Trabalho à distância

Jornalista que fica de sobraviso tem direito a adicional

Autor

22 de setembro de 2005, 19h36

Os períodos que o jornalista fica de sobreaviso, mesmo que distante da empresa, configuram plantão e devem ser remunerados. O contrato de trabalho não admite tempo à disposição, de qualquer espécie, sem remuneração. O entendimento é da 4ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região (São Paulo), que aceitou pedido do Recurso Ordinário de ex-empregado de uma rádio paulista.

O jornalista Cláudio Maurício Alfredo abriu processo na 40ª Vara do Trabalho de São Paulo, reclamando da Rádio Eldorado de São Paulo, entre outras verbas trabalhistas, remuneração pelo período em que permanecia de sobreaviso. De acordo com o reclamante, diariamente, no período das 22h às 5h, ele poderia ser convocado pela equipe de jornalistas e radialistas da emissora.

Ele também informou que, independentemente do chamado da equipe, era obrigado a ligar todos os dias para a emissora, entre às 24h e 0h30. Para ele, esse regime configuraria “plantão à distância, na sua residência, através de telefone residencial e BIP”.

A rádio alegou que as horas de sobreaviso “destinam-se àquele empregado que permanece em sua própria casa, aguardando a qualquer momento a chamada para o serviço”. A Vara acolheu a tese da emissora e julgou o pedido improcedente. Inconformado, o jornalista recorreu ao TRT São Paulo.

Segundo o juiz Ricardo Artur Costa e Trigueiros, relator do recurso no tribunal, a doutrina do Direito do Trabalho ampliou a visão restrita da jornada como “mero tempo gasto diretamente na labuta, criando conceito moderno embasado na idéia da alienação”.

“Sob esse enfoque, considera-se dentro do conceito de jornada, todo o tempo alienado, ou seja, que o trabalhador tira de si e põe à disposição do empregador, seja cumprindo ou aguardando ordens, ou ainda, deslocando-se de ou para o trabalho”, observou o relator.

De acordo com o juiz Trigueiros, o sobreaviso foi previsto na Consolidação das Leis do Trabalho em 1944 como norma específica para os ferroviários, aplicada aos trabalhadores que residiam nas imediações das estações existentes ao longo da ferrovia, e eram obrigados a esperar pela convocação em casa.

Para o juiz, os legisladores de então não enxergavam outras aplicações para a norma, “mesmo porque o avanço tecnológico não fazia supor a possibilidade de o empregado, mesmo na eventualidade de não estar em casa fora do expediente normal de trabalho, continuar monitorado pelo empregador, como passou a ocorrer notadamente quando foram criados os novos veículos de comunicação como o ‘pager’, BIP ou outros equipamentos semelhantes e, mais recentemente, com a disseminação do telefone celular”.

“Não é possível que se comine ao empregado a obrigação de permanecer a postos para ser acionado pelo empregador fora do horário de trabalho, com todas as repercussões em sua vida pessoal e familiar, quer de caráter psicológico, espiritual, físico ou social que tal disponibilidade lhe acarreta, e não seja remunerado por essa apropriação de sua intimidade, descanso e lazer, que se materializa em claro tempo de alienação em prol dos interesses econômicos do empreendedor”, decidiu o juiz Trigueiros.

Por unanimidade, os juízes da 4ª Turma acompanharam o voto do relator, condenando a rádio a pagar, acrescidas de um terço, todas as horas em que o jornalista permaneceu de sobreaviso, diariamente, das 22h às 5h.

RO 01333.1998.040.02.00-7

Leia a íntegra da decisão:

4ª. TURMA: PROCESSO TRT/SP NO:01333199804002007 (20030905677)

RECURSO: RECURSO ORDINÁRIO

1º) RECORRENTE: RÁDIO ELDORADO LTDA.

2º) RECORRENTE: CLÁUDIO MAURÍCIO ALFREDO

RECORRIDOS: OS MESMOS

ORIGEM: 40ª VT DE SÃO PAULO

EMENTA: JORNALISTA PROFISSIONAL. TEMPO À DISPOSIÇÃO DO EMPREGADOR. DIREITO À REMUNERAÇÃO. O contrato de trabalho é oneroso, sinalagmático e comutativo, não sendo possível que se comine ao empregado a obrigação de permanecer em condição de ser prontamente acionado fora do horário contratual de trabalho, com todas as repercussões em sua vida pessoal e familiar que tal disponibilidade lhe acarreta, e não seja remunerado por essa apropriação de sua intimidade, descanso e lazer, que se materializa em claro tempo de alienação em prol dos interesses econômicos do empreendedor.

Tanto o regime de prontidão como o de sobreaviso (respectivamente, §§ 3º e 2º, do artigo 244, da CLT) são expressões legais exemplificativas da teoria da alienação, desvinculando claramente a idéia da jornada como tempo de trabalho direto, efetivo, e harmonizando-se perfeitamente com a feição onerosa do contrato de trabalho vez que não se admite tempo à disposição, de qualquer espécie, sem a respectiva paga. In casu, não tendo a reclamada contestado explicitamente o fato do uso do BIP e do telefone residencial como meios de convocação do jornalista, e restando incontroverso que o reclamante cumpria plantão à distância, em sua residência, aguardando convocação da redação, no período das 22 às 05:00 horas, sendo efetivamente chamado pela empresa fora do expediente normal de trabalho, faz jus ao plus salarial de um terço pelo tempo posto à disposição do empregador, com aplicação direta do artigo 4º da CLT, e bem assim, do art. 244, §2º da CLT, este último por analogia autorizada pelo artigo 8º da CLT e pela jurisprudência sumulada do TST (Súmula nº 229).


Contra a respeitável sentença de fls.502/509 recorre ordinariamente a reclamada alegando inicialmente que foram ignorados os artigos 43 e 44 da Lei nº 8.212/91, 195, inciso II e o Precedente nº 31 da SDI do C.TST. O apelo se insurge contra a condenação das horas extras e reflexos, destacando a função de gerente exercida pelo reclamante, e bem assim, as disposições dos artigos 306 e 62, inciso II da CLT. Argumenta que a prova dos autos demonstra que a função exercida pelo reclamante era de confiança. No que toca ao critério de incidência da correção monetária invoca o teor da Orientação Jurisprudencial nº 124 da SBDI-1 do C.TST.

Contra-razões fls.547/619

Recorre o reclamante, sustentando a falta de comprovação de fato impeditivo, afirmando que a demandada não procedeu ao pagamento das horas extras trabalhadas além da sétima, tampouco os reflexos dessas horas extras e muito menos procedeu ao reflexo das duas horas extras pré-contratadas nos descansos semanais remunerados.

No tocante ao intervalo interjornada de 11 horas, invoca o Enunciado 110 do C.TST. Sustenta o direito às horas de sobreaviso. Quanto às diferenças salariais decorrentes de desvio funcional e acúmulo de funções afirma que a contestação, além de não negar concretamente o fato denunciado, confessou o direito do autor ao alegar que pagava por este acúmulo através do Código 074 . No que diz respeito ao acúmulo de funções de editor e redator comercial frisa que a prova documental e oral demonstra cabalmente que as funções foram acumuladas. Quanto à indenização do valor da premiação, alega que as atribuições inerentes ao cargo do autor eram apenas e tão-somente de natureza jornalística e portanto, a prática de sugestão para melhoria dos serviços, produtos e trabalho, não está inserida no desempenho de suas funções, aduzindo que este direito do autor não se tratava de exercício de função mas de premiação. Por fim, persegue o direito à indenização por dano moral.

Contra-razões fls.624/633

Considerações do Digno representante do Ministério Público do Trabalho, fls.636, quanto à inexistência de interesse público que justificasse sua intervenção.

É o relatório.

V O T O

Conheço de ambos os apelos porque presentes os pressupostos de admissibilidade.

RECURSO DA RECLAMADA HORAS EXTRAS

Verifica-se dos autos que as jornadas reconhecidas pelo D. Juízo de origem com arrimo na prova oral não foram refutadas pela reclamada.

Todavia o apelo persegue a reforma da respeitável sentença, sob o fundamento de que o autor desempenhava função de gerente e que esta circunstância afasta o direito às horas extras.

Desde logo, temos que a jornada legal dos profissionais de que trata a seção XI da Consolidação das Leis do Trabalho é aquela prevista no artigo 303, ou seja, de 05(cinco) horas.

No entanto, segundo o artigo 304 da CLT, a duração da jornada de trabalho pode ser elevada a 07(sete) horas, mediante acordo escrito, em que se estipule aumento de salário correspondente ao excesso de tempo trabalhado.

A norma legal condicionou o aumento da carga horária de 05(cinco) para 07(sete) horas à incidência de 03(três) condições concomitantes: acordo escrito; aumento de salário correspondente ao excesso de tempo trabalhado; fixação de um intervalo para refeição e descanso.

Do exame do contrato de trabalho do reclamante constata-se não ter sido acordada em qualquer momento, jornada superior a 05(cinco) horas, conforme se verifica da cláusula II, e parágrafo único, do contrato de fls.400, in verbis:

“II – Obriga-se o EMPREGADO a cumprir o horário de trabalho legalmente estabelecido pela EMPREGADORA, ficando, desde já, expressamente ajustada a compensação de horas de trabalho, nos termos da C.L.T, de forma que o excesso de horas em um dia seja compensado, pela correspondente diminuição em outro dia, de maneira que não exceda o limite máximo legal permitido, nem seja ultrapassada a carga horária semanal.

Parágrafo único fica expressamente acordado que o horário de trabalho do “empregado”, inclusive o resultante da compensação de horas, poderá ser alterado de diurno para noturno, ou misto, de acordo com as necessidades da “empregadora” ou sujeito a escala de revezamento, obrigando-se o “empregado” a cumprir fielmente as ditas alterações ponto. Por outro lado, a dispensa eventual ou programada do comparecimento do “empregado” ao serviço pela “empregadora”, será sempre considerada de mera liberalidade e decorrência especifica de seus serviços, não se incorporando, dessa forma, ao presente contrato, nem representa alterações deste.”

Trata-se de disposição contratual que refere expressamente a compensação de horário e não cuida de aumento da carga horária mediante o respectivo aumento de salário.


Dimana, da prova documental, ainda, que a reclamada, diante das disposições legais e contratuais, houve por bem remunerar como horas extras a sexta e sétima horas, conforme se verifica dos recibos de pagamento (fls.20).

Tal situação, porque benéfica, independentemente das funções exercidas pelo reclamante passou a integrar o conjunto de cláusulas de seu contrato de trabalho.

Logo, admitindo-se somente para raciocinar que o autor desempenhava funções próprias de gerente, e ainda assim, a reclamada lhe pagava horas extras mesmo que de forma parcial, tal circunstância leva à integração no seu contrato de trabalho, como autêntica conditio, do pagamento de horas extraordinárias consideradas como tal as excedentes da sétima diária.

Mantenho.

CORREÇÃO MONETÁRIA

A incidência da correção monetária observará os termos do artigo 39, da Lei 8.177/91 c/c o disposto no artigo 459 da Consolidação das Leis do Trabalho, considerando-se época própria a data do efetivo vencimento da obrigação, porque o marco inicial para a exigibilidade do direito, consoante entendimento já cristalizado na Súmula 381 do C.TST.

Reformo.

DOS DESCONTOS PREVIDENCIÁRIOS

No que diz respeito aos recolhimentos fiscais e previdenciários, adoto o entendimento firmado na Súmula 368 do C.TST incisos II e III.

As contribuições previdenciárias (Lei nº 8.212/91) devem ser atribuídas às partes, em proporção, cabendo ao empregado responder pela sua quota de participação, sendo nesse sentido o Provimento nº 2/93 do C. TST.

Acerca desse tema, já se pronunciou aquela Excelsa Corte, nos seguintes termos:

“As contribuições previdenciárias a incidir sobre créditos reconhecidos judicialmente ao obreiro em ação trabalhista devem ser descontados por determinação do próprio julgador, na forma da Lei 7.787/89, art. 12; do Provimento 3/84, da Corregedoria Geral da Justiça do Trabalho e da Lei 8.212/91, arts. 43 e 44 (TST, RR 79.995/93.0, Vantuil Abdala, ac. 2a. T. 3.291/93).

“Descontos previdenciários. A Consolidação das Leis do Trabalho no seu art. 462, veda ao empregador efetuar qualquer desconto nos salários do empregado, salvo quando este resultar de adiantamento, de dispositivo legal ou de contrato coletivo. Os descontos previdenciários resultam de lei e são dedutíveis das parcelas salariais, no percentual atribuível ao empregado. Não tem pertinência o fundamento de que a contribuição não incidiria porque não houve desconto e recolhimento no momento oportuno, posto que as parcelas que deram origem à incidência questionada só foram reconhecidas ao empregado por decisão judicial e a partir deste momento passa a ser oportuno o seu recolhimento”. (RR 27058/91.3, Rel. Indalécio Gomes Neto, DJU 11.09.92, pág. 14818).”

Ressalto que para apuração correta do crédito da previdência social, deve ser observada a Ordem de Serviço nº 66 de 10.10.97.

Portanto, deverão ser deduzidos mês a mês os valores já recolhidos à Previdência Social, observando-se mensalmente as alíquotas previstas no artigo 20 da Lei 8.212/1991, e o respectivo teto de contribuição. Assim sendo, as diferenças dos descontos previdenciários serão apuradas discriminadamente, atentando-se que a dedução previdenciária deverá ser calculada mensalmente, com base no teto mensal estabelecido no artigo 20 da Lei 8.212/1991, na Orientação Normativa nº 02 de 15.08.94 do Secretário da Previdência Social, combinados com Ordem de Serviço nº 66 de 10/07/97 e o Decreto nº 3.048, de 06 de maio de 1999 (“Art. 198 (..) e artigo 276 – §4º – A contribuição do empregado no caso de ações trabalhistas será calculada, mês a mês, aplicando-se as alíquotas previstas no art. 198, observado o limite máximo do salário-de-contribuição”), incidente sobre os valores devidos mês a mês, e atentará para as alíquotas e tabelas pertinentes, de acordo com suas vigências, deduzindo-se mensalmente os valores já recolhidos.

As deduções só serão perpetradas sobre o crédito quando o efetivo recolhimento estiver comprovado nos autos. Portanto, quanto aos recolhimentos previdenciários, cada parte arcará com sua cota, a ser comprovada, sob pena de execução nos próprios autos.

Reformo.

RECURSO DO RECLAMANTE REFLEXO DAS HORAS EXTRAS PAGAS

Verifica-se dos recibos de pagamento que o reclamante recebia horas extras (sexta e sétima horas).

Os referidos pagamentos não podem ser considerados como pré-contratação autorizados em lei na forma do artigo 304 da CLT, visto que para esse fim mister se faz a convolação de contrato escrito específico.

Logo, não se pode considerar que os descansos semanais remunerados encontram-se inseridos no valor pago a título de horas extras, porque não houve a pré-contratação expressa da prorrogação horária, admitida em lei para os jornalistas.


Portanto, impõe-se a reforma da r.sentença de origem para deferir reflexos das horas extras pagas e constantes dos recibos de pagamento, nos descansos semanais remunerados, como for apurado em regular liquidação de sentença.

Reformo.

DO INTERVALO INTERJORNADA

Não se conforta na lei e na prova dos autos o pedido de intervalo interjornada sustentado pelo recorrente, diante da jornada reconhecida pela respeitável sentença, ou seja, das 12:00 às 22:00 horas, de segunda à sexta-feira, e em dois sábados por mês, das 10:00 às 19:00 horas, e em dois domingos por mês, das 8:00 às 21:00 horas.

Não laborando o autor em sistema de turnos de revezamento, não incide a hipótese da Súmula 110 do C.TST.

Mantenho.

DO SOBREAVISO

O reclamante, na inicial, alegou às fls.04 da inicial que permanecia em sobreaviso diariamente, no período das 22:00 às 05:00 horas, aguardando o chamado da equipe de jornalistas e radialistas. Informou que independentemente do chamado da equipe o reclamante era obrigado a ligar diariamente para a reclamada, das 24:00 às 00:30 horas. Por conseqüência, sustenta que dava plantão à distância, na sua residência, através de telefone residencial e BIP, das 22:00 às 05:00 horas.

A reclamada não contestou explicitamente o fato do uso do BIP e convocação na residência via telefone (defesa, fls. 368 usque 372) e, para afastar o direito perseguido, limitou-se a invocar a Orientação Jurisprudencial nº 49 da SBDI-1 do C.TST, citando o magistério do eminente Juiz Francisco Antonio de Oliveira, no sentido de que as horas de sobreaviso destinam-se àquele empregado que permanece em sua própria casa, aguardando a qualquer momento a chamada para o serviço.

Incontroverso nos autos, portanto, que o reclamante mantinha-se em plantão à distância, na sua residência, sendo contatado pela redação através de telefone e BIP, no período das 22 às 05:00 horas (vide inicial, §2º fls.5 e contestação, item 5 fls.368/372).

De outra parte, temos que a prova oral produzida pelo autor confirmou que este permanecia em casa à disposição do empregador e que era efetivamente chamado pela empresa fora do expediente normal de trabalho.

A primeira testemunha do reclamante, Sr. Marcelo Parada, que era seu superior hierárquico, exercendo as funções de gerente de jornalismo, às fls. 435 declarou que “..o depoente deu determinação ao reclamante para que telefonasse diariamente ao redator noturno, por volta da meia noite e quinze a meia noite e meia, para saber se havia novidade, para saber se havia algum noticiário divergente do noticiário já divulgado ou recebido pela reclamada“.

A segunda testemunha do autor, Sr. Renato Vaisbih, que era o redator na área de jornalismo, às fls. 435 confirmou que “..o depoente e o reclamante estavam subordinados à primeira testemunha do reclamante; que havia escala de plantão noturno consistente no fato do reclamante ficar de sobreaviso, sendo que quando ocorresse algo relevante, o depoente telefonava para o reclamante; que não havia nenhum outro empregado que ficava de sobreaviso; que foi o sr. Marcelo Parada quem deliberou a escala de plantão noturno no qual o reclamante ficava de sobreaviso“.

As testemunhas da reclamada nada disseram a respeito desses fatos, restando incontroverso que o reclamante permanecia em sua residência, em autêntico plantão, à disposição do empregador, por determinação de seu superior hierárquico, atendendo a chamamentos da redação .

Postas as premissas fáticas passa-se à análise jurídica do tema.

É fato que inexiste legislação geral protetiva disciplinando a matéria “sub judice” quanto às horas de plantão ou sobreaviso no âmbito da residência do empregado, com possibilidade de chamamento através de BIP ou telefone.

A questão exige pois, reflexão que tenha por ponto de partida o próprio conceito de jornada de trabalho.

A doutrina do Direito do Trabalho, há muito tempo logrou transcender a visão restrita da jornada enquanto mero tempo gasto diretamente na labuta, criando conceito moderno embasado na idéia da alienação. Sob esse enfoque, considera-se dentro do conceito de jornada, todo o tempo alienado, ou seja, que o trabalhador tira de si e põe à disposição do empregador, seja cumprindo ou aguardando ordens, ou ainda, deslocando-se de ou para o trabalho.

O conceito da alienação incorporou-se claramente ao Direito do Trabalho pátrio, ao positivar a lei que o tempo de serviço (jornada) compreende o período em que o empregado esteja à disposição do empregador, aguardando ou executando ordens, conforme dispõe o artigo 4º da Consolidação das Leis do Trabalho, in verbis:

“Artigo 4º. Considera-se como de serviço efetivo o período em que o empregado esteja à disposição do empregador, aguardando ou executando ordens, saldo disposição especial expressamente consignada”.


Nesse aspecto, em regra, a jornada de trabalho pode ser identificada sob três formas: (1) o tempo efetivamente laborado (jornada “stricto sensu”); (2) o tempo à disposição do empregador (jornada “lato sensu”) e (3) o tempo despendido no deslocamento residência trabalho e vice versa (jornada “in itinere“).

A esses três modos de expressão da jornada, pode ser acrescido um quarto tipo que alberga modalidades de tempo à disposição do empregador decorrentes de normas especificas, positivadas no ordenamento jurídico, tais como o tempo de prontidão e o regime de sobreaviso (respectivamente, §§ 3º e 2º, do artigo 244, da CLT). Tanto a prontidão como o sobreaviso são expressões legais exemplificativas da teoria da alienação, desvinculando claramente a idéia da jornada como tempo de trabalho direto, efetivo, e harmonizando-se perfeitamente com a feição onerosa do contrato de trabalho vez que não se admite tempo à disposição, de qualquer espécie, sem a correspectiva paga.

A melhor doutrina (Maurício Godinho Delgado, in “Curso de Direito do Trabalho”, 2ª Edição, pág. 837, LTr) assim conceitua: “Por tempo de sobreaviso (horas sobreaviso) compreende-se o período tido como integrante do contrato e do tempo de serviço obreiro em que o ferroviário “permanecer em sua própria casa, aguardando a qualquer momento o chamado para o serviço” (art.244, § 2º, CLT).

Esta legislação especial (art. 224, § 2º, CLT) dos ferroviários considera em SOBREAVISO o empregado que permanece em sua casa, aguardando ordens, atribuindo-lhe paga equivalente a 1/3 do salário normal.

É certo que por se tratar de norma especial dirigida à categoria dos ferroviários, a aplicação analógica não se dá de forma automática, precisando adaptar-se às circunstâncias históricas, que envolvem a análise das especificidades do dispositivo, de tal sorte a distingüir o essencial do contingente, no que nele vai expresso.

Nessa medida, não se pode desconhecer que o § 2º do artigo 244 consolidado foi cunhado pelo Decreto-lei nº 6.353 de 20.03.44, na situação específica do mundo ferroviário, onde o SOBREAVISO ocorria em casa, relativamente a empregados que residiam nas imediações das estações existentes ao longo do extenso traçado ferroviário.

À época, não lobrigava o legislador outras aplicações para o referido dispositivo legal, mesmo porque o avanço tecnológico não fazia supor a possibilidade de o empregado, mesmo na eventualidade de não estar em casa fora do expediente normal de trabalho, continuar monitorado pelo empregador, como passou a ocorrer notadamente quando foram criados os novos veículos de comunicação como o “Pager“, BIP ou outros equipamentos semelhantes e, mais recentemente, com a disseminação do telefone celular já dotado de câmaras fotográficas e até filmadoras, e bem assim, computadores com sistema web-cam.

Não foi por outra razão que expressiva jurisprudência construiu o entendimento de que a questão de permanecer ou não “em casa” é absolutamente despicienda para a caracterização do SOBREAVISO, já que, munido de BIP ou celular o empregado forçosamente permanece no “raio de ação e comando” do empregador. Todavia, é relevante registrar que na situação dos autos o autor quedava-se em sua residência no aguardo das convocações desde a redação.

Ora, sendo o contrato de trabalho a título oneroso, sinalagmático e comutativo, repugnam à sua natureza exigências do empregador que não tenham contrapartida salarial devidamente individualizada.

Desse modo, não é possível que se comine ao empregado a obrigação de permanecer a postos para ser acionado pelo empregador fora do horário de trabalho, com todas as repercussões em sua vida pessoal e familiar, quer de caráter psicológico, espiritual, físico ou social que tal disponibilidade lhe acarreta, e não seja remunerado por essa apropriação de sua intimidade, descanso e lazer, que se materializa em claro tempo de alienação em prol dos interesses econômicos do empreendedor.

A esse propósito, merece citação decisão histórica relatada pelo Min. Vantuil Abdala:

“REGIME DE SOBREAVISO – USO DO “BIP” – CONFIGURAÇÃO. O uso de “Bip” pelo empregado constitui forte indício de ocorrência de regime de sobreaviso, mormente se a decisão revisanda admite, implicitamente, que tal uso se dava em função dos interesses do tomador de serviços. Revista conhecida e desprovida.” TST-RR-12876/90.5 (Ac. 2ª T. 4417/91) 2ª Reg. Rel. Min. Vantuil Abdala, DJU 22.11.91. JULGADOS TRABALHISTAS SELECIONADOS – Irany Ferrari e Melchíades Rodrigues Martins, pág. 334, verbete 1.199

Ademais, não é porque, em tese, o empregado não necessariamente precisa permanecer em casa durante o SOBREAVISO que isso excluiria o direito ao terço salarial, pois, não se trata de uma exigência genérica, dirigida a todos os empregados, e, sim, particularmente, a alguns “escolhidos”.


Ora, se aqueles submetidos pelo empregador ao uso do BIP, fora do horário de trabalho, seja em casa ou na rua, não perceberem um “plus” salarial correspondente, evidentemente estarão sendo discriminados no cotejo com os demais empregados desobrigados dessa exigência, configurando-se notória afronta ao disposto no artigo 3º – IV, 5º caput e 7º – XXXII da Constituição Federal.

Aliás, como se cuida de tratamento isonômico entre os profissionais (artigo 7º – XXXII da Constituição), é preciso lembrar a cristalização jurisprudencial trazida pelo C. TST, através da Súmula nº 229: “Por aplicação analógica do artigo 244 § 2º da CLT as horas de sobreaviso dos eletricitários são remuneradas à razão de 1/3 do salário normal

Ora, esse padrão jurisprudencial, além de confirmar a possibilidade de aplicação analógica mesmo em se tratando de preceitos especiais, foi cristalizado pelo Superior Pretório Trabalhista sem enunciar restrição de que fazem jus à remuneração daquele plus apenas os eletricitários que devam permanecer em casa durante o SOBREAVISO.

Logo, também afrontaria o princípio de isonomia e não discriminação enunciar que o jornalista CHEFE DE SECÇÃO DE SECRETARIA DE REDAÇÃO não faz jus ao terço salarial, mormente tendo sido provado que devia permanecer em casa durante o SOBREAVISO, aguardando chamamento do empregador.

Ademais, é patente a ocorrência de enriquecimento ilícito pelo empregador quando este se prevalece do uso de BIP, telefone fixo, celular ou outro meio de comunicação à distância, para apropriar-se do tempo livre do empregado, sujeitando-o à convocações para o serviço, sem nada lhe pagar por essa disponibilidade a título de SOBREAVISO.

Nesse sentido, vale por último citar:

O regime de sobreaviso para os ferroviários previsto no § 2º do art. 224 da CLT pode ser estendido, por analogia, àqueles trabalhadores que, devido às atividades, estão impedidos da efetiva disponibilidade de seu tempo, já que impossibilitados de se afastar do local de trabalho, pois a qualquer momento podem receber um chamado telefônico.” Ac. TRT 12ª Reg. 3ª T (Ac. 0893/94), Relª. Juíza Leonor Abreu, DJ/SC 23/02/94, Jornal Trabalhista, Ano XI, nº 508, p. 514. In “Dicionário de Decisões Trabalhistas”, B. Calheiros Bomfim, Silvério dos Santos e Cristina Kaway Stamato, 25ª edição – 1º semestre de 1995, pág. 708.

Pela habitualidade, as horas de sobreaviso devem integrar a remuneração para todos os efeitos legais, contratuais e regulamentares.

Assim sendo, diante do princípio constitucional da isonomia e aquele que não permite o enriquecimento sem causa, na situação específica dos autos deixo de aplicar a Orientação Jurisprudencial n° 49, da SBDI-1 do C.TST por entendê-la não incidente na espécie, eis que se prevaleceu a reclamada do BIP portado pelo empregado e bem assim, de seu telefone residencial, para ampliar a apropriação do tempo disponível em prol da empresa.

Desse modo impõe-se a reforma da r.sentença de origem para condenar a reclamada no pedido da alínea “d” (fls.10) do rol de reivindicações.

Reformo.

ACÚMULO DE FUNÇÕES JUNTO A RÁDIO AM E RADIO FM E DO ACÚMULO DAS FUNÇÕES DE EDITOR E REDATOR COMERCIAL

O reclamante, na inicial, informa que foi admitido para exercer a função de Chefe de uma Seção da Secretaria de Redação da Rádio Eldorado AM- ondas médias.

Informou, outrossim, que em janeiro de 1995 passou acumular a função de Chefe de Seção da Secretaria de Redação da Rádio Eldorado FM – Freqüência Modulada.

Diante desse fato, persegue diferenças salariais decorrentes de desvio funcional e acúmulo de funções.

De outra parte, a inicial também informou que o autor acumulou as funções de Editor com as de Redator comercial.

Do exame da questão temos como incontroverso, na primeira hipótese, o acúmulo de funções da Secretaria da Redação da Rádio AM e FM. Já no tocante ao acúmulo de funções de Editor e Redator, as testemunhas prestaram informações precisas.

A primeira testemunha do reclamante, Sr. Marcelo Parada, às fls.434, declarou “…que inicialmente, o reclamante exercia a função de chefe de seção da redação passando a exercer a função de editor, sendo que durante todo o período contratual, acumulou função na área comercial (redação de gingle, esporte, abertura de programas com mensagens de patrocinadores); que na prática , o reclamante acumulou a função de redator comercial….” (sic).

A terceira testemunha do reclamante, Sr. Nelson Laginestra Junior, quanto às funções do reclamante, declarou às fls.436 “que o reclamante exercia a função de chefe de seção de secretaria de redação; (..) que o depoente lembra que o reclamante tomava conta dos programas de variedades, como produtor, tais como: Espaço Informal e Eldorado à Tarde;.


Já a primeira testemunha da reclamada, Sr. Ederaldo Ruiz Kosa, no tocante às funções de chefe de redação, às fls. 437 declarou “…que nas atribuições de chefe de redação, estão incluídas as aberturas de programação, redação de textos, redação de gingle…” (sic).

Tanto na primeira hipótese como na segunda, não se pode acatar o pedido de diferenças salariais por acúmulo de função, vez que as atividades “extras” realizadas pelo autor, ainda que fossem admitidas como um plus funcional, não representavam exercício de cargo ou mister mais qualificado e, portanto, melhor remunerado, o que aí sim, até poderia ensejar o pagamento de diferenças salariais, em decorrência de exercício cumulativo com respectivo acréscimo de responsabilidades, com esteio nos artigos 8º e 460 da CLT.

O que dos autos aflora é o sub-aproveitamento do autor, que, embora classificado e remunerado por cargo superior, exercia parte de seus misteres pelo perfil funcional mais baixo, correspondente ao do cargo anteriormente ocupado.

Inexistindo prova flagrante do exercício de função com maior responsabilidade, diligência e qualificação técnica, para a qual a empresa habitualmente atribuísse um padrão mais elevado de vencimentos, e não havendo norma coletiva a disciplinar o direito vindicado, não há que se falar em adição salarial.

Mantenho.

DA INDENIZAÇÃO POR PREMIAÇÃO DECORRENTE DE SUGESTÃO.

Embora reconhecido o esforço de argumentação do patrono do reclamante, todavia a postulação em exame não pode ser acatada visto que a norma interna (fls.240, cláusula 4.2) estabelece que não poderão ser consideradas como merecedoras de premiação, as sugestões que constituam uma obrigação direta do trabalho do empregado.

Acrescente-se que a avaliação das sugestões, segundo prevê a cláusula 6.3 (fl.241) dar-se-á entre os Gerentes, Chefes e funcionários com responsabilidades e conhecimentos da área de impacto da sugestão, o que conduz à conclusão de que o autor participou da análise das sugestões.

Desse modo, não há como acatar o pedido de reforma.

Mantenho.

DAS REPERCUSSÕES PELA INTEGRAÇÃO À REMUNERAÇÃO, DO SALÁRIO-UTILIDADE COMBUSTÍVEL

O pagamento eventual de ticket combustível (fl. 27), não enseja a sua integração ao salário.

Mantenho.

DA INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS

As relações de trabalho devem pautar-se pela respeitabilidade mútua, face ao caráter sinalagmático da contratação, impondo-se aos contratantes, reciprocidade de direitos e obrigações. Desse modo, ao empregador, além da obrigação de dar trabalho e de possibilitar ao empregado a execução normal da prestação de serviços, cabe, ainda, respeitar a honra, a reputação, a liberdade, a dignidade e integridade física, intelectual e moral de seu empregado. Isto porque tratam-se de valores que compõem o patrimônio ideal da pessoa, assim conceituado o conjunto de tudo aquilo que não seja suscetível de valoração econômica, integrando os chamados direitos da personalidade, essenciais à condição humana e constituindo assim, bens jurídicos invioláveis e irrenunciáveis.

Tais valores foram objeto de preocupação do legislador constituinte de 1.988, que lhes deu status de princípios constitucionais que fundamentam a República (CF, artigo 1º, incisos III e IV), assegurando o direito à indenização pelo dano material e moral decorrente de sua violação (CF, art.5º,V e X).

Portanto, sempre que o trabalhador, em razão do contrato de trabalho, por ação ou omissão do empregador, sofrer lesão à sua dignidade, honra, ou ofensa que lhe cause um mal ou dor (sentimental ou física) causando-lhe abalo na personalidade ou psiquismo, terá o direito de exigir a reparação por danos morais e materiais decorrentes da conduta impertinente. Nesse sentido dispõem os artigos 186 e 927 do Código Civil de 2002 (artigo 159 do Código Civil de 1916, vigente à época dos fatos).

In casu, o reclamante sustenta que por força do § 3º do artigo 7º da Lei 5.250 de 09.02.61, os programas de noticiários, de reportagens, comentários, debates e entrevistas, nas emissoras de rádio–difusão, deverão enunciar, no princípio e no final de cada um, o nome do diretor ou produtor.

O reclamante informa que era o produtor de dois programas da reclamada, no entanto, a empregadora, lesando o direito ao crédito pessoal do autor, não enunciava seu nome como produtor, quer no começo ou ao final dos programas, pelo que postulou a condenação da Ré em danos morais no importe correspondente às 20 últimas remunerações, o que gira em torno de R$90.000,00, levando-se em conta a remuneração média do reclamante.

O descumprimento da lei invocada, conquanto de natureza civil, por omissão na indicação nominal dos créditos da produção jornalística, não altera a competência material desta Justiça a teor do artigo 114 da Constituição Federal (nova redação) e tampouco inviabiliza, ao menos em tese, a pretensão.

Na situação em exame, conquanto tenha existido, o descumprimento da lei invocada, por si só, não enseja a indenização pretendida, vez que não restou provado o dano ao patrimônio moral ou à personalidade do recorrente, ou que este tenha sido ultrajado, ou atingido de forma profunda e dolorosa em seus sentimentos pela eventual omissão do empregador. Na verdade, sequer há prova de que o reclamante tenha externado sua indignação ou dor perante os colegas de trabalho (fls.434/438) e tampouco que tivesse requerido ao empregador, superiores ou mesmo determinado ao programador que fizesse a referência nominal de cuja omissão ora pretende ver-se indenizado.

Portanto, não existindo prova do alegado sofrimento ou dano, que na situação dos autos não podem ser objeto de presunção, impossível acatar a pretensão.

Mantenho.

Do exposto, conheço de ambos os apelos interpostos e, no mérito, DOU PROVIMENTO PARCIAL ao recurso da reclamada para autorizar os descontos fiscais e previdenciários do crédito do autor, bem como que o critério de incidência da correção monetária siga aquele definido na Súmula 381 do Colendo Tribunal Superior do Trabalho, e de outra parte DOU PROVIMENTO PARCIAL ao apelo do reclamante para acrescer à condenação os reflexos das horas extras constantes nos recibos de pagamento, nos descansos semanais, bem como no pedido da alínea “d” (fls.10) do rol de reivindicações, tudo na forma da fundamentação que integra e complementa este dispositivo.

RICARDO ARTUR COSTA E TRIGUEIROS

Juiz Relator

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!