Prêmio por delatar

Delação premiada vira moda e gera discussão sobre seu uso

Autores

16 de setembro de 2005, 11h35

Na onda do publicitário Marcos Valério, do ex-tesoureiro do PT Delúbio Soares, dos doleiros Vivaldo Alves e Toninho da Barcelona, e do advogado Rogério Buratti, cresceu o número de pessoas dispostas a se valer da delação premiada para aliviar suas penas em caso de condenação.

Apesar do momento de empolgação com tal figura jurídica, promotores e advogados destacam que a delação premiada ainda não está bem definida no país. Na verdade, cinco diferentes leis (crimes hediondos, lavagem de dinheiro, proteção à vítima e às testemunhas, crime organizado e nova lei do tóxico) prevêem, de formas diferentes, benefícios ao réu que colabora para o esclarecimento de fatos.

Além disso, os criminalistas criticam o uso de delação sem maiores cuidados. “Desta forma, a gente acaba valorizando o vício. O delinqüente que tem o vício de caráter de ser delator acaba sendo beneficiado”, opina o criminalista Roberto Podval.

Ele conta que foi consultado por alguns clientes sobre o assunto, mas que é contrário a esta possibilidade por princípio. “A lógica do Estado e do bandido se tornam parecidas, o que é institucionalmente perigoso”, acredita.

Para Laertes de Macedo Torrens a idéia da delação premiada foi copiada do Direito Italiano sem uma análise mais profunda. “Temos de ter limites para o uso de uma lei como esta, criada na Itália em um momento excepcional, da Operação Mãos Limpas, de inspiração autoritária e fascista”, opina. O criminalista acredita que, para ser eficiente, a delação premiada precisa ser aplicada apenas no combate a organizações criminosas e aliada a um programa mais eficiente de proteção à testemunha. O advogado também sentiu um aumento na procura de clientes dispostos a delatar em troca de benefícios.

Torrens cita como exemplo do mau uso da delação premiada a acusação contra um de seus clientes, o advogado Artur Eugênio Mathias, investigado em 2000 pela CPI do Narcotráfico. O motorista Adilson Frederico Luz, que estava preso por assalto, afirmou que Mathias era o líder do bando. Após receber o benefício da liberdade provisória por ter colaborado com as investigações, Luz mudou seu depoimento. Ele alegou ter sido coagido por promotores e pelo delegado para incriminar Mathias.

Este é um dos pontos que o criminalista Ronaldo Bretas Marzagão, procurador de Justiça aposentado, considera mais delicado. “Temos de diferenciar o que é colaboração espontânea, que pode ser o caso de delação premiada, da colaboração provocada ou induzida. O acusador não pode explorar uma situação de prisão preventiva para conseguir que o réu entregue seus comparsas”, acredita. Para ele, além da discussão sobre a ética do Estado fazer acordo com os criminosos, é preciso discutir como fazê-lo.

O promotor Eduardo Araújo da Silva destaca ainda que promotores e delegados não podem fazer acordos formais de delação premiada, o que complica o uso da medida sem que seja melhor definida. “O acordo com os promotores é para que eles defendam a redução da pena por causa da colaboração, mas o juiz não é obrigado a levar em conta a opinião do Ministério Público”, explica.

Parece mas não é

A esperança de reduzir a pena ou até mesmo livrar-se de uma ação penal pode pegar de calças curtas o interessado, mas mal informado, na delação premiada. Não há meios ou previsões legais de garantia de êxito, de que ao final de um longo e cansativo processo penal, o acusado possa ganhar o grande prêmio: a redução de um a dois terços da pena ou até mesmo o perdão judicial.

O Ministério Público e delegados de Polícia têm oferecido ao acusado a delação premiada como uma forma de benefício, mas sem a orientação de que não existe garantia de êxito e que pode haver até prejuízo depois.

Para a advogada Joyce Roysen, do escritório Roysen Advogados Associados, a divulgação pela mídia contribuiu para o aumento da procura da delação premiada. “As pessoas têm a ilusão de que a delação é uma solução, mas não é. E o denunciado ainda fica com a obrigação de fornecer provas e informações sem a garantia de sucesso”, afirma. Como explica a advogada, a maioria das pessoas que procura a delação nunca respondeu a uma ação penal, não sabe o que é ter um processo pela frente.

Segundo Joyce, a delação premiada é um instrumento que os advogados em geral não recomendam aos clientes. “A delação é uma ilusão, não temos notícia de ninguém que tenha sido beneficiado e você não pode garantir isso ao cliente. Quem opta pela delação perde a oportunidade de fazer a defesa”, afirma a advogada.

De acordo com Tarcísio dos Santos assistente jurídico do Tribunal de Justiça, diferente da imagem que se passa, de que a pessoa efetivamente vai conseguir uma redução da pena com a delação, a concretização do benefício está nas mãos do juiz, que ao final do processo decide se será concedido ou não.

Santos defende que se houvessem reais garantias aos acusados, a delação premiada seria muito mais utilizada e poderia contribuir fortemente no combate ao crime. O especialista explica que a delação em troca de redução de pena foi prevista inicialmente na Lei 9.034/95 (artigo 6º), que trata dos crimes praticados por organizações criminosas (quadrilha ou bando).

Nessa lei, é concedida redução de um a dois terços na pena ao agente que, espontaneamente, levar ao esclarecimento de infrações penais e sua autoria. Depois, a Lei 9.613/98, que cuida do crime de lavagem de capitais, também estendeu referido benefício aos crimes ali tratados (artigo 1º, parágrafo 5º), com o acréscimo de que também pode ser beneficiário aquele que levar à localização dos bens, direitos ou valores objetos do crime.

Contudo, a advogada Joyce Roysen defende que a delação premiada é um instrumento jurídico que o sistema penal brasileiro não comporta. “Nosso sistema é longo e a lei não prevê a barganha do denunciado com o Ministério Público para não ser processado”.

Autores

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!