Vestibular infantil

Leia a íntegra da liminar que suspendeu vestibulinhos

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19 de setembro de 2005, 18h02

A Justiça de São Paulo concedeu liminar, neste sábado (17/9), determinando a suspensão dos exames para ingresso na primeira série do Ensino Fundamental. A decisão, do juiz federal Nilson Martins Lopes Júnior, fixou multa de R$ 10 mil para a escola que realizar a prova.

Lopes Júnior também anulou o efeito classificatório de escolas que já tinham realizado etapas do chamado vestibulinho. A ação foi proposta contra os colégios Visconde de Porto Seguro, Santa Cruz e Nossa Senhora das Graças.

O Ministério Público Federal em São Paulo entrou com a Ação Civil Pública na última sexta-feira (16/9) pedindo que a União e o estado de São Paulo proíbam esses exames e divulguem que esse tipo de avaliação é proibida por um parecer da Câmara de Ensino Básico do Conselho Nacional de Educação, homologado em 2003 pelo ministério da Educação.

No entender do MPF, a prática fere a inviolabilidade psíquica e moral das crianças, garantida pelo Estatuto da Criança e do Adolescente. Em São Paulo, tais exames já são comuns na rede privada há alguns anos e já estão sendo aplicados nesta época do ano.

Leia a íntegra da decisão

Processo n.º 2005.61.00.020852-7

AÇÃO CIVIL PÚBLICA

Autor – MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL

Réu – UNIÃO FEDERAL e outros.

Recebo os presentes autos em plantão judiciário e passo a conhecer do pedido de antecipação de tutela apresentado na inicial.

Trata-se de ação civil pública proposta pelo Ministério Público Federal em relação à União Federal, Estado de São Paulo, Colégio Visconde de Porto Seguro, Colégio Santa Cruz e Colégio Nossa Senhora das Graças, na qual busca o Autor a declaração da existência de eficácia nacional das normas e deliberações do Conselho Nacional de Educação, quando homologadas pelo Ministério da Educação e relacionadas a temas de interesse nacional, com a conseqüente condenação das Pessoas Jurídicas de Direito Público, relacionadas no pólo passivo, a atuarem positivamente no sentido de impedir a realização de “vestibulinhos” como critério de seleção para acesso ao ensino fundamental, bem como a imposição de obrigação de não fazer relacionada com o critério de seleção mencionado aos estabelecimentos de ensino indicados como réus.

Da competência.

Inicialmente é de se analisar a competência deste Juízo Federal para conhecimento da presente ação, ao que nos remetemos ao texto da Constituição Federal, que estabelece em seu artigo 109 ser da competência dos juízes federais para processo e julgamento das causas em que a União, entidade autárquica ou empresa pública federal forem interessadas na condição de autoras, rés, assistentes ou oponentes, exceto as de falência, as de acidentes de trabalho e as sujeitas à Justiça Eleitoral e à Justiça do Trabalho.

De tal maneira, considerando-se que o objeto principal da presente ação civil pública consiste na declaração de eficácia nacional de atos normativos e deliberações do Conselho Nacional de Educação, sempre que homologadas pelo Senhor Ministro da Educação, e sendo este parte integrante da estrutura da administração pública direta federal, é de se reconhecer a efetiva participação da União Federal na lide por intermédio de um de seus Ministérios, justificando-se, assim, nos termos da Constituição Federal a competência deste Juízo.

Tal interesse da União por si só já é o bastante para fixação da competência nos termos acima, independentemente de terem sido indicados no pólo passivo d ação o Estado de São Paulo, bem como os estabelecimentos de ensino, ainda que pessoas jurídicas de direito privado, os quais devem compor o pólo passivo da ação, uma vez que aquele primeiro, por intermédio de Órgão Estadual de Educação vem contrariando o entendimento que se pretende ver declarado de âmbito nacional, sendo que estes últimos pelo fato de que se encontram na iminência de realizar ato contrário àquelas deliberações do órgão federal.

Da legitimidade ativa.

Estando o Ministério Público incumbindo da defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis, nos termos do artigo 127 da Constituição Federal, tendo entre suas funções institucionais o dever de promover o inquérito civil e a ação civil pública, para a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos, dentre eles os relacionados à educação e os afetos à criança e ao adolescente, nos termos da Lei Complementar nº 75/93, fica reconhecida sua legitimidade para figurar no pólo ativo da presente demanda.

Da legitimidade passiva.

A presença da União no pólo passivo se faz necessária, nos termos do que fora fundamentado acima para fixação da competência desta Justiça Federal.


Além do mais, a inicial imputa à Administração Pública Federal uma omissão que não se coaduna com os princípios que a regem, pois, ainda que existente normatização federal homologada pelo Ministério da Educação sobre o assunto, estaria ela permitindo a violação de tal regra no Estado de São Paulo, visto que não se faz presente para fiscalizar e exigir o cumprimento do ato Ministerial.

O Estado de São Paulo, também necessariamente deve compor o pólo passivo da presente ação civil pública, pois por meio de ato emanado de seu Conselho Estadual de Educação, Parecer CCE nº 124/2004 (processo CEE 41/2004), vem permitindo o descumprimento da norma que se deseja ver considerada de validade no âmbito nacional, ensejando, assim, a conduta de determinados estabelecimentos de ensino em realizarem os chamados “vestibulinhos” como método de avaliação de capacidade para ingresso no ensino fundamental.

Por fim, todos os três estabelecimentos de ensino enumerados na inicial, Colégio Visconde de Porto Seguro, Colégio Santa Cruz e Colégio Nossa Senhora das Graças, haja vista a comprovação por documentos que acompanham a inicial, de que já se encontram realizando processos seletivos ou, ao menos, já têm data indicada para sua realização, tem por justificada sua inclusão no pólo passivo em decorrência do efetivo descumprimento do Parecer nº 26/2003 da Câmara de Educação Básica do Conselho Nacional de Educação, homologado por despacho do Sr. Ministro da Educação, baseando-se no Parecer do Conselho Estadual de Educação anteriormente mencionado.

Além do mais, diante da iminência da realização de processo de seleção de crianças por meio da avaliação de conhecimento, denominado “vestibulinho”, a não inclusão de tais estabelecimentos de ensino no pólo passivo desta ação tornaria ineficaz uma possível decisão favorável ao pleito inicial, pois que já teria se efetivado o constrangimento mencionado na inicial.

Do interesse processual.

Comprova o Ministério Público Federal a prática de vários atos destinados à coibir a efetivação de processo de seleção de crianças para ingresso no ensino fundamental, desde a consulta junto ao Conselho Nacional de Educação, da qual gerou o Parecer nº 26/2003 de sua Câmara de Educação Básica, até o encaminhamento de ofícios com cópias de tal manifestação aos órgãos estaduais competentes, inclusive ao Ministério Público do Estado de São Paulo.

É de se notar que mesmo adotando todas as medidas administrativas existentes ao seu alcance, não obteve o Ministério Público Federal o cumprimento da norma homologada por ato ministerial, haja vista a conduta do Governo do Estado de São Paulo por intermédio da manifestação de seu Conselho Estadual de Educação, bem como a efetiva prática do processo de seleção pelas instituições de ensino situadas nesta Capital.

A ação judicial, portanto, se faz necessária para a realização do direito alegado na inicial e a imposição de obrigação de não fazer às escolas que adotam tal prática.

Tratando-se, ainda, de defesa de direitos coletivos ou transindividuais, ainda que individuais homogêneos, relacionados com o interesse da criança, a via processual eleita nos parece adequada, tanto no que se refere ao provimento final postulado, quanto na antecipação de tutela pretendida.

Da antecipação da tutela.

A concessão de tutela antecipada, nos termos do artigo 273 do Código de Processo Civil, conforme redação dada pela Lei 8.950/94, exige a existência de prova inequívoca, bem como do convencimento da verossimilhança da alegação, sempre que houver fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação, ou ainda quando ficar caracterizado o abuso de direito de defesa ou manifesto propósito protelatório do réu.

Pois bem, do texto legal depreende-se que a prova inequívoca, qual seja, aquela despida de ambigüidade ou de enganos, deve levar o julgador ao convencimento de que a alegação é verossímil, que se assemelha ou tem aparência de verdade, bem como que não repugne o reconhecimento do que possa ser verdadeiro ou provável.

No entanto, a verossimilhança da alegação trazida pela prova inequívoca não tem qualquer outra finalidade, senão a de demonstrar a subsunção do fato concreto em relação à norma, ao direito. No caso em questão, a comprovação da validade no âmbito nacional do Parecer nº 26/2003 da Câmara de Educação Básica do Conselho Nacional de Educação, devidamente homologado por despacho do Sr. Ministro da Educação.

Conforme prevê a Lei nº 9.394 de 20 de dezembro de 1996, que estabelece as Diretrizes e Bases da Educação Nacional, em seu artigo 8o, a União, O Distrito Federal e os Municípios organizarão, em regime de colaboração, os respectivos sistemas de ensino, cabendo à União a coordenação da política nacional de educação, articulando os diferentes níveis e sistemas, além de exercer função normativa, redistributiva e supletiva em relação às demais instâncias educacionais.


Estabelecendo que os sistemas de ensino terão liberdade de organização, a mencionada lei atribui à União a incumbência de elaborar o Plano Nacional de Educação, contando, para tanto com a colaboração dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios.

O § 1o do artigo 9o da lei nº 9.394/96 determina que na estrutura educacional deverá haver um Conselho Nacional de Educação, o que terá funções normativas e de supervisão, sendo de atividade permanente e com criação por meio de lei.

A lei nº 9.131/95 deu nova redação a alguns artigos da lei nº 4.024/61, de forma que apenas tais artigos permaneceram vigendo pois os demais se encontram revogados pela lei de diretrizes e bases de 1996, sendo que o artigo 6o estabelece que o Ministério da Educação deve formular e avaliar a política nacional de educação, sendo nessa atividade assessorado pelo Conselho Nacional de Educação e das Câmaras que o compõem.

De maneira geral, compete ao Conselho Nacional de Educação subsidiar a elaboração e acompanhar a execução do Plano Nacional de Educação, além de emitir pareceres sobre assuntos da área educacional e questões relativas à aplicação da legislação educacional, neste último caso em relação à integração entre os diferentes níveis e modalidade de ensino.

Pois bem, daí se nota a necessária observação por parte dos Estados, Distrito Federal e Municípios, dentro de suas competências na área da educação, das manifestações do Conselho Nacional de Educação, até mesmo porque, conforme estabelece o artigo 8o em seu § 2o, a escolha de membros da Câmara de Educação Básica tem a participação efetiva daqueles três entes da Federação, o que demonstra uma verdadeira integração dos sistemas municipais, distritais, estaduais e federal no âmbito da educação nacional.

Não cabe, portanto, sustentar o Estado de São Paulo, por intermédio de parecer de seu Conselho Estadual de Educação posição contrária ao do órgão nacional que trata da matéria, pois este, com a participação de todos os Estados da Federação, subsidia a elaboração e fiscaliza a execução do Plano Nacional de Educação.

Da mesma maneira é de se concluir que os estabelecimentos de ensino privados necessariamente devem cumprir o mencionado plano nacional, uma vez que o artigo 209, I, da Constituição Federal, estabelece ser o ensino livre à iniciativa privada, desde que atendidas algumas condições, dentre elas, o cumprimento das normas gerais da educação nacional.

Além do mais, ainda que se pudesse aceitar a total independência do Estado de São Paulo ou de qualquer outro ente da Federação em relação ao Conselho Nacional de Educação, não há como se sustentar a possibilidade de qualquer um deles descumprir a lei nº 9.394/96, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional.

Sendo assim, é necessário que se observe sempre, independentemente de qualquer manifestação de algum Conselho de Ensino, a norma contida no inciso II do artigo 24 daquela legislação, que determina que a educação básica, nos níveis fundamental e médio poderão promover para a série seguinte os alunos que tenham cursado com aproveitamento a série ou fase anterior, ficando expressamente excetuada a primeira série do ensino fundamental.

Não bastasse tal vedação expressa, o artigo 31 da lei de diretrizes e bases dispõe que na educação infantil a avaliação far-se-á mediante acompanhamento e registro do seu desenvolvimento, sem o objetivo de promoção, mesmo para o acesso ao ensino fundamental.

De tal maneira, resta presente a verossimilhança da alegação apresentada na inicial, haja vista os dispositivos legais acima mencionados, sendo que restou também inequivocamente comprovado que os Réus não vem cumprindo a determinação legal, especialmente os estabelecimentos de ensino incluídos no pólo passivo da ação.

Presente também se encontra a possibilidade de difícil reparação do dano, uma vez que a realização da avaliação nos termos propostos pelas Escolas Paulistanas, implicará no efetivo comprometimento das crianças que a ela venham a se submeter.

É de se ressaltar, ainda, a impossibilidade de ser aceito o Parecer CCE nº 124/2004 do Conselho Estadual de Educação, no que se refere à alegação de que se o “vestibulinho” causa prejuízos decorrentes de possíveis frustrações impostas àquelas crianças eventualmente reprovadas, o vestibular traria o mesmo mal aos adolescentes que buscam ingresso no ensino superior.

Totalmente descabida é essa comparação, uma vez que, a partir do ingresso no ensino fundamental o aluno passa a ser constantemente avaliado para sua progressão, criando, assim, uma amadurecimento para enfrentar o acesso ao ensino superior, o que não acontece com as crianças, as quais, muitas vezes, são submetidas aos “vestibulinhos” sob a ilusão de que todo aquele processo de seleção seria apenas um período de conhecimento e adaptação ao que imagina ser sua nova escola.

Posto isso, nos termos da fundamentação acima, concedo a tutela antecipada em relação aos réus Colégio Visconde de Porto Seguro, Colégio Santa Cruz e Colégio Nossa Senhora das Graças, determinando que se abstenham de realizar qualquer processo seletivo que envolva a participação pessoal e avaliativa da criança para ingresso no ensino fundamental, bem como para que suspendam imediatamente o que estejam realizando, sob pena de imposição individualizada de multa diária no valor de R$ 10.000,00 (dez mil reais), a ser destinada ao Fundo Federal de Direitos Difusos Lesados.

Tendo em vista a notícia de que algumas fases da avaliação já foram realizadas, bem como da proximidade da realização dos exames no Colégio Visconde de Porto Seguro (17/09/2005 – 8h) e Colégio Santa Cruz (17/09/2005 – 13h45), caso a presente decisão não chegue a tempo de impedir a realização das seletivas, ficam elas desde já desqualificadas para o fim a que se destinavam, não podendo os estabelecimentos de ensino, caso venham a realizá-las, fazer uso delas para classificar ou aprovar alunos para o ensino fundamental.

No que se refere aos pedidos direcionados à União Federal e o Estado de São Paulo, intimem-se seus representantes legais, a fim de que se pronunciem no prazo de setenta e duas horas, nos termos do artigo 2o da Lei nº 8.437/92, após o que será analisado o pedido de antecipação de tutela.

Defiro o pedido de encaminhamento da presente decisão via fax para o Colégio Visconde de Porto Seguro (11 – 3022-9073) e Colégio Santa Cruz (11 – 3749-3268), a fim de que se viabilize seu cumprimento.

Oficie-se. Intime-se. Cumpra-se..

São Paulo, 17 de setembro de 2005

NILSON MARTINS LOPES JÚNIOR

Juiz Federal Substituto

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