Sem privilégios

STF declara inconstitucional foro especial para ex-autoridades

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15 de setembro de 2005, 19h07

O Plenário do Supremo Tribunal Federal, por maioria de votos, declarou inconstitucional o direito de foro privilegiado a ex-autoridades. O resultado final do julgamento foi de 7 a 3.

A Ação Direta de Inconstitucionalidade, proposta pela Conamp — Associação Nacional dos Membros do Ministério Público em dezembro de 2002, questiona o artigo 1º da lei 11.628/02, aprovada nos últimos dias do governo Fernando Henrique Cardoso. O dispositivo acrescentou os parágrafos 1º e 2º ao artigo 84 do Código de Processo Penal, estendendo para ex-ocupantes de cargos públicos o direito ao foro privilegiado para julgamento de processos de improbidade administrativa.

Com a decisão, ex-autoridades devem ser julgadas pela instância judicial competente, de acordo com a natureza do ato.

O julgamento teve início em setembro do ano passado. Na ocasião, o relator, ministro Sepúlveda Pertence, votou pela inconstitucionalidade da extensão do direito e o ministro Eros Grau pediu vista dos autos.

Na sessão desta quinta-feira (15/9), Eros Grau divergiu do relator e declarou parcialmente procedente a validade do artigo em questão. Ele foi acompanhado pelos ministros Gilmar Mendes, Ellen Gracie. Prevaleceu, no entanto, o entendimento do relator, Sepúlveda Pertence.

“O meu voto acolhe basicamente a ação de improbidade por não se cuidar de uma competência penal e conseqüentemente não poder somar-se à competência originária do Supremo que é exclusivamente constitucional”, afirmou.

De acordo com o relator, o parágrafo 1º do artigo 84 “constitui evidente reação legislativa ao cancelamento da Súmula 394” pelo Supremo. “Tanto é assim que a redação dada ao dispositivo questionado se aproxima substancialmente da proposta, então recusada pelo tribunal”.

A Súmula 394 estabelecia que, “cometido o crime durante o exercício funcional, prevalece a competência especial por prerrogativa de função, ainda que o inquérito ou a ação penal sejam iniciados após a cessação daquele exercício”.

Votos

Seis ministros acompanharam o entendimento do relator. O ministro Joaquim Barbosa, ao votar, afirmou que o dispositivo atacado contém uma “mácula insanável”, pois traduz tentativa de neutralizar decisão do Supremo, que resultou no cancelamento da Súmula 394. Barbosa citou o relator, ministro Sepúlveda Pertence, ao ressaltar ser inconstitucional qualquer iniciativa do legislador ordinário no sentido de reformular entendimento formalmente expresso pelo STF. “Admitirmos (a lei) equivaleria a submeter às decisões dessa Corte aos humores do poder político”, disse.

Por sua vez, o ministro Carlos Ayres Britto, durante seu voto, lembrou que, conforme o Supremo, em matéria de prerrogativa de foro prevalece o princípio da atualidade do exercício da função. “O ex-titular do cargo, do mandato, da função não carrega consigo a prerrogativa como traz consigo a sua roupa, a sua indumentária, a sua vestimenta cotidiana, então me parece que, neste caso específico, o cancelamento da Súmula 394 foi muito bem processado e se mantém rigorosamente atual nos seus fundamentos jurídicos”, considerou.

O ministro Cezar Peluso também acompanhou integralmente o voto do relator. Peluso apontou uma diferença entre prerrogativa e privilégio, observando que a primeira é uma salvaguarda para o exercício da função pública com autonomia. Por outro lado, afirmou o ministro, quando cessa a função pública, a manutenção de tal prerrogativa passa a ser um privilégio, por adquirir um caráter pessoal e não funcional. Segundo Cezar Peluso, nesse sentido é inquestionável a revogação da Súmula 394, que acabou com o foro especial para quem deixou o cargo.

O ministro Marco Aurélio também acompanhou o voto do relator e afirmou que a competência do Supremo é fixada de forma exaustiva na Constituição Federal não existindo possibilidade de ampliar essa competência mediante lei ordinária. Segundo ele, o que está em jogo “é a intangibilidade da Constituição, que não pode ser alterada pelo legislador ordinário”.

Seguindo a mesma argumentação, Carlos Velloso ressaltou que o parágrafo 2º do artigo 84 do CPP, um dos dispositivos questionados na ação, equipara em nível constitucional a ação civil por improbidade administrativa e o delito penal, o que contraria o disposto no artigo 37, parágrafo 4º da Constituição da República. Para Velloso, a lei atacada também invade a competência originária do Supremo, que é taxativamente expressa pela Carta Magna.

Celso de Mello também votou com o relator, declarando inconstitucional os dispositivos impugnados. Ele afirmou que o Congresso Nacional não tem legitimidade para restringir ou ampliar a competência originária do STF, do STJ, dos Tribunais Regionais Federais e dos Tribunais de Justiça dos Estados. “É uma indevida ingerência normativa do Congresso Nacional”, assinalou. De acordo com Celso de Mello, somente por emenda à Constituição se poderia modificar a competência dos tribunais. “Nada pode autorizar o desequilíbrio entre os cidadãos, nada pode justificar a outorga de tratamento seletivo que vise a dispensar determinado privilégio, ainda que de índole funcional, a certos agentes públicos que não mais se acham no desempenho da função pública.”.

Divergência

O ministro Eros Grau, ao ler seu voto-vista, abriu divergência em relação ao voto do relator. Ele julgou parcialmente procedente a ação, conferindo aos parágrafos 1º e 2º do artigo 84 do Código de Processo Penal, interpretação conforme a Constituição.

Segundo Grau, a ação de improbidade administrativa tem reflexo de natureza penal daí porque os que cometerem irregularidades no exercício do cargo deverão responder no foro especial, ressalvados os casos já julgados na primeira instância.

O ministro explicou que o agente político, mesmo depois de afastado da função pública, deve ser processado e julgado perante o foro definido por prerrogativa de função, se acusado criminalmente por fato ligado ao desempenho das funções inerentes ao cargo.

Por outro lado, disse que o agente político não responde a ação de improbidade administrativa se estiver sujeito a crime de responsabilidade pelo mesmo fato. Não estará, neste caso, abrangido pelas disposições atinentes ao foro para propositura de ação de improbidade estabelecidas no artigo 84 e parágrafos do Código de Processo Penal. “Não há como conceber a convivência de uma ação de improbidade de nítidos efeitos penais, de responsabilidade política, com uma ação penal correspondente por crime de responsabilidade ajuizadas perante distintas instâncias judiciais”, afirmou, para acrescentar que a punição para a autoridade cujo ato de improbidade está tipificado como crime de responsabilidade já estaria previsto na lei que cuida dessa situação específica.

Já para o ministro Gilmar Mendes, que acompanhou a divergência aberta pelo ministro Eros Grau, qualquer equiparação absoluta entre agentes políticos e os demais agentes públicos é equivocada. Nesse sentido, defendeu que “prerrogativa de foro não se confunde com foro privilegiado, pois a prerrogativa de função é distinta de privilégios na função”.

Gilmar Mendes salientou que. ao criar a lei questionada, o legislador apenas optou por uma disciplina que melhor concretiza a instituição da prerrogativa de foro prevista na Constituição.

Em sua avaliação, “só faz sentido falar em prerrogativa de foro se ela se estende para além do exercício das funções”. Segundo argumenta, “é nesse momento que presta alguma utilidade ao ocupante do cargo”. No entendimento do ministro Gilmar Mendes, as perseguições, inclusive processuais, ocorrem depois do abandono do cargo. A ministra Ellen Gracie presidiu a sessão e acompanhou a divergência.

Processo: ADI-2797

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