionar o valor integral do bem.

Um cidadão comum, o ´homem médio´, ao ler a publicidade não teria a mínima dúvida que aqueles valores eram os únicos a serem pagos. Em virtude disto, fica a Ré vinculada ao que ofereceu. Nada, absolutamente nada no referido anúncio põe dúvida que o veículo teria o valor ali indicado, nem que ainda restaria mais 50% do valor a ser pago, devendo esta ser forçada a vender o referido veículo pelo preço que fez anunciar.

Neste mesmo raciocínio, não era feita a restrição de motorização para concessão do combustível em quantidades diferentes, caso o veículo tivesse 8 ou 16 válvulas, devendo também nesta hipótese a Ré cumprir o ofertado.

Quanto à matéria transcrevemos a seguinte decisão:

“CONTRATO. EFEITO DA PUBLICIDADE NA FORMACAO DO NEGÓCIO. COMPRA E VENDA DE IMÓVEL. PROPAGANDA LANÇADA NO MERCADO EM QUE CONSTAVA A GARANTIA DE FINANCIAMENTO PARA O COMPRADOR. INTERPRETACAO DO ART-30 DO CDC, EM COTEJO COM O ARTIGO 1080 DO CCIVIL. A PUBLICIDADE, ASSIM COMO QUAISQUER OUTRAS INFORMACOES VEICULADAS, OBRIGAM O OFERTANTE E INTEGRAM O CONTRATO. EMBARGOS INFRINGENTES REJEITADOS, POR MAIORIA.” (Embargos Infringentes Nº 599212396, Décimo Grupo de Câmaras Cíveis, Tribunal de Justiça do RS, Relator: José Aquino Flores de Camargo, Julgado em 28/05/1999) -Grifamos

Além de não conter o previsto no artigo supra citado, a referida publicidade não tinha a característica determinada no artigo 36, que prevê a objetividade da publicidade, não permitindo que a publicidade coloque o consumidor em erro, ainda mais quando características primordiais da oferta estão em letras pequenas, sem destaque, no rodapé do anúncio, após ainda outras ofertas.


“Art. 36A publicidade deve ser veiculada de tal forma que o consumidor, fácil e imediatamente, a identifique como tal.”

O Autor, ao ver a oferta em questão, teve certeza que se tratava do valor ali publicado, e nada mais. Ludibriar o consumidor é atitude obtida através da publicidade enganosa, que acaba por atrair o consumidor até o estabelecimento, sem que seja cumprido o ofertado, insistindo-se na venda fora das condições ofertadas.

A lei a proíbe e a define, sendo que ao ler tal definição fazemos facilmente a subsunção do caso em tela ao conceito de publicidade enganosa.

“Art. 37 – É proibida toda publicidade enganosa ou abusiva.

§ 1ºÉ enganosa qualquer modalidade de informação ou comunicação de caráter publicitário, inteira ou parcialmente falsa, ou, por qualquer outro modo, mesmo por omissão, capaz de induzir em erro o consumidor a respeito da natureza, características, qualidade, quantidade, propriedades, origem, preço e quaisquer outros dados sobre produtos e serviços.”

-Grifamos

Na concessionária, depois de argumentar sobre o preço e que a oferta era diferente do que estava sendo negociado naquele momento, teve a aquisição do veículo recusada, frustrada sem que fosse cumprida a oferta veiculada, ao arrepio da lei consumerista e à oferta veiculada em jornal de grande circulação nesta comarca.

A lei prevê que o consumidor terá, uma vez recusado o cumprimento da oferta, a possibilidade de exigir o cumprimento do que lhe fora ofertado, e que este seja feito nos termos em que a oferta foi vinculada, conforme reza o inciso I do artigo 35.

Art. 35 – Se o fornecedor de produtos ou serviços recusar cumprimento à oferta, apresentação ou publicidade, o consumidor poderá, alternativamente e à sua livre escolha:

I – exigir o cumprimento forçado da obrigação, nos termos da oferta, apresentação ou publicidade;”

As outras hipóteses do artigo, incisos II e III, não são aplicáveis ao caso, primeiro pois o veículo em questão é o mais simples da linha Renault e, segundo, pois não foi celebrado qualquer contrato com a Ré em virtude da negativa de cumprimento da oferta.

Busca o Autor, por meio do Judiciário, o cumprimento da oferta em seus termos para que lhe seja vendido o veículo nas condições veiculadas na publicidade, além da concessão do crédito de combustível veiculado no mesmo anúncio, uma vez que estas lhe foram negadas.

Assim, como faculta a lei ao Autor exigir o cumprimento da oferta ou publicidade, esta não sendo possível de forma amigável, com base nos artigos 35, I e 84 do Código de Defesa do Consumidor, o Autor pretende a execução da obrigação de fazer, cumprindo a ré a oferta que veiculou, vendendo naquelas condições o veículo e lhe concedendo o crédito de combustível.

Diz o artigo 84 do Código de Defesa do Consumidor que:

“Art. 84 – Na ação que tenha por objeto o cumprimento da obrigação de fazer ou não fazer, o Juiz concederá a tutela específica da obrigação ou determinará providências que assegurem o resultado prático equivalente ao do adimplemento.

§ 1º – A conversão da obrigação em perdas e danos somente será admissível se por elas optar o autor ou se impossível a tutela específica ou a obtenção do resultado prático correspondente.

§ 2º – A indenização por perdas e danos se fará sem prejuízo da multa (artigo 287 do Código de Processo Civil).”


É lícito ao Autor exigir o cumprimento da oferta, vez que claro é o valor veiculado no anúncio, não podendo a Ré se eximir de cumprir o que ofereceu.

2.1 – DA CONCESSÃO LIMINAR DA TUTELA

Comprovada a publicação de publicidade enganosa, com o intuito de ludibriar o consumidor, pela simples leitura do anúncio, e a recusa em vender o bem pelo valor ali veiculado, presente se faz o cabimento da antecipação da tutela.

O artigo 84 da Lei Consumerista, em seu parágrafo 3º, prevê a hipótese de concessão da tutela liminarmente para os casos em que for relevante o fundamento da ação. In casu, a publicidade criou expectativa de direito ao Autor, que quer e precisa adquirir novo veículo, possui o montante para adquiri-lo conforme veiculado, contudo, não conforme a condição que foi posteriormente criada, em contradição com a oferta publicamente veiculada. Leiamos:

“Art. 84.

(…)

§ 3º – Sendo relevante o fundamento da demanda e havendo justificado receio de ineficácia do provimento final, é lícito ao Juiz conceder a tutela liminarmente ou após justificação prévia, citado o réu.”

Caso aguarde até ulterior decisão, o Autor terá passado todo este tempo sem usufruir do bem, do qual necessita e pelo qual se interessou em vista da publicidade. Ademais, em virtude das possibilidades legais de recurso, pode a Ré protrair sua obrigação e por tantos anos que inclusive ao final pode estar fora do mercado. Ou ainda, entregar um carro 2005 no ano de 2010, frustrando-se o objetivo prático final.

Ainda, em final decisão pode ela alegar que não possui mais o veículo em estoque, hipótese em que deverá ser exigido outro que dele mais se aproxime. No entanto, pode aí ser novamente prejudicado o Autor.

Assim, para que não reste beneficiada a Ré, urge que seja o pedido concedido de forma liminar, evitando-se assim que seja garantido direito ao Autor mas torne-se este impossível de fruição.

Direito tardiamente concedido já não é mais direito. Justamente por isso, visando à eficácia social dos provimentos jurisdicionais que foram criadas as modalidades de antecipação de tutela (cautelares, liminares e antecipação de tutela propriamente dita). Do contrário, pode a jurisdição ser formalmente eficaz, contudo, socialmente, seu efeito prático não atender às necessidades dos jurisdicionados.

Assim, necessária a concessão liminar da tutela, para que seja vendido o veículo nas condições ofertadas e possa o Autor utilizar-se do mesmo, uma vez que inclusive já começara as negociações para venda seu veículo antigo.

Caso não cumpra a determinação da venda do veículo e da entrega do combustível, nos termos do parágrafo 4º do mesmo artigo 84, a ré deve ser condenada à multa cominatória, por dia de descumprimento, em valor não inferior a R$ 500,00, convertidos em favor do autor, até que se torne adimplente.

“§ 4º – O Juiz poderá, na hipótese do § 3º ou na sentença, impor multa diária ao réu, independentemente de pedido do autor, se for suficiente ou compatível com a obrigação, fixando prazo razoável para o cumprimento do preceito.”

Com estes fundamentos, alicerçados ainda pela legislação processual civil, que em seu artigo 273 possibilita a tutela antecipada do pedido, sobretudo quando caracterizado o manifesto propósito protelatório do réu (inciso II), é que se espera de V. Exa. que antecipe a concessão final do mérito, de forma a que não se prejudique ainda mais o Autor.

Outra forma de procedimento só beneficiará à Ré, premiando-a, inda que indiretamente, por sua atitude ilegal e de visível má-fé, que protrair-se-á no tempo quanto mais tarde decisão transitada em julgado, sem que tenha sido, ab initio, atendido o mérito.


3 – DOS PEDIDOS

Ante todo o exposto, requer o Autor:

1 – A concessão liminar da tutela, inaudita altera pars, para compelir a Ré a vender ao Autor um veículo nas condições veiculadas no anúncio e com suas características inerentes, com todos os opcionais que ali foram oferecidos, pelo preço e condições anunciados (qual seja, entrada de R$13.995,00 mais 24 parcelas de R$176,00); além da concessão do crédito de pelo menos R$1.000,00 em combustível.

2 – A citação da Ré para, caso queira, contestar a presente;

3 – A inversão do ônus da prova, nos ditames do artigo 6º, inciso VIII do Código de Defesa do Consumidor, tanto pela verossimilhança das alegações quanto pela hipossuficiência do Autor frente a Ré, enorme comerciante de veículos.

4 – A TOTAL PROCEDÊNCIA do pedido para que seja a ré condenada a realizar a venda do veículo nos termos da publicidade que fez produzir, nas condições e com os opcionais oferecidos, além da concessão do crédito de pelo menos R$1.000,00 em combustível no prazo fixado por V. Exa., sob pena de multa diária, nos termos do §4º do artigo 84 do CDC;

5 – A condenação da Ré ao pagamento das custas judiciais, despesas processuais e honorários advocatícios no importe de 20% do valor da causa, ou ao V. critério, nos termos do artigo 20, § 4º do Código de Processo Civil;

6 – Que, segundo os termos do art. 40 do Código de Processo Penal, seja o D. Ministério Público notificado e intimado a se manifestar, para instauração de inquérito policial, para eventual apuração dos crimes previstos nos artigos 66, 67 e 75 do Código de Defesa do Consumidor;

7 – Protesta e requer provar o alegado por todos os meios de prova em direito admitidos, principalmente a prova pericial, testemunhal, e depoimentos pessoais do representante legal da Ré;

8 – Em vista da declaração de pobreza firmada pelo Autor (doc. 03) e em vista do princípio da facilitação do acesso do consumidor à prestação jurisdicional do Estado, requer para si e para que se comandem sob sua égide todas as diligências e atos emanados deste Juízo os benefícios da JUSTIÇA GRATUITA, por não poder arcar com qualquer dos custos da presente em qualquer de seus graus sem prejuízo de seu próprio sustento.

Dá-se a causa o valor de R$ 18.219,00 (Dezoito mil, duzentos e dezenove reais).

Nestes termos, pede deferimento.

Campinas, 07 de junho de 2.005.