Apenas o primeiro endosso de cheque é isento da CPMF
16 de setembro de 2005, 16h39
A 1ª Turma do Superior Tribunal de Justiça decidiu que o primeiro endosso do cheque é isento de CPMF. Com esse entendimento, os ministros acolheram recurso do Banco Central contra decisão do Tribunal Regional Federal da 4ª Região.
Os desembargadores entenderam que o Banco Central alterou, por meio de circular, norma estabelecida em lei sobre a exigência de depósito dos cheques endossados nas contas dos beneficiários originais. A alteração, de acordo com a segunda instância, seria ilegal.
O BC se defendeu dizendo que apenas alterou a maneira de formalização dessas operações e que qualquer transmissão de valores, em dinheiro ou em cheque, que passe por instituição financeira, está sujeita à incidência da CPMF.
“Em termos práticos, temos de responder à seguinte indagação: os cheques recebidos de clientes podem ser endossados pelos comerciantes para pagar diretamente a seus fornecedores?”, indagou a ministra Eliana Calmon.
“A resposta é afirmativa, naturalmente, fazendo-se uma operação direta entre particulares, de modo a não entrar na conta do comerciante a ordem de pagamento que lhe foi dirigida, visto que foi entregue, com endosso a seu credor, o fornecedor”, completou a relatora.
Para a ministra, a lei que instituiu a CPMF explicitou o fato gerador da contribuição e as hipóteses de não incidência, mas de forma fechada. A mesma lei permite um único endosso, mas sem abordar a isenção da CPMF nessas transações. “A determinação é compreensível, na medida em que se tem ciência de que a CPMF tem definidos propósitos extrafiscais, entre eles, o de combater a evasão fiscal”, afirmou a relatora.
A circular do BC teria apenas explicitado as etapas das operações com endosso, deixando claro que só o primeiro seria isento de CPMF.
REsp 538.705
Leia a íntegra da decisão
RECURSO ESPECIAL Nº 538.705 – PR (2003/0086582-0)
RELATORA : MINISTRA ELIANA CALMON
RECORRENTE : BANCO CENTRAL DO BRASIL
PROCURADOR : FRANCISCO SIQUEIRA E OUTROS
RECORRIDO : GIACOBO E COMPANHIA LTDA
ADVOGADO : PAULO MORELI E OUTROS
INTERES. : FAZENDA NACIONAL
RELATÓRIO
A EXMA. SRA. MINISTRA ELIANA CALMON (Relator): Trata-se de recurso especial interposto com fulcro na alínea “a” do permissivo constitucional contra acórdão do Tribunal Regional Federal da 4ª Região assim ementado:
ADMINISTRATIVO. CIRCULAR BACEN 3001/2000. EXIGÊNCIA DE DEPOSITO DE CHEQUES NOMINAIS EM CONTA-CORRENTE DO BENEFICIÁRIO. ILEGALIDADE. POSSIBILIDADE DE UM ÚNICO ENDOSSO PREVISTO NA LEI 9.311/96.
1. Prevendo a Lei 9.311/96 a possibilidade de um único endosso nos cheques nominais, pelo beneficiário, não poderia ter a Circular 3001/2000, do Banco Central do Brasil estabelecido a exigência de depósito dos cheques nas contas dos beneficiários originais. Ilegalidade do normativo, que inviabilizou o endosso, previsto em lei.
2. Apelações e remessa oficial desprovidas.
(fl.137)
Opostos embargos de declaração, restaram assim decididos:
EMBARGOS DECLARATÓRIOS. OMISSÃO OU OBSCURIDADE NÃO VERIFICADAS.
1. O acórdão vergastado apreciou detidamente a questão posta em julgamento, contemplando todos os fatos e fundamentos da controvérsia, pertinentes e necessários à formação do convencimento. Portanto, havendo manifestação expressa a respeito da matéria em exame, não prospera a oposição de embargos visando à modificação do julgado, sob alegação de omissão ou obscuridade.
2. Ausentes as irregularidades previstas nos incisos I e II do artigo 535 do CPC no acórdão vergastado, restam desprovidos os embargos.
(fl. 147)
Alega o BANCO CENTRAL DO BRASIL negativa de vigência dos arts. 2º, I, III e IV, e 17, I, da Lei 9.311/96, sustentando que a Circular/BACEN 3001/2000 não criou uma nova hipótese de incidência para o CPMF, mas apenas modificou a maneira de formalização destas operações.
Aduz, ainda, que qualquer transmissão de valores, seja em dinheiro ou cheque, com intervenção da instituição financeira, está sujeita à incidência da CPMF.
Interpretando o art. 17 da Lei 9.311/96, afirma a impossibilidade de uma operação financeira envolver cheque endossado, pela primeira vez, sem a incidência da CPMF.
Com contra-razões, subiram os autos, admitido o especial na origem.
Relatei.
VOTO
A EXMA. SRA. MINISTRA ELIANA CALMON (Relator): – Prequestionados os dispositivos tidos por violados, enfrento o mérito do especial.
Busca-se saber, no presente caso, se o art. 3º da Circular/BACEN 2.535/1995, alterada pelo art. 1º da Circular/BACEN 3001/2000, desbordou do comando contido no art. 17, I, da Lei 9.311/96, que instituiu a Contribuição Provisória sobre Movimentação ou Transmissão de Valores e de Créditos e Direitos de Natureza Financeira – CPMF.
Em termos práticos, temos de responder à seguinte indagação: os cheques recebidos de clientes podem ser endossados pelos comerciantes para pagar diretamente a seus fornecedores? A resposta é afirmativa, naturalmente, fazendo-se uma operação direta entre particulares, de modo a não entrar na conta do comerciante a ordem de pagamento que lhe foi dirigida, visto que entregue, com endosso a seu credor, o fornecedor.
Entretanto, na hipótese dos autos, dois aspectos diferem do exemplo; é que a operação de entrega da ordem de pagamento endossada se faz via estabelecimento bancário, registrando-se aí duas operações: primeira, a saída do cheque da conta do cliente para, ficticiamente, a conta do comerciante que endossou o cheque; segunda, a saída fictícia da conta do comerciante para a conta do seu fornecedor.
O legislador, ao instituir a CPMF nos termos da Lei 9.311/96, explicitou no art. 2º o fato gerador da contribuição, deixando claro no seu inciso VI:
VI – qualquer outra movimentação ou transmissão de valores e de créditos e direitos de natureza financeira que, por sua finalidade, reunindo características que permitam presumir a existência de sistema organizado para efetivá-la, produza os mesmos efeitos previstos nos incisos anteriores, independentemente da pessoa que a efetue, da denominação que possa ter e da forma jurídica ou dos instrumentos utilizados para realizá-la.
Depois de estabelecer quais as hipóteses geradoras da exação, ficou explicitado no artigo seguinte as hipóteses de não-incidência, entendendo doutrina e jurisprudência que a norma não é meramente enunciativa, mas fechada em numerus clausus, de tal forma que fora das hipóteses enumeradas há, de forma absoluta, a incidência da contribuição de que se cuida.
Dentro desse raciocínio, vejamos os dispositivos legais questionados neste recurso. O artigo 17 da Lei 9.311/96 é expresso quando só permite um endosso, estando assim redigido:
Art. 17. Durante o período de tempo previsto no art. 20:
I – somente é permitido um único endosso nos cheques pagáveis no País;
Verifica-se, pelo texto transcrito, que não se falou de incidência ou não da CPMF e sim da possibilidade de, por via bancária, tramitarem ordens de pagamento com um só endosso. A determinação é compreensível, na medida em que se tem ciência de que a CPMF tem definidos propósitos extrafiscais, entre eles, o de combater a evasão fiscal.
A Circular BACEN 2535/1995, alterada pela Circular 3002/2000, no papel de detalhamento da regra formal estabelecida em lei, explicitou o iter das operações com endosso, deixando claro que só o primeiro seria considerado como tal, pois do segundo em diante tudo se passava como sendo uma operação de depósito e saque posterior, incidindo então a CPMF. Daí a redação dada ao art. 3º da norma:
Art. 3º Devem ser registrados em conta de depósitos à vista do beneficiário os valores correspondentes às seguintes operações:
I – cobrança de créditos de qualquer natureza, direitos ou valores, representados ou não por títulos, inclusive cheques;
II – recebimento de carnês, contas ou faturas de concessionárias de serviços públicos e prestações de consórcios, bem como quaisquer outros valores, não abrangidos no inciso anterior;
III – coleta de numerário, inclusive cheques, realizada por meio de serviço especializado mantido ou contratado pela instituição financeira ou pelo próprio interessado;
IV – lançamentos interdependências e outros assemelhados.
Parágrafo 1º O registro contábil das operações de que trata este artigo deve ser efetuado na conta de depósitos à vista do credor dos valores cobrados, arrecadados ou colocados à sua disposição.
Parágrafo 2º Em se tratando de beneficiário não titular de conta de depósitos à vista na instituição, os recursos por essa recebidos na forma do “caput” devem ser transferidos para instituição onde o beneficiário mantenha conta de depósitos à vista, à qual também se aplicam as disposições deste artigo.
Parágrafo 3º Fica dispensada a realização de depósitos nos termos deste artigo quando a instituição estiver atuando na prestação de serviços de administração de recursos destinados à aplicação e ao resgate de investimentos por conta e ordem de seus clientes, hipótese em que os recursos poderão ser registrados em conta de depósitos à vista de titularidade da instituição, vinculadas a contas correntes não movimentáveis por cheque abertas em nome dos respectivos clientes, cuja movimentação deve observar as condições estabelecidas na legislação e na regulamentação aplicáveis.
O BANCO CENTRAL argumenta que não há dispensa de registro contábil e de recolhimento da contribuição nessa operação de endosso, na hipótese do artigo 17, I, da Lei 9.311/96, porque qualquer transmissão de valores, em dinheiro ou cheque, com a intervenção da instituição financeira está sujeita à incidência da CPMF, conforme consta do inciso III, art. 2º, daquele estatuto legal.
A razão está com o BANCO CENTRAL, como se pode perceber dentro do raciocínio acima exposto.
Lembro, por oportuno, que esta Corte ostenta um único precedente, da Primeira Turma, no REsp 574.438/RS, julgado em abril deste ano, no qual manifestou-se a Corte julgadora pela incidência da contribuição, ficando assim ementado o julgado:
TRIBUTÁRIO. CPMF. INCIDÊNCIA SOBRE AS OPERAÇÕES DE LIQUIDAÇÃO OU DE PAGAMENTO, POR INSTITUIÇÃO FINANCEIRA, DE QUAISQUER CRÉDITOS, DIREITOS OU VALORES, POR CONTA E ORDEM DE TERCEIROS. LEI 9.311/96, ART. 3º, III. CIRCULAR BACEN 3001/2000, ART. 3º. LEGALIDADE. RECURSOS ESPECIAIS PROVIDOS.
No julgamento, ficou vencido o relator, Ministro Luiz Fux, o qual pugnava pela tese da não-incidência, mas foi vencido após os votos-vista dos Ministros Teori Zavascki e José Delgado, que foram acompanhados pelos Ministros Francisco Falcão e Denise Arruda.
Com essas considerações, dou provimento ao recurso para reformar o acórdão e julgar improcedente a ação, condenando o vencido a arcar com as custas e honorários de advogado que arbitro em 10% (dez por cento) sobre o valor da causa, devidamente atualizado.
É o voto.
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