Dados da CPMF

Fazenda pode cruzar dados da CPMF de período anterior a 2001

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14 de setembro de 2005, 18h06

Dados da CPMF podem ser utilizados em procedimentos de fiscalização iniciados depois da vigência da Lei 10.174/01, mesmo que o fato gerador tenha ocorrido antes de sua entrada em vigor. O entendimento é da 2ª Turma do Superior Tribunal de Justiça. A Turma acolheu recurso da Fazenda Nacional para mudar a decisão do Tribunal Regional Federal da 4ª Região.

A Lei 10.174/01 permite a utilização das informações decorrentes do cruzamento entre os dados da CPMF e as declarações de renda para fiscalização.

No caso, Júlio Cezar de Souza Portela ajuizou Mandado de Segurança contra ato do delegado da Receita Federal em Novo Hamburgo (Rio Grande do Sul), para que a Fazenda Nacional deixasse de realizar qualquer ato com o objetivo de quebra administrativa do seu sigilo bancário.

Em primeira instância, o pedido foi negado. O TRF da 4ª Região, contudo, ao julgar o recurso do contribuinte, reformou a sentença para excluir o uso das informações obtidas pela CPMF relativas ao período anterior à vigência da Lei 10.174/01.

O relator no STJ, ministro Castro Meira, destacou que a Lei 10.174/2001 revogou o parágrafo 3º do artigo 11 da Lei 9.311/91, que instituiu a CPMF, permitindo a utilização das informações prestadas para a instauração de procedimento administrativo-fiscal que possibilitasse a cobrança de eventuais créditos referentes a outros tributos.

“Os dispositivos que autorizam a utilização de dados da CPMF pelo Fisco para apuração de eventuais créditos tributários referentes a outros tributos são normas procedimentais e por essa razão não se submetem ao princípio da irretroatividade das leis, ou seja, incidem de imediato, ainda que relativas a fato gerador ocorrido antes de sua entrada em vigor”, afirmou o ministro.

Leia a íntegra da decisão

RECURSO ESPECIAL Nº 757.956 – RS (2005/0095707-4)

RELATOR : MINISTRO CASTRO MEIRA

RECORRENTE : FAZENDA NACIONAL

PROCURADOR : JOSÉ CARLOS COSTA LOCH E OUTROS

RECORRIDO : JULIO CEZAR DE SOUZA PORTELA

ADVOGADO : JOÃO DARZONE M R JÚNIOR E OUTROS

RELATÓRIO

O EXMO. SR. MINISTRO CASTRO MEIRA (Relator): Trata-se de recurso especial interposto com fulcro no art. 105, III, alínea “a” da Constituição Federal contra acórdão prolatado pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região, nestes termos ementado:

“QUEBRA DE SIGILO BANCÁRIO PELA AUTORIDADE ADMINISTRATIVA. IRRETROATIVIDADE DA LEI 10.174/01. 1. A Segunda Turma desta Corte (AMS nº 2002.70.05.00-6523-2) e a 1ª Seção (Embargos Infringentes na AC nº 2001.70.01.003385-9) já manifestaram entendimento no sentido da irretroatividade da Lei nº 10.174/01. 2. Assim, é de ser concedida a segurança apenas para excluir o uso de informações obtidas por meio da CPMF, relativamente ao período anterior à vigência da Lei nº 10.174/01” (fl. 273).

Opostos embargos de declaração, restaram acolhidos em parte para fins de prequestionamento (fls. 282-284). A recorrente sustenta negativa de vigência aos arts. 1º a 7º e 9º da LC 105/2001, 11 e parágrafos da Lei 9.311/96, 1º da Lei 10.174/2001, 144, § 1º, 197, II do CTN, 8º da Lei 8.021/90 e 38, §§ 5º e 6º da Lei 4.595/64. Defende a tese de que é possível a utilização dos dados da CPMF anteriormente à edição da Lei nº 10.174/2001 em procedimento de fiscalização iniciado em data posterior à vigência desse diploma legal. Assevera que:

“(…)

NÃO HÁ QUE SE COGITAR DE DIREITO ADQUIRIDO, JÁ QUE A UTILIZAÇÃO DOS DADOS DA CPMF ESTÁ SE DANDO APENAS APÓS A EDIÇÃO DA NORMA” (fl. 293).

Pondera, ainda, que: “De se ver, portanto, que o acesso e a utilização dos dados da CPMF não implica, por si só, autuação do contribuinte sobre os valores por ele movimentados. Tal autuação somente ocorrerá acaso o contribuinte não logre justificar os valores movimentados, o que implicará, por certo, em omissão de receitas, passível de autuação pela Receita Federal (fl. 296).

Requer, em síntese, seja provido o recurso ou caso não se entenda prequestionada a matéria impugnada, “seja determinada a remessa dos autos ao TRF da 4ª Região para que profira outro julgamento (fl. 303).

Foram apresentadas contra-razões às fls. 326-339 em que se pugna pela manutenção do acórdão recorrido, posto que inadmissível o Fisco se utilizar de dados da CPMF para lançar outros tributos até o advento da Lei nº 10.174/2001, sob pena de violação ao princípio da irretroatividade das leis.

Admitidos os recursos especial e extraordinário no Tribunal de origem, subiram os autos a esta Corte.

É o relatório.

EMENTA

PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. DEFICIÊNCIA RECURSAL. ALEGAÇÃO GENÉRICA. SÚMULA 284/STF. UTILIZAÇÃO DE INFORMAÇÕES OBTIDAS A PARTIR DA ARRECADAÇÃO DA CPMF PARA A CONSTITUIÇÃO DE CRÉDITO REFERENTE A OUTROS TRIBUTOS. ARTIGO 6º DA LC 105/01 E 11, § 3º DA LEI Nº 9.311/96, NA REDAÇÃO DADA PELA LEI Nº 10.174/2001. NORMAS DE CARÁTER PROCEDIMENTAL. APLICAÇÃO RETROATIVA. POSSIBILIDADE. INTERPRETAÇÃO DO ARTIGO 144, § 1º DO CTN.


1. Não enseja conhecimento a pretensão recursal sem a indicação do dispositivo de lei federal tido como violado e sem a exposição dos motivos pelos quais pugna pela reforma do julgado, ante o disposto na Súmula 284 do Supremo Tribunal Federal.

2. O artigo 38 da Lei nº 4.595/64 que autorizava a quebra de sigilo bancário somente por meio de requerimento judicial foi revogado pela Lei Complementar nº 105/2001.

3. A Lei nº 9.311/96 instituiu a CPMF e no § 2º do artigo 11, determinou que as instituições financeiras responsáveis pela retenção dessa contribuição prestassem informações à Secretaria da Receita Federal, especificamente, sobre a identificação dos contribuintes e os valores globais das respectivas operações efetuadas, vedando, contudo, no seu § 3º a utilização desses dados para constituição do crédito relativo a outras contribuições ou impostos.

4. A Lei 10.174/2001 revogou o § 3º do artigo 11 da Lei nº 9.311/91, permitindo a utilização das informações prestadas para a instauração de procedimento administrativo-fiscal a fim de possibilitar a cobrança de eventuais créditos tributários referentes a outros tributos.

5. Outra alteração legislativa, dispondo sobre a possibilidade de sigilo bancário, foi veiculada pela o artigo 6º da Lei Complementar 105/2001.

6. O artigo 144 , § 1º do CTN prevê que as normas tributárias procedimentais ou formais têm aplicação imediata, ao contrário daquelas de natureza material que somente alcançariam fatos geradores ocorridos durante a sua vigência.

7. Os dispositivos que autorizam a utilização de dados da CPMF pelo Fisco para apuração de eventuais créditos tributários referentes a outros tributos são normas procedimentais e por essa razão não se submetem ao princípio da irretroatividade das leis, ou seja, incidem de imediato, ainda que relativas a fato gerador ocorrido antes de sua entrada em vigor. Precedentes.

8. Ressalvado o prazo que dispõe a Fazenda Nacional para a constituição do crédito tributário.

9. Recurso especial conhecido em parte e provido.

VOTO

O EXMO. SR. MINISTRO CASTRO MEIRA (Relator): Inicialmente, cumpre ressaltar que a pretensão recursal para que seja proferido novo julgamento, com o retorno dos autos à Instância de origem, não enseja cognição, porquanto a recorrente deixou de expor os motivos que dariam embasamento a essa pretensão, o que esbarra na Súmula 284 do Supremo Tribunal Federal.

Nesse particular, a recorrente deixou de indicar dispositivo de lei federal que tivesse sido violado pelo acórdão recorrido para lastrear o seu pedido. O recurso especial é de fundamentação vinculada, sendo necessário que a parte indique precisamente qual o dispositivo de lei federal que tivesse sido violado pelo acórdão recorrido e demonstre com clareza as razões pelas quais pugna pela reforma do julgado.

Ilustrativamente:

“AGRAVO REGIMENTAL EM AGRAVO DE INSTRUMENTO – ALEGAÇÃO DE NEGATIVA DE VIGÊNCIA DE MEDIDA PROVISÓRIA – NÃO APONTOU O ARTIGO VIOLADO – SÚMULA 284 DO STF – FALTA DE PREQUESTIONAMENTO – AUSÊNCIA DE COTEJO ANALÍTICO. A parte recorrente expôs sua irresignação em relação à negativa de vigência de Medida Provisória de forma genérica, ‘sem especificar exatamente os pontos nos quais acredita ter ela sido violada, motivo pelo qual deve ser aplicada a Súmula n. 284, do Supremo Tribunal Federal’ (REsp 249.878/ES, relatado por este Magistrado, DJ 18.02.2002).

(…)

(…)

Agravo regimental a que se nega provimento” (Segunda Turma – AgRg no Ag 568.843/PR, Rel. Min. Franciulli Netto, DJU de 20.06.05); “TRIBUTÁRIO. SAT. CORREÇÃO MONETÁRIA. TAXA SELIC. DEFICIÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO. LIMITES PERCENTUAIS À COMPENSAÇÃO. APLICABILIDADE.

1. Não pode ser conhecido o recurso especial se não houve indicação dos dispositivos legais violados e da forma como se deu a violação, (Súmula 284 do STF).

2. (…)

3. Recurso especial a que se nega provimento” (Primeira Turma – Resp 675.807/SP, Rel. Min. Teori Albino Zavascki, DJU de 06.06.05).

Quanto ao mais, verifica-se que foram preenchidos os requisitos de admissibilidade recursal, pelo que passo ao exame do mérito.

Júlio Cezar de Souza Portela impetrou mandado de segurança contra ato do Delegado da Receita Federal em Novo Hamburgo-RS, objetivando a obtenção de ordem judicial para que a impetrada se abstivesse de realizar qualquer ato tendente à quebra administrativa do seu sigilo bancário.

A sentença de primeiro grau denegou a ordem.

Entretanto, o acórdão recorrido reformou a sentença apenas para conceder a segurança a fim de excluir o uso das informações obtidas por via da CPMF relativas ao período anterior à vigência da Lei nº 10.174/2001.

A Lei 4.595/64 recepcionada com força de lei complementar pelo artigo 192 da Constituição Federal que regulamentou o Sistema Financeiro Nacional, em face da ausência de norma regulamentadora desse dispositivo, até o advento da Lei Complementar 105/2001, autorizava a quebra de sigilo bancário apenas por requerimento judicial no seu artigo 38:


“Art. 38. As instituições financeiras conservarão sigilo em suas operações ativas e passivas e serviços prestados.

§ 1º As informações e esclarecimentos ordenados pelo Poder Judiciário, prestados pelo Banco Central da República do Brasil ou pelas instituições financeiras, e a exibição de livros e documento em Juízo, se revestirão sempre do mesmo caráter sigiloso, só podendo a eles ter acesso as partes legítimas na causa, que deles não poderão servir-se para fins estranhos à mesma.

§ 2º O Banco Central da República do Brasil e as instituições financeiras públicas prestarão informações ao Poder Legislativo, podendo, havendo relevantes motivos, solicitar sejam mantidas em reserva ou sigilo.

§ 3º As Comissões Parlamentares de Inquérito, no exercício da competência constitucional e legal de ampla investigação (art. 53 da Constituição Federal e Lei nº 1.579, de 18 de março de 1952), obterão as informações que necessitarem das instituições financeiras, inclusive através do Banco Central da República do Brasil.

§ 4º Os pedidos de informações a que se referem aos §§ 2º e 3º, deste artigo, deverão ser aprovados pelo Plenário da Câmara dos Deputados ou do Senado Federal e, quando se tratar de Comissão Parlamentar de Inquérito, pela maioria absoluta de seus membros.

§ 5º Os agentes fiscais tributários do Ministério da Fazenda e dos Estados somente poderão proceder a exame de documentos, livros e registros de contas de depósitos quando houver processo instaurado e os mesmos forem considerados indispensáveis pela autoridade competente.

§ 6º O disposto no parágrafo anterior se aplica igualmente à prestação de esclarecimentos e informes pelas instituições financeiras às autoridades fiscais, devendo sempre estas e os exames serem conservados em sigilo, não podendo ser utilizados se não reservadamente.

§ 7º A quebra do sigilo de que trata este artigo constitui crime e sujeita os responsáveis à pena de reclusão, de um a quatro anos, aplicando-se, no que couber, o Código Penal e o Código de Processo Penal, sem prejuízo de outras sanções cabíveis”.

Com a criação da CPMF pela Lei nº 9.311/96, as instituições financeiras ficaram obrigadas desde a sua vigência a prestar informações à Secretaria da Receita Federal sobre os valores globais das operações financeiras dos contribuintes. Esse diploma legal vedava o uso desses dados para a constituição de créditos relativos a outras exações, conforme se depreende da leitura do artigo 11, §§ 2º e 3º:

“Art. 11. Compete à Secretaria da Receita Federal a administração da contribuição, incluídas as atividades de tributação, fiscalização e arrecadação.

(…)

§ 2° As instituições responsáveis pela retenção e pelo recolhimento da contribuição prestarão à Secretaria da Receita Federal as informações necessárias à identificação dos contribuintes e os valores globais das respectivas operações, nos termos, nas condições e nos prazos que vierem a ser estabelecidos pelo Ministro de Estado da Fazenda.

§ 3° A Secretaria da Receita Federal resguardará, na forma da legislação aplicada à matéria, o sigilo das informações prestadas, vedada sua utilização para constituição do crédito tributário relativo a outras contribuições ou impostos”.

Todavia, a Lei nº 10.174/2001 alterou o § 3º do artigo 11 da Lei nº 9.311, de 24 de outubro de 1996, para possibilitar a utilização desses dados para a instauração de procedimento administrativo-fiscal para a cobrança de créditos tributários relativos a outros tributos. Vejam-se as alterações:

“§ 3° A Secretaria da Receita Federal resguardará, na forma da legislação aplicável à matéria, o sigilo das informações prestadas, facultada sua utilização para instaurar procedimento administrativo tendente a verificar a existência de crédito tributário relativo a impostos e contribuições e para lançamento, no âmbito do procedimento fiscal, do crédito tributário porventura existente, observado o disposto no art. 42 da Lei nº 9.430, de 27 de dezembro de 1996, e alterações posteriores.”

O artigo 6º da Lei Complementar nº 105/2001 também autorizou e regulamentou o sigilo bancário da seguinte forma:

“Art. 6º As autoridades e os agentes fiscais tributários da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios somente poderão examinar documentos, livros e registros de instituições financeiras, inclusive os referentes a contas de depósitos e aplicações financeiras, quando houver processo administrativo instaurado ou procedimento fiscal em curso e tais exames sejam considerados indispensáveis pela autoridade administrativa competente”.

Nesse toar, faz-se necessário examinar os dispositivos legais à luz do artigo 144 do Código Tributário Nacional que dispõe sobre o conflito de leis no tempo. Dispõe o dispositivo:


“Art. 144. O lançamento reporta-se à data da ocorrência do fato gerador da obrigação e rege-se pela lei então vigente, ainda que posteriormente modificada ou revogada.

§ 1º Aplica-se ao lançamento a legislação que, posteriormente à ocorrência do fato gerador da obrigação, tenha instituído novos critérios de apuração ou processos de fiscalização, ampliando os poderes de investigação das autoridades administrativas, ou outorgando ao crédito maiores garantias ou privilégios, exceto, neste último caso, para o efeito de atribuir responsabilidade tributária a terceiros”.

Dessume-se, portanto, que as normas tributárias procedimentais ou formais aplicam-se de imediato ao lançamento do tributo, ainda que relativas a fato gerador ocorrido antes de sua entrada em vigor. As leis de natureza material, ou seja, aquelas que descrevem os elementos do tributo, somente alcançam fatos geradores ocorridos durante a sua vigência.

De fácil inferência que a norma que possibilitou a utilização de informações bancárias para fins de apuração e constituição do crédito tributário constitui natureza procedimental e por essa razão se aplica de imediato, alcançando fatos pretéritos.

Os dispositivos que permitem a utilização de dados da CPMF pelo Fisco para a apuração de eventuais créditos tributários relativos a outros tributos são normas procedimentais, e desse modo, não prevalece a irretroatividade das leis preconizada pelo Tribunal a quo.

Ressalve-se, ainda, que deverá ser observado o prazo da Fazenda para constituição do crédito tributário.

Nesse sentido:

“RECURSO ESPECIAL. ALÍNEA ‘A’. TRIBUTÁRIO. MANDADO DE SEGURANÇA. PRETENDIDA SUSPENSÃO DOS EFEITOS DE TERMO DE PROCEDIMENTO FISCAL. REQUERIMENTO DE INFORMAÇÕES AO CONTRIBUINTE RELATIVAS AO ANO-BASE DE 1998, A PARTIR DE DADOS INFORMADOS PELOS BANCOS À SECRETARIA DA RECEITA FEDERAL SOBRE A CPMF. PRETENDIDA COBRANÇA DE CRÉDITOS RELATIVOS A OUTROS TRIBUTOS. ARTIGO 6º DA LC 105/01 E 11, § 3º, DA LEI N. 9.311/96, NA REDAÇÃO DADA PELA LEI N. 10.174/01. NORMAS DE CARÁTER PROCEDIMENTAL. APLICAÇÃO RETROATIVA. EXEGESE DO ART. 144, § 1º, DO CTN.

À luz do que dispõe o artigo 144, § 1º, do CTN, infere-se que as normas tributárias que estabeleçam ‘novos critérios de apuração ou processos de fiscalização, ampliando os poderes de investigação das autoridades administrativas’, aplicam-se ao lançamento do tributo, mesmo que relativas a fato gerador ocorrido antes de sua entrada em vigor. Diversamente, as normas que descrevem os elementos do tributo, de natureza material, somente são aplicáveis aos fatos geradores ocorridos após o início de sua vigência (cf. ‘Código Tributário Nacional Comentado’. Vladmir Passos de Freitas (coord.). São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999. p. 566).

Nesse contexto, forçoso reconhecer que os dispositivos (arts. 6º da LC n. 105/01 e 11, § 3º, da Lei n. 9.311/96, na redação dada pela lei n. 10.174/01) que autorizam a utilização dos dados da CPMF pelo Fisco para a apuração de eventuais créditos tributários relativos a outros tributos são normas adjetivas ou meramente procedimentais, acerca das quais não prevalece a irretroatividade defendida pelo v. acórdão da Corte a quo. É de se observar, tão-somente, o prazo de que dispõe a Fazenda Nacional para constituição do crédito tributário.

‘Tanto o art. 6º da Lei Complementar 105/2001, quanto o art. 1º da Lei 10.174/2001, por ostentarem natureza de normas tributárias procedimentais, são submetidas ao regime intertemporal do art. 144, § 1º do Código Tributário Nacional, permitindo sua aplicação, utilizando-se de informações obtidas anteriormente à sua vigência’ (REsp 506.232/PR, Relator Min. Luiz Fux, DJU 16/02/2004). No mesmo sentido: REsp 479.201/SC, Relator Min. Francisco Falcão, DJU 24/05/2004. Recurso especial provido para denegar a segurança requerida” (Segunda Turma – REsp 505.493/PR, Rel. Min. Franciulli Netto, DJU de 08.11.04);

“TRIBUTÁRIO. NORMAS DE CARÁTER PROCEDIMENTAL. APLICAÇÃO INTERTEMPORAL. UTILIZAÇÃO DE INFORMAÇÕES OBTIDAS A PARTIR DA ARRECADAÇÃO DA CPMF PARA A CONSTITUIÇÃO DE CRÉDITO REFERENTE A OUTROS TRIBUTOS. RETROATIVIDADE PERMITIDA PELO ART. 144, § 1º DO CTN.

1. O resguardo de informações bancárias era regido, ao tempo dos fatos que permeiam a presente demanda (ano de 1998), pela Lei 4.595/64, reguladora do Sistema Financeiro Nacional, e que foi recepcionada pelo art. 192 da Constituição Federal com força de lei complementar, ante a ausência de norma regulamentadora desse dispositivo, até o advento da Lei Complementar 105/2001.

2. O art. 38 da Lei 4.595/64, revogado pela Lei Complementar 105/2001, previa a possibilidade de quebra do sigilo bancário apenas por decisão judicial.

3. Com o advento da Lei 9.311/96, que instituiu a CPMF, as instituições financeiras responsáveis pela retenção da referida contribuição, ficaram obrigadas a prestar à Secretaria da Receita Federal informações a respeito da identificação dos contribuintes e os valores globais das respectivas operações bancárias, sendo vedado, a teor do que preceituava o § 3º da art. 11 da mencionada lei, a utilização dessas informações para a constituição de crédito referente a outros tributos.

4. A possibilidade de quebra do sigilo bancário também foi objeto de alteração legislativa, levada a efeito pela Lei Complementar 105/2001, cujo art, 6º dispõe: “Art. 6º As autoridades e os agentes fiscais tributários da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios somente poderão examinar documentos, livros e registros de instituições financeiras, inclusive os referentes a contas de depósitos e aplicações financeiras, quando houver processo administrativo instaurado ou procedimento fiscal em curso e tais exames sejam considerados indispensáveis pela autoridade administrativa competente.”

5. A teor do que dispõe o art. 144, § 1º do Código Tributário Nacional, as leis tributárias procedimentais ou formais têm aplicação imediata, ao passo que as leis de natureza material só alcançam fatos geradores ocorridos durante a sua vigência.

6. Norma que permite a utilização de informações bancárias para fins e apuração e constituição de crédito tributário, por envergar natureza procedimental, tem aplicação imediata, alcançando mesmo fatos pretéritos.

7. A exegese do art. 144, § 1º do Código Tributário Nacional, considerada a natureza formal da norma que permite o cruzamento de dados referentes à arrecadação da CPMF para fins de constituição de crédito relativo a outros tributos, conduz à conclusão da possibilidade da aplicação dos artigos 6º da Lei Complementar 105/2001 e 1º da Lei 10.174/2001 ao ato de lançamento de tributos cujo fato gerador se verificou em exercício anterior à vigência dos citados diplomas legais, desde que a constituição do crédito em si não esteja alcançada pela decadência.

8. Inexiste direito adquirido de obstar a fiscalização de negócios tributários, máxime porque, enquanto não extinto o crédito tributário a Autoridade Fiscal tem o dever vinculativo do lançamento em correspondência ao direito de tributar da entidade estatal.

9. Recurso Especial desprovido, para manter o acórdão recorrido” (Primeira Turma – REsp 685.708/ES, Rel. Min. Luiz Fux, DJU de 20.06.05).

Desse modo, escorreita a sentença de Primeiro grau, pelo que merece ser restabelecida para denegar a segurança requerida.

Ante o exposto, conheço em parte do recurso especial e dou-lhe provimento.

É como voto.

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