Prisão mantida

TRF da 3ª Região nega liberdade para Paulo e Flávio Maluf

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15 de setembro de 2005, 20h06

O juiz federal convocado do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, Luciano Godoy, indeferiu a liminar nos dois pedidos de Habeas Corpus impetrados em favor do ex-prefeito Paulo Maluf e de seu filho, Flávio Maluf. Com isso, fica mantida a decisão de prisão preventiva decretada para ambos pelo menos até o julgamento do mérito do Habeas Corpus.

O juiz refutou os cinco argumentos apresentados pelos advogados Américo Masset Lacombe e José Roberto Leal de Carvalho no pedido de Paulo Maluf.

Sobre o direito ao foro privilegiado na qualidade de ex-prefeito, o juiz afirmou que o órgão especial do TRF-3, em outubro de 2003, já decidira pela não aplicabilidade do dispositivo. A decisão, lembra Godoy, é vinculante para os membros do tribunal, conforme determina a Constituição Federal. Nesta mesma quinta-feira, o Supremo Tribunal Federal considerou inconstitucional o dispositivo legal que prevê foro especial para ex-autoridades em processos de improbidade administrativa.

O juiz considerou que os fatos narrados na denúncia revelam a presença dos pressupostos necessários para a decretação da prisão preventiva — tais como a prova de existência de crime e indício suficiente de autoria, além da garantia da ordem pública ou econômica.

Segundo Godoy, as condições favoráveis do paciente (residência fixa, ausência de maus antecedentes e primariedade) não são garantidoras da concessão de liberdade provisória quando demonstrada a presença de outros elementos que justifiquem a medida excepcional da prisão preventiva, tais como a persistência na ação criminosa.

O juiz julgou irrelevante o fato de o doleiro Vivaldo Alves ser réu e não testemunha no processo, alegado pela defesa, já que o pedido de prisão preventiva não foi embasado unicamente na conversa em que Flávio e Paulo Maluf supostamente tentam conduzir o depoimento do doleiro à polícia.

Por fim, à argumentação dos advogados de que a prisão preventiva não poderia ter sido decretada com base no artigo 30 da Lei 7.492/86 — que prevê o uso do dispositivo em razão da magnitude da lesão causada — o juiz Luciano Godoy contrapôs decisão do Supremo Tribunal Federal, de 2001, na qual a ministra Ellen Gracie utilizou exatamente esse entendimento para negar o Habeas Corpus ao ex-juiz Nicolau dos Santos Neto.

Flávio Maluf

No caso de Flávio Maluf, Luciano Godoy reconheceu que não se aplica a imputação de formação de quadrilha feita a ele e a Paulo Maluf, já que não existe formação de quadrilha por duas pessoas.”Realmente tal fato desprestigia a denúncia e a decisão de recebimento desta, uma vez que não foi constatado. Entretanto, a decretação da prisão preventiva, acima referida, não será afastada por esta constatação.”.

Já em relação à impropriedade da denúncia de corrupção passiva contra Flávio Maluf, pelo fato de ele não ser funcionário público, o juiz rejeitou o argumento da defesa. “Também não procede a alegação de impossibilidade da imputação ao paciente Flávio Maluf do crime de corrupção passiva, previsto no artigo 317 do Código Penal. Nos termos do artigo 30 do mesmo diploma legal, as circunstâncias elementares do crime se comunicam entre os agentes, razão pela qual se aplica ao ora paciente a referida imputação penal”, sustenta Godoy.

O juiz recomendou cautela e sensatez aos policiais, membros do Ministério Público e juízes, envolvidos no julgamento do caso para que não haja humilhações aos presos. Alertou também que a notoriedade e a situação econômica privilegiada dos pacientes não pode gerar benefícios ou regalias no tratamento a eles dispensado na prisão.

Recurso

A Súmula 691 do Supremo Tribunal Federal impede o julgamento de liminar de liminar. Por este entendimento, a defesa de Maluf terá de aguardar o julgamento do mérito do Habeas Corpus pelo Tribunal Regional Federal em São Paulo para entrar com um eventual recurso no Superior Tribunal de Justiça.

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Leia a íntegra das decisões da Justiça Federal:

PROC. : 2005.03.00.072505-1 HC 22642

ORIG. : 200261810060733/SP

IMPTE : AMERICO MASSET LACOMBE

IMPTE : JOSE ROBERTO LEAL DE CARVALHO

ADV :

PACTE : PAULO SALIM MALUF reu preso

ADV : AMERICO LOURENCO MASSET LACOMBE

ADV : JOSE ROBERTO LEAL DE CARVALHO

IMPDO : JUIZO FEDERAL DA 2 VARA CRIMINAL SAO PAULO SP

RELATOR : DES.FED. VESNA KOLMAR / PRIMEIRA TURMA

DECISÃO

Trata-se de habeas corpus, com pedido de liminar, impetrado por Américo Masset Lacombe e José Roberto Leal de Carvalho em favor de Paulo Salim Maluf contra ato da MMª Juíza Federal da 2ª Vara Criminal de São Paulo/SP que decretou a prisão preventiva do paciente, nos autos da Ação Penal n. 2002.61.81.006073-3, a qual apura os delitos descritos nos artigos 288 (formação de quadrilha ou bando) e 317 (corrupção passiva) do Código Penal, artigo 22 (remessa ilegal de divisas ao exterior), parágrafo único da Lei n. 7492/1986 e artigo 1° (lavagem de dinheiro), incisos V, VI e VII da Lei n. 9613/1998.



Os impetrantes alegam que o paciente está sofrendo constrangimento ilegal, sob os seguintes argumentos:

a) existência de foro privilegiado, eis que por força do disposto no Código de Processo Penal, artigo 84, § 1o, introduzido pela Lei n. 10.628/2002, o paciente deve ser julgado por este E. Tribunal Regional Federal e não pelo Juízo Federal da 2ª Vara Criminal de São Paulo, tendo em vista que o delito de corrupção passiva atribuído ao paciente teria sido cometido na qualidade de Prefeito do Município de São Paulo;

b) a MM. Juíza Federal, na r. decisão impugnada, afirmou a existência dos requisitos para a decretação da prisão preventiva, no entanto não os apontou, limitando-se a repetir as palavras da lei;

c) não há nos autos prova segura da materialidade de nenhum dos delitos imputados ao paciente, pois quanto aos crimes de corrupção passiva e quadrilha há ausência de elemento essencial do tipo; quanto ao de lavagem de dinheiro, por força do princípio da reserva legal, a conduta era atípica no período apontado na denúncia e quanto ao crime de evasão de divisas, inexiste o exame de corpo de delito realizado em conformidade com as regras traçadas pelo Código de Processo Penal;

d) Vivaldo Alves não é testemunha, é réu, e a delação, por si só, não tem força de prova para uma sentença condenatória, uma vez que o réu goza da garantia de calar e tem o direito de mentir;

e) o requisito da conveniência da instrução criminal fundado na magnitude da suposta lesão causada ao Sistema Financeiro Nacional, nos termos do artigo 30 da Lei n. 7.492/1986, não se sustenta para fundamentar o decreto de prisão preventiva do paciente.

É o breve relatório. Decido.

Inicialmente, analiso a argumentação dos impetrantes quanto à existência de foro privilegiado para o acusado Paulo Salim Maluf, por se tratar de ex-prefeito da cidade de São Paulo, nos termos do artigo 84, § 1º, do Código de Processo Penal, alteração efetuada pela Lei n. 10.628/2002.

O Órgão Especial do Tribunal Regional Federal da 3a. Região, no julgamento do Inquérito n. 80 / MS, em 25 de setembro de 2003, relator Desembargador Federal Mairan Maia, decidiu em argüição de inconstitucionalidade pela não aplicabilidade deste dispositivo. Transcreve-se a ementa:

Autos n. 94.03.094237 – 1 / MS

I

CONSTITUCIONAL E PROCESSUAL PENAL – COMPETÊNCIA ESPECIAL POR PRERROGATIVA DE FUNÇÃO – CRIME ATRIBUÍDO A EX-PREFEITO MUNICIPAL – INCONSTITUCIONALIDADE DO ART. 84, § 1º, DO CPP INTRODUZIDO PELA LEI 10.628/02 – COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL DE PRIMEIRO GRAU.

1. O foro especial por prerrogativa de função representa execução material do princípio da igualdade, na medida em que objetiva conferir a tutela adequada ao exercício da função pública e somente pode ser reconhecido nas situações específicas constitucionalmente previstas. Assim, qualquer interpretação que amplie a proteção à função pública, de modo a alcançar a pessoa que já não a exerce atenta contra o princípio da isonomia.

2. Inaptidão de lei ordinária para modificar materialmente o conteúdo do comando constitucional que dispõe sobre competência originária de tribunal.

3. Na hipótese de crime atribuído a ex-prefeito municipal, cessado o mandato o ex-ocupante retorna ao status quo ante, por não mais subsistir o fator determinante da competência originária do tribunal fundada na prerrogativa da função.

4. Acolhida argüição de inconstitucionalidade incidenter tantum, suscitada pela Procuradoria Regional da República, para declarar a inconstitucionalidade do § 1º, do art. 84, do Código de Processo Penal, com a redação atribuída pela Lei 10.628/02, com a remessa dos autos ao juízo federal competente.

Esta decisão, proferida nos termos do artigo 97 da Constituição, é vinculante aos membros desta Corte, a teor do artigo 176 do Regimento Interno, razão pela qual não posso deixar de aplicá-la. Entretanto, faço constar a minha irrestrita concordância com esta posição. O foro privilegiado para ex-autoridades agride a idéia da igualdade dos cidadãos na vida em sociedade.

Desta forma, rejeito esta alegação preliminar.

Em análise do mérito liminar, não verifico a existência de plausibilidade jurídica para reformar a decisão recorrida, mantendo-a nos termos em que foi proferida. Passo ao exame dos pontos levantados pelos impetrantes.

Analiso a decisão impugnada quanto à existência ou não dos requisitos para a decretação da prisão preventiva do paciente Paulo Salim Maluf.

Os fatos narrados na denúncia revelam a presença dos pressupostos para a decretação da prisão preventiva do paciente, previstos no artigo 312 do Código de Processo Penal, quais sejam, prova de existência de crime e indício suficiente de autoria, bem como garantia da ordem pública, da ordem econômica, conveniência da instrução criminal ou para assegurar a aplicação da lei penal.


Como expressa a decisão que recebeu a denúncia:

Há nos autos prova da existência de crime e indícios de autoria, indicando a movimentação internacional de montante expressivo de dinheiro, através de diversos países e instituições financeiras, de acordo com o que, pelo menos até o momento, revelam os documentos acostados aos autos.

E mais. Afirma a decisão ora impugnada que se constatou em diálogos telefônicos monitorados “uma série de manobras por parte de Paulo Salim Maluf e Flávio Maluf para interferir na colheita, produção e resultado da prova que buscava se produzir no inquérito policial”. E acrescenta que a liberdade do paciente poderá comprometer a instrução do processo ou, ao menos, tumultuá-la.

Diferentemente do alegado na peça inicial, a decisão que recebeu a denúncia e decretou a prisão preventiva se mostra fundamentada, destaca fatos e os relaciona aos documentos juntados aos autos.

Em conseqüência, penso que os fatos apresentados neste habeas corpus não preponderam em favor do paciente Paulo Salim Maluf, pelo contrário, demonstram, em princípio, a personalidade voltada para a prática delitiva e a manifesta possibilidade de perseverança no comportamento delituoso, circunstâncias que autorizam a sua manutenção em cárcere, para a garantia da ordem pública.

Nesse sentido a orientação da jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, adotada no julgamento do Habeas Corpus n. 3169/RJ, relator Ministro Luiz Vicente Cernicchiaro, julgado em 07 de março de 1995. Transcreve-se a ementa:

HC – Processual Penal – Prisão Preventiva – Fundamentação – As decisões do Poder Judiciário devem ser fundamentadas (Constituição, art. 93, IX). Fundamentar significa indicar o fato (suposto fático); daí decorre a norma jurídica (dispensável a indicação formal). No caso de prisão preventiva, individualização da conduta que evidencie a necessidade da prisão cautelar. Especificamente, ofensa à ordem pública, conveniência da instrução criminal, ou para assegurar a aplicação da lei penal. A ordem pública resta ofendida quando a conduta provoca acentuado impacto na sociedade, dado ofender significativamente os valores reclamados, traduzindo vilania do comportamento. A conveniência da instrução criminal evidencia necessidade de a coleta de provas não ser perturbada, impedindo a busca da verdade real. Assegurar a aplicação da lei penal, por fim, traduz idéia de o indiciado, ou réu, demonstrar propósito de furtar-se ao cumprimento de eventual sentença condenatória. Aqui, é suficiente o juízo de probabilidade.

As condições favoráveis do paciente (residência fixa, ausência de maus antecedentes e primariedade) não constituem circunstâncias garantidoras da concessão de liberdade provisória, quando demonstrada a presença de outros elementos que justifiquem a medida constritiva excepcional, quais sejam: a persistência na atividade criminosa e preservação da ordem pública na instrução.

Neste ponto também há precedente do Superior Tribunal de Justiça, Recurso em Habeas Corpus n. 9.888/SP, Relator Ministro Gilson Dipp, julgado em 19 de setembro de 2000. Confira-se a ementa:

CRIMINAL. RHC. PRISÃO PREVENTIVA. RECEPTAÇÃO DE VEÍCULOS. FORMAÇÃO DE QUADRILHA. PORTE ILEGAL DE ARMAS. NECESSIDADE DA CUSTÓDIA DEMONSTRADA. PRESENÇA DOS REQUISITOS AUTORIZADORES. CONDIÇÕES PESSOAIS FAVORÁVEIS. IRRELEVÂNCIA. PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DA INOCÊNCIA. INEXISTÊNCIA DE OFENSA. RECURSO DESPROVIDO.

I. Não se vislumbra ilegalidade nas decisões que mantiveram a custódia cautelar do paciente, se demonstrada a necessidade da prisão, atendendo-se aos termos do art. 312 do CPP e da jurisprudência dominante, sendo que a gravidade do delito e a periculosidade do agente podem ser suficientes para motivar a segregação provisória como garantia da ordem pública. Precedentes.

II. Condições pessoais favoráveis do réu – como bons antecedentes, residência fixa e ocupação lícita, etc. – não são garantidoras de eventual direito à liberdade provisória, se a manutenção da custódia é recomendada por outros elementos dos autos.

III. O Princípio Constitucional da Inocência não é incompatível com as custódias cautelares, não obstando a decretação da prisão antes do trânsito em julgado da decisão condenatória nas hipóteses previstas em lei.

IV. Recurso desprovido.

A alegação dos impetrantes quanto ao fato de não haver constrangimento ao réu Vivaldo Alves, ou ainda o fato deste ser réu, e não testemunha, o que descaracterizaria a ameaça à colheita da prova (requisito da decretação da prisão preventiva), não se mostra comprovada nesta ação. A decisão impugnada nada menciona que seja este o fundamento da decretação da prisão preventiva. Não foram apresentados outros documentos, ao menos as transcrições do monitoramento das conversas telefônicas.


Ademais, como descrito na decisão, a apreciação do Magistrado pode ocorrer em avaliação genérica (desde que fundamentada) de que a personalidade do acusado, suas ações e suas intenções, levariam a criar obstáculos à instrução do processo e a colheita da prova na ação penal.

No caso, não houve especificação de que unicamente a conversa entre Flávio Maluf, Paulo Salim Maluf e Vivaldo Alves tenha embasado a decisão de decretação da prisão preventiva.

Quanto à materialidade dos delitos, não há condição de análise adequada na cognição sumária inerente à apreciação do juízo liminar em habeas corpus. Primeiro, porque os impetrantes (como já mencionado) sequer trouxeram documentos dos autos originais suficientes a esta apreciação. Em segundo lugar, deve-se aguardar o transcurso da instrução criminal e a devida obtenção das provas. Em terceiro lugar, qualquer pronunciamento neste momento sobre a existência ou não dos crimes seria adiantamento de julgamento, tanto desta ação quanto da ação penal originária, o que caracterizaria indevida invasão na esfera jurisdicional do juiz da instrução criminal.

Por outro lado, não há demonstração inequívoca da atipicidade fática, da falta de indícios suficientes da materialidade e autoria delitivas ou da existência de causa excludente de culpabilidade, necessários para a concessão do writ, que exige prova pré-constituída e não admite dilação probatória.

De acordo com orientação jurisprudencial pacífica, o trancamento da ação penal em sede de habeas corpus somente se justifica ante manifesta ilegalidade da situação, o que não ocorreu no caso dos autos. Nesse sentido, há precedente também do Supremo Tribunal Federal, Habeas Corpus n. 73.208/RJ, relator Min. Maurício Corrêa, julgado em 16 de abril de 1996, com a seguinte ementa que se transcreve em parte:

Em sede de habeas corpus só é possível trancar ação penal em situações especiais, como nos casos em que é evidente e inafastável a negativa de autoria, quando o fato narrado não constitui crime, sequer em tese, e em situações similares, onde pode ser dispensada a instrução criminal, para a constatação de tais fatos, situação que não se configura na espécie.

A eventual inocência do paciente poderá ser aferida durante a instrução criminal, sob o crivo do contraditório e da ampla defesa, sendo incabível o exame da questão na via estreita do habeas corpus.

Como último argumento, destacam os impetrantes a insustentabilidade da alegação de base da prisão preventiva no artigo 30 da Lei 7492/1986, que dispõe:

Art. 30 – Sem prejuízo do disposto no art. 312 do Código de Processo Penal, aprovado pelo Decreto-lei n. 3689, de 3 de outubro de 1941, a prisão preventiva do acusado da prática de crime previsto nesta Lei poderá ser decretada em razão da magnitude da lesão causada (vetado).

O Supremo Tribunal Federal, no julgamento do Habeas Corpus n. 80.717/SP, relatora Ministro Ellen Gracie, julgado em 13 de junho de 2001, decidiu pela plena aplicabilidade deste dispositivo, mesmo se considerando a primariedade do réu e a existência de bons antecedentes. Transcrevo a ementa na parte que interessa:

… 4.Verificados os pressupostos estabelecidos pela norma processual (CPP, art. 312), coadjuvando-os ao disposto no art. 30 da Lei nº 7.492/86, que reforça os motivos de decretação da prisão preventiva em razão da magnitude da lesão causada, não há falar em revogação da medida acautelatória. A necessidade de se resguardar a ordem pública revela-se em conseqüência dos graves prejuízos causados à credibilidade das instituições públicas. 5. Habeas Corpus indeferido.

No caso em exame, não há que se discutir se a lesão ao erário é de grande monta, uma vez que os números envolvidos nas operações financeiras demonstram em abundância que assim podem ser considerados – alguns milhões de dólares norte-americanos. Os demais aspectos, como acima já mencionados, demandarão a realização de provas durante a instrução criminal e não poderiam ser examinados neste momento, em sede de habeas corpus.

Por fim, dada a larga exposição que este caso obteve na mídia, recomendo cautela e sensatez aos agentes públicos envolvidos na persecução e no julgamento do processo. A manutenção da prisão preventiva decretada pelo juízo de primeiro grau e mantida nesta decisão, não significa que cidadãos brasileiros possam sofrer quaisquer tipos de humilhações. Mas por outro lado, a notoriedade e a situação econômica privilegiada dos pacientes também não lhes pode gerar benefícios ou regalias na prisão. Há que receberem tratamento igual àquele destinado aos demais encarcerados. Nem melhor, nem pior.

Por estas razões, indefiro a liminar, mantendo a decisão de prisão preventiva proferida.

Requisitem-se informações à autoridade impetrada no prazo de 5 dias.


Após, dê-se vista ao Ministério Público Federal.

Intime-se e oficie-se.

São Paulo, 15 de setembro de 2005.

LUCIANO GODOY

Juiz Federal Convocado

Relator em substituição regimental

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PROC. : 2005.03.00.072310-8 HC 22629

ORIG. : 200261810060733/SP

IMPTE : JOSE ROBERTO BATOCHIO

IMPTE : GUILHERME OCTAVIO BATOCHIO

PACTE : FLAVIO MALUF reu preso

ADV : JOSE ROBERTO BATOCHIO

IMPDO : JUIZO FEDERAL DA 2 VARA CRIMINAL SAO PAULO SP

RELATOR : DES.FED. VESNA KOLMAR / PRIMEIRA TURMA

DECISÃO

Trata-se de habeas corpus, com pedido de liminar, impetrado por José Roberto Batochio e Guilherme Octávio Batochio em favor de Flávio Maluf contra ato da MMª Juíza Federal da 2ª Vara Criminal de São Paulo/SP que decretou a prisão preventiva do paciente nos autos da Ação Penal n. 2002.61.81.006073-3 que apura os delitos descritos nos artigos 288 e 317 do Código Penal, artigo 22, parágrafo único da Lei n° 7.492/86 e artigo 1°, incisos V, VI e VII da Lei n° 9.613/98.

Os impetrantes alegam que o paciente está sofrendo constrangimento ilegal, sob os seguintes argumentos:

a) as investigações conduzidas pela Diretoria de Inteligência Policial da Polícia Federal de Brasília são nulas, uma vez que o desvio de recursos públicos no período de administração pública municipal da cidade de São Paulo deveria ter sido apurado pela Superintendência Regional da Polícia Federal em São Paulo;

b) a MM. Juíza Federal, em sua decisão, não fundamentou convenientemente o decreto da prisão cautelar do paciente, limitando-se a mencionar circunstância genérica abstrata, incapaz de legitimar o encarceramento;

c) não há que se falar em comprometimento da instrução processual, eis que o interrogatório de Vivaldo Alves não é ato de instrução, mas ato inerente à sua defesa e, como acusado tem o direito de manifestar a versão que melhor lhe convier sobre os fatos e até mentir, sendo que suas declarações não podem servir de elemento de convicção incriminatória;

d) o paciente jamais ocupou cargo público, motivo pelo qual não pode ter sido denunciado pelo crime de corrupção passiva, próprio de funcionário público;

e) o crime de formação de quadrilha pressupõe a concorrência de mais de três pessoas, o que não é o caso dos autos, uma vez que o referido delito não foi imputado aos co-denunciados Simeão Damasceno e Vivaldo Alves.

f) o requisito da conveniência da instrução criminal fundado na magnitude da suposta lesão causada ao Sistema Financeiro Nacional, nos termos do artigo 30 da Lei n° 7.492/86 não se sustenta para fundamentar o decreto de prisão preventiva do paciente.

É o breve relatório.

Decido.

De início, rejeito a preliminar de nulidade dos atos investigatórios praticados pela Polícia Federal em Brasília. A atividade policial, nos termos do artigo 144 da Constituição, possui uma unidade de concepção, havendo distribuição de atribuições segundo o órgão policial.

Ressalte-se, por fim, que é pacífica a jurisprudência, inclusive no âmbito do Superior Tribunal de Justiça, de que o inquérito policial é considerado fase administrativa, não gerando nulidade qualquer deficiência que ali exista. Aliás, havendo possibilidade, o Ministério Público pode até mesmo ingressar com a ação penal independentemente de inquérito policial. Observada a competência jurisdicional fixada na Constituição, não há nulidade a ser apontada. Cito dois precendentes – Habeas Corpus n. 10.725/PB, relatado pelo Min. Gilson Dipp e julgado em 03/02/2000; e Habeas Corpus n. 6.418/PR, relatado pelo Min. Anselmo Santiago, julgado em 17/02/1998.

Em análise do mérito liminar, não verifico a existência de plausibilidade jurídica para reformar a decisão recorrida, mantendo-a nos termos em que foi proferida. Passo ao exame dos pontos levantados pelos impetrantes.

Aprecio a decisão impugnada quanto à existência ou não dos requisitos para a decretação da prisão preventiva do paciente Flávio Maluf.

Os fatos narrados na denúncia revelam a presença dos pressupostos para a decretação da prisão preventiva do paciente, previstos no artigo 312 do Código de Processo Penal, quais sejam, prova de existência de crime e indício suficiente de autoria, bem como garantia da ordem pública, da ordem econômica, conveniência da instrução criminal ou para assegurar a aplicação da lei penal.

Como expressa a decisão que recebeu a denúncia:

Há nos autos prova da existência de crime e indícios de autoria, indicando a movimentação internacional de montante expressivo de dinheiro, através de diversos países e instituições financeiras, de acordo com o que, pelo menos até o momento, revelam os documentos acostados aos autos.

E mais. Afirma a decisão ora impugnada que se constatou em diálogos telefônicos monitorados “uma série de manobras por parte de Paulo Salim Maluf e Flávio Maluf para interferir na colheita, produção e resultado da prova que buscava se produzir no inquérito policial”. E acrescenta que a liberdade do paciente poderá comprometer a instrução do processo ou, ao menos, tumultuá-la.

Diferentemente do alegado na peça inicial, a decisão que recebeu a denúncia e decretou a prisão preventiva se mostra fundamentada, destaca fatos e os relaciona aos documentos juntados aos autos.

Em conseqüência, penso que os fatos apresentados neste habeas corpus não preponderam em favor do paciente Flávio Maluf, pelo contrário, demonstram, em princípio, a personalidade voltada para a prática delitiva e a manifesta possibilidade de perseverança no comportamento delituoso, circunstâncias que autorizam a sua manutenção em cárcere, para a garantia da ordem pública.

Nesse sentido a orientação da jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, adotada no julgamento do Habeas Corpus n. 3169/RJ, relator Ministro Luiz Vicente Cernicchiaro, julgado em 07 de março de 1995. Transcreve-se a ementa:

HC – Processual Penal – Prisão Preventiva – Fundamentação – As decisões do Poder Judiciário devem ser fundamentadas (Constituição, art. 93, IX). Fundamentar significa indicar o fato (suposto fático); daí decorre a norma jurídica (dispensável a indicação formal). No caso de prisão preventiva, individualização da conduta que evidencie a necessidade da prisão cautelar. Especificamente, ofensa à ordem pública, conveniência da instrução criminal, ou para assegurar a aplicação da lei penal. A ordem pública resta ofendida quando a conduta provoca acentuado impacto na sociedade, dado ofender significativamente os valores reclamados, traduzindo vilania do comportamento. A conveniência da instrução criminal evidencia necessidade de a coleta de provas não ser perturbada, impedindo a busca da verdade real. Assegurar a aplicação da lei penal, por fim, traduz idéia de o indiciado, ou réu, demonstrar propósito de furtar-se ao cumprimento de eventual sentença condenatória. Aqui, é suficiente o juízo de probabilidade.

As condições favoráveis do paciente (residência fixa, ausência de maus antecedentes e primariedade) não constituem circunstâncias garantidoras da concessão de liberdade provisória, quando demonstrada a presença de outros elementos que justifiquem a medida constritiva excepcional, quais sejam: a persistência na atividade criminosa e preservação da ordem pública na instrução.

Neste ponto também há precedente do Superior Tribunal de Justiça, Recurso em Habeas Corpus n. 9.888/SP, Relator Ministro Gilson Dipp, julgado em 19 de setembro de 2000. Confira-se a ementa:

CRIMINAL. RHC. PRISÃO PREVENTIVA. RECEPTAÇÃO DE VEÍCULOS. FORMAÇÃO DE QUADRILHA. PORTE ILEGAL DE ARMAS. NECESSIDADE DA CUSTÓDIA DEMONSTRADA. PRESENÇA DOS REQUISITOS AUTORIZADORES. CONDIÇÕES PESSOAIS FAVORÁVEIS. IRRELEVÂNCIA. PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DA INOCÊNCIA. INEXISTÊNCIA DE OFENSA. RECURSO DESPROVIDO.

I. Não se vislumbra ilegalidade nas decisões que mantiveram a custódia cautelar do paciente, se demonstrada a necessidade da prisão, atendendo-se aos termos do art. 312 do CPP e da jurisprudência dominante, sendo que a gravidade do delito e a periculosidade do agente podem ser suficientes para motivar a segregação provisória como garantia da ordem pública. Precedentes.

II. Condições pessoais favoráveis do réu – como bons antecedentes, residência fixa e ocupação lícita, etc. – não são garantidoras de eventual direito à liberdade provisória, se a manutenção da custódia é recomendada por outros elementos dos autos.

III. O Princípio Constitucional da Inocência não é incompatível com as custódias cautelares, não obstando a decretação da prisão antes do trânsito em julgado da decisão condenatória nas hipóteses previstas em lei.

IV. Recurso desprovido.

A alegação dos impetrantes de que não houve constrangimento ao réu Vivaldo Alves, ou ainda o fato deste ser réu, e não testemunha, o que descaracterizaria a ameaça à colheita da prova (requisito da decretação da prisão preventiva), não se mostra comprovada nesta ação. A decisão impugnada nada menciona que seja este o fundamento da decretação da prisão preventiva. Não foram apresentados outros documentos, ao menos as transcrições do monitoramento das conversas telefônicas.

Ademais, como descrito na decisão, a apreciação do Magistrado pode ocorrer em avaliação genérica (desde que fundamentada) de que a personalidade do acusado, suas ações e suas intenções, levariam a criar obstáculos à instrução do processo e a colheita da prova na ação penal.

No caso, não houve especificação de que unicamente a conversa entre Flávio Maluf, Paulo Salim Maluf e Vivaldo Alves tenha embasado a decisão de decretação da prisão preventiva.

Também não procede a alegação de impossibilidade da imputação ao paciente Flávio Maluf do crime de corrupção passiva, previsto no artigo 317 do Código Penal. Nos termos do artigo 30 do mesmo diploma legal, as circunstâncias elementares do crime se comunicam entre os agentes, razão pela qual se aplica ao ora paciente a referida imputação penal. Nesse sentido cito precedente do Superior Tribunal de Justiça, Recurso Ordinário em Hábeas Corpus n. 7.717/SP, relator Min. Gilson Dipp, julgado em 17 de setembro de 1998, com a seguinte ementa:

RECURSO ORDINÁRIO DE “HABEAS CORPUS”. TRANCAMENTO DE AÇÃO PENAL. PARTICIPAÇÃO DE PARTICULAR EM CORRUPÇÃO PASSIVA. COMUNICABILIDADE DA CIRCUNSTÂNCIA ELEMENTAR DO TIPO. LEI 9.099/95. CONSIDERAÇÃO DA CAUSA DE AUMENTO PARA A AVALIAÇÃO DO REQUISITO OBJETIVO. RECURSO IMPROVIDO.

I. É possível a participação de particular no delito de corrupção passiva, face a comunicabilidade das condições de caráter pessoal elementares do crime.

II. Computa-se a causa especial de aumento de pena na avaliação do requisito objetivo de “pena mínima cominada igual ou inferior a um ano”, exigido para a suspensão do processo prevista pela Lei 9.099/95.

III. Recurso ao qual se nega provimento.

Desta forma, afasto também a alegação.

Do mesmo modo não merece acolhida a alegação dos impetrantes de atipicidade do crime de formação de quadrilha, existindo tão somente dois partícipes, uma vez que tal crime não foi imputado aos denunciados Simão Damasceno e Vivaldo Alves.

Realmente tal fato desprestigia a denúncia e a decisão de recebimento desta, uma vez que não foi constatado. Entretanto, a decretação da prisão preventiva, acima referida, não será afastada por esta constatação. Mantém-se a prisão e, no julgamento do mérito desta ação de hábeas corpus, após a colheita de informações e manifestação do Ministério Público Federal, este ponto poderá ser devidamente analisado.

Como último argumento, destacam os impetrantes a insustentabilidade da alegação de base da prisão preventiva no artigo 30 da Lei 7492/1986, que dispõe:

Art. 30 – Sem prejuízo do disposto no art. 312 do Código de Processo Penal, aprovado pelo Decreto-lei n. 3689, de 3 de outubro de 1941, a prisão preventiva do acusado da prática de crime previsto nesta Lei poderá ser decretada em razão da magnitude da lesão causada (vetado).

O Supremo Tribunal Federal, no julgamento do Habeas Corpus n. 80.717/SP, relatora Ministro Ellen Gracie, julgado em 13 de junho de 2001, decidiu pela plena aplicabilidade deste dispositivo, mesmo se considerando a primariedade do réu e a existência de bons antecedentes. Transcrevo a ementa na parte que interessa:

… 4.Verificados os pressupostos estabelecidos pela norma processual (CPP, art. 312), coadjuvando-os ao disposto no art. 30 da Lei nº 7.492/86, que reforça os motivos de decretação da prisão preventiva em razão da magnitude da lesão causada, não há falar em revogação da medida acautelatória. A necessidade de se resguardar a ordem pública revela-se em conseqüência dos graves prejuízos causados à credibilidade das instituições públicas. 5. Habeas Corpus indeferido.

No caso em exame, não há que se discutir se a lesão ao erário público é de grande monta, uma vez que os números envolvidos nas operações financeiras demonstram em abundância que assim podem ser considerados – alguns milhões de dólares norte-americanos. Os demais aspectos, como acima já mencionados, demandarão a realização de provas durante a instrução criminal e não poderiam ser examinados neste momento, em sede de habeas corpus.

Por fim, dada a larga exposição que este caso obteve na mídia, recomendo cautela e sensatez aos agentes públicos envolvidos na persecução e no julgamento do processo. A manutenção da prisão preventiva decretada pelo juízo de primeiro grau e mantida nesta decisão, não significa que cidadãos brasileiros possam sofrer quaisquer tipos de humilhações. Mas por outro lado, a notoriedade e a situação econômica privilegiada dos pacientes também não lhes pode gerar benefícios ou regalias na prisão. Há que receberem tratamento igual àquele destinado aos demais encarcerados. Nem melhor, nem pior.

Por estas razões, indefiro a liminar, mantendo a decisão de prisão preventiva proferida.

Requisitem-se informações à autoridade impetrada, que deverão ser prestadas em 5 dias.

Após, dê-se vista ao Ministério Público Federal.

Intimem-se.

São Paulo, 15 de setembro de 2005.

LUCIANO GODOY

Juiz Federal Convocado em

substituição regimental

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