Responsabilidade do fabricante

Justiça gaúcha condena Souza Cruz a indenizar fumante

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22 de setembro de 2005, 19h29

A indústria Souza Cruz deve indenizar um fumante com doença vascular em R$ 350 mil, por danos morais. A decisão é da 9ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, que confirmou a condenação, por unanimidade.

Michel Eduardo da Silva Martins entrou com ação contra a Souza Cruz, afirmando que teria desenvolvido uma doença chamada Tromboangeíte Obliterante por ter consumido por treze anos os cigarros fabricados pela Companhia. Com a evolução da doença, ele teve que amputar três dedos do pé esquerdo e também teve depressão.

A empresa alegou que antes de 1988, ano em que Martins teria iniciado o consumo do produto, inexistia a exigência de divulgação de cláusulas de advertência de consumo, por isso, não pode ser acusada de omissão de informações.

Destacou também que tanto a decisão de começar quanto a de parar de fumar são frutos do livre arbítrio das pessoas, não existindo no cigarro qualquer substância capaz de influir na tomada de decisão. Os riscos para saúde associados ao consumo e tabaco, afirmou, são conhecidos pelo público em geral e veiculados pelos meios de comunicação, há muito tempo. Além do que, não é comprovada relação entre a doença desenvolvida e o consumo do cigarro.

A relatora do processo, desembargadora Marilene Bonzanini Bernardi, salientou que para que se reconheça o dever de indenizar é necessário examinar a presença do dano, culpa e nexo causal.Para ela, no caso, trata-se de uma relação de consumo e a responsabilização se dá independentemente da existência de culpa, como preceitua o Código de Defesa do Consumidor.

Conforme o CDC, ressaltou, “a responsabilidade do fornecedor é objetiva, decorrente dos riscos criados pela colocação de seu produto no mercado de consumo, cuja onerosidade gerada não deve ser compartilhada ou suportada pelo consumidor, pessoa que, em tese, desconhece os métodos e os mecanismos de produção”.

Para a desembargadora, o livre arbítrio para fumar também não serve para afastar o dever de indenizar das indústrias de cigarro pelas mesmas razões que não se presta para justificar a descriminalização das drogas. “O homem precisa ser protegido de si mesmo, mormente porque lidamos com produtos que podem minar a capacidade de autodeterminação”.

Ponderou que, mesmo sendo obrigatórias as propagandas de advertência dos malefícios do fumo para a comercialização de cigarros, a publicidade do produto sempre foi vinculada às idéias, ainda que contraditórias, de saúde, intelectualidade, cultura, beleza, charme e sedução.

“Atributos que todo jovem busca a qualquer custo, o que sempre deu larga margem de vantagem para indústria de cigarros que capta seus clientes exatamente na fase da juventude, quando se tomam posturas de auto-afirmação e se busca a formação de uma identidade”. Lembrou que autor da ação começou a fumar em 1988, mesmo ano em que as advertências de risco à saúde passaram a ser veiculadas. Contudo, frisou, “a publicidade enganosa já tinha surtido os efeitos pretendidos” disse a juíza Marilene.

As estatísticas, segundo a Companhia, são favoráveis às suas teses de defesa. Isso porque, nas 443 ações propostas desde 1995 contra a Souza Cruz em todo Brasil, encontram-se vigentes 236 decisões, sendo 228 favoráveis e apenas oito desfavoráveis à empresa — as quais ainda estão pendentes de recurso. Das 121 ações julgadas em definitivo, todas foram favoráveis aos argumentos da Companhia.

A Souza Cruz informou que irá apresentar recurso ao Superior Tribunal de Justiça e ao Supremo Tribunal Federal contra a decisão proferida pelo Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

Votos favoráveis

A responsabilização civil motivada pelo risco inerente ao produto já é uma tendência internacional e nacional, demonstrou o desembargador Odone Sanguiné. No Brasil, disse, o posicionamento encontra amparo no CDC, Constituição Federal e também no Código Civil de 2002. Segundo ele, ainda, o livre arbítrio não pode ser comprovado num processo penal. Ressalvou, por outro lado, que nem todos os casos envolvendo indústria de cigarro serão procedentes. “É preciso avaliar caso a caso.”

O mesmo posicionamento foi compartilhado pelo juiz-convocado ao TJ Miguel Ângelo da Silva. Segundo ele, a responsabilidade do fabricante resulta do risco de produzir e comercializar produto potencialmente danoso à saúde. Quanto ao livre arbítrio para consumir o cigarro, entende que a questão precisa ser avaliada com flexibilidade. “O uso, a dependência química vai minando a vontade do fumante.”

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