Nepotismo triangular

Juiz é processado por contratar a mulher do colega

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14 de setembro de 2005, 11h56

O ex-presidente do Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região (Campinas) que nomeou a mulher do corregedor do mesmo tribunal para cargo de confiança violou o princípio da moralidade administrativa previsto no artigo 37 da Constituição.

Assim entendeu o juiz Maurizio Marchetti, também membro do TRT da 15ª Região, que entrou com uma ação popular contra o ex-presidente do Tribunal, o juiz Eurico Cruz Neto, e a ex-servidora Désia Estevam Barros e Silva, para que eles devolvam os valores recebidos pela servidora quando trabalhou no local.

Désia, que é mulher do juiz Luis Carlos Cândido Sotero da Silva, corregedor do TRT, foi nomeada por Cruz Neto em 1996 para ocupar cargo comissionado no gabinete do marido.

A nomeação já foi anulada pelo Tribunal de Contas da União, por decisão relatada pelo ministro Ubiratan Aguiar, acórdão 88/2005 da 2ª Turma, do processo 2448/2003, que considerou o ato do juiz Eurico Cruz Neto uma afronta ao princípio constitucional da moralidade administrativa.

No seu pedido ao juiz da 8ª Vara Federal de Campinas, Marchetti afirma que a nomeação afronta não só o princípio da moralidade administrativa, como também o princípio da segurança jurídica.

Marchetti faz a ressalva de que “a única exceção que vem sendo admitida a respeito dos efeitos dos atos administrativos nulos restringe-se apenas a terceiros e desde que estejam de boa-fé”, o que, segundo ele, não é o caso da servidora Désia. “No caso, a ré e beneficiária Désia Estevam Barros e Silva não é terceira e nem estava de boa-fé, motivo pelo qual não tem o menor sentido exonerá-la de devolver os valores recebidos indevidamente em prejuízo do erário público”, afirma o juiz em seu pedido.

Processo 2005.61.05.010371-3

Leia a íntegra da ação popular

Exmo. Sr. Dr. Juiz Federal de Campinas

MAURIZIO MARCHETTI, por seu advogado (procuração em anexo), vem, mui respeitosamente, perante Vossa Excelência ajuizar AÇÃO POPULAR, com fundamento na Lei Federal nº 4717/65, contra EURICO CRUZ NETO, ex-PRESIDENTE do E. Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região (Campinas/SP), com endereço na Rua Barão de Jaguara, 901, Centro, Campinas/SP, CEP 13.015-927, e também contra DÉSIA ESTEVAM BARROS E SILVA, com endereço na Rua João Chiavegatto, 353, Campinas/SP, CEP 13.092-551, pelos seguintes fundamentos:

01. Através do ATO SPV nº 509, de 25.11.1996, a ré DÉSIA ESTEVAM BARROS E SILVA foi nomeada pelo réu EURICO CRUZ NETO, quando ocupou o cargo de Presidente do E. TRT da 15ª Região (Campinas/SP), para o cargo em comissão, com lotação no Gabinete do Juiz LUÍS CARLOS CÂNDIDO MARTINS SOTERO DA SILVA, seu MARIDO. Foi um ato administrativo que teve início com a INDICAÇÃO do Juiz LUÍS CARLOS CÂNDIDO MARTINS SOTERO DA SILVA, MARIDO da beneficiária, seguido pela NOMEAÇÃO pelo então Presidente do E. TRT da 15ª Região, Juiz EURICO CRUZ NETO. Tal nomeação foi considerada ilegal porque “quaisquer atos de nomeação para cargos em comissão, como os que ora se examinam, posteriores a 28.03.1994, e mesmo anteriores a 26.12.1996, data da publicação da Lei nº 9421/96, devem ser considerados ILEGAIS” (trecho do acórdão – cópia em anexo). Por isso, a ré e beneficiada DÉSIA ESTEVAM BARROS E SILVA, esposa do Juiz LUÍS CARLOS CÂNDIDO MARTINS SOTERO DA SILVA, foi excluída da Administração Pública.

02. Conforme já decidiu o E. SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA (STJ): “No processo de ação popular, as autoridades que contribuiram para o ato impugnado integram o processo, como pessoas físicas” (STJ – 1ª Turma, REsp 97.610-MS, rel. Min. HUMBERTO GOMES DE BARROS, j. 07.10.1996, DJU 11.11.1996, p. 43.672).

03. A referida nomeação violou o princípio constitucional da MORALIDADE ADMINISTRATIVA, previsto no art. 37, caput, da Constituição Federal de 1988, tanto assim que o E. Tribunal de Contas da União (TCU), em notável decisão relatada pelo ínclito Ministro UBIRATAN AGUIAR declarou nula tal nomeação, conforme Acórdão 88/2005, da 2ª Câmara, no PROCESSO nº 002.448/2002-1, do E. TCU, encerrado no recente passado dia 29 de julho de 2005, conforme pode-se verificar no seguinte andamento processual – www.tcu.gov.br – nos seguintes termos:

29/07/2005. Ação. ENCERRAMENTO DE PROCESSO. Unidade detentora: SECEX-SP. SECRETARIA DE CONTROLE EXTERNO – SP

MOTIVO: Arquivado por economia processual (sem julgamento)

OBSERVAÇÃO: DETERMINAÇÃO DE ARQUIVAMENTO COFORME DESPACHO DO MIN-RELATOR UBIRATAN AGUIAR.ATA 17/05-2ª CÂMARA ACÓRDÃO Nº 755/2005.E ARQUIVADO NA 3ª DT.NOS TERMOS DO ART.32,RESOLUÇÃO 136/2000.COM DESPACHO DO SR.SECRET.SECEX-SP.LUIZ AKUTSU. COM 2 VOLUMES.

04. Destacamos alguns trechos do referido acórdão, cuja cópia integral encontra-se em anexo:

2. Essa prática nefasta mostra total inobservância ao princípio da moralidade, tendo este Tribunal decidido casos semelhantes aos que aqui se encontram sob apreciação, em uma de suas correntes de entendimento, com base tão-somente na ofensa ao caput do art. 37 da Constituição Federal, conforme Acórdãos nº 159/2004 e 560/2004, ambos do Plenário.

3. Embora não me reste dúvida quanto a esse tipo de prática afrontar o princípio da moralidade administrativa, tenho como decisão mais equilibrada a ser proposta no exame deste recurso, de modo distinto à jurisprudência anteriormente citada, aquela que privilegia não somente esse princípio — que norteou a determinação do subitem 9.3 do Acórdão 393/2004 — Segunda Câmara, principal tópico a ser aqui discutido —, mas, também, outros princípios que norteiam os julgamentos desta Casa, a exemplo do princípio da segurança jurídica.

4. Antes de desenvolver o raciocínio acima referenciado, devo distinguir a nomeação para cargo em comissão da Srª Désia Estevam de Barros e Silva (esposa do MM. Juiz Luis Carlos Cândido Martins Sotero da Silva), ocorrida em 25/11/1996, daquelas relativas aos demais servidores nominados pela Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho — Anamatra, em documentação que deu origem aos presentes autos, por meio de Representação formulada pelo Ministério Público junto ao TCU.

(…)

11. Com esteio na citada jurisprudência, reputo como ilegal o Ato SPV nº 509, por meio do qual resolveu o MM. Juiz Eurico Cruz Neto, em 25/11/1996, nomear a Srª Désia Estevam de Barros e Silva como Assessora de Juiz, com lotação no gabinete de seu esposo. Logo, não tendo sido o procedimento efetivado com observância da jurisprudência desta Casa, válida em período anterior à citada nomeação, necessário se faz que o TRT-15ª Região proceda à anulação do ato, estando preservada a percepção das contraprestações aos trabalhos já executados (em consonância com o disposto no subitem 9.3 do Acórdão 1439/2003 – Segunda Câmara).

05. Entretanto, o E. Tribunal de Contas da União entendeu que a ré e beneficiária deste ato administrativo reputado violador do princípio constitucional da “moralidade administrativa”, portanto, ilegal, por afrontar o art. 37, caput, da Constituição Federal de 1988, não precisaria devolver os valores recebidos indevidamente. Entretanto, é sabido que o E. TCU não integra o Poder Judiciário, motivo pelo qual, no particular, a liberação da devolução dos valores indevidamente recebidos não está sob o manto da coisa julgada, sendo, por isso, ainda possível o controle jurisdicional sobre a questão da devolução mencionada. Ressaltamos, porém, de maneira elogiosa, a importante decisão tomada pelo E. TCU, fazendo prevalecer a “moralidade administrativa”, em episódio lamentável para a imagem do Poder Judiciário, especialmente a Justiça do Trabalho, onde os episódios de nepotismo são assunto de ampla opinião pública.

Como foi ressaltado no referido ACÓRDÃO nº 88/2005, da 2ª Turma, do E! . TCU: “É moral e eticamente reprovável a prática de ato de nepotismo que do universo de 36 juízes daquele TRT (Campinas/SP), apenas 5 tenham indicado parente para o exercício de cargo ou função comissionada. Maior repercussão ganha o assunto quando o denunciante é a ASSOCIAÇÃO NACIONAL DOS MAGISTRADOS DA JUSTIÇA DO TRABALHO – ANAMATRA – que pelo seu papel frente à coletividade dos juízes trabalhistas empresta grande autoridade na reprovação das impropriedades relatadas” (trecho do acórdão – em anexo). Esta é razão da presente ação popular.

06. Ora, se o ato administrativo — ATO SPV nº 509, de 25.11.1996 — foi nulo porque violou regra da MORALIDADE ADMINISTRATIVA, expressa prevista na Constituição Federal de 1988 — art. 37, caput — não poderia ter surtido qualquer efeito, notadamente liberar a ré e beneficiária DÉSIA ESTEVAM BARROS E SILVA de devolver os valores indevidamente recebidos pela referido nomeação ILEGAL. Os efeitos da declaração de nulidade dos atos administrativos tem efeito retroativo — ex tunc — tanto assim que o eminente Jurista HELY LOPES MEIRELLES escreveu:

07. “Os efeitos da anulação dos atos administrativos retroagem às suas origens, invalidando as conseqüências passadas, presentes e futuras do ato anulado. E assim é porque o ato nulo (ou o inexistente) não gera direitos ou obrigações para as partes; não cria situações jurídicas definitivas; não admite convalidação” (MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro, São Paulo: RT, 1989, p. 182).

08. A única exceção que vem sendo admitida a respeito dos efeitos dos atos administrativos nulos restringe-se apenas a terceiros e desde que estejam de boa-fé. Ainda citando o Jurista Hely Lopes Meirelles: “Essa regra, porém, é de ser atenuada e excepcionada para com os terceiros de boa-fé, alcançados pelos efeitos incidentes do ato anulado, uma vez que estão amparados pela presunção de legitimidade que acompanha toda atividade da Administração Pública” (ibidem, p. 182). Acrescentando ainda o renomado Jurista: “…por exemplo, quando anulada a nomeação de funcionário, deverá ele repor os vencimentos percebidos ilegalmente, mas permanecem válidos os atos por ele praticados no desempenho de suas atribuições funcionais porque os destinatários de tais atos são terceiros em relação ao ato nulo” (ibidem).

09. No caso, a ré e beneficiária DÉSIA ESTEVAM BARROS E SILVA não é terceira e nem estava de boa-fé, motivo pelo qual não tem o menor sentido exonerá-la de devolver os valores recebidos indevidamente em prejuízo do erário público.

10. A respeito, dispõe o art. 11 da Lei Federal nº 4717/65 (Lei da Ação Popular):

11. ARTIGO 11 – A sentença que julgando procedente a ação popular decretar a invalidade do ato impugnado, CONDENARÁ AO PAGAMENTO DE PERDAS E DANOS OS RESPONSÁVEIS PELA SUA PRÁTICA E OS BENEFICIÁRIOS DELE, ressalvada a ação regressiva contra os funcionários causadores de dano, quando incorrerem em culpa. (ressaltamos)

12. Por sua vez, o responsável do ato foi o Presidente do E. TRT da 15ª Região (Campinas), na época o Juiz EURICO CRUZ NETO, por indicação do Juiz LUÍS CARLOS CÂNDIDO MARTINS SOTERO DA SILVA, marido da ré e beneficiária DÉSIA ESTEVAM BARROS E SILVA, sendo que até a presente data tal autoridade não tomou qualquer providência no sentido de os cofres públicos serem ressarcidos do prejuízo referido.

13. POR TAIS FUNDAMENTOS, através de seu advogado, o autor da presente AÇÃO POPULAR, faz os seguintes requerimentos:

14. Citação dos réus EURICO CRUZ NETO e DÉSIA ESTEVAM BARROS E SILVA para, se quiserem, contestarem os termos da presente ação, sob pena de confissão decorrente da revelia.

15. Regular tramitação, com produção de todos os meios de prova admissíveis em direito, bem como a participação indispensável do MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL.

16. Procedência da presente ação, para que seja declarado JUDICIALMENTE a nulidade do ato administrativo ATO SPV nº 509, de 25.11.1996, anulado por violação à “moralidade administrativa”, conforme já decidido administrativamente pelo E. TCU, praticado pelo então Presidente do E. TRT da 15ª Região, Juiz EURICO CRUZ NETO, nomeação que teve como beneficiária a ré e beneficiária DÉSIA ESTEVAM BARROS E SILVA, inclusive para que sejam condenados a devolver aos Cofres da UNIÃO FEDERAL o total dos valores recebidos pela já mencionada ré e beneficiária DÉSIA ESTEVAM BARROS E SILVA, devidamente corrigidos e acrescidos dos juros legais, sem prejuízo da sucumbência e honorários advocatícios.

17. Considerando ainda que o ato administrativo cuja declaração JUDICIAL de nulidade violou expresso texto de lei, requer-se seja oficiado ao MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL para apuração de eventual ato de improbidade administrativa, se for o caso.

18. Dá-se à causa o valor de R$ 1.000,00, já que os valores a serem devolvidos estão ainda indefinidos.

Termos em que, pede deferimento.

Campinas/SP, 11 de setembro de 2005

INÁCIO ALVES BARBOSA

OABSP 119.661

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