Preço do dano

Hospital tem de indenizar criança espancada em R$ 2 milhões

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20 de setembro de 2005, 18h27

A 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça manteve indenização de mais de dois milhões de reais a um adolescente que ficou cego depois se ser espancando dentro de um hospital no interior de São Paulo. O STJ não atendeu pedido da Universidade de Taubaté para que o valor fixado nas instâncias anteriores fosse revisto. Em setembro de 2002, a indenização chegava a R$ 1,73 milhão.

A Turma entendeu que somente é possível revisar indenização por danos morais quando o valor fixado for exageradamente alto ou baixo. Para o ministro Humberto Gomes de Barros, a indenização deve ter conteúdo didático para coibir reincidência do causador do dano, sem enriquecer a vítima.

Acompanharam esse entendimento os ministros Carlos Alberto Menezes Direito e Nancy Andrighi. Com isso, a condenação da Universidade de Taubaté, que administra o hospital, chegaria a R$ 2,27 milhões, somadas a indenização, a pensão mensal e os honorários advocatícios.

O relator do recurso, ministro Castro Filho, votou pela redução da indenização para R$ 200 mil. Para o relator, a fixação do valor deveria levar em consideração a capacidade financeira da universidade, que é mantenedora de um hospital prestador de serviço à comunidade. Acompanhou este entendimento o ministro Antônio de Pádua Ribeiro.

Argumentos

No STJ, a Universidade de Taubaté sustentou que o valor fixado para a indenização é excessivo e fora dos padrões traçados pelo STJ. A instituição rechaçou a maneira como foi estabelecido o valor — qual seja, pelo grau de culpa e capacidade econômico-financeira da universidade.

A defesa da instituição afirmou ter comprovado que jurisprudência majoritária dos tribunais fixa indenização por danos morais em quantia não superior a 500 salários mínimos e pensão vitalícia de meio a dois salários mínimos por mês, até mesmo em casos de danos mais graves do que o tratado no processo, como a ocorrência de morte.

Por isso, a instituição alegou que, se o paciente enxerga parcialmente, se locomove sem ajuda de terceiros, pode trabalhar e ainda recebe pensão vitalícia de R$ 800 mensais, a quantia de cinco mil salários mínimos fixada na sentença e confirmada pelo Tribunal de Justiça de São Paulo foi exorbitante e notória.

A universidade calculou que com 300 a 500 salários mínimos seria possível adquirir os bens relacionados na sentença, inclusive uma moradia adaptada à deficiência em Conceição dos Ouros (Minas Gerais).

Para a defesa, o “fato isolado ocorrido no hospital universitário não pode dar ensejo a enriquecimento sem causa, sob pena de inviabilizar o funcionamento da própria instituição de ensino mantenedora”.

Caso concreto

Filho de pais pobres e com alimentação insuficiente, aos nove meses de idade, o menor foi internado em hospitais de outras duas cidades próximas a Taubaté, até chegar ao Hospital-Escola da Universidade de Taubaté. Sofria de moléstia pulmonar, tossia e seu peito chiava. A criança respondeu bem ao tratamento e os médicos consideravam para breve a sua alta.

Na noite de 25 de março de 1989, o estudante do 6º ano do curso de medicina Flávio Baumgart Rossi, como médico residente plantonista do hospital, espancou o bebê. Apareceram no menor hematomas na cabeça, rosto, braços e pernas. Em razão da agressão sofrida, a criança ficou cega.

O espancamento foi visto por um auxiliar de enfermagem que avisou a polícia. Em 22 de novembro de 1993, Rossi foi condenado a sete anos e quatro meses de reclusão por crime de lesões corporais gravíssimas, mas, foragido, não chegou a cumprir pena.

Na ação de indenização por danos materiais e morais, a 2ª Vara Cível de Taubaté, acolheu em parte o pedido, condenando a universidade, em solidariedade com o co-réu, ao pagamento de R$ 650 mil (cinco mil salários mínimos à época), com correção monetária e juros moratórios a partir de 26 de maio de 1994, por culpa (in vigilando e in elligendo), além de pensão alimentícia vitalícia no valor de dois salários mínimos mensais, desde março de 1989.

Também determinou o custeio de tratamento no Hospital Israelita Albert Einstein, ou em qualquer outro indicado no Brasil ou no exterior. Também mandou pagar curso completo de braile em escola especializada, com despesas materiais e instrumentais, viagem e hospedagem, inclusive de acompanhante.

A Universidade de Taubaté apelou ao TJ-SP. Argumentou valor excessivo da indenização e da pensão mensal e redução de honorários advocatícios. A universidade também suscitou que a ação de indenização foi proposta fora do prazo legal.

Os fatos ocorreram em março de 1989, e a ação foi proposta em abril de 1994, data que estaria além dos cinco anos previstos para ações envolvendo pessoas jurídicas de direito privado.

No entanto, a 6ª Câmara de Direito Privado do TJ paulista não atendeu o recurso. Inicialmente o argumento de prescrição foi rejeitado, pois esse prazo não corre contra os absolutamente incapazes. Os desembargadores reconheceram a responsabilidade solidária no ato praticado pelo estudante residente, ressaltando que a condenação na esfera penal torna inquestionável o fato.

O Tribunal de Justiça de São Paulo manteve o valor da indenização porque entenderam que a quantia obedeceu à razoabilidade e à realidade, “levando em consideração o grau de culpa, a posição do ofendido e a capacidade financeira da universidade”.

REsp 668.434

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