Infrações cometidas

Motorista de empresa tem que pagar multas de trânsito

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15 de setembro de 2005, 20h21

Motorista contratado pela empresa tem que pagar as multas de trânsito cometidas. A decisão é da 4ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região, no julgamento do Recurso Ordinário de um ex-empregado da Scorpions Materiais de Construção. As informações são do TRT São Paulo.

O motorista abriu processo na Vara do Trabalho de Mauá, São Paulo, reclamando o pagamento de verbas decorrentes de sua dispensa. A empresa, por sua vez, entrou com pedido de reconvenção. Ou seja, no mesmo processo, solicitou que a Justiça do Trabalho cobrasse as multas por infrações de trânsito cometidas pelo ex-empregado, pagas pela Scorpions.

A vara acolheu o pedido da empresa e determinou que, na execução do processo trabalhista, o valor fosse descontado. O motorista recorreu ao TRT São Paulo, sustentando que ele não assinou documento que autorizasse os descontos, que a cobrança das multas deve obedecer legislação específica e que essa matéria deveria ser julgada pela Justiça Comum.

Para o juiz Ricardo Artur Costa e Trigueiros, relator do recurso no tribunal, a Emenda Constitucional 45 “elasteceu a competência da Justiça do Trabalho abarcando todos os conflitos decorrentes da relação de trabalho.”

Segundo o relator, “o argumento do apelo, de que inexiste documento que autorize descontos desta natureza não encontra conforto diante das funções exercidas pelo reclamante como motorista, estando este submetido à legislação de trânsito”.

Por unanimidade, a 4ª Turma acompanhou o voto do juiz Trigueiros autorizando o desconto das multas de trânsito decorrentes das infrações cometidas pelo ex-empregado.

RO 02648.2004.361.02.00-6

Leia a íntegra da decisão:

4ª. TURMA PROCESSO TRT/SP NO:02648200436102006 (20050418798)

RECURSO : ORDINÁRIO

RECORRENTE: PAULO DE SOUZA LIMA

1º) RECORRIDO:

2º) RECORRIDO: SCORPIONS-MATERIAIS DE CONSTRUÇÃO LTDA.

ISAMIX TRADING LTDA.

ORIGEM: 1ª VT DE MAUÁ

EMENTA: RECONVENÇÃO. MULTAS DE TRÂNSITO.

RESSARCIMENTO. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA DO TRABALHO. A Emenda Constitucional nº 45, de 08 de dezembro de 2004, elasteceu a competência da Justiça do Trabalho abarcando todos os conflitos decorrentes da relação de trabalho, incidindo os novos dispositivos sobre os processos em curso a teor do disposto no artigo 87 do Código de Processo Civil. Multas de trânsito sofridas pelo empregado, decorrentes do exercício das funções de motorista, porque oriundas da relação havida entre as partes, podem ser objeto de reconvenção.

RITO SUMARÍSSIMO

Dispensado o relatório, por força do disposto no artigo 852, inciso I, da CLT, com redação dada pela Lei nº 9.957/2000.

V O T O

Conheço porque preenchidos os requisitos de admissibilidade.

O recorrente persegue a responsabilidade solidária das rés alegando que foi contratado pela primeira reclamada na função de motorista e que sempre prestou serviços para a segunda reclamada. Sustenta tratar-se de grupo econômico.

Não se configura, in casu, o alegado grupo econômico.

É que o grupo industrial, comercial ou de qualquer outra atividade econômica, segundo a definição do parágrafo 2º, do artigo 2º, consolidado, como regra, caracteriza-se quando uma ou mais empresas, tendo, embora cada uma delas, personalidade jurídica própria, estiverem sob a direção, controle ou administração de outra. A doutrina tem evoluído no sentido de considerar, também, a possibilidade de reconhecimento do grupo econômico quando a relação entre as empresas se dá no plano horizontal, em nível de coordenação e portanto, sem manifesta sujeição de uma empresa sobre outra.

Todavia, nada veio colacionado para demonstrar, ao menos indiciar, que uma das reclamadas esteja sob controle, direção ou administração uma da outra, ou pelo menos que estejam entrelaçadas no plano horizontal, em relação de coordenação. Aliás, sequer são compostas ou dirigidas pelos mesmos sócios.

A prova documental denuncia exatamente o contrário que tratam-se de empresas com personalidades jurídicas próprias, administrações distintas e controles diversos, não se podendo afirmar que é a primeira reclamada quem dirige, controla, administra ou coordena a segunda, ou vice-versa.

De outra parte, quanto ao argumento do reclamante de que foi contratado pela primeira reclamada na função de motorista e que sempre prestou serviços para segunda reclamada, em suas obras, e que ambas se utilizavam de sua força de trabalho, a questão passa pelo exame do que disse em contestação a segunda reclamada.

Com efeito, temos que a princípio o ônus de prova era do reclamante, porque a segunda reclamada, em contestação (fls.67), afirmou que “O reclamante jamais trabalhou para a reclamada.”

Todavia, em face das alegações formuladas na contestação, de que “.. a reclamada em questão manteve contrato de prestação de serviços para com a primeira reclamada” (…) e que “O relacionamento existente entre o reclamante e esta reclamada, foi única e exclusivamente, a negligente direção de seus veículos, quando locados à primeira reclamada, que resultou nas multas infracionais..”, endereçou-se o ônus probatório dos fatos desconstitutivos (modificativos/impeditivos) à segunda reclamada, a teor do disposto no artigo 333, II, do CPC.


Dessa forma, a alegação específica da defesa quanto ao contrato de prestação de serviços, inclusive através de locação de veículo, endereçou o encargo probatório à segunda reclamada, do qual não se desincumbiu pois não carreou aos autos referido contrato de locação de veículos e tampouco produziu qualquer prova nesse sentido vez que dispensou a produção de outras provas em regular audiência (vide fls.27).

Portanto, ante a ausência de prova do fato desconstitutivo, tenho a segunda reclamada como tomadora dos serviços prestados pelo reclamante através da primeira reclamada, pelo que sua responsabilidade é subsidiária, nos termos da Súmula nº 331, inciso IV, do C.TST.

Inegável que na condição de tomadora beneficiou-se diretamente da força de trabalho do demandante.

O debate sobre a existência ou não de fraude na contratação é irrelevante na resolução do feito, mormente porque para a configuração da responsabilidade subsidiária são necessários, tão-somente, o inadimplemento das obrigações trabalhistas pelo prestador de serviços e bem assim, que o tomador tenha participado da relação processual.

De mais a mais, é indisfarçável que, para atingir seu objetivo social, a tomadora (1ª recorrida) utilizou-se de empresa prestadora de serviços (2ª recorrida) que se revelou sem qualquer idoneidade, tanto assim que não cumpriu as obrigações emergentes do contrato de trabalho com o reclamante.

Ademais, o inegável contrato de prestação de serviços firmado entre as reclamadas revela ser a segunda, tomadora dos serviços da primeira, e, no caso dos autos, responsável subsidiária pelas obrigações inadimplidas.

Inaplicáveis ao caso concreto, os incisos II e III, mas sim, o inciso IV, da Súmula 331 do C. TST. Tudo isto porque não se discute, no caso vertente, vínculo empregatício do autor diretamente com o tomador de serviços, mas apenas e tão-somente a responsabilidade deste, em caráter subsidiário, no tocante à satisfação de obrigações devidas ao empregado.

Se é certo que a Súmula 331 do C. TST é expressa ao afastar a formação do vínculo de emprego com o tomador, nas hipóteses que elenca e desde que inexistente a pessoalidade e a subordinação direta, também o é ao estabelecer a responsabilidade do tomador do serviço na hipótese de inadimplemento das obrigações trabalhistas por parte do empregador, em caráter subsidiário, desde que, como ocorre nestes autos, a tomadora tenha participado da relação processual.

Não sendo o cerne da litis a fraude na contratação (que implicaria condenação solidária), a responsabilidade do tomador do serviço é apenas de caráter subsidiário, desde que o empregador não cumpra a condenação. Este entendimento se justifica, na medida em que o tomador dos serviços beneficia-se diretamente da força de trabalho do empregado da prestadora.

Afinal, o espírito que norteia o entendimento ora adotado é o fato de alguém, mesmo não sendo o empregador, ter-se beneficiado da força laborativa do obreiro.

Ressalte-se, ainda, que não se trata de simples adoção, de forma incondicionada, do entendimento dominante.

Nem se argumente inexistir preceito legal que ampare a responsabilidade subsidiária de que trata a Súmula 331 do C.TST, visto que o referido padrão jurisprudencial veicula síntese interpretativa arrimada em princípios protecionistas peculiares ao Direito do Trabalho.

Nem se avente a hipótese de violação ao princípio da legalidade, já que a condenação subsidiária decorre do enfrentamento da litiscontestatio à luz da prova produzida e do padrão sumular aplicável à espécie.

É curial que Súmulas não são leis. Embora sem efeito vinculante, constituem, todavia, valiosos referenciais interpretativos que sintetizam e pacificam o entendimento da Corte Superior Trabalhista sobre determinados temas. As Súmulas são baixadas em estrita consonância com a lei e Regimento Interno daquela Corte, e realizam uma das finalidades essenciais do C.TST, qual seja a de uniformizar a interpretação do direito em escala nacional, conferindo harmonia e segurança na aplicação do direito, em benefício dos próprios jurisdicionados e operadores jurídicos.

A segunda reclamada, não pode olvidar-se de que o tomador responde pela culpa “in vigilando” e “in eligendo”, já que foi beneficiária do trabalho prestado pelo reclamante.

Ademais, não se pode esquecer, também, que a Súmula 331 do Colendo TST foi firmada levando em conta a teoria da responsabilidade civil prevista pelo artigo 159 do antigo Código Civil de 1916 (artigos 186 e 927 do Código Civil de 2002), alcançando até mesmo pessoas de direito público, vale dizer, quando a tomadora de serviços é empresa ligada à administração pública.

Outrossim, ao se reconhecer a responsabilidade da tomadora, o entendimento cristalizado na jurisprudência do TST está em perfeita harmonia com os princípios protetivos do Direito Laboral que não admitem que o empregado sofra qualquer prejuízo decorrente do inadimplemento das obrigações contratuais por parte do empregador.


É de se remarcar que os direitos reconhecidos tiveram origem no curso do contrato de trabalho e que cabia à tomadora zelar pela contratação de empresa idônea e cumpridora de suas obrigações (culpa “in eligendo” e “in vigilando”), justificando-se a sua responsabilização subsidiária quanto às parcelas deferidas ao recorrente, devendo, desta maneira, arcar com o risco inerente à tal pactuação.

Assim, considerando-se todo o exposto e que a segunda reclamada usufruiu da força de trabalho do empregado, aliado aos princípios constitucionais sobre os quais fundamenta-se nossa República, notadamente aqueles que velam pela dignidade da pessoa humana (artigo 1º, inciso III, da Constituição Federal) e os valores sociais do trabalho (artigo 1º, IV, Constituição Federal), deve ser mantida no pólo passivo da demanda, a segunda reclamada, como garantia da satisfação do crédito trabalhista atribuído ao obreiro, na possibilidade de, por eventual motivo, restar inviabilizada a cobrança contra o empregador.

Ex positis, tenho que merece ser reformada a r.sentença de origem nesse aspecto, para o fim de declarar a segunda reclamada responsável subsidiária quanto aos títulos objeto da condenação da primeira reclamada.

Reformo.

DOS DESCONTOS DAS MULTAS DE TRÂNSITO.

Verifica-se dos autos que a questão dos descontos de multas de trânsito foi apresentada em reconvenção (fls.34/37).

Constata-se dos autos que o reclamante não contestou a reconvenção, tendo inclusive dispensado a produção de outras provas com requerimento de encerramento da instrução processual (vide fls.27).

Logo, no tocante à reconvenção o reclamante é revel e confesso quanto à matéria de fato (art. 319, CPC).

O argumento do apelo, de que inexiste documento que autorize descontos desta natureza não encontra conforto diante das funções exercidas pelo reclamante como motorista, estando este submetido à legislação de trânsito.

A questão dos presentes autos não diz respeito à intangibilidade dos salários a que alude o artigo 462 da CLT, posto que a ação reconvencional teve por objeto a condenação do reclamante-reconvindo no pagamento (vide fls.36) dos valores relativos às multas de trânsito decorrentes de infrações cometidas pelo reclamante.

Nesse contexto, ainda que trate a condenação, na ação principal, de verbas rescisórias, não incide a hipótese do parágrafo 5º do artigo 477 da CLT, que trata da limitação da compensação ao valor de um salário contratual, vez que o pedido reconvencional não diz respeito ao instituto jurídico da compensação e sim, ao pagamento das multas por infrações às leis de trânsito cometidas pelo recorrente.

De outra parte, não vinga o argumento do recorrente de que a matéria deva ser tratada através de ação própria perante a Justiça Comum, diante da Emenda Constitucional nº 45 de 08 de dezembro de 2004, que elasteceu a competência da Justiça do Trabalho abarcando todos os conflitos decorrentes da relação de trabalho, incidindo os novos dispositivos sobre os processos em curso a teor do disposto no artigo 87 do Código de Processo Civil.

Logo, nenhum reparo merece a respeitável sentença de primeiro grau, que bem aplicou o direito vigente.

Mantenho.

Do exposto, conheço do recurso ordinário, e no mérito, DOU PROVIMENTO PARCIAL, para declarar a segunda reclamada ISAMIX TRADING LTDA, responsável subsidiária da condenação da primeira reclamada, mantendo no mais, íntegra, a r.sentença de origem, tudo na forma da fundamentação que integra e complementa este dispositivo.

RICARDO ARTUR COSTA E TRIGUEIROS

Juiz Relator

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